por Rubens Lemos
Quando a gente chora, rompe a represa da alma, lágrimas varrendo mazelas frequentes de tristeza e decepções. É um ato de liberdade indomável. Chorar é renovar a vida e a foto de Roberto Dinamite e Zico me deixou, como banho em cachoeira, entregue ao pranto. A ponto de secundarizar, hoje, a Copa do Mundo.
Roberto Dinamite e Zico, Zico e Roberto Dinamite, porque nos dois não existe ordem direta, foram (com o genial Geovani), os ídolos de minha infância.
O menino que mora em mim reapareceu, como nas tardes de domingo a ouvir no velho rádio de pilha as pelejas de Vasco contra Flamengo, Roberto Dinamite e Zico , que nunca foram combatentes de guerra. Lideravam suas bandeiras com talento, amor, exemplo de convivência de irmandade.
Roberto Dinamite, que conheci no Hotel Ducal em 1982 quando a seleção brasileira jogou em Natal pela primeira vez, está com câncer. Lutando. O homem elegante, alto e forte está magrinho ao desbravar a doença diabólica com o ímpeto dos tempos de invasões de defesa e golaços de voleio, que Richarlison imitou contra a Sérvia.
Era Roberto Dinamite, em seu sorriso triste de Quixote resistente, a compensação pelos meus sofrimentos de viver como cigano involuntário, mudando de cidade em cidade pelas limitações impostas ao meu pai, vascaíno e vítima da decisão complicada de sempre priorizar o idealismo, família vindo como consequência.
Os gols de Roberto Dinamite me aliviavam. Nos clássicos contra o Flamengo, a imagem dele e Zico trocando flâmulas, se abraçando, comemorando vitórias com suas torcidas, sem provocar o povo adversário, desnudavam o caráter excepcional dos dois. Passei a amá-los. Roberto Dinamite e Zico formam a dupla dos meus dias, sonhos e do coração.
Juntos, na seleção brasileira, jogaram 26 partidas em tabelinha afinada. Dos 26 jogos, nenhuma derrota a se lamentar, porque Roberto Dinamite e Zico, Zico e Roberto Dinamite, formavam uma dupla estupenda, que a cegueira dos técnicos Cláudio Coutinho, que barrou Zico em 1978 e Telê Santana, que humilhou Roberto Dinamite em 1982, impediu o mundo de aplaudir.
Nunca mais existirão Zicos e Robertos, Robertos e Zico no mercenarismo dominante do futebol. Eles são amigos, jamais rivais. Adversários pelas contingências da bola, não para ocupar microfones, um acusando o outro.
Zico, de surpresa, transformou seu programa no Youtube em festa de aniversário de Roberto Dinamite, há cerca de cinco anos. Em forma, trocaram gozações e dividiram a comoção e extravasaram o bem que um sente pelo outro.
Minhas rezas impediram que eles se juntassem no Flamengo. Em 1980, Roberto Dinamite no Barcelona, o rubro-negro chegou a fechar a sua contratação com direito a gol narrado de Zico deixando Roberto Dinamite na cara do goleiro para mata-lo.
O falecido Eurico Miranda nos salvou e Roberto Dinamite voltou ao Vasco, fazendo os cinco gols dos 5×2 no Corinthians em Maracanã com mais de 100 mil pessoas.
O gesto de Zico é a saudade que tenho de vê-lo partir em dribles encantados, cortando à direita e à esquerda em convicção sem radicalismos ideológicos.
A política de Roberto Dinamite e de Zico era a felicidade do povo. A minha, eles garantiram e a gratidão é do tamanho do velho Maracanã, o Maracanã das gerais.
A grandeza de Roberto Dinamite e Zico é a consagração da amizade como templo do bem. Zico sabe que Roberto Dinamite vencerá a sua decisão mais difícil. Com os dois, deixo minhas lágrimas de reverência e idolatria. Que Deus os abençoe. Ilumine e amém.