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O ZICO ALVINEGRO

por Marcos Vinicius Cabral


Ilustração: Dan

O Botafogo faria seu coração bater mais forte, quando júnior do Bangu, não quis seguir os passos do pai – que foi na década de 1950 um bom e temido zagueiro da equipe alvirrubra ao estilo “bola pro mato que o jogo é de campeonato”- de quem herdara apenas o nome.

Nem pudera, pois Milton da Cunha Mendonça era técnico demais para ser defensor, estabelecendo assim limites éticos, teóricos e comportamentais, milimetricamente calculados em jogadas, dribles, gols, lançamentos e batidas na bola.

Não era, definitivamente e sem sombra de dúvidas, um Antoine Lavoisier (1743-1794), químico francês e criador da teoria de conservação da matéria que disse a célebre frase “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

Mas Deus criou Mendonça, um talento descoberto por Telê Santana ainda nos juvenis que não se perdeu nos descaminhos da carreira e se transformou em craque.

E que craque, convenhamos!

No Botafogo, clube de uma estrela no peito e várias em campo, foi naquele setembro de 1977, início da primavera, um dos que ajudaram a construir a impressionante invencibilidade de 52 jogos, permanecendo até o fim do inverno, em julho do ano seguinte.

O Glorioso é, quiçá, o único clube no mundo que mais tempo ficou sem perder, superando os 26 jogos do Palmeiras de Ademir da Guia em 1972/73, os 35 jogos do Santa Cruz em 1977/78, e os 24 do Internacional de Falcão em 1978/79.

Grande, ou melhor, gigantesco feito.

Enquanto o gol, explosão máxima no futebol, foi presenciado pela massa alvinegra, Mendonça fez história 116 vezes.

É o 14° artilheiro da história do clube, fundado pelo remador Luiz Caldas, conhecido como Almirante, com média de 0,34 por jogo.

Não há como negar, por exemplo, sua elegância nas 340 partidas disputadas e sua importância no arquivamento do inconsciente do torcedor, com sua tradicional chuteira Adidas e camisa fora do calção.

Mais um feito a ser aplaudido de pé.

Não conquistou nenhum título na carreira, é verdade, mas um gol marcado, representou mais que isso.

E ele ocorreu nas quartas de final do Campeonato Brasileiro de 1981, contra o poderoso Flamengo, campeão nacional um ano antes.

No lance, Mendonça deu um drible seco em Júnior e tocou na saída de Raul, decretando a vitória por 3 a 1 e a jogada ficou conhecida como “Gol Baila Comigo” (canção interpretada por Rita Lee que, à época, também dava nome a uma novela da Rede Globo).

– Acho que ele (Júnior) também nunca vai esquecer aquele dia. Tenho certeza que toda vez que deita para dormir ele pensa em mim -, disse certa vez chorando de tanto rir.

Artista da bola, numa das pernas pintava obras à lá Leonardo da Vinci (1452-1519) e na outra à lá Van Gogh (1853-1890), como na vez em que fez dois golaços de voleio pelo Palmeiras, um com cada perna.

À noite, o Fantástico que elegia o gol mais bonito do fim de semana abriu uma exceção e premiou os dois, o que jamais havia acontecido.

Mendonça era assim: quebrava paradigmas e surpreendia a todos.

Em entrevista ao Museu da Pelada, certa vez chegou a dizer:

– Não sei porque a torcida do Botafogo gosta tanto de mim. Nunca dei um título a eles -, dizia olhando para o nada buscando explicação.

Mesmo não sendo campeão em nenhum dos clubes que defendeu, tornou-se respeitado em alguns deles mas ídolo de verdade, só no clube de Marechal Hermes.

Não à toa, seu retrato está ao lado de monstros sagrados como Garrincha, Nilton Santos, Didi, Jairzinho, Heleno de Freitas, Mauro Galvão, Wilson Gottardo, Túlio e muitos outros, no painel pintado bem em frente à sede de General Severiano.

Bela homenagem que era visto à distância pelo ex-meia, de passos curtos, olhos avermelhados e pele castigada pelo tempo.

A doce voz e o fino trato às pessoas, resistiam ao corpo franzino absorvido pelo álcool, que lhe comprometeu os rins.

Internado há cerca de dois meses no Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, o camisa 8 do Botafogo nas décadas de 70 e 80 era apenas Milton da Cunha Mendonça, segundo seu prontuário médico no CTI.

Fechou os olhos em definitivo e deixou um legado de genialidade no Botafogo, Portuguesa, Palmeiras, Santos, Internacional de Limeira, Bangu, Al-Sadd, São Bento, Grêmio, Internacional-SM, Fortaleza, América-RN e

Barra Mansa.

Deixou, portanto, nos corações dos amigos, torcedores e familiares, um vazio em forma de saudade e o reconhecimento dos adversários:

– Mendonça, meu camarada, você lutou como poucos pela vida. Que tenha uma passagem iluminada, como foi na sua carreira. Ter sido driblado por um craque como você, pra mim, não foi nenhum demérito. Muita luz! -, escreveu Júnior em sua rede social.

ZICO E EU, PARTE 2

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 2002, escrevi um artigo no Jornal do Brasil, analisando o calendário quadrienal do futebol brasileiro, que havia sido lançado. 

Tive a honra de, em uma página inteira do JB, ter a metade superior da página preenchida com um artigo do Zico e a metade inferior da página preenchida pelo meu artigo. 

Em 2003, a Instituição de Ensino Superior que eu lecionava fechou um convênio com o Centro de Futebol Zico (CFZ) para ministrar cursos de pós graduação. 

No evento de lançamento da parceria, no CFZ, lá estava eu. 

O Zico falou, o representante da Instituição de Ensino Superior que eu lecionava falou, houve uma confraternização. 

Ao final do evento, esperei o momento em que o Zico ficou sozinho. Abordei-o. 

– Zico, desculpe incomodar, mas posso falar com você rapidinho?

Ele respondeu: 

– Pois não.

Saquei do bolso a página recortada do JB com nossos artigos e indaguei: 

– Você lembra deste artigo no JB que você publicou ano passado?

Zico respondeu: 

– Lembro sim!

Eu prossegui: 

– O teu artigo é o da parte de cima, o de baixo é meu. Dá um autógrafo na página?

Zico sorriu e assinou. 

Em seguida, me perguntou: 

– Você é professor, vai dar aula na parceria?

Respondi: 

– Sim, sou professor, leciono algumas disciplinas relacionadas à gestão de organizações

Zico disse: 

– Vamos marcar um jogo entre o pessoal aqui do CFZ e os professores.

E, sacana, emendou: 

– Nosso meio campo vai ser Andrade, Adílio, eu e Junior!

O jogo não chegou a acontecer… Ainda bem: sempre fui goleiro, iria tomar dezenas de gols!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.

ZICO E EU, PARTE 1

por Luis Filipe Chateaubriand


Apesar de não torcer pelo Flamengo, sempre reconheci no clube, na Instituição, uma importância enorme não só no futebol brasileiro, mas na sociedade brasileira. 

Neste sentido, em 1995 estive em um evento no Museu da Imagem e do Som, acompanhado de um amigo flamenguista, de comemoração do centenário do Flamengo.

Depois de alguns debates muito interessantes, inclusive com o mítico Zizinho, no início da noite chega a celebridade mais esperada, Zico. 

Um aglomerado de pessoas chega próximo ao ídolo, loucos por uma foto ou por um autógrafo. Zico, pacientemente, atende a todos, exemplo de humildade. 

Eu e meu amigo somos contemplados com um autógrafo. 

Passados alguns minutos, meu amigo havia desaparecido. Fui procurá-lo. 

Encontrei-o… chorando! 

A emoção de apertar a mão de Zico e de receber o autógrafo dele fez as lágrimas escorrerem do rosto de meu brother

O cara é meu amigo até hoje, são quase 35 anos de amizade. Não o tinha visto chorar até então. 

Só mesmo Zico – exemplo de craque, exemplo de profissional, exemplo de ser humano – para fazer as pessoas chorarem de emoção.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.

JOGADOR MORRE DUAS VEZES, NÓS VÁRIAS

por Paulo Escobar


Falcão um dia disse que jogador de futebol morre duas vezes, uma quando para de jogar e a segunda quando morre mesmo. Mas de uns anos pra cá acredito que nós, os torcedores, morremos algumas vezes.

Quantos ídolos acompanhamos desde as categorias de base, vimos suas histórias de saída das realidades de pobreza e nos encantaram nos gramados por décadas. E quantos deles no momento de pendurarem as chuteiras nos fizeram perder o chão?

Somos tão envolvidos com o sentimento que o futebol gera em nós, que não percebemos o tempo passar e quando olhamos se passaram os anos. E com este passar do tempo os nossos ídolos viraram senhores, que a idade lhes gerou as marcas também e os leva ao final de suas carreiras, pelo corpo já não aguentar aquilo que é exigido pelo futebol.


Eu era criança quando Zico se despediu do futebol aqui no Brasil, que depois continuou por mais quatro anos no Japão, naquele jogo Flamengo e seleção do Mundo. Maracanã lotado naquele 1990, que ainda existia a geral, totalmente estrumbado pra ver o adeus do Galinho.

Me senti vazio depois daquele jogo festivo, como se a partir daquele momento faltaria a magia, me emocionei. Pensei o que seria do futebol sem Zico, seria voltar a ver o Flamengo e procurar o camisa dez no meio de campo e não encontrá-lo.

Com o passar do tempo voltamos a viver de novo, aprendemos a conviver com a dor da primeira morte do ídolo, e criamos novos ídolos. No nosso altar interno outros se somam e passamos a viver tudo de novo.


Depois, na Bombonera, tive outra morte quando Diego se despediu naquilo que foi mais que um jogo, foi um verdadeiro ritual. Maradona que me fez vibrar e sonhar, pendurava as chuteiras, um tango se encerrava e ali voltei a ter os mesmos sentimentos de vazio, pensando o que viria depois de Diego.

Quando Roman e Marcelo Salas pararam tive a mesma sensação de tristeza, não os veria mais nos gramados e muitas vezes assisti aos jogos e os procurei me esquecendo que já não estavam mais nos gramados. 

Perdi as contas de quantas vezes chorei com a despedida de um ídolo, de quantas vezes estive de luto pela primeira morte deles. E suspeito que ainda morrerei outras vezes, suspeito que me iludirei de novo achando que eles nunca deixarão de jogar, até ter que enfrentar a realidade de que eles irão parar.

Morri junto também com Gamarra, Djalminha, Zamorano, Rincón, Alex, Gaúcho e com tantos outros que levaram um pedaço de mim. Procurei muitos deles no gramado depois que pararam e a cada dia que o futebol se moderniza, sinto mais a falta deles.

Os anos passam e sentimos as dores da idade dentro e fora dos campos, sei que ainda veremos muita coisa, mas uma delas é certa: que se jogador morre duas vezes, nós morremos e morreremos muitas ainda.

ZICO, SONHO E ANIVERSÁRIO

por Rubens Lemos


Maracanã das antigas, Maracanã das gerais. Maracanã dos humildes. Maracanã de Waldir Amaral narrando o jogo e João Saldanha nos comentários, Maracanã abocanhando desdentados aos milhares no formigueiro humano a desembocar dos trens da Central do Brasil. Maracanã, 180 mil pagantes. São 200 mil almas, incluída a comitiva de penetras penados.

É jogo de minha melhor seleção brasileira de todos os tempos contra um timaço estrangeiro, também escalado por mim, ao meu critério, do jeito que eu quero, afinal (ainda) tenho direitos. O direito de sonhar não me custa um centavo e é a mola da minha sustentação no dia 3 de março, 66º aniversário do melhor jogador que assisti ao vivo, Zico, meu Pelé consentido.

A partida vai começar e é atemporal. É uma comemoração onde se despreza o tempo. Relógios não entram e cada jogador está na idade de sua sagração, no auge de sua melhor criatividade e forma, todos estão perfeitos em homenagem a Zico.


O Brasil do técnico Rubens Lemos Filho vem com Taffarel; Djalma Santos, Carlos Alberto Torres (é o capitão), Orlando Peçanha e Nilton Santos; Gerson e Didi; Garrincha, Pelé, Zico e Romário. Nenhum volante, ninguém sem intimidade sensual com a bola. Marcação e pegada ficaram para os idiotas do 0x0 como mantra.

Do exterior, Yashin (Rússia), no gol, o feroz alemão Vogts na lateral-direita, o inglês Bobby Moore ao lado do soberano kaiser Franz Beckenbauer. Na lateral-esquerda, para correr atrás de Garrincha, poderia escalar o enlouquecido Kutsnetsov, do baile de 1958. Prefiro me vingar do italiano Cabrini, titular e um dos arquitetos da vitória da Azzurra sobre nossa constelação de 1982. Paul Breitner ficará no banco.

No meio, deslumbrante, Cruijff vai girar o campo inteiro ao lado de Maradona (liberado ao pó) e do baixinho Kopa, francês inventivo e ainda hoje inconformado com o show das semifinais da Copa da Suécia, Didi liderando o massacre de 5×2. Kopa era o Didi deles.

No ataque dos visitantes, um louco maravilhoso, driblador e entornado de uísque. O irlândes George Best, astro das fintas homéricas e principal jogador da Europa de 1968. O argentino Di Stéfano começa de titular sabendo que sairá no segundo tempo para o português Eusébio, a Pantera Negra. O húngaro Puskas, o Major Galopante, está na esquerda.


Para apitar o confronto, escalo, em distinção ao Rio Grande do Norte, o lendário Luiz Meireles, o “Cobra Preta”, senhoria de autoridade nas refregas empoeiradas do velho Juvenal Lamartine. Cobra Preta terá tradutor simultâneo na voz do locutor Zé Ary, da TVE potiguar, para saber o que os gringos estarão dizendo uns aos outros.

João Saldanha reclama a ausência de um protetor para o meio. Está enfurecido na cabine da Rádio Globo e me chama de irresponsável. “Com Zito ou Clodoaldo, mesmo o Piazza, esse time jogaria mais solto, imagina o Kopa liberado e o Maradona partindo para cima de Carlos Alberto.”

Cobra Preta convoca os capitães e o Brasil atacará para o gol do lado direito de quem via pela televisão. O Ex-Maracanã foi assassinado e o circo de arena posto em seu lugar, destroçado.

Carlos Alberto (usando cabelo curto, como em 1970), cumprimenta Beckenbauer, entrega-lhe uma flâmula, recebe outra. O Brasil joga de uniforme sem marca, sem patrocínio e calções de cadarço, em homenagem a Gerson, a quem é dado o direito de fumar, quando quiser, durante os 90 minutos ou enquanto durar o devaneio.

O primeiro ataque é estrangeiro. Cruijff gira sobre a bola, deixa-a sozinha e escapa, atraindo Didi. Maradona domina e lança Di Stéfano. Carlos Alberto toma-lhe na categoria e entrega a Gerson que imediatamente vê Pelé em diagonal, vislumbrando Garrincha. Sai o lançamento imediato e Mané puxa Cabrini para perto da massa geraldina.

Primeiro drible. Cabrini senta. Segunda finta, Cabrini deita, terceiro toque é uma caneta. Mané balança para a esquerda e sai pela direita. Cruza, Pelé mata no peito. A bola gruda e desce redonda como as cervejas lavando peritônios pelos bares populares.

O Imponderável Crioulo ameaça o chute e engana Bobby Moore no balanço do tórax. Dialoga com Romário (só em sonho), recebe de volta e vê Zico passando livre e perseguido por um atônito Vogts. Pelé acha o Galinho que toca de leve, por cima do boné de Yashin.

Comemora abraçado a Pelé e Romário. Garrincha põe a mão na cintura e balança a cabeça, em menosprezo ao sistema defensivo adversário. Diria, depois, que o Madureira daria muito mais trabalho. Com 1×0, o Brasil não descansa.

Didi recua. Faz lançamentos longos. O Príncipe Etíope de Rancho procura Di Stéfano, que o boicotara no Real Madrid para a vingança jamais consumada na vida real. Toca a bola entre as pernas do Hermano antipático e aplica-lhe um cavalheiresco drible da vaca. O povo explode e o presidente, que é Juscelino Kubitscheck, faz saudações emocionadas, naquele sorriso oriental.

Eusébio substitui Di Stéfano e Zidane ocupa o lugar do compatriota Kopa. Best é anulado por Nilton Santos e é trocado pelo alemão Littbarski, da geração de 1982, também posto no bolso imaginário da Enciclopédia do Futebol.

Eusébio e Puskas tabelam e o canhoto da Máquina Magiar de 1954, injustamente vice-campeã, desfere o bólido, no ângulo de Taffarel. O Maracanã – o velho Maracanã – silencia no 1×1, traumatizado pela virada uruguaia em 1950.

Sou vaiado quando ponho Barbosa, o goleiro negro humilhado pelo gol de Ghighia em lugar de Taffarel. Eusébio recebe de Maradona e devolve. Maradona passa por Djalma Santos e corta Carlos Alberto e Orlando Peçanha. Chuta da marca do pênalti. Barbosa encaixa, sem rebote e arremessa ao contra-ataque.


Depois de tragar seu sexto cigarro, Gerson enfia no capricho para Romário ziguezaguear entre Vogts, Beckenbauer e Cabrini. Derrubado. Pênalti. São 44 minutos. Pelé entrega a bola a Zico. “É tua Galo. É pelo aniversário e pelo jogo contra a França em 1986”.

Yashin cresce à frente de Zico, que veste a 9 porque a 10 é do Rei. Zico põe na marca frontal, toma distância e bate no canto direito, efeito, goleiro fora da foto. Vitória de Zico, 2×1. Em sonho, direito indestrutível de quem ama o futebol bailarino.