O ídolo sem títulos
texto: Maurício Fonseca | ensaio fotográfico: Nana Moraes | Making off e vídeo: Daniel Perpétuo
Entre 1968 e 1989 a torcida do Botafogo teve poucas alegrias. Sem títulos para comemorar, vivia momentos esporádicos de euforia. Um deles, para muitos o maior daqueles 21 anos, foi a vitória de 3 a 1 sobre o Flamengo, pelas quartas de finais do Campeonato Brasileiro de 1981. Não pela vitória e muito menos por ter eliminado o então campeão do mundo, mas sim pela forma como o Botafogo venceu e se classificou para as semifinais da competição. Para ser mais claro, o jogo se tornou especial para o torcedor do Botafogo, por causa do terceiro gol, feito por Mendonça, já no fim do jogo. Único craque do time, o meia deu um drible espetacular em Júnior, antes de tocar com categoria na saída de Raul. O drible foi tão espetacular, que acabou batizado de “Baila Comigo”.
Quem nunca viu pode conferir no vídeo abaixo, com narração do saudoso Luciano do Valle. Tão sensacional quanto o gol de Mendonça!!! O craque recebeu cruzamento do ponta Edson dentro da área, pelo lado direito da defesa do Flamengo, matou “com nojo” a bola no peito, aplicou o “Baila Comigo” em Júnior e, na saída de Raul, tocou com a categoria dos grandes. No fim daquele ano, escalado para escolher o gol mais bonito do ano, Zico, que participara da partida, pediu perdão ao compadre Júnior e escolheu o de Mendonça. Foi realmente uma pintura. Aos 59 anos, com corpinho de 40, Mendonça ainda tem na memória aquele 18 de abril. Não é para menos. O Flamengo era talvez o melhor time do mundo, com Zico, Júnior, Leandro, Luis Pereira, Adílio, Andrade e Tita. Tentava o bicampeonato brasileiro e era favorito absoluto do confronto. Mendonça estava cansado de perder para eles.
– Foi um dos dias mais felizes da minha vida. O Maracanã estava lotado, mais de 100 mil pessoas. Não tem como esquecer. Depois do jogo, ainda no estádio, encontrei com a Sandra, minha mulher na época. Todo mundo estava falando do gol e ela, que é rubro-negra, me questionou, indignada : “Precisava disso tudo?” – recordou o ídolo, que fez ainda o primeiro gol da vitória.
Fã de carteirinha daquele time rubro-negro, Mendonça brinca com Júnior, a quem considera um dos maiores craques da sua geração.
– Acho que ele (Júnior) também nunca vai esquecer aquele dia. Tenho certeza que toda vez que deita para dormir ele pensa em mim.
Mendonça atuou pelo Botafogo entre 1975 e 1982. Como o clube nada ganhou neste período, muito torcedor não tem a dimensão do quanto jogou Mendonça. Era um meia clássico, daqueles que fazem tanta falta ao futebol brasileiro hoje em dia. Armava o time e chegava à área para concluir. Era exímio cobrador de faltas. O típico camisa 10, apesar de jogar com a 8.
Filho do ex-jogador Mendonça, zagueiro do Bangu que teve a perna quebrada por Didi, em 1951, e abandonou a carreira, Mendonça chegou ao time principal do Botafogo pelas mãos de Telê Santana. O mestre viu o garoto atuando nos juvenis e não teve dúvidas: o levou para atuar com os profissionais. Foram oito anos direito atuando no meio-campo alvinegro. Não foi campeão, mas tornou-se ídolo. Não por caso, seu retrato está ao lado de monstros sagrados como Garrincha, Nilton Santos, Didi, Jairzinho, Heleno de Freitas e muitos outros. no lindo painel pintado bem em frente à sede de General Severiano.
– Não sei porque a torcida do Botafogo gosta tanto de mim. Nunca dei um título a eles – indaga o craque.
Mendonça, a resposta é simples: além de craque, você jogava sempre com o coração, como se fosse um torcedor dentro de campo. Quem viu, não esquece. Dona Luzia, mãe da fotógrafa Nana Moraes, viu e quase teve um treco com a pegadinha da filha, que no intervalo do ensaio para o Museu da Pelada, pediu ao craque para ligar de surpresa para ela, alvinegra roxa. Há alguns meses, nas fotos com PC Caju, Nana havia feito a mesma brincadeira com a mãe. Ao saber que os batimentos cardíacos da fã disparara, o eterno galã da estrela solitária alertou: “Olha o coração!!!”.
Mas Mendonça não fez fãs apenas no Botafogo. Na verdade, ele rodou o mundo após deixar General Severiano. Jogou na Portuguesa, Palmeiras e Santos antes de ir para o Qatar. Depois perambulou por times do Brasil – Grêmio, Inter de Limeira, Ponte Preta, Inter de Santa Maria e Fortaleza até encerrar a carreira no Bangu, onde começara no dente de leite. Foram 12 anos de futebol paulista. Nenhum título. Mesmo assim deixou boas lembranças. Está no hall da fama do Santos. Marcou sua presença com o futebol elegante e seus gols de placa. Uma vez fez dois golaços de voleio pelo Palmeiras, um com cada perna. O Fantástico que elegia o gol mais bonito do fim de semana abriu uma exceção e premiou os dois, o que jamais tinha acontecido.
– Eu tinha uma jogada com o Éder, que botava a bola onde queria com a canhota. Nos escanteios, ia todo mundo para a área e eu ficava na meia lua. O passe parecia com a mão. Neste dia acertei os dois na veia – lembrou.
Além do corpo em forma, Mendonça mantém outra característica da época de jogador. Os óculos escuros. Dificilmente sai de casa sem um, que, não raras vezes, usa na testa. Também mantém o prazer de conviver com o torcedor. Adora ser reconhecido e jamais se furta a tirar uma foto ou dar um autógrafo.
– Quando vejo hoje um jogador desembarcando no aeroporto ou saindo do hotel com aqueles fones no ouvido me dá raiva. Isso afasta o torcedor, que só quer ficar perto do seu ídolo. Faz um bem danado, eles não sabem o que estão perdendo.
Não ficou rico, foi convocado para a seleção poucas vezes e não jogou na Europa. Mesmo assim, Mendonça garante que não se arrepende de nada do que fez, das decisões que tomou ao longo da carreira. Mas não perdoa o destino. Apesar de craque reconhecido e de ter atuado em diversos clubes, jamais foi campeão. Bateu na trave algumas vezes, como em 1986, quando o Palmeiras decidiu o título paulista com o Internacional de Limeira. Os dois jogos da final foram no Morumbi e ainda assim o título não veio.
– O pior foi que quando fui jogar no Inter de Limeira, na hora de assinar o contrato o presidente me mostrou uma taça enorme que tinha na sala. Ele me perguntou se eu sabia que taça era aquela. Disse que não, e ele, com um sorrisinho no canto da boca disse que era a do Paulistão de 1986. O diacho da taça era linda, enorme. Deu dó – recordou.
Mendonça leva uma vida calma em Bangu. Faz parte do time de masters do Botafogo e adora representar o clube em cidades do interior. Só não entende porque jamais o Botafogo organizou um jogo de despedida para ele.
– Queria muito ter sido campeão pelo Botafogo, mas infelizmente não foi possível. O clube bem que podia organizar um jogo de despedida para mim. Acho que mereço dar uma volta olímpica com a camisa do Botafogo ao lado dos meus amigos e dos torcedores.
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