O SALVADOR
texto: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Izabel Barreto
No coração de Adílio nunca houve espaço para mágoas. Do contrário, as madames do Leblon que escondiam as Louis Vuitton quando ele aproximava-se correndo, olhos arregalados, ouviriam poucas e boas do moleque magrelo, após atingir o status de ídolo, dono da camisa 8 da Nação Rubro-Negra. Imaginavam assalto, mas era desespero do fominha para não perder os treinos do Flamengo. Saía em disparada da Cruzada São Sebastião, no Leblon, em direção à Gávea com seu parceirinho, o entortador Júlio César. Quem os via escalando o muro do clube também imaginavam assalto. Driblavam os seguranças da mesma forma que esquivavam-se de meios-fios, bancos de praça, tocos de árvores e, mais tarde, de vascaínos, botafoguenses, tricolores, atleticanos e quem mais surgisse pela frente. Driblar e escalar foram verbos que acompanharam Adílio, ombro a ombro, em sua vitoriosa trajetória.
– Nunca joguei por outro clube. Sou Flamengo desde o útero! – diz, buscando um orgulho das profundezas do peito.
E esse amor, raríssimo nos dias de hoje, não cessou nem após o fantasma da aposentadoria. O momento de pendurar as chuteiras dói, principalmente para jogadores acostumados a dias de glória, estádios lotados, torcedores gritando os seus nomes. Em muitos casos, é um mergulho no abismo da tristeza e depressão. Como ficar longe da Gávea e do Maracanã? O “neguinho bom de bola”, como o locutor Waldir Amaral costumava chamá-lo, encontrou a solução.
– Assumi o time de máster! – revela o meia-direita, que chegou a passar para Psicologia, na PUC.
O futebol venceu, mas o espírito conciliador, paciência para ouvir e o perfil conselheiro são marcas registradas, intactas. Adílio é o presidente do máster do Mengão. O vice? Júlio César Uri Geller, o amigo inseparável. E com Julinho precisou usar muita psicologia para convencê-lo a voltar aos campos. Quando os dois pararam de jogar, os caminhos desencontraram-se. Adílio tentou carreira como treinador e o ponta-esquerda endiabrado abriu uma loja de canos de descarga. Alguns anos se passaram e quis o destino que chegasse nas mãos de Adílio um cartão da oficina do amigo. Pura coincidência! E justamente no período em que Adílio estava determinado a montar o máster. Não pensou duas vezes e chegou de surpresa.
– Não via o Julinho há tempos e foi emocionante quando ele topou – recorda.
E assim, na base do cata-cata, o máster do Flamengo foi montado e tornou-se o mais bem administrado time de veteranos do Brasil. São convites e viagens de Norte a Sul. Recentemente estiveram na Amazônia e receberam, no CFZ, o Amigos Bol, time de empresários de Brasília. E quem não gostaria de jogar com Adílio, Uri Geller, Andrade, Delacir, Marquinhos, Piá, Beto, Nélio, Delacir, Leandro Ávila, Jorginho, Renato Carioca, Edson e Cláudio Adão? Zico quando está no Brasil também prestigia. A contratação do goleiro País é mais uma demonstração da grandeza de Brown, apelido entre os amigos. Mesmo tendo brilhado no América, Adílio soube que País andava tristinho, recluso, e foi atrás dele. Hoje País é titular absoluto, na vaga do saudoso Zé Carlos e treinado por Ubirajara Moura.
– O Adílio é o pai de todos – resume País.
Os veteranos recebem, em média R$$$ mil por partida e a contratação do time para eventos sai por R$$$, fora do Rio. Para saber o preço, negociações, desconto, chorinho, só ligando para o Adílio, artilheiro das decisões. Ué, mas essa não é o Nunes? Também!!!! Adílio fez gol em oito finais, Mundial de Clubes contra o Liverpool, Carioca de 81, 2 x 1 contra o Vasco, Taça GB, 1 x 0 Vasco, Taça Rio 83, 1 x 0 Bangu, Brasileiro 83, 3 x 0 Santos, Taça GB 84, 1 x0 Flu e Taça Rio 85, 1 x 0 Bangu. Monstro!!!!!
– Antes de morrer minha mãe falou que eu tinha uma missão a cumprir. Deve ter sido essa – comentou, olhos brilhando.
Mas a missão prossegue no máster, onde joga, apita, treina, faz chover! Contra o Amigos Bol, apitou. Mais uma goleada! Revelou que o melhor do gol é o abraço porque aglutina, embola, mistura. Fim de jogo! O fotógrafo Marcelo Tabach, do Museu da Pelada, aproximou-se do astro. Haviam combinado uns cliques após a partida. Ousado, sugeriu que o craque se deitasse, estilo conchinha, no gramado do CFZ, 40 graus. Adílio riu, maroto. Não negou, mas quis entender a razão. Fotógrafos viajam, ele sabe bem. Mas aprendeu com o tempo que os resultados dessas viagens sempre valeram a pena. “É a posição fetal, Flamengo desde o útero!”. Descalço, uniforme vermelho e preto cobrindo o corpo, não pensou duas vezes e, uma vez Flamengo, sempre Flamengo, deitou-se enroscado no tapete verde.