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zé roberto padilha

AGORA SIM, PROFESSOR

por Zé Roberto Padilha


Fui treinador de futebol durante oito anos. A metade em Xerém, comandando as divisões de base tricolor, América FC-TR, Ariquemes FC e Entrerriense FC. Não fomos mal, conquistamos quatro títulos (Carioca Infantil 87, Juvenil 89, Estadual de Rondônia 93, e Divisão Intermediária do RJ, em 94,) mas acabamos mal: depressão profunda herdada após participar do octogonal decisivo de Carioca de 95.

Mesmo sabendo do tamanho da nossa folha salarial, um abismo em relação aos adversários, não era fácil perder sábado sim, domingo também do Flamengo, na Gávea de 6×1 (Romário, Edmundo e Sávio), de 5×0 para o Vasco em São Januário (Carlos Germano, Gian, Ian, Pimentel, Waldir e Leandro Ávila), 4×2 para o Botafogo, que se tornaria campeão brasileiro daquele ano, do Túlio, e 3×0 nas Laranjeiras para o Fluminense de Renato Gaúcho, que acabou campeão carioca no centenário do Flamengo. Quase protagonizei as cenas de Ricardo Gomes, a pressão disparou, baixei hospital e passei a ser mais um hipertenso que levou meu orgulho de atleta a conviver com um remedinho pela manhã, outro à noitinha.


Último agachado da direita para a esquerda, Zé Roberto fez parte da Máquina Tricolor

Era treinador mas meus jogadores me chamavam de professor. Não era. Mas curtia demais as preleções. Se pudesse, adiava a partida para ficar ali no vestiário repassando ensinamentos às nova gerações, afinal, meus treinadores foram Pinheiro, Telê, Zagalo, Parreira, Antoninho, Paulo Emílio, Didi, Carlos Froner, Claudio Coutinho, Sebastião Lazarone, Evaristo Macedo, Jouber Meira, Jair da Rosa Pinto, Paulo Henrique… seria um desperdício, diante de um privilégio desses, não dividir tamanha sabedoria. E tinha a parte política, que é a minha outra paixão, falar sobre cidadania, participação, respeito àquele pessoal da arquibancada que pagou ingresso e decidiremos no domingo se serão mais felizes, ou não, em razão dos resultados alcançados.


Zé Roberto dando sua primeiro aula

E pensei comigo ao procurar um novo espaço na sociedade: na próxima encarnação vou ser professor. Após me formar Jornalista, vi o anúncio de uma pós-graduação em História, Política e Sociedade na UCP que nos tornaria um “especialista”. E fiz vestibular para História na Unirio. Fui estudando, fazendo a conta e pensei: se não for reprovado em nenhuma matéria, pego o diploma com 67 anos e… quem sabe?

Bem, na ultima quarta-feira, realizei meu sonho: dei no Colégio Walter Francklin, em Três Rios, para meus amigos acolhidos no CapsAd, aos 64 anos, 9 meses e 1 dia, minha primeira aula de História do Brasil. Era sobre o descobrimento, mas o que descobri mesmo foi que para alcançar um novo mundo ainda neste mundo não basta apenas imaginar o que há após o Cabo da Boa Esperança. Temos que alçar nossas caravelas da vontade, singrar os mares com a força da determinação, com qualquer idade, e alcançar o país que habita dentre dos nossos sonhos. Se for no Brasil, e nesta encarnação, podemos até colaborar em sala de aula para que alcance, de verdade, a sua independência.

A TARDE EM QUE RIVA SENTOU NO BANCO

por Zé Roberto Padilha


Riva e Zé Roberto no banco de reservas

Tinha mesmo que estudar História. No mínimo, para agradecer. Ela sempre foi gentil comigo ao conceder-me um lugar privilegiado na trajetória do futebol-arte há algumas décadas praticado no país. Com a 11 coadjuvante, então, com os olhares das arquibancadas e das cabines voltados à genialidade dos camisas 10 que nos cercavam, pude perceber um espetáculo que poucos viram de perto. Algum estudioso do nosso universo esportivo, com pós na UFRJ, mestrado na PUC, poderia afirmar que Roberto Rivellino, no auge da sua forma, capitão da máquina tricolor, sentou uma tarde no banco de reservas?

Pois é, não só vi esta incoerência da bola, como sentei ao seu lado nesta tarde e tratei de pedir a um fotógrafo que registrasse. Muita gente poderia não acreditar. Aproveitei aquela cena inusitada, cortei um pedaço do cadarço da chuteira para imitar o seu bigode, já que dar o elástico e chutar daquele jeito há muito já havia desistido. O treinador autor da proeza? Jair da Rosa Pinto, o Jajá, que os cronistas esportivos afirmam ter sido um dos melhores jogadores de todos os tempos. 


Jair da Rosa Pinto

Naquela época, ser um ex-jogador de futebol como ele o credenciava a iniciar uma nova carreira esportiva. Ainda não havia a patrulha corporativa do CREF exigindo uma formação teórica que acabou afastando das divisões de base treinadores que formaram gerações de campeões, como Pinheiro, Neca, Célio de Souza, Andrade, Gilson Gênio e Rubens Galaxe. A discussão é para dias de debates, simpósios, mas se as preleções de Carlos Alberto Parreira e do Coutinho eram escutadas no mais absoluto respeito, com overlaping de um lado, concordâncias verbais do outro, bastava um deles colocar as chuteiras e participar dos dois toques que as risadas ocorriam a cada canelada. Ao contrário, as discordâncias gramaticais de Jair da Rosa Pinto desapareciam, transformavam ironias em admiração quando atuava entre nós. Um domínio absoluto da bola e nenhum passe errado. E ainda profetizava: “Façam o que eu faço, não o que eu digo!”.

Bem, entre um treinador teórico como Paulo Emílio, campeão da Taça Guanabara, e um gênio da bola, Didi Folha-Seca, que iria nos dirigir no Campeonato Brasileiro de 75, a Máquina Tricolor um breve período ficou sob o comando do Jajá. E logo no primeiro compromisso fora de casa, Sampaio Corrêa x Fluminense, no Maranhão, ele fez o que nem Zagallo ousou: colocou Roberto Rivellino no banco de reservas. Procurado pelos repórteres, justificou: “Estou testando uma nova formação tática!” 


Francisco Horta (Foto: Reprodução SportTV)

O resultado? 1×1. Após a partida, nosso supervisor, Domingos Bosco, comunicou o ocorrido ao Presidente Horta, que ficara no Rio de Janeiro. Irritado, o eterno presidente tricolor nem deixou quicar do outro lado da linha: “Demita este Jajá daí mesmo!”. Jair da Rosa Pinto nem desembarcou no Galeão, seguiu sua vida ocupando seu merecido lugar na história do nosso futebol, e quando os repórteres procuraram o presidente na ocasião ele justificou a sua demissão: “É para testar uma nova comissão técnica!”. Quanto a Rivellino, limitou-se a sorrir ao meu lado. Sua genialidade estava acima dos testes submetidos pela incoerência humana.

QUE PAIXÃO É ESTA?

por Zé Roberto Padilha


Um Whisky antes, um cigarrinho depois. Esta era a receita do cinema brasileiro da década de 70, de Roberto e Reginaldo Farias, para se alcançar uma paixão que se colocava no meio do filme. A música era a Bossa Nova e a garota a ser conquistada era a de Ipanema. A outra paixão, o futebol, aparecia antes na tela como aperitivo. Era o Canal 100, de Carlos Niemeyer, e as jogadas, cadenciadas e esculpidas, pareciam passar em câmera lenta para acompanhar a trilha sonora. De repente….

O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!! O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!!

De repente, este grito se tornou mais forte por toda a cidade de Três Rios. Bares adotaram as cores rubro-negras, embaixadas foram inauguradas e vários ônibus partiram antes das 17h para o Maracanã em meio a uma enorme euforia. O filme que passava naquela quarta-feira tinha Flamengo antes, durante e depois. E eu me perguntava: de onde veio esta súbita comoção? Do gramado para a sociedade impossível, porque o nível técnico por lá emanado despencou. Seu craque maior, Diego, saiu do Brasil quando a 8 lhe cabia e, tal como Nenê, recebeu a camisa 10 na volta para reger músicos à altura da sua batuta. E se não veio do gramado, de onde eclodiu esta paixão?


O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!! O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!!

O torcedor ganhou com a Internet uma poderosa ferramenta de confronto, não de interação social. Facebook e WhatsApp têm colocado fogo alto nos debates políticos e esportivos, e jogado banho maria sobre postagens ao amor e ao idealismo. Se enviam mensagens à mulher amada poucos compartilham, mas se sacaneiam um tricolor, debocham de um vascaíno, alcançam milhares de seguidores. Sendo assim, no lugar da camisa Lacoste, da calça jeans da Fórum e uma pitada no pescoço de Azarro, o traje da conquista foi substituído pela camisa do Flamengo sobre uma calça ou bermuda surrada. A namorada? Que espere o resultado depois.

O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!! O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!!

Sou saudoso. E não saudosista. Como tricolor carrego um enorme orgulho de ter defendido um ano esta nação. Mesmo assim, tenho o direito de sonhar que no CD do carro do meu filho vá tocar Tom Jobim. Que seja poupado da musica da Anitta, não da presença da morena ao lado, mas que ouça um dia Chico Buarque de Hollanda. E que numa quarta-feira à noite da Libertadores da paixão, leve minha futura nora para jantar à luz de velas, e esquecer, nem que seja por uma partida, refletores midiáticos que transformaram Trauco em Junior, Rômulo em Adílio e Diego em Zico.

A TROCA

por Sergio Pugliese


(Foto: Arquivo)

Longe das Lei Secas e Choques de Ordem que brotam em cada esquina do Rio, o carioca Rodrigo Duque Estrada, após passear pelas belas ruas de Faenza, pequena cidade ao norte da Itália, onde mora há oito anos, estacionou sua lambretinha vermelha e preta para caminhar e pegar sol no Parque Bucci. Trabalha com gastronomia e eventos no badalado Osteria della Sghisa, dorme pouco e precisava relaxar. Mas alguns metros depois viu um policial, cara de mau, aproximar-se e anotar sua placa. Voltou correndo.

– Oi! Bom dia, senhor! Por que está me multando?

– Porque aqui não é permitido estacionar scooter e motos, só bicicletas. Não viu a sinalização alertando? – respondeu, sem disfarçar a impaciência.

O aviso realmente era gigante e a lambreta descansava milimetricamente sob a placa, ridículo.

– Impressionante como não vi…..distração total – desculpou-se, com um sorriso amarelo.

– Mas um painel deste tamanho? É impossível não vê-lo! – resmungou o guarda Ivan, enquanto prosseguia as anotações.

Realmente era incontestável, indefensável, inexplicável…….

– Só posso pedir desculpas – admitiu, baixinho.

A cara triste do menino do Rio, certamente desenvolvida em mergulhos teatrais, no Tablado, levou o policial a erguer uma das sobrancelhas e observá-lo.

– De onde é?

De onde mais poderia ser? Moreno, recém chegado de uma temporada de surfe na costa francesa, malhadão, sorriso fácil, rato de praia, neto de Dona Inês e, acima de tudo, bom de lábia!

– Sono brasiliano! Vengo da Rio de Janeiro – respondeu, orgulhoso, com sotaque ítalo-carioca.

Quando ouviu “Rio de Janeiro” a sobrancelha erguida deu lugar a um sorrisinho malicioso, reservado aos grandes estrategistas.

– Rio! Praias, belas mulheres e…..futebol! Joga futebol?

Peraí! É até falta de respeito perguntar isso para um carioca da gema, cria da escolinha do Flamengo e ídolo no Maconhão, tradicional campo de soçaite, na saída do Túnel Rebouças. Calma, Dona Inês, o apelido do campo é esse, fazer o quê? Dona Inês Estrada é a avó coruja, fã de carteirinha do moleque. Ela lembrou que o neto também era craque em piruetas e faltava pescoço para guardar tantas medalhas conquistadas na ginástica olímpica do Mengão.

– O futebol é minha paixão e me considero bom de bola, sim – respondeu com a inconfundível marra carioca, ao estilo baixinho Romário.

O policial respirou aliviado com a revelação e guardou o bloquinho no bolso.

– Jura? Que ótimo! E por qual time torce?

Aí, virou bagunça. Ivan deu um braço e Rodrigo abocanhou o corpo todo! Olhos arregalados, como em transe, sacudiu os ombros do guardinha e encarou-o firme antes de gritar, relembrando os velhos tempos de Raça Rubro Negra, no Maracanã: 

– Tifo per il Flamengo!!!! Flamengo fino allá fine!!!! (Torço pelo Flamengo!! Flamengo até morrer!!!).

E emendou.

– Jogo na praia, em salão, cimento, terra batida, paralelepípedo, pé-de-moleque, ladeira…..

Um jogador completo, pensou o fominha Ivan, que construíra um campinho nos fundos de sua casa. E um brasileiro bom de bola por lá, além de levar fantasia às peladas de sábado, ainda colocaria os adversários no bolso. Seria a salvação da lavoura! Então, foi a vez dele, olho no olho, balançar os ombros de Rodrigo e propor, entusiasmado.

– Cavolo! Allora ti lascio il mio numero e vieni a giocare con noi! La multa lasciamo perdere, facciamo finta di niente! L’unica cosa che devi promettere è di venire a giocare nella mia squadra! Ci conto!!! (Puxa!!!! Então deixo o meu número e vem jogar conosco! A multa deixamos para lá!! A única coisa que precisa me prometer é vir jogar no meu time! Te espero!).

Rodrigo carimbou a proposta ali mesmo. Prometeu ficar de olho vivo nas placas e virar garoto propaganda das leis de trânsito. Desculpou-se pela infração e partiu.

Feliz, o guarda Ivan observou sua nova contratação sumir em direção ao parque. Antes de entrar na viatura, retirou o bloquinho do bolso e arrancou a página da multa. Com um sorriso maroto, transformou-a numa bolinha e a jogou para o alto. Na sequência, matou no peito, fez três embaixadinhas e com um chute preciso acertou a pelota de papel dentro da lata de lixo.

O ELÁSTICO DE OLHO

por Mauro Ferreira


(Foto: Reprodução)

Eu não estava no banco tricolor. Não tinha idade – e nem futebol – para tanta pretensão. Mas estava no Maracanã naquela tarde. Eu e meu Velho, “seu Ayrton”, que escolheu ficar no meio de campo, a zona da arquibancada onde você podia torcer por qualquer time sem ser incomodado ou incomodar qualquer torcedor adversário. De lá de longe eu vi a obra ser desenhada, linha a linha.

Rivellino era o frisson de todo tricolor. A estreia contra o Corinthians já servira de aperitivo. Na verdade, um banquete de aperitivo. Três gols. “A Máquina” se consolidava como o apelido daquele time. Não era o apelido correto. Máquinas têm comportamento óbvio, repetitivo. E nada havia de óbvio e repetitivo. Eu não gostava do apelido.

Lá de cima, bem lá em cima da arquibancada, de longe, vi Rivellino parar na frente de Alcir. Um mortal escolheria o passe lateral, manter a posse de bola. Não ele. Não o imortal Rivellino. Em princípio não entendi o que havia acontecido, tamanha a velocidade da ação. Só vi quando, diante do lendário argentino Andrada, Rivellino estufou o barbante. Meu cérebro só interpretou o lance todo depois de comemorar muito, abraçado ao meu pai.

Se eu não sendo boleiro, estava estupefato, imagino aqueles ocupantes do camarote privilegiado que era o banco de reservas. Imagino a cabeça do Zé Roberto tentando entender o inesperado. O não óbvio, o lance além da repetição. Não era uma máquina. Era o improviso além da partitura. A surpresa, o imponderável, o talento que diferencia os gênios dos normais.


Foto: Acervo O Globo

Anos mais tarde, já jornalista, vi outra obra do mesmo gênio. Dessa vez, no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Jogo de despedida do zagueiro Elias Figueroa. Daqui da terrinha, partiu uma seleção de veteranos. Félix, Marco António, Búfalo Gil, Luiz Pereira e outros que não lembro. Dessa vez, eu não estava longe. Atrás do gol defendido por Felix, sentado no gramado, vi mais uma obra prima.


Foto: Agência Estado

Ainda no campo de defesa, uns dez metros antes da linha do meio campo, mais próximo da lateral esquerda, Rivellino levantou a bola, olhou para a defesa como se procurasse alguém dela e fez o lançamento para Gil, que corria pela direita e já no campo do adversário. Drible de olho. Elástico com o olhar. Não foi gol, mas o “ó” que saiu da boca de todos naquele estádio lotado foi uníssono e muito alto. Um passe de mais de 50 metros olhando pro lado contrário ao da direção do passe que dera.

De volta ao Brasil, fui o mais rápido possível encontrar com meu pai. Quis dividir com ele o que havia visto. Era uma forma de retribuir o presente dado anos antes. O Velho Ayrton ouviu em silêncio cada detalhe do lance. O olho brilhou e o sorriso de canto de boca denunciou que bebia ávido tudo o que eu relatava.

Só os gênios são capazes de surpreender quando se consegue transferir em palavras, toda a emoção e criatividade de um lance de segundos.


Eu juro: gostaria de saber o que sentiu o pai do Zé Roberto Padilha, ao ouvir o filho contar sobre o tal “elástico” daquela tarde/noite do Velho Maraca. Juro. Conta aí, Zé…