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zé roberto padilha

ESTE CARA SOU EU

por Zé Roberto Padilha


Os cabelos, o bigode, as espinhas e os meniscos se foram. O olhar cansado, após 90 minutos defendendo uma nação, tinha na foto uma explicação: o Flamengo vencera o Vasco por 3×1 e conquistara, após correr os 90 minutos, pela avaliação do Jornal dos Sports, a melhor nota da minha carreira: 9,5. Portanto, acreditem porque já se passaram 41 anos: este cara sou eu.

Apenas Arthur Antunes Coimbra levara uma nota maior naquela tarde, um 10, porque já era o Zico. E marcara dois gols, um deles inesquecível na cobrança de uma falta. Tinha motivação de sobra para jogar o que joguei: o Maracanã recebia no dia 4 de abril de 1976, 174.770 pessoas. O quinto maior público da sua história. Três vezes a população da minha cidade, Três Rios. Pelo menos, ficara sabendo na véspera, que três kombis e dois ônibus da Viação Salutaris conduziriam para lá um pouco da minha gente. Meus pais, irmãos, primos e amigos acabaram também por lá acotovelados. Não poderia decepcioná-los. Não duvidem de quem não dormiu, de tão ansioso, na noite anterior ao clássico: este cara da foto sou eu.

Fui para o Flamengo duvidando de mim mesmo. Como tricolor de carteirinha, escudo pintado no caderno do Colégio Entre-Rios e lambrecado de pó de arroz toda vez que ia aos jogos, passei sete anos nas Laranjeiras torcendo e jogando pelo Fluminense. Ou jogando e torcendo, a recompensa era a mesma. De repente, a troca. Eu para a Gávea, Doval para as Laranjeiras. Da noite para o dia, atleta profissional de futebol. Fim do amor a camisa. Início de fato da profissão. Daí, corri feito um louco e devo ter jogado como gente grande. E afirmo, porque tinha que provar para mim mesmo que podia vencer com outra camisa, mesmo que fosse “a inimiga”: este cara sou eu.

Dia 11 de agosto de 2017, sexta-feira, às 19h30, na Livraria Favorita, no Shopping Américo Silva, estarei autografando meu novo livro: “Memórias de um ponta à esquerda!”. Para provar, levarei comigo os olhos do Bruno, os cabelos da Roberta, o rosto do Guilherme e a coração rubro-negro da Priscila Ou colocarei uma peruca. Pouco importa: estarei por lá esperando vocês. Porque este ponta esquerda aí da foto, um tricolor que se orgulha de ter defendido uma nação, jura para vocês: este cara sou eu.

FUTEBOL É MOMENTO

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Esta frase sintetizava o pensamento do nosso professor da bola, João Baptista Pinheiro, que nos treinou dos 16 aos 20 anos nas divisões de base das Laranjeiras. Entre seus alunos, a nossa turma de 68 tinha, entre outros, Nielsen Elias, Abel Braga, Rubens Galaxie, Carlos Alberto Pintinho, Erivelton, Kleber, Marco Aurélio, Gilson Gênio, Marinho, Té, eu, e que se tornaram profissionais. Para ele, Pinheiro, quem estava melhor jogava. Quem não estava no ponto, que sentasse no banco e esperasse a sua vez. Porque o futebol não pode esperar. Futebol é momento, afirmava todo santo dia.

Hoje, vendo o Fluminense disputar um campeonato presente com um time futuro, pergunto: será que o Abel esqueceu as lições do nosso mestre? Contra o Corinthians entramos em campo novamente com os meninos do amanhã que só lhe abastece de desculpas. “Calma, gente, são garotos!”. Até quando? Mas e a torcida e as gozações? E a zona de rebaixamento se aproximando perigosamente no presente?


No domingo, no natural impulso adolescente que corre em suas veias, correram também com a bola e erraram o dobro dos passes do time adversário. No lugar de valorizar sua posse, rifam a criança por impulso, só mesmo o tempo do Jô, a rodagem do Fagner, a experiência do Romero para mostrar a cada um a importância de mantê-la sob sua guarda e posse. Ao perdê-la vem contra-ataque, e mesmo tendo a juventude ao seu lado para tentar recuperá-la, muitas vezes vão buscá-la no fundo das suas redes. E dar nova saída para outras precipitações da idade. Novos erros de passe. Sei que faz parte do aprendizado, mas os torcedores tricolores não querem mais bancar este estágio. Querem um time concretado em bases sólidas, que o defenda no momento presente. E volte a sonhar com uma vaga na Taça Libertadores da América.

Soluções? Emprestar o Scarpa e o Wendell para buscar experiência fora do clube e trazer o Conca de volta. Sem chances no Flamengo, nada como ter a humildade de reconhecer o valor de um grande ídolo e convidá-lo a vestir a camisa que melhor lhe cabe. Avançar o Henrique para o meio campo para levar sua experiência para uma área de raciocínio habitada por inexperientes, e escalar no seu lugar um zagueiro alto que pelo menos suba com os Balbuenas. Como ele, dez centímetros mais baixo que cada zagueiro que desce nos escanteios, não consegue fazer.


Aprendemos, Abel, com nosso treinador, além do fato do futebol ser vivido no momento presente, que não basta apenas apontar os erros. Temos que, pelo menos, mostrar possíveis soluções. Que tal as minhas? Afinal, estava na carteira ao lado e quem sabe prestei mais atenção naquele momento da preleção do que você?

ANGÚSTIAS DE 76

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

As rádios só tocavam Belchior em 76: “Estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol…”. E era natural que ao colocar a bola na marca do cal para bater o quarto pênalti da decisão da Taça Guanabara entre Flamengo x Vasco, no dia 13 de Junho de 1976, diante de 124.000 torcedores, entre eles toda a minha família que chegara de Kombi de Três Rios, tenha lembrado da música. E uma imensa vontade de corrigir aquela letra, pois ninguém fica mais angustiado do que o batedor na hora do gol. Se o Mazaropi pega, vira herói. Se o Zé Roberto perde, se torna o vilão daquela decisão.

Quando olhei para o gol, cadê ele? Cabeças da geral colaram na cabeça das cadeiras que por sua vez encaixaram nas cabeças torcedoras da arquibancada. Tem um quadro da Djanira com esta tomada. Só com cabeças. Só dava para distinguir, em meio ao nervosismo, os filetes brancos das traves – e o goleiro vascaíno ainda por cima estava todo de preto. Quase um vulto a proteger aquela cidadela intransponível porque as redes estavam invisíveis e eram elas que desnudavam o alvo que precisava ser atingido. Para complicar ainda mais os refletores do Maracanã eram precários, lâmpadas de led eram luzes de um tempo distante. Tamanha responsabilidade diante de tão pouca visão, só me restou uma súplica, um ultimo desejo ao destino que me guiara até ali: que não errasse aquela bola. Tão pequena, branca com a marca Drible e inocente à minha frente.

Depois que perdi um pênalti em uma preliminar nos juvenis, Lula, o ponta esquerda titular do Flu e da seleção, me chamou após o treinamento nas Laranjeiras e revelou o seu segredo: bater forte com o peito do pé e de curva à direita do goleiro, mirando a trave esquerda para a bola realizar uma trajetória contrária ao salto do goleiro. E quando fui bater na bola, Mazaropi, que nos conhecia das divisões de base, se atirou para aquele canto. E uma tia kardecista percebeu a manobra e virou meu tornozelo para o outro lado – pelo menos, durante várias CPIs instauradas ao longo da carreira, foi esta a explicação mais aceitável. A bola? Caprichosamente encontrou as redes no outro cantinho. Assustado, confuso e aliviado, voltava para o meio do campo quando ouvi de passagem o comentário de um Apolinho da Rádio Globo: “Quem sabe, sabe!”.


Mazaropi defende a cobrança de Tita

Não, ninguém sabe o que passa na cabeça de um cobrador de pênaltis. Em decisões, então, esquece. São tantas alegrias e tristezas que serão definidas por sua cobrança que, como dizia Neném Prancha, de tão importante deveria ser batida pelo presidente do clube. Se assim fosse, duvido que o presidente do Vasco não fosse o Roberto Dinamite. Ou vocês queiram mais lambanças do Eurico? A propósito, Zico, o ultimo a bater pelo nosso time, perdeu o seu. Ele podia. Se perdesse o meu seria enforcado como Vladimir Herzog, assassinado como Edson Luis ou exilado como o irmão do Henfil. Não é este o destino reservado em 76, no auge do regime militar, para os que “traíam” a nação?

A NOSSA PORÇÃO EURICO MIRANDA

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Ainda vai levar um bom tempo para levantarmos a nossa Bandeira de Mello da racionalidade esportiva. Porque no Vasco e Flamengo de cada dia carregamos dentro da nossa paixão uma porção Eurico Miranda. Sábado, após toda a confusão provocada pela sua torcida em seu estádio, o presidente vascaíno reuniu a imprensa e pediu desculpas. E foi logo avisando: eu não tenho culpa de nada. E quanto a nós?

Somos habitantes de um país novo convivendo com uma liberdade tardia. Com a última das abolições concedidas e ainda nada independentes do jugo do capital estrangeiro. E escolhemos o futebol para nos vingar da violência, da opressão colonizadora, das imposições imperialistas. De um lado da Faixa de Gaza exigimos a seriedade, a justiça, a democracia. Do outro, o que será preciso para levar a nossa equipe a ganhar o jogo? Qual o preço no mercado para levantar um título? E entre um ídolo a presidir o nosso clube, um cidadão sensato e tranquilo como Roberto Dinamite, e um cartola-torcedor exaltado capaz de afirmar que “não sei se tenho mais prazer numa relação sexual ou quando ganho do Flamengo”, nós votamos no último. E que outra reação poderíamos esperar dos seus torcedores após perder uma partida em casa para o Flamengo? Apertos de mãos entre os jogadores? Respeito aos torcedores adversários que se tornam em 90 minutos vorazes inimigos? Quando Everton parou a sua frente e deu uma pedalada, Nenê deixou de ser bebê porque seu berço fervia. Foi violento e adulto e lhe deu uma violenta entrada porque o mau exemplo estava sentado fumando charuto nos camarotes de São Januário. E o rastilho de ódio foi se alastrando pelas arquibancadas.


(Foto: Reprodução)

Reclamamos da suprema corte quando um dos seus membros, Gilmar Mendes, se reúne tarde da noite para conversar em Brasília com o mandatário investigado de um poder paralelo. Porém, na hora de votar pra presidente do nosso clube optamos por quem tem como lema: “O que a justiça tem que entender é que o futebol brasileiro tem as suas próprias leis!”. Somos todos a favor da igualdade social, do respeito a diversidade étnica, religiosa e sexual, mas para comandar nossa paixão exacerbada, doentia, permitimos ser dirigido por quem carrega a bandeira da segregação. “Futebol é coisa para homem que mantém distância um do outro, por isso sou contra homossexual e mulher no futebol”.

Tão novos enquanto nação, pouco sabemos se já somos povo ou não passamos de uma massa de manobra. Pois se William Bonner nos conclama as ruas para tirar do governo quem apenas pedalou, a exigir a saída de uma incorruptível exceção política eleita pela maioria da população, que cidadania habita dentro de nós que se cala, não bate mais panelas e se omite diante do primeiro presidente da nossa história denunciado por corrupção? Pois se o juiz erra e marca um pênalti contra o nosso time, discutimos com os amigos, brigamos com a patroa e o chamamos de ladrão. Se o erro for a nosso favor, trocamos de canal, procuramos outras imagens, depoimentos nas resenhas que anistie o pobre do coitado.

Em breve a justiça vai se pronunciar nas duas instâncias. Se a merecermos perante nossa incoerência cidadã e esportiva, mais de 173 deputados, entre 513 parlamentares, irão votar pelo arquivamento das denúncias contra Michel Temer. E São Januário tomará apenas dois jogos de suspensão. Enquanto não levantarmos a Bandeira de Mello da coragem cidadã, voltarmos às ruas e aos estádios empunhar a bandeira da democracia, seremos eternamente habitantes do país Eurico Miranda que merecemos.

AVE, MANCINI

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Ele foi contratado para realizar uma pré-temporada atípica: dirigir em 2017 um clube de futebol sem time. Todos os outros treinadores que disputariam com ele o estadual, a Recopa, a Copa Sul Americana e a primeira divisão do Campeonato Brasileiro tinham perdido alguns jogadores e contratados outros. Mantiveram as suas bases, no máximo em um mês um novo sistema tático estaria definido. Com Vagner Mancini foi diferente: teve que organizar uma nova comissão técnica, nem o massagista ele encontrou no vestiário, e formar um novo time, já que perdeu para a posteridade dezessete jogadores. Não encontrou nem titulares, nem reservas.

Quem os levou foi quem o iluminou nesta espinhosa missão: recusou vários medalhões que se ofereceram em meio a um mar de altruísmo e fraternidade que se formou pelo país e pelo mundo, e montou um elenco de bons jogadores que carregavam, acima de tudo, uma história de superação e luta. Do Flamengo veio o Luiz Antonio, que estava no Sport, o Atlético Mineiro cedeu Lucas e Dodô, do Palmeiras Nathan e Vitor Ramos, o Londrina colocou o Caike à sua disposição e o São Paulo emprestou o Reinaldo. Douglas Grolli veio do Cruzeiro e Apodi, Neném, Osman e Wellington Paulista foram indicados por ele. Por mais que fosse um técnico rodado, nos primeiros coletivos teve que perguntar a um deles, como um treinador da base: “Em qual posição você se sente melhor meu filho?”.


(Foto: Reprodução)

Mesmo assim, como num milagre após o desastre, a bonança após a tempestade, conseguiu armar um time tão competitivo que alcançou o título estadual. Foi vice-campeão da Recopa e está classificado para as semifinais da Copa Sul Americana, ao lado do Flamengo. E após dez rodadas do Campeonato Brasileiro, ocupa a décima terceira colocação à frente de Atlético Mineiro e São Paulo. Vagner Mancini, sua comissão técnica e todo seu elenco mereciam ser reverenciados. No mínimo, respeitados. Mas ontem, sete meses depois de toda esta bonita história de reconstrução, saíram de campo vaiados após perderem em casa para o Atlético Mineiro. A imagem de um torcedor da Chapecoense exaltado, xingando os jogadores ao final da partida, só contido pela polícia, nos faz refletir: será que o luto acabou? Sabemos que o oficial decretado é de três dias, em caso de um Presidente da República, como Tancredo Neves, ele foi de oito dias. E quanto ao falecimento de um clube de futebol onde a emoção está sempre colocada acima da razão?

Segundo a psicologia, “O luto complicado não é definido por seu tempo de duração. Trata-se da compreensão de um tempo de Kairós, que designa o momento certo, e não o tempo de Chronos, que mede a quantidade de dias ou de horas”. Compreensão de um tempo. Seria mesmo pedir muito para um universo que vaia até minuto de silêncio, que fica na tocaia esperando o ônibus adversário passar com pedras na mão e que não é capaz de enxergar, mesmo jogando em casa, o valor destes novos heróis que o criador enviou para substituir os seus.