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zé roberto padilha

UM ELÁSTICO PARA A VIDA

por Zé Roberto Padilha


Depois de passarmos por todas as equipes de base, campeões juvenis e de juniores, treinados por João Baptista Pinheiro, revelados por Zagallo e preparados por Carlos Alberto Parreira, finalmente havia chegado a nossa hora. Todos éramos pratas da casa e o Fluminense se preparava para a temporada de 1975, com uma excursão, em fevereiro, pelo eixo Rio-São Paulo.

Eu, Edinho, Cléber, Herivelto, Marco Aurélio, Abel Braga, Nielsen Elias e Carlos Alberto Pintinho enfrentamos o Guarani, a Ponte Preta, o XV de Piracicaba e estávamos na ponta dos cascos para estrear no estadual carioca. No ônibus da volta, em meio a euforia por uma série de bons resultados, lemos no Jornal dos Sports que o presidente Horta, que ficara no Rio e não nos vira atuar, resolvera montar um supertime. No meu caso, como ponta-esquerda, deu até vontade de ficar naquela parada de Itatiaia: contratou os três melhores do país, Rivellino, do Corinthians, Paulo Cézar Cajú, do Olympique de Marselha e Mário Sérgio, do Vitória. E trouxe o Zé Mário para tomar o lugar do Pintinho.

Irritados e inexperientes, voltamos para o banco, que já era conhecido como poltrona de reservas, e começamos, em toda a Taça Guanabara, a ironizar todos aqueles que roubaram a nossa oportunidade. Rivellino, então, pela idade, já tricampeão do mundo, não podia errar um só passe. Como ele não errava, implicávamos com o fato de não correr mais para marcar ninguém.

Aí veio o jogo contra o Vasco. Me lembro como se fosse hoje: nós, aspirantes a jogadores de futebol e jovens corneteiros, sentados no banco do lado direito das tribunas e ele, com a bola dominada, diante do cabeça-de-área vascaíno, o Alcir. Rivellino parou e o Alcir o encarou, naquele tempo dava para parar a bola e ensaiar uma obra de arte. De tão surreal a cena, por segundos nos calamos também. E o Maracanã emudeceu junto. Num gesto inusitado, conduziu a bola pela parte externa do seu tornozelo em direção à esquerda, e num movimento rápido, com a ponta dos pés, trouxe a bola de volta. Esta, caprichosamente, encontrou um espaço entre as pernas do Alcir. Ainda estupefatos, estádio, corneteiros, Alcir e toda a defesa do Vasco, Rivellino aproveitou o movimento da bola, arrancou para dentro da área, deixou para trás o quarto-zagueiro René, de passagem, e entrou na cara do gol. Pelo lado direito, já ao lado da pequena área, só encontrou o goleiro Andrada fechando 95% do seu lado esquerdo e se preparando para saltar para o lado óbvio, o direito, totalmente escancarado. E Rivellino bateu com sua canhota nos 5% restantes do seu contrapé. A bola, como um pincel de Renoir, entrou entre seu pé e a trave, e ele saiu para comemorar um dos mais belos gols que o nosso futebol já produziu.

Olhamos, os ex-corneteiros, um para o outro, completamente sem graça e tomamos, naquele momento mágico, ao vivo, uma lição para o resto das nossas vidas. Porque ele, Roberto Rivellino, o Reizinho do Parque, que se tornou o Príncipe das Laranjeiras, assumiu o leme das nossas carreiras. Não teve mais excursão de ônibus para Campinas, entramos no Jumbo da Air France e fomos jogar o Torneio de Paris.


Deixamos o Hotel das Paineiras, onde concentrávamos, e fomos inaugurar o cinco estrelas Hotel Nacional, em São Conrado. Trocamos a modesta vitrine da Rua da Alfândega para a butique do Barrashopping. Fomos campeões da Taça GB, carioca e nossa equipe entrou para a história como a “Máquina Tricolor”, a original, que foi bi em 1976, ainda com Rivellino, Doval, Edinho e Dirceu.

Após os treinos, nos juntávamos num cantinho do gramado e posicionávamos os cones para treinar o elástico, e à noite era a vez de colocar uma cadeira no corredor para tentar, entre suas canelas finas de madeira, já apelidadas de Alcir, repetir aquele drible incomum. Nos sobrava vontade, mas faltou coragem, pelo menos no meu caso, para executá-lo nas partidas. Quando deixamos o Fluminense, anos depois, cada um buscando seu destino, aprendemos a respeitar aquele cidadão experiente, que desembarca no seu trabalho, é contratado por sua redação e que não vem mais tomar o seu lugar. Porque ninguém toma o lugar de ninguém. Como Rivellino, os mais sábios, experientes e competentes que assumem nossa repartição, não devem ser subestimados ou questionados pelos aspirantes ao cargo que se julgam a bola da vez. Precisam ser fontes de consultas, sugados seus conhecimentos para que quando a oportunidade surgir estejamos preparados para assumir o nosso espaço, construir uma carreira com dignidade e competência.


Aquele elástico, desferido numa sábado à noitinha, há exatos 38 anos, levou o ciúme acumulado e trouxe o orgulho estampado, carregou mágoas, inveja, ressentimentos e trouxe de volta uma magia e respeito que passamos a ter por nossos mestres, nossos ídolos para o resto das nossas vidas. E Rivellino foi para minha geração, ao lado de Gérson e de Zico, um gênio e será para sempre o nosso grande exemplo.

ELE SCARPOU! ATÉ QUANDO?

por Zé Roberto Padilha

Estava me preparando para sair no Bloco das Piranhas (segundo Moisés, o zagueiro que fez seus seguidores atravessarem os atacantes ao meio, conduzindo-os ao gelo, um Voltaren no músculo e uma estadia no DM, boleiro que se preza não ganha o Troféu Belfort Duarte – e sai de mulherzinha no sábado de carnaval) quando resolvi dar uma olhada na telinha que transmitia Fluminense x Madureira.


Carrinho sofrido por Gustavo Scarpa contra o Madureira

A partida estava paralisada e o replay provocava frios na espinha diante de um carrinho criminoso dado em cima do Gustavo Scarpa. Um serial killer de amarelo dera um salto sobre o camisa 10 tricolor no gramado escorregadio, o que aumentava a velocidade do tiro, e suas balas passaram a centímetros da tíbia, do perônio, dos quatro meniscos e dos seus ligamentos cruzados.

Em um só instante revi o carrinho do Márcio, do Bangu, que abreviou tantos momentos de genialidade que o Zico ainda tinha para nos oferecer. E lembrei-me daquele outro imbecil que nos roubou John Lennon e tantas canções que ele iria nos presentear. Imagine all the people. Imagine as pessoas vivendo a vida em paz!

A arte é a perfeição alcançada por um dom concedido pelo criador aos seus filhos para tornar a vida mais bonita aqui embaixo. Vale para a pintura, a arquitetura, para música, dança e também para o futebol. A este menino simples e humilde, formado nas divisões de base em Xerém, foi concedido um futebol requintado, com resquícios do passado. Nada daqueles toques para o lado do Márcio Araújo, para o companheiro mais perto para o show do intervalo elevar o índice de acertos e previsibilidade. Muito menos para trás, jogando aos pés dos que não sabem sair jogando a missão de distribuir as jogadas.

Gustavo Scarpa escapa da mesmice e, como Gérson, Didi, estica o passe, alonga o jogo, enxerga sempre um companheiro livre porque nenhum zagueiro acredita em uma conexão tão rápida. Bate com jeito na bola, como Jair da Rosa Pinto, Zizinho e Silveira, não com força, daí a velocidade com que o goleiro Rafael, do Globo-RN, foi surpreendido, porque ele não tomou a distancia comum e necessária para acertar um chute daquela distância. Foi apenas um retoque de pincel sobre uma tela verde e iluminada. Uma obra de arte como muitas que ele tem ainda a nos oferecer. 

Igualmente revelado nas divisões de base em Xerém como ele, Paulinho, Mário, Zezé, Gilson Gênio, Wallace e tantos canhotinhas tricolores, tive minha carreira abreviada por quatro intervenções cirúrgicas na caneta esquerda. Antes do Bloco das Piranhas teve uma pelada à fantasia aqui em Três Rios e minha mente foi convidada. Meu corpo? Fui nadar. Às vezes ando de bicicleta, vou caminhar, correr não dá mais!


Às vezes fico pensando: de que vale um dom herdado para sempre danificado? Mas após aquele carrinho criminoso que demorou a deixar a minha mente, antes do bloco fiz uma prece por este menino. E agradeci, como tricolor e apaixonado pelo futebol, por ele ter escapado ileso daquela covardia. O futebol, e sua arte, não podem mais se dar ao luxo de perder um dos poucos artistas que lhe restam.

TRÊS MIL TONS DE GRATIDÃO

por Zé Roberto Padilha


Caro Gilson Gênio,

Bom dia. Esta é a foto dos seus amigos, alguns ex-atletas do Fluminense, como seu irmão Gilcimar e seu sobrinho, Leonardo, artilheiro tricolor do Estadual 85, Denílson, Gustavo, Herivelton, Mário Alexandre, o xodó de Telê Santana, Da Silva, que jogou no Flamengo e no Vasco mas que fez questão de lhe agradecer, como trirriense, por ter levado o Entrerriense FC à Primeira Divisão, que jogaram pelo master do Flu no jogo da gratidão. Além do seu treinador Carlinhos, irmão do Cléber, e outros craques da cidade de Três Rios. Placar: Fluminense FC 3 x 3 Entrerriense FC..

A musa tricolor, Marcilaine, fez questão de posar e prestigiar. Ao fundo, nas arquibancadas do Estádio Odair Gama, torcedores que foram lá levar seu carinho e desejar a você uma breve recuperação. Seu irmão está levando toda a renda da partida: três mil reais contabilizados e fiscalizados pelo Movimento Mobilize, da Cecília e da Camila. Três mil tons da nossa gratidão.

Eles vieram do fundo do coração de trezentas pessoas gratas ao seu talento e humildade que deixaram suas casas num sábado ensolarado, mesmo sabendo que não haveria um grande nome de bilheteria em campo. Até que tentamos, mas com 0800 de cachê, gasolina e pedágio por conta da consciência em ajudar um companheiro de profissão não foram capaz de sensibilizar nossas estrelas a cruzarem a Washington Luiz e a bela estrada de Itaipava.. E torcedores que teriam prazer de colaborar e comparecer desde que um Neymar, Junior ou Edinho viessem.

Enfim, aprendemos com Pinheiro, Roberto Alvarenga, seu Píndaro, Sebastião Araújo, Haroldo e Julio Dutra, Argeu Afonso e Dona Babei, em nossa escola de futebol e de vida tricolor, que precisamos fazer a nossa parte. E assim o fizemos, de coração por você.

Esperamos que esta renda se multiplique pelo exemplo, toque a insensibilidade e reverta a soberba de alguns colegas de profissão porque o mundo gira, a Lusitânia Roda e…você vai sair desta com a força das nossas orações.

Grande abraço

AS CARAS DE QUEM SOMOS

por Zé Roberto Padilha


Somos o que lemos, já disse um dia o poeta. Ou foi o profeta? Pouco importa, eles estavam certos. Porque nos anos 70 o país do futebol prendia e torturava seus filhos e não teve um só ídolo de chuteiras a levantar a voz e tirar seu torcedor socialista do pau-de-arara. Saíram às ruas os estudantes, entraram em greve os metalúrgicos, os ferroviários, todos os operários, mas nenhum Pelé ocupou o show do intervalo para denunciar a tortura. O sumiço do Herzog. Em meio a esta pavorosa omissão, Democracia Corintiana, Afonsinho e Movimento Passe Livre foram focos isolados de resistência prontamente abafados pelos cartolas.


Nas concentrações dos clubes de futebol os jogadores não liam Movimento, Pasquim ou Opinião. Eles liam Contigo, Jornal dos Sports, Tio Patinhas e Manchete. Não a de variedades, política e sociedade do Arnaldo Bloch. Mas a esportiva que só continha futebol. Tão violento foi o descaso da minha classe que o ditador da vez, Emilio Garrastazu Médici, teve a petulância de trocar o comando da seleção porque João Saldanha era comunista. Em seu lugar imporia a CBF um treinador que levasse Dadá Maravilha ao México. Era um bom atacante, cabeceava bem, tinha passadas largas e um certo domínio de bola, masna época era o melhor ópio do povo que o futebol concebia nas tardes de domingo. O que distraia as massas enquanto as bombas explodiam no Riocentro.

Nosso país, hoje, encharcado de corrupção e desmandos, também reflete o que seus filhos lêem: enquanto a Bíblia Sagrada vende apenas 500 mil exemplares por mês, segundo a Sociedade Bíblica do Brasil, a tiragem da revista Caras bateu 860 mil em janeiro. E a Quem Acontece chegou a casa dos 650 mil. De um lado o livro mais vendido no mundo, a cartilha da fraternidade que desde o primeiro exemplar tem orientado a humanidade a dividir o pão e o vinho. De outro, uma exposição da vida das celebridades, riqueza e ostentação dos que vivem a esconder o pão e colecionar vinhos. Para ficar bonito na capa, aplicam botox e trocam a fiel escudeira por uma Joelma mais nova que vai aparecer deslumbrante em suas páginas ostentando um vestido  Dior.

Eike Batista não leu a Bíblia. Ele é a cara, e o mau exemplo, de quem acontece em nosso país. Deu uma Ferrari para o filho e não lhe deu educação para dirigir, preferiu investir em uma banca de advogados e subornar o radar da reta oposta da Washington Luis. Seus companheiros de cela, que não tiveram oportunidade de estudar,   não entendem como aquele homem foi parar ali.  Ter uma mansão com dez suítes e defecar de cócoras sob o olhar do deboche. Ter no cardápio lagostas e medalhões do Copacabana Palace e comer  bóias requentadas que o estomago não reconhece.

A vida é mesmo assim. Somos o que somos. E o que lemos. Mas quando o homem, e a mulher, se dedicam apenas a serem lidos, vistos e admirados, e para tal precisam negociar valores éticos e morais, corromper e serem corrompidos, chegou a Lavo Jato a hora de pegar o manual da humildade. Ao trocar a Ilha de Caras pelas celas de Bangu, Eike, Cabral, Eduardo Cunha e Cia vão ter tempo de sobra para rever conceitos e ler a Bíblia emprestada do detento ao lado. Que Deus os perdoe e nos proteja.

FECHAM-SE UPAS, ABREM-SE CONCAS

por Zé Roberto Padilha


Tem um novo escândalo estampado nas páginas dos jornais e, desta vez, não é desvio de verbas de algum político. Nem outra obra superfaturada da Odebrecht. Tão escancarada e absurda a notícia que nem precisou de delação premiada para ser divulgada. Está escrita com cínica naturalidade e lida com uma passividade maior ainda. Pior: não assustou ninguém a ponto de ser capa da Veja. Incorporou-se de vez ao cinismo coletivo. 

Mesmo com os salários dos servidores públicos do estado atrasados e parcelados, com a maioria das UPAs fechadas, com prefeitos sumidos por todo o país porque não conseguirem pagar o 13º salário, estava lá nas páginas esportivas de O Globo: Conca, um craque de futebol, pois se fosse gênio teria vestido um dia a 10 da seleção argentina, vai receber salários de 2 milhões de reais. Serão 227 salários mínimos para jogar 90 minutos, isto quando o joelho esquerdo duas vezes operado permitir, enquanto um trabalhador brasileiro vai ganhar apenas R$ 880,00 para cumprir sua jornada de trabalho de 44 horas semanais. O Presidente da República, seu vice, ministros de estado e deputados federais, com as responsabilidades inerentes aos seus cargos, receberão R$ 33.700,00. Será que existe um escândalo maior que este?


Então vamos recuar ao tempo do maior ídolo da história do Flamengo, Zico, e comparar sua remuneração com o “candidato a ídolo” que se apresenta e como recebiam os políticos que governavam o país naquela ocasião. Aos 22 anos, no auge de sua forma em 1976, o salário mínimo do país era de CR$ 768,00 e Zico ganhava CR$ 31.000,00. Isto é, 40 vezes o salário do mais humilde torcedor rubro-negro, mas que lhe dava tantas alegrias que a cada partida parecia, de tão feliz que saia do Maracanã, ter ganho sozinho na loteria. O Presidente da República, Ernesto Geisel, recebia soldo de General do Exército, CR$ 16.100,00. O futebol remunerava bem seus ídolos, seus comandantes e, como hoje, maltratava seus operários. Mas a notícia da remuneração absurda do Conca agride a nossa consciência e afasta de vez os arquibaldos, os geraldinos, que já haviam sido vetados na Copa diante do padrão FIFA de cadeiras, camarotes e áreas Vips. Elitizou-se o futebol e sacanearam de vez o bolso e a saúde do pobre torcedor.

Com o salário próximo a realidade do seu torcedor, Zico, ia para sua casa, em Quintino, subúrbio do Rio, com seu Chevette, almoçava no La Mole, levava a Sandra para dançar na New York City Discotheque e fazia suas compras no Porcão como a maioria dos cariocas. Com a carteira assinada, funcionário do clube, não tinha fotos com patrocinador para faltar ao treino da tarde. Ele não perdia um e ficava ensaiando cobranças de faltas à exaustão. Com o absurdo que recebe, Conca teve que blindar sua Mercedes que o levará ao mais sofisticado condomínio do Recreio, vai jantar no Fiorentino, Copacabana Palace e sua aparição mais próxima de um torcedor rubro-negro, a gerar carinho e cumplicidade, não passará dos seus manobristas. 

Só tem uma saída para estancar este novo escândalo, e desta vez nem precisamos do Sérgio Moro: cada um torcedor do Flamengo fará, a partir da primeira rodada, sua delação protestada e não irá aos estádios. Vai pegar seu radinho e ouvir as partidas diante das suas UPAs fechadas. Se o futebol é o ópio do povo, como poderão gritar Mengo! se no lugar do Zico vir a Zica, faltar Captopril, Isordil, a manter vibrando o coração desta nação?


UPA fechada