SHOW DO APOLINHO
entrevista | Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Perpétuo
“Não adianta ser o melhor aluno da turma, narrar futebol é dom, igual a cantor”. A frase só poderia ser de um radialista premiadíssimo, com mais de meio século de experiência, 11 Copas do Mundo no currículo, muitos bordões inventados e inúmeras narrações históricas. Estamos falando, é claro, de Washington Rodrigues, o Apolinho! O ex-treinador do Flamengo recebeu a equipe do Museu da Pelada em seu belo condomínio, no Recreio dos Bandeirantes, para uma resenha fenomenal e relembrou sua vitoriosa trajetória no esporte.
Com direito a biscoito amanteigado e suco, o papo só começou após Apolinho beber uma mistureba milagrosa para a garganta, servida por Dona Regina. O segredo da voz reúne gengibre, limão, cenoura e mel.
– É mágico, mas é ruim pra diabo! – reclamou o radialista após virar a bebida e fazer cara feia.
Embora o talento para a profissão seja indiscutível, o que muitos não sabem é que o início na rádio foi totalmente por acaso. Quando se recuperava de uma lesão na perna, que o impedia de agarrar pelo Raio de Sol, num torneio de futebol de salão, recebeu o convite da Rádio Guanabara para ensinar as regras do esporte e fazer uma espécie de consultoria.
Após aproximar a rádio dos jogadores e dirigentes do futsal, o talento e o carisma logo chamaram a atenção e Apolinho foi convidado para fazer parte do programa “Beque Parado”.
– A rádio tinha uma baita equipe de futebol: João Saldanha, Jorge Curi, Mário Vianna…
Se já não fosse o bastante, o acaso apareceu novamente na vida de Washington. Depois de uma briga entre Mário Vianna e Bermuda, o diretor da rádio decidiu suspender os dois por 15 dias e pediu para Apolinho quebrar um galho nas partidas que aconteceriam naquele período. Pego de surpresa, o craque, mais do que nunca, provou que narrar é mesmo um dom, e superou todas as expectativas.
Quando os brigões retornaram, Apolinho passou a narrar a partida dos aspirantes, sempre com muita autenticidade.
A convite de Jorge Curi, se transferiu para a Rádio Nacional, uma emissora extremamente formal, o oposto de Apolinho. No início, as gírias do radialista chocaram os ouvintes, mas o diretor Sérgio Vasconcelos fez a aposta e não se arrependeu. Não demorou muito para Apolinho cair nas graças do público.
– Na época eu também trabalhava em um banco e o diretor cobriu o salário que eu ganhava lá para que eu ficasse exclusivamente na rádio. Foi aí que me profissionalizei! – lembra.
Até então, ninguém o conhecia como Apolinho. O apelido inusitado surgiu apenas na Rádio Globo. Justamente na época em que foi convidado por Waldir Amaral, a Globo comprou poderosos equipamentos de comunicação que os astronautas utilizaram na missão Apollo 11, coordenada pela NASA. Entre esses equipamentos estava o microfone em que Washington Rodrigues soltava a voz.
– Lá vai o Washington Rodrigues com o seu “APOLINHO” – dizia Waldir Amaral, se referindo ao microfone.
De acordo com o radialista, os geraldinos achavam mais fácil pronunciar Apolinho do que Washington e, por isso, não demorou muito para o apelido pegar.
Um dos momentos mais marcantes da sua carreira ocorreu em 1970, quando fez sua primeira viagem internacional e viu de perto Carlos Alberto Torres levantar a taça do tri. Segundo ele, só a vitória do Flamengo contra o Liverpool, em 81, foi mais emocionante na sua carreira.
A paixão pelo Flamengo, aliás, é um fato que Apolinho não faz nenhuma questão de esconder e, mesmo assim, todas as torcidas o respeitam.
– Sou Flamengo pra caralho! Todos sabem! Se eu disser que não tenho time, tudo que eu disser depois o torcedor vai ter o direito de achar que é mentira!
Apolinho é tão rubro-negro que, em 1995, ano do centenário do clube, largou o rádio para assumir a equipe em um momento extremamente conturbado. Grande amigo de Kléber Leite, o radialista tinha o costume de se reunir com o dirigente para dar dicas e, em uma dessas reuniões, no restaurante Antiquarius, foi pego de surpresa.
– Eu ia sugerir o nome do Telê Santana quando ele me convidou pra assumir o time! Jamais poderia imaginar!
Sem entender muito de táticas, como ele mesmo admite, se cercou de profissionais de primeira linha na comissão técnica e se preocupou mais em gerenciar vaidades e conflitos para ter o grupo em sua mão.
– Eu dizia, por exemplo, que se alguém saísse na porrada todos teriam que entrar na briga e eu seria o primeiro! – fato que realmente aconteceu quando Edmundo se envolveu numa briga contra um defensor do Vélez Sarsfield.
O curioso é que Apolinho é padrinho de Vanderlei Luxemburgo, que brigara alguns meses antes com Romário, estrela do Flamengo. Após tomar as dores do treinador, o radialista quase saiu na mão com o atacante e ainda não havia resolvido a situação até assumir o clube carioca. Na entrevista coletiva de apresentação, o treinador fez questão que Romário estivesse presente, pois sabia que algum jornalista perguntaria sobre o assunto.
– Assim que fizeram a pergunta eu falei: ‘Romário, ou você me dá um abraço ou a gente sai na porrada agora’. Lógico que ele me deu um abraço!
Outra curiosidade é que o treinador inovou ao colocar uma televisão ao lado do banco de reservas para assistir aos jogos, graças aos amigos da SporTV. De acordo com ele, que sempre analisava a parte do alto das cabines de rádio, do campo era impossível ter a visão do conjunto.
Embora tenha sido vice-campeão da Copa dos Campeões com o Flamengo, retornou para a Rádio Globo e ficou até 1998, quando recebeu outro convite para trabalhar no clube, dessa vez como dirigente. Deixou o cargo em 1999 para trabalhar na Rádio Tupi, onde permanece até hoje, com o programa “Show do Apolinho”, que vai ao ar de segunda a sexta, das 17h às 19h.
Quando o papo chegava ao fim, exclusivamente por conta dos outros compromissos da equipe do Museu, Apolinho fez questão de mostrar a “Gaiola das Loucas”, o campo de futebol da sua casa.
– Sou peladeiro nato! O campinho é todo fechado, são três pra cada lado, tranca com o cadeado, joga a chave do lado de fora e a porrada come! – comentou para a gargalhada de todos!