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O GALINHO DE QUINTINO

por Serginho 5Bocas


Hoje vou escrever sobre o ídolo da minha vida. O cara que me fez virar Flamengo, isso mesmo, meu saudoso pai, seu Domingos, me uniformizava de Fluminense e eu pensava ser tricolor, mas aquilo era puro amor, coisa de pai para filho e de filho para pai.

Mas ai veio a final do Carioca de 1977 e apesar da derrota nos pênaltis para o Vasco, virei fã do Galinho e nascia mais um coração Flamenguista por tabela. Meu pai, educado, inteligente e com muito bom senso, soube entender os apelos de um garoto dominado pelo imenso talento de um gênio do futebol e de uma torcida magnética e vibrante, não poderia realmente fazer nada para conter, já havia sangue rubro-negro correndo nas veias.

Voltando ao Rei Artur, vou me esforçar para não virar lugar comum e então vou tentar falar de Zico sem ser igual ao que já foi dito e pra isso escolhi duas vertentes: na primeira parte falo do desprezo e pouco caso que sofreu dentro do Brasil e, na parte final, sobre sua sina ou quem sabe falta de sorte com a camisa da seleção do Brasil.

Zico entrou na seleção tarde para os padrões de gênios, só debutou pela seleção canarinho em 1976, prestes a completar 23 anos. Talvez a concorrência fosse enorme, pois ainda vivíamos a época de ouro do futebol brasileiro. Há bem pouco tempo havíamos nos sagrados tricampeões do mundo no México sob a batuta de Pelé e ainda jogavam várias feras daquela época, sem contar os novos talentos trazidos por sucessivas “fornadas” de uma renovação constante de talentos do futebol brasileiro. Enfim, o caminho era difícil.

Apesar de ter sido considerado, pela revista PLACAR em 1974, o melhor jogador do Campeonato Brasileiro daquele ano, seus críticos chamavam Zico de craque de laboratório, um insulto, uma alcunha maldosa, por ele ter ganho massa muscular através de um trabalho de reforço muscular, inédito para os padrões da época. A ideia era ganhar corpo rapidamente para poder enfrentar os zagueiros que eram muito maiores. Mas na mente dos desafetos, plantavam a falsa história de que era uma forma desonesta de melhorar rendimento, como se fosse um doping. A ignorância era monstruosa, bem como covarde em relação a Zico, jogador do Rio de Janeiro e do Flamengo, um clube de massa mesmo antes de vencer tudo que venceu.


Outros o chamavam de craque de Maracanã, pois diziam que ele só jogava bem no maior estádio do mundo, que era medroso e pipoqueiro e que ao sair do seu galinheiro, o maior do mundo, tremia e não rendia o mesmo futebol, como se ser o rei do Maracanã fosse uma ofensa para alguém. Só mesmo de cabeças mesquinhas poderia brotar uma ideia nesse nível e tudo era obstáculo a ser superado.

Para se ter uma ideia das barbaridades que Zico sofria por conta de um bairrismo arraigado, certa vez em 1979, a seleção brasileira enfrentava o Ajax da Holanda em São Paulo e Zico fez um gol que o placar eletrônico não registrou, “congelando” o placar da partida no número anterior, só voltando a atualizar, um bom tempo depois.

No inicio de 1983, logo após o tri brasileiro do Flamengo sobre o Santos no Maracanã, foi anunciada a sua venda para a Udinese. Pelé não hesitou em dizer que ele não daria certo na Itália, num misto de ignorância, arrogância e falta de respeito com um grande craque e colega de profissão. O tempo mais uma vez se encarregou de contradizer o Rei do futebol e Zico mais uma vez teve que matar um leão para se impor.

Nada disso foi suficiente para desconstruir o Galinho, muito pelo contrário, ele sempre soube separar o joio do trigo e a não guardar rancor dessa parte podre da imprensa e da torcida contra. Zico deixou o tempo se encarregar de mostrar aos críticos que estavam errados.

Zico também teve sérios problemas quando se tratava de jogar pela seleção Brasileira. Apesar de ter jogado 93 partidas e marcado 68 gols (média de 0,73), de ter feito 11 gols em eliminatórias, de ter feito 5 gols em uma partida (amistosa) e de ter no currículo apenas 4 derrotas com a camisa canarinho, sendo apenas uma em tempo regulamentar de Copas do Mundo, Zico até hoje é visto por muita gente no Brasil, como um perdedor e um cara que não jogava bem com a amarelinha. Brincadeira, né? 

Ele já começou com uma grande decepção pela seleção do BRASIL, ao ser cortado do grupo que iria a Olimpíada de 1972 em Munique, tendo em vista que ele ajudou a classificar o País, marcando o gol da classificação contra a Argentina. Foi um duro golpe aplicado pelo treinador Afonsinho e por forças ocultas.


Depois em 1978, chegou na Copa como uma grande esperança e logo de cara, no jogo de estreia, apesar do Brasil ter jogado uma partida fraca, ele fez um gol de cabeça no último minuto do jogo, após escorar um escanteio batido por Nelinho, mas o juiz anulou dizendo que encerrou a partida antes da bola entrar. No videoteipe, no entanto, é possível ver que ele não apitou o final da partida com a bola no alto, somente depois que viu a bola entrar é que indicou o final da partida. Mais uma vez o Galinho dava prosseguimento a sua sina.

Depois de ser barrado do time titular por pressão dos militares no terceiro jogo contra a Áustria, Zico foi voltando aos poucos ao time e já primeiro jogo da segunda fase contra o Peru, entrou no segundo tempo e marcou um gol de pênalti. No jogo seguinte, contra a Argentina, entrou bem novamente no segundo tempo, deu um passe maravilhoso para Roberto marcar, mas não aconteceu porque Fillol impediu com ótima defesa. Na terceira partida, contra a Polônia, em que ele já tinha recuperado a vaga de titular, com 2 minutos de jogo, foi cruzar uma bola na linha de fundo e abafado por Boniek, sofreu uma distensão muscular que o tirou da Copa e dos campos por um bom tempo.

Importante abrir um capitulo nesta Copa de vários equívocos, pois deixamos no Brasil Falcão, Paulo Cézar Caju, Marinho Bruxa, Carpegiani, Júnior, entre outros. Além disso, Rivelino, o nosso camisa 10, se machucou no inicio da competição e foi uma tremenda baixa, que impôs muita pressão nos ombros de uma geração nova que vinha pedindo passagem, mas que nunca tinham jogado um mundial: Zico, Cerezo, Edinho, Reinaldo, Oscar, Amaral, Jorge Mendonça, Batista, Roberto e Gil. Tudo marinheiro de primeira viagem que tiveram de resolver a parada sozinhos, sem um apoio dos mais experientes para uma leve transição, como deveria acontecer.

Depois veio a Copa América de 1979, única que ele jogou, e que estava “voando” baixo e decidindo os jogos, até sofrer nova distensão que o afastou das partidas decisivas contra o Paraguai. Sua ausência foi muito sentida e o Brasil perdeu o título.

Em 1982 na Copa da Espanha, quando finalmente Zico fazia uma grande Copa, perdeu para a Itália, num dos jogos mais dramáticos de todas as Copas, a chance de sua vida. Apesar de ter saído aplaudido e lembrado até hoje no mundo todo, a falta deste título é muito sentida por todos. Zico fez 4 gols e deu outras 4 assistências em 5 jogos, tendo participado de mais da metade dos 15 gols da equipe.

Em 1985, Zico sofre a pior contusão de sua vida por conta de uma entrada covarde e seus planos para a Copa de 1986 vão por água abaixo. Zico chega ao México sem as condições físicas ideais e ainda com muita dor em virtude do ligamento do joelho em frangalhos. Vai entrando no time aos poucos e no jogo contra a França ele perde o pênalti que marcaria definitivamente sua carreira. O Brasil ainda perdeu inúmeras chances de matar o jogo na prorrogação e foi vendo a vitória escorrer pelas mãos ou pés, até culminar com a derrota na disputa de pênaltis.


Ali todos já sentiam que a derrota se aproximava, pela velha máxima “que quem não faz leva” e levamos. Levamos uma ducha de água fria e mais uma derrota na conta de Zico que apesar de ter convertido sua cobrança, viu sua última chance de vencer a Copa do Mundo indo para bem longe, mantendo sua terrível sina com a camisa amarelinha.

Apesar de tudo isso, Zico tem lugar de destaque no mundo do futebol, é idolatrado por idosos, homens de meia idade, jovens, adolescentes e crianças que nem viram ele jogar, foi Deus para torcida do Flamengo, ídolo na Itália e Mito no Japão. Por onde passou deixou seu rastro de qualidade, humildade, talento e profissionalismo. Virou estátua no Japão e no Brasil, mas uma coisa Zico não vai mudar, a tristeza de seus fãs por ele não ter ganho a Copa de Mundo.

Do fundo do meu coração, abriria mão de todos os títulos, glórias e alegrias que ele me proporcionou pelo Flamengo por uma Copa do Mundo para ele, só para ver seu imenso talento e grandeza ser reconhecido na totalidade e estar em seu devido lugar e tamanho na história. 

Encerro a crônica de hoje sobre o ídolo da minha vida com uma frase que adoro repetir:

“Nunca fui tão feliz antes nem depois de Zico”

MELHOR DUPLA

por Rubens Lemos 


Quem era Flamengo trazia no bolso do coração a idolatria por Zico. Quem fosse Vasco, amava Roberto Dinamite. Os irredutíveis treinadores não quiseram que os dois jogassem juntos uma Copa do Mundo inteira sequer.

Em 1978, o técnico Cláudio Coutinho começou com Reinaldo e Zico e terminou com Jorge Mendonça e Roberto. Em 1982, Telê Santana tripudiou de Roberto Dinamite, humilhou-o de forma vil  e bancou Serginho Chulapa, eleito melhor zagueiro da Copa da Espanha, pela incompetência ao atacar.

Pelé e Garrincha nunca perderam uma partida pela seleção brasileira estando em dobradinha. Zico e Roberto Dinamite também não, cara pálida. Atuaram 21 vezes com 16 vitórias e cinco empates. Os técnicos teimosos desprezavam a união da classe de Zico e do oportunismo de Roberto Dinamite. Emblemas nos 70 anos do Maracanã.

Pior: havia uma nefasta rivalidade entre a imprensa carioca com a paulista e os técnicos, Telê não foge à regra, procurava não desagradar a “crônica” de um ou de outro estádio. Zico fez dupla com Serginho Chulapa, Careca, Roberto Talismã do Sport Recife, Enéas, Neca e vamos parando por aí porque os demais representavam o subnitrato da mediocridade dos campos.

A rivalidade entre Vasco x Flamengo, Roberto Dinamite x Vasco, levava ao Ex-Maracanã públicos nunca inferiores a 100 mil pessoas. O maior entre todos, 174 mil em 1976, Flamengo 3×1. Os boys de hoje nunca verão nada semelhante, nem sombra nem sinal.

A mobilização de um Vasco x Flamengo começava uma semana antes, com nós, moleques, fazendo contorcionismos para sintonizar a Rádio Globo 1220. Zico levava uma vantagem considerável sobre Dinamite até meados dos anos 1980. Só jogava ao lado de craque. Era Andrade, Carpegiani, Adílio, Tita e os laterais-atacantes Leandro e Júnior.

O pobre Bob se acompanhava, coitado, de nulidades: Zandonaide, Amauri, Ticão, Brasinha, Toninho Vanuza, salvo exceções como Arthurzinho, Elói e Cláudio Adão. A partir da chegada de um menino baixinho e gordinho do Espírito Santo, o equilíbrio fez-se prática.

Geovani ocupava a meiúca na técnica, nos dribles, nas canetas e nos lançamentos longos à Gerson. Gerson do Tricampeonato em 1970, não esse, que é bonzinho, mas o Flamengo já quer transformar em Deus sem milagres.

Geovani conhecia o dialeto de Andrade, Adílio e do próprio Zico, impondo o dialeto do toque de bola, fazendo Roberto receber livre e fulminar goleiros. 

Vamos nós, de novo, aos números: enquanto estiveram em campo, não existiu vantagem nem para Zico nem para Roberto Dinamite na disputa dos clássicos. São doze vitórias para cada um e 17 empates. Como se duas fitas métricas se igualassem na medição de um sentimento.

O Maracanã era dividido pelos dois em tempos de paz. Antes das camisas, o caráter dos artilheiros. Zico atravessava o campo e festejava perto de sua torcida. Roberto Dinamite, a mesma coisa, dedo em riste, rumo à bandeirinha de escanteio do lado direito do gramado. 

São grandes amigos. Nunca brigaram. É notório o carinho recíproco. Zico vestiu a camisa do Vasco na despedida de Roberto Dinamite em 1993. E, do Vasco, recebeu quando parou a única placa homenageando-o pelo que representou acima de camisas.

Na seleção, se descobriam sem se ver. O posicionamento de Roberto Dinamite  mudava de acordo com os movimentos de Zico, homem encarregado de municia-lo com toques cheios de efeito, deixando zagueiros e goleiros em desespero de pandeia. Roberto Dinamite recuava para abrir espaços ao Galinho do Flamengo  entrar na área adversária costurando beques e estufando redes.

Zico e Roberto Dinamite, Roberto Dinamite e Zico, pode não ter sido para os catedráticos da mídia, a melhor dupla depois que Pelé e Tostão pararam. Problema deles. Roberto Dinamite e Zico, simetria inconsciente, vestiram a camisa amarela com leveza e raça, tão simples como uma pelada na praça.

Estraga-prazeres, os técnicos preferiam Renato Pé-Murcho e Careca, Serginho Chulapa e algum infeliz contrariado, Careca e Muller em 1986. Seria a canção derradeira de Zico e Roberto Dinamite. Zico machucado? Com Roberto, haveria a solidariedade malandra, do jogo pelos atalhos, de armadilha, da Tróia infalível contra os franceses que nos eliminaram. 

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZICO


Todos buscavam algo, além da Lagoa na época pré-túnel Rebouças, com poucas casas às suas margens, onde se podia ouvir o galope dos cavalos que montados por amazonas e cavaleiros da Sociedade Hípica Brasileira, cavalgavam pelo matagal que se estendia da Curva do Calombo até a finada favela da Praia do Pinto.

Em frente ao Estádio de Remo, dominando tudo a sua volta com seu monumental lance de arquibancadas, a imponente sede do Flamengo abria os braços querendo abraçar aquele menino loirinho, magrinho, ainda pequeno para seus 14 anos.

Pela primeira vez na vida saía de Quintino, zona norte do Rio de Janeiro, para colocar os seus pés sagrados no não menos sagrado chão da Gávea.

Naquela quinta-feira, 28 de setembro de 1967, trazido pela mão pelo radialista Celso Garcia, Zico – apelido dado pela falecida prima Ermelinda – treinou pela primeira vez no Flamengo.

No entanto, antes de mostrar seu talento em campo, Zico precisou que Celso Garcia, convencesse Modesto Bria, treinador do juvenil do Flamengo e imortal craque do primeiro tricampeonato em 1942/43/44, a lhe dar uma chance.

“O que me movia era a coisa de Flamengo, de entrar para o meu clube de coração, que era o que eu mais desejava. Mas o primeiro momento foi de decepção, pois a escolinha tinha duas categorias, e apareci no dia do treino dos garotos mais velhos. O Bria não queria me aproveitar. Assim mesmo, o Celso criou toda uma situação, para não desperdiçar a nossa viagem, e acabei entrando. Não foi nada demais, só deu pra fazer umas gracinhas, aquela não era a minha praia. Eu realmente fiquei assustado quando cheguei à Gávea, naquele primeiro dia; os caras eram bem maiores do que eu. O fato é que me mandaram voltar no dia seguinte, uma sexta-feira, para me apresentar para a partida de domingo, contra o Everest. Eu me apresentei aos responsáveis pelo meu núcleo, o Célio de Souza e o José Nogueira. Joguei e fiz dois gols na vitória de 4 a 3. Mas não me lembro de quase nada. Só quando pego alguma foto da época. De qualquer jeito, foi ali que o meu sonho começou a se tornar realidade. Eu tinha sido aceito na escolinha do Flamengo”, disse a Roberto Assaf e Roger Garcia, autores de sua autobiografia, ‘Zico 50 Anos de Futebol’.

Se o Natal rubro-negro é 3 de março, podemos afirmar indiscutivelmente que o Ano Novo é 28 de setembro, data em que mostrou todo o seu futebol de um menino que viria, anos mais tarde, ser o maior ídolo do clube.  

Porém, antes de sê-lo e obter tamanho êxito, cresceu dezessete centímetros chegando a 1,72 metro, ganhou vinte e nove quilos encorporando para  66 em massa muscular e sendo preparado pelo médicos do clube para receber entradas duras e desleiais de seus marcadores, como a de Márcio Nunes, naquela noite infeliz de agosto de 1985, pelo Campeonato Carioca.

Recentemente, viveu confinado em sua casa onde esteve há mais de cem dias, o ‘White Pelé’ (Pelé branco) como o Galinho de Quintino é conhecido no exterior, e aceitou conversar com o Museu da Pelada para fazer parte da série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

De onde vem o apelido Galinho?


Vem do Valdir Amaral, radialista da Rádio Globo. Quando estreei, estava jogando de centroavante, corria bem e lutava muito e como era cabeludo, recebi esse apelido de Galinho, e lógico,  Quintino, por ser do bairro onde eu morava e fui criado. Então, pegou e hoje todo mundo me chama de Galo ou Galinho.

Quem foi sua inspiração no futebol?

Eu tive grandes inspirações, a começar pelo Dida, que era o grande ídolo do Flamengo e da minha família inteira. Meus pais diziam que depois de pai e mãe uma das primeiras frases que falei foi ‘Dida’. E lógico, depois dos meus irmãos, Edu e Antunes, onde eles jogavam, eu ia assistir, e aprendi muito com eles. E uma grande Seleção, com excelentes  jogadores também me inspirou muito, porque era um ataque que todo mundo era camisa 10 em seus clubes, que foi a Seleção Brasileira de 1970. Nessa época, eu estava no juvenil e sabendo mais ou menos o que queria como jogador de futebol, olhava muito aqueles jogadores e aprendi muito com eles.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Sinceramente, não sinto saudades da minha carreira. Pô, foram muitos anos jogando no Brasil, na Itália, no Japão, então, não sinto saudades de nada. Ainda jogo minhas peladas, então, seria muito egoísmo da minha parte sentir saudade de alguma coisa.

Você marcou 826 gols na carreira. Se não fossem os graves  problemas no joelho, você acha que chegaria aos mil?

Bom, eu nunca me preocupei com essa coisa de bater recorde não, de numeração e tal. A gente com o decorrer do final da carreira que você começa a achar números. Eu terminei minha carreira com 831 gols e 1.174 jogos. Agora, tem muitos jogos que muita gente não conta que é a questão dos jogos que são amistosos ou não, jogos beneficentes e jogos de despedidas. Quando eu era profissional, eu anotava tudo e lógico, que se talvez eu tivesse pensando na questão de bater recordes, talvez pudesse ter chegado a isso, mas minha função não era essa. Eu acredito que como jogador profissional, eu tenha feito uns seiscentos e poucos gols, juntando Flamengo, Seleção Brasileira, Kashima, Udinese, aí chegue a uns setecentos e poucos talvez. Para um jogador de meio de campo está bom demais e talvez eu seja um meio-campista que tenha feito mais gols no futebol mundial. Acho que sempre gostei de fazer gols mas jamais deixei de dar um passe para um companheiro melhor colocado para fazer gols e ser artilheiro. Então, isso nunca passou pela minha cabeça, porque eu sempre fui ‘nós’ e não ‘eu’.

De acordo com o jornalista Celso Unzelte, você fez 334 gols. O que representa o Maracanã na sua vida de torcedor e de jogador?

Desses 334 gols, estão contando também a parte de amador. Com isso, daria 442 jogos, e se for tirar a parte de amador, seriam 418 jogos e acho que  316 gols. O Maracanã ficou como se fosse a minha casa e como torcedor tive momentos maravilhosos de poder assistir grandes jogos e grandes decisões. Quando moleque,  aquele Fla-Flu de 63, que foi o maior recorde de público pagante, com mais de 177 mil torcedores, sendo o Flamengo campeão naquele ano ao empatar em 0 a 0 com o Fluminense. É lógico, como jogador, ali foi a minha história, pois o Flamengo mandava jogos lá, a possibilidade de fazer gols era maior e eu largava na frente dos outros. O Maracanã está ligado à minha vida.

Alguns jornalistas esportivos e muitos torcedores acham que ganhar uma Copa do Mundo é o ponto alto na carreira do jogador profissional. Você disputou os mundiais de 1978, 1982 e 1986. O que faltou, na sua opinião, para esse título?

Eu acho que uma carreira não é pautada só por títulos, conquistas, perdas. Então, nunca me preocupei com isso, essa questão de ganhar ou não uma Copa do Mundo. Seria bom, pois lutei para isso, a gente quando está disputando alguma coisa você quer sempre ganhar e trabalha para isso. Se não foi possível,  paciência! Grandes nomes da história do futebol não tiveram também essa possibilidade e outros que não representaram muito conseguiram estar num grupo que foram vencedores. Eu acho que o que dignifica a sua carreira é o teu comportamento, tua postura, teu modo de ser, o seu profissionalismo, eu acho que nesses pontos eu fui impecável. Então, para mim, não faltou nada e acho até que ganhei mais do que merecesse. A Seleção de 82 era uma seleção muito boa, todos os jogadores daquele time tiveram sucesso em suas carreiras individualmente, mas infelizmente não foi possível e no dia em que a gente não esteve bem acabou sendo eliminado. Naquele jogo erramos mais que o tanto no coletivo quanto no individual e diante de uma grande equipe como era a da Itália, eles não perdoaram a gente. Para você ver que o futebol é tão esquisito, que aquela partida foi a única oficial que eu perdi na Seleção Brasileira, juntando eliminatórias e Copas do Mundo. Disputei três Copas do Mundo: em 78, não perdermos, em 86 também não,  saímos nos pênaltis após empatar em 1 a 1 no tempo normal e eliminatórias também não. Então,  nem tive a felicidade de disputar uma final  e muitos outros jogadores perderam e foram campeões do mundo. No mais, essas coisas acontecem no futebol, não deixo de colocar minha cabeça no travesseiro e dormir. Fiz o que era possível fazer, mas Deus não quis, só me resta entregar nas mãos D’Ele e paciência. Mas minha carreira está aí para todo mundo ver, o quanto eu trabalhei, me dediquei na Seleção e nos times que joguei.


Arthur Antunes Coimbra, torcedor, nunca viu o Flamengo ganhar do Botafogo. Quando virou Zico, colocou dez jogos de vantagem nos confrontos, porém, em 1989, perdeu a final para o alvinegro. Afinal, o Glorioso foi ou não uma pedra na sua chuteira?

Não, o Glorioso não foi uma pedra na minha chuteira. Foi sim, muito importante e deu muitas glórias ao futebol brasileiro com times maravilhosos. Para se ter uma ideia, eu como torcedor, em 1962, vi o Botafogo ganhar a final contra o Flamengo com três gols do Garrincha e não saí chateado do Maracanã, pois o ‘Anjo das Pernas Tortas’ era a alegria do povo e era um cara que todo mundo gostava. O problema meu, em especial, era que o (goleiro) Manga, mexia muito com o torcedor do Flamengo e dizia que gastava a gratificação antes do jogo, pois tinha um time bom, então, ele passava no mercado antes dos jogos e fazias as compras. Na verdade, isso irritava um pouco a gente, torcedor, e aí,  talvez, tenha me deixado mais chateado. Tanto que quando comecei a jogar tinha mais gana de vencer o Botafogo do que qualquer outro time por causa dessa provocação, sempre que eu lembrava das palavras do Manga. O Flamengo era o único time que tinha menos vitória que o Botafogo e depois a gente equilibrou e botamos dez vitórias à frente. Hoje, o Flamengo está com uma boa vantagem em relação ao Botafogo. Sobre 89, o fato de perder ou ganhar uma final não tem nada a ver, não muda nada, o Botafogo não foi pedra na minha chuteira não. Tive mais alegrias do que tristezas jogando contra eles.

O que vem à sua cabeça quando você fecha os olhos e lembra o 6 de fevereiro de 1990, quando fez sua despedida oficial dos gramados no Maracanã?

O que vem à minha cabeça é o orgulho de ter representado bem o Flamengo em primeiro lugar, que foi quem me abriu às  portas para o futebol profissional. Depois, por onde eu passei, eu acho que o profissionalismo e a determinação com que encarei isso. Na verdade, eu já estava com a minha cabeça preparada para essa despedida. Chegou uma hora que meu corpo já não aceitava mais aquilo que eu comandava com a cabeça, e lógico, sempre há uma expectativa muito grande quando você atinge um alto nível na carreira. Mas havia chegado a hora de parar. Comecei a ter muitas contusões, a ser impedido de fazer uma das coisas que eu mais gostava, que eram os treinamentos. Mas foi uma despedida digna e um agradecimento especial à torcida que esteve lá presente no dia e muita gente se emocionou. Vi que tudo aquilo que aconteceu, acabou mostrando que minha carreira durante todos esses anos, valeu a pena em cada suor desprendido em minha trajetória no futebol.

Qual o gol mais bonito que você fez na carreira e o mais importante?

O gol mais bonito para mim foi o que eu fiz lá no Japão, que é chamado o ‘Gol de Escorpião’, pelo Kashima. Foi um gol de calcanhar ao contrário, difícil, e bonito pela plasticidade, onde deu tudo certo numa jogada entre eu, o Alcindo e o Carlos Alberto, quando ele deu o passe, eu já havia passado da bola, mas consegui dar um mergulho e puxar a bola com o calcanhar. Aí, o goleiro vinha saindo, então, a beleza foi na dificuldade. Dificilmente, você vê um jogador fazer gol igual a ele. Então, para mim, foi o gol mais bonito. E o mais importante, foi o de falta contra o Cobreloa, o segundo, na final da Libertadores de 81 e que selou ali o título. Eu sempre digo que todos os treinamentos que fiz de falta durante a minha carreira inteira, se eu tivesse só feito aquele gol, já teria valido a pena, ter desprendido o suor que eu desprendi para poder fazer aquele gol, que até aquele momento havia sido o título mais importante da história do Flamengo.


No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Zico?

Parabéns ao futebol por esse dia, mas o futebol é comemorado todo dia e não só no 19 de julho. Eu acho que o futebol representou tudo na minha vida, o que eu tenho, eu devo ao futebol. Não sei o que faria se não tivesse o futebol, é lógico, estudei para poder ter condições de se não desse certo fazer outras coisas, mas apareceu o futebol muito cedo. Então, o futebol representou tudo na minha vida.

Você já foi diretor do Flamengo em 2010. Pensa algum dia em ser presidente?

O período em que fui diretor do Flamengo em 2010 só serviu para fortalecer que eu não deva assumir nenhum cargo no Flamengo. E presidente, nem pensar!

O Flamengo levou 38 anos para ganhar uma Libertadores. O que você atribuí ao fato e qual o grande mérito deste Flamengo de Jorge Jesus?

Acho que o Flamengo teve times em condições de ter conquistado uma Libertadores, e se não conseguiu, no momento em que poderia se estruturar melhor, acabou não dando importância para isso. Quando se estruturou financeiramente, em termos de equilíbrio econômico, a parte de infraestrutura, aí, lógico que pôde fazer com que jogadores de grande nível pudessem vir jogar no Flamengo e num local de treinamento que não falta nada. Toda parte de tecnologia e condições de trabalho dos profissionais fez com que muita gente  tivesse gosto em voltar a jogar no Flamengo. E o Jorge Jesus, com a chegada dele, conseguiu mostrar aos jogadores, a  importância do que representa o Flamengo, do que é  jogar no Flamengo. Então, é lógico, que além disso tudo, mostrou um trabalho de campo excelente, com intensidade e com uma forma de jogar que conseguiu encaixar todos os jogadores. Uma coisa que facilitou foi que do time titular, oito jogadores passaram pela europa e já estavam habituados com os métodos de treinamentos e forma de jogar. Eu acho que você não pode numa resposta dizer todos os pontos mas eu acho que esses foram relevantes para que isso tudo acontecesse e o título da Libertadores voltasse ao Flamengo assim como poderia ter voltado o do Mundial também.

Na sua opinião, quem foi melhor: o Flamengo de 81 ou a Seleção Brasileira de 82?

Eu acho que o Flamengo de 81, porque era um time que treinava todo dia, já a Seleção de 82 se reunia de vez em quando, ficava três dias e tal, mas é diferente. O conjunto que o Flamengo de 81 tinha, lógico, muito melhor, e muitos daquele time poderiam estar naquela Seleção de 82, pois aquele time era uma verdadeira seleção. O único jogador do Flamengo de 81 que não foi para a Seleção foi o Lico, que jogava um futebol tão bom quanto os que foram. Eu acho que você não pode comparar um time que treina todo dia com uma Seleção que se encontra apenas de vez em quando. É lógico que, além da qualidade técnica, tinha um entrosamento que a Seleção de 82 não conseguiu.

Faltando ainda dois anos para a próxima Copa do Mundo você coloca o Brasil como favorito?*

Eu acho que antes de chegar numa Copa do Mundo, o Brasil tem que passar das eliminatórias, né? Hoje, há um equilíbrio muito grande e a Seleção Brasileira ainda está muito instável. Se o Brasil for para a Copa do Mundo, aí sim, poderá ser um dos favoritos como sempre acontece pela qualidade e pelo nível de seu futebol.

Os campos melhoraram, os materiais como chuteiras, caneleiras, meiões e camisas se desenvolveram. Tudo evoluiu para o jogador de futebol praticar o esporte, não é mesmo?

Nós não tivemos a infraestrutura que jogadores de hoje em dia têm, os campos maravilhosos, onde você não perde tempo para dominar uma bola, não precisa adivinhar se a bola vai para esquerda, para direita, se vai subir, se vai vir rasteira. Naquela época para jogar você precisava ser peladeiro mesmo, acostumado a jogar na terra, no paralelepípedo, tabelar com muro, com o meio-fio, quem não sabia fazer isso se complicava. Os jogadores de hoje são bons, têm muita qualidade, mas jogam de acordo com o que o futebol exige hoje para eles. Meu material na época, se chovesse, você saía do campo com 3 kg a mais de peso, ele encharcava. Até chuteira, era impossível qualquer jogador pegar uma chuteira nova e ir para o treino, para o jogo, você tinha que mandar alguém amaciar, geralmente a gente pedia para a garotada fazer isso. Hoje, não, você pega uma chuteira nova e já bota para jogar. Então, como você vai comparar essas épocas, com toda essa diferença? Não dá.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Covid-19?

Bom, eu tenho aproveitado minha casa, afinal de contas, foram mais de cinquenta anos de trabalho e construí um bom patrimônio. Pela primeira vez, estou há quatro meses sem sair de casa com a (esposa) Sandra, meus filhos, netos, e estou aproveitando esse momento família. Tenho feito minhas caminhadas no campinho aqui em casa, corrida na piscina, utilizando meu spa e a gente constrói um patrimônio e em virtude do trabalho,  acaba não aproveitando isso. Portanto, nesse período de pandemia, estou aproveitando minha casa, cuidando das minhas plantas, brincando com meus cachorros, olhando tudo, fazendo as mudanças que tenho que fazer e não sinto vontade nenhuma de sair de casa.


Como surgiu a ideia do canal no YouTube, o ‘CanalZico10’, que já conta com um milhão e duzentos mil inscritos?

A ideia do canal surgiu do fato de eu ter feito uma linda carreira e grandes amizades ao longo desses anos no futebol. Se você não tiver conteúdo, não adianta ter nome. Então, o importante foi que aquilo que eu consegui no futebol, com a possibilidade de fazer bons conteúdos, e lógico, um papo sempre gostoso, divertido, sem polêmica, onde os convidados falam de suas histórias e contam coisas engraçadas. A produção do canal criou uns quadros bacanas onde todos se divertem, então, se o convidado quiser falar o que quiser, ele fala, e não é induzido a nada e nem em polêmicas. Estamos satisfeitos, é muito trabalho que dá, mas tem sido muito legal e o mais importante é que as pessoas que têm sido convidadas tem esse prazer em bater esse papo com a gente. Então, conseguimos bons parceiros e procuramos sempre valorizar isso levando grandes convidados que têm histórias, principalmente dentro do futebol. Mas a gente leva de outras áreas também, pessoas que às vezes têm ligação com o futebol. Estamos felizes e tivemos oportunidade nesse tempo de quarentena conversar com muita gente que seria muito difícil devido ao fato do trabalho. Mas como estavam em casa, a gente conseguiu uma galera muito legal para conversar e participar lá no canal.

Faltou algo em sua carreira?

Bom, na minha opinião não faltou nada para minha carreira. Tudo o que eu recebi, está bom demais e eu não fico lamentando o que deixou de acontecer. Hoje, curto e aproveito tudo aquilo que me foi dado.

E para terminar: Defina Zico em uma única palavra?

Uma palavra que me define é determinação.

O MELHOR QUE EU VI

por Paulo Roberto Melo


Eu nasci em março de 1966. Por força dessa data, posso dizer que sou do tempo dos Beatles. Não posso dizer, no entanto, que acompanhei o quarteto de Liverpool, afinal, eu tinha apenas quatro anos quando eles decidiram se separar e só fui apresentado aos seus clássicos pelo meu irmão, alguns anos mais tarde.

Por assim dizer, também sou do tempo em que Pelé desfilava seu reinado pelos gramados do mundo, mas, infelizmente, não o vi jogar. Minha noção real de futebol começou a tomar forma quando eu tinha dez anos e, nessa época, os desfiles do Rei aconteciam nos gramados sintéticos dos Estados Unidos e sem a mídia que temos hoje, o soccer da terra do Tio Sam (porque para esses doidos, football, apesar do nome, é um esporte jogado com as mãos, o que nós aqui chamamos de… futebol americano),bem, eu dizia, o tal de soccer era um quase nada que nem passava na televisão.

Mesmo não tendo visto Pelé jogar, acredito e concordo de que se trata do maior jogador de futebol de todos os tempos. Os relatos, as crônicas e os vídeos me convenceram disso há muito tempo. Mas meus olhos, coitados, não viram Pelé jogar e o título deste texto é “O melhor que eu vi”. Então, é… hum… o que eu quero dizer é que, ainda que seja um vascaíno de boa cepa, o melhor jogador que vi jogar foi o… Zico!

Tanto tempo depois da aposentadoria do Galinho, essa declaração pode ser feita hoje tranquilamente, mas, olha, nem sempre foi assim. Tendo nascido e vivido em uma casa vascaína com certeza,houve época em que tal afeto podia ser comparado ao beijo de Judas em Jesus, ao romance proibido de Romeu e Julieta, ou a delação de Joaquim Silvério dos Reis. Traição em último grau. Mas, se é verdade que quem tem um bom advogado tem tudo, Renato Russo diria em minha defesa:“quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

A verdade é que sou um vascaíno convicto, mas sou também um apaixonado pelo futebol bem jogado, o que significa dizer: com talento, habilidade, raça, dribles, lançamentos e gols, muitos gols. Quem em sua sã consciência pode dizer que essa não é uma perfeita definição do jogo do Zico? É claro que sofri vendo-o fazer gols contra o Vasco, mas esse sofrimento foi ficando menor, à medida em que fui entendendo que em um jogo, assim como na vida, se ganha e se perde e depois tudo vira história.

Em 1982, pelo campeonato brasileiro, houve um Flamengo x Guarani, em Campinas, que foi transmitido pela TV. O Guarani tinha um timaço, com Careca e Jorge Mendonça jogando muito! Sobre esse jogo, convém lembrar que o bairrismo, hoje diluído por causa do êxodo dos craques, naquela época era bem mais acentuado. Vários jogadores cariocas sofreram com vaias intensas durante jogos inteiros, em São Paulo, mesmo jogando pela seleção, casos de Paulo César Caju e Roberto Dinamite, por exemplo. Com isso, quase dez anos depois de ter aparecido para o futebol e apesar de contar com uma profusão de gols e de conquistas Brasil e mundo afora, orquestrados pela imprensa de São Paulo, as torcidas de lá diziam que o Zico era jogador só de Maracanã. Ou seja, o Galo ia ter que provar mais uma vez que eles estavam errados. Pois bem, então, naquela noite de quinta feira, o Brinco de Ouro da Princesa virou Estádio Mário Filho. O Flamengo venceu por 3×2, com três gols do Zico, que eu considero a maior atuação de um jogador em uma partida de futebol. Foi incrível!

Mais tarde, vendo o Zico jogar pelo modesto Udinese, da Itália, nas manhãs de domingo, pela TV Bandeirantes, o Brasil inteiro pôde constatar, inclusive as hostes inimigas, o que um craque como ele podia fazer contra adversários do quilate de Maradona, Platini, Falcão e outros, que jogavam em times muito mais fortes que o dele e em condições atmosféricas completamente desfavoráveis para um atleta brasileiro (e carioca).


Com o pessoal lá de casa, aliás, acontecia uma coisa engraçada. Parecia aquele negócio de filho bagunceiro: é verdade, mas ninguém pode falar do garoto, só os da família. Para meu pai e meus irmãos, o Zico só fazia gol de pênalti ou na banheira, mas diante da perseguição da imprensa de fora do Rio ou quando ele sofreu aquela entrada criminosa de um zagueiro do Bangu que quase o inutilizou para o futebol, os protestos foram unânimes e veementes. Nem aquele lance infeliz do pênalti contra a França na Copa de 1986 foi capaz de manchar minimamente a sua reputação de craque. Nada mais justo. Somos vascaínos, mas gostamos de futebol – ou melhor, somos vascaínos, por isso gostamos de futebol.

Claro, não posso deixar de dizer que o ápice da minha admiração aconteceu em 1993, quando ele aceitou jogar com a camisa do Vasco, na despedida do Roberto Dinamite. Sim, eu estava no Maracanã naquele jogo contra o Deportivo La Coruña. A derrota do Vasco para um time que na época era mais forte não significou nada. Grande mesmo foi ver eternos rivais que sempre se respeitaram, jogando juntos como amigos.

Ah, Zico, só você para me fazer sentir saudade e alívio, tudo junto.

Num tempo em que há por aí tantas “estrelas” milionárias supervalorizadas pela mídia, eu me lembro de uma coisa que o meu pai dizia, se não me engano falando do Ademir Queixada e parafraseando o profeta João Batista sobre as sandálias de Jesus: nenhum deles serviria sequer para amarrar as chuteiras do Zico.

Triste Copa: o Zico disputou três e não ganhou nenhuma – mas foi o melhor que eu vi jogar.

Tristes gerações Y e Z que não viram: há trinta anos, o Zico parou de jogar e continua sendo o melhor que eu vi.

Resumindo: o Dinamite foi o maior ídolo; o Zico, o maior craque.

E o seu maior craque, quem foi?

A propósito, mesmo sem ter visto os Beatles, eu declaro: eles são os melhores! Mas isso é papo para uma outra conversa.

ZICO 4 x 2 IUGOSLÁVIA

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1986, a Seleção Brasileira preparava-se para a Copa do Mundo do México. Um amistoso em Recife, contra a Iugoslávia, no dia 30 de Abril de 1986, constituiu uma noite especial.

Zico vinha tentando se recuperar de uma entrada criminosa de um troglodita chamado Márcio Nunes, em Agosto de 1985, que arrebentou o seu joelho. O Galinho era dúvida para a Copa.

Já nos primeiros minutos do primeiro tempo, saiu a primeira obra prima da noite, assinada pelo craque: cruzamento forte de Branco da esquerda em direção da área, Zico emenda de calcanhar – ou seria de letra? – para o gol, e a bola vai morrer no canto esquerdo do goleiro iugoslavo.

No entanto, a Iugoslávia virou o jogo, e o primeiro tempo terminou 2 x 1 para os adversários.

Mas, no segundo tempo, Zico empataria o jogo, com gol de pênalti.

Pouco depois, viria o momento culminante da noite: Zico recebe a bola na intermediária, dribla um, dribla dois, dribla três, dribla quatro, dribla o goleiro e toca para o gol vazio, fazendo 3 x 2 para os amarelos.

A galera recifense delira na arquibancada do estádio do Santa Cruz! Luciano do Valle, em narração inesquecível, diz que “não há palavras” para descrever o que se passa. Os repórteres e gandulas vão abraçar o craque, que comemora efusivamente.

Careca ainda viria a fazer o quarto gol canarinho, mas isso pouco mudou o fato principal: mesmo com o joelho em frangalhos, a noite era de Zico, como tantas outras.

Naquele dia, ao encerrar as transmissões do jogo pela Rádio Globo, Waldir Amaral diz a João Saldanha: “Saldanha, você tem um minuto para falar do jogo, pois temos que encerrar a transmissão”. Saldanha, também genial, resume, suscintamente: “O Brasil ganhou porque o Zico se chama Zico; se chamasse Zicovich, ganhava a Iugoslávia!”.

Fecho perfeito para a noite.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!