por Zé Roberto Padilha
Anteontem, nove da manhã, partiu perto de casa uma caravana de torcedores do Botafogo rumo ao Maracanã. Meia hora depois encontrei um deles que ficara pelo caminho, desolado e sentado na padaria. Estava indisposto, tomara um Sonrisal e preferiu ficar e assistir a partida pela televisão. O reencontrei à noite e ele estava brabo com o Rodrigo Pimpão. Segundo ele, não jogara nada e por isto foi fácil para o Flamengo alcançar a classificação às finais.
Como tricolor, igualmente classificado, disse, sem provocação, que ainda bem que era assim o futebol, um esporte praticado por seres humanos. Com uma diferença: com qualquer indisposição, principalmente aquelas em que bastam um sal de frutas, Rodrigo Pimpão, Lindoso, Camilo e Cia. tinham que embarcar no ônibus do clube, vestir a camisa e ir a campo defender sua paixão. E como toda a arte que é realizada ao vivo, serem contidos pela emoção e iluminados pela inspiração.
Se o seu filho Pipãozinho está com febre, seu salário atrasado, sua filha não fora bem na prova e ainda brigara com o namorado, paciência, mesmo não se sentindo bem, o chefe de família tem que jogar. E disse para ele, como advogado da classe: sabe quais os jogadores de futebol que atuam sempre do mesmo jeito, mantendo suas médias de atuações? Aqueles escalados por nossos filhos, não pelo Jair Ventura, que jogam no Playstation comandados por joysticks.
Neste jogo, com os atletas cada vez mais próximos da perfeição física, não há surpresas dos jogadores, mas daqueles que habilmente os manipulam. Enquanto a Sony patrocinar uma competição organizada pela FIFA, e usar o direito de comercializar seus jogadores nos joguinhos, tudo bem, mas já imaginou o contrário? Uma Champions League, uma Copa do Mundo, organizada pela Sony e disputada no computador?
Sábado, meus filhos, que torcem pelo Real Madrid disseram que seria mais fácil vencer o meu Barcelona dia seguinte sem o Neymar. Principalmente, segundo eles, porque Lionel Messi estaria passando por uma fase ruim. Mal iriam imaginar meus meninos que aquele argentino, quase de carne e osso, dormira bem, tomara o melhor café da manhã da sua vida, fora ao banheiro com a regularidade dos fins de semana em que enfrentara o Sevilha, o Atlético de Bilbao, e entraria no Estádio Santiago Bernabeu motivado para realizar toda aquela magia. Seres quase humanos a habitar nosso imaginário carente de emoções nos finais de semana.
Que bom que continuem assim, de carne, osso, carregando os seus problemas da vida e entrando em campo para tentar amenizar os nossos. Aos humanos comuns cabe a tarefa de pagar o ingresso, subir naquele ônibus da torcida ou ligar a televisão e assistir o imponderável. Não tem preço. Tem uma única magia chamada futebol. Quando pega na veia nos consagra, quando um penalty é perdido nos arrasa, o que fazer se, mesmo assim, ele faz um bem danado na vida da gente?