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zé roberto padilha

A CORAGEM PARA VENCER DESAFIOS

por Zé Roberto Padilha


Além de decidirem uma vaga nas semifinais da Copa do Brasil, Flamengo e Botafogo realizaram mais que uma partida decisiva. Foi, durante os 90 minutos, uma lição de auto ajuda que entrou na alma dos torcedores pelo país disfarçada em emoção. Uma lição em meio a paixão, que serve para melhorar a vida de todo mundo. Refiro-me ao desejo de vencer. De sair dos vestiários do seu conforto e entrar no serviço público, no escritório, nas fábricas e na universidade com a coragem com que o Flamengo entrou em campo. Sem o receio botafoguense de anteontem, de jogar o seu destino por uma bola. E levar projetos de vida para serem decididos nos pênaltis.

Não vou recorrer à estatísticas frias e calculistas, como conferir posse de bola, chutes e escanteios a favor. Isso é feito por todas as transmissões no show do intervalo. Vou ficar com os impressionantes piques do Bruno Silva para cima da zaga do Flamengo sem a bola. Ele marcou como nunca. E os trotes e toques que deu para o lado, das tímidas penetrações que ensaiou quando tinha o domínio da bola. Cada jogador rubro-negro procurou o gol como uma meta na vida a ser superada. Cada jogador alvinegro se afastou da meta como a esperar que a vitória fosse lhe cair colo. Como num outro lampejo de sorte. 


(Foto: Márcio Alves)

Como observador neutro e tricolor, mas apaixonado pelo futebol e pelo meu país, acabei torcendo para que a ousadia rubro-negra fosse, afinal, recompensada. Pois se a prudência e o receio de um contra-ataque fossem premiados e alcançassem as finais do Copa do Brasil, com que estímulo sairíamos às ruas, bateríamos panelas sem Temer, para mudar o Brasil ano vem? Parabéns, Flamengo, pelo exemplo de ontem, por sua coragem em se expor e superar desafios. Nossa nação estava precisando de exemplos assim de uma mesma nação.
 

OS NOVOS LIBERTADORES DA AMÉRICA

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Mal acordei e o WhatsApp disparou: “Caiu!”. Logo abaixo, efeito cascata, centenas de compartilhamentos assinavam abaixo: “Estava insustentável!”. “Burro!”. Se vivêssemos em um país sério, a queda seria do presidente da república. Passou a perna no interino, escalou mal seus ministros e comprou meio time para se manter no cargo. Mas quem caiu foi Zé Ricardo, o técnico do Flamengo. Sua culpa? Trabalhar num país cujos homens torcem mais por sua nação do que a defendem como cidadãos. Michel Temer está firme no cargo – e um cara do bem, honesto e trabalhador perdeu o seu.

Saí para comprar o pão e os garis aceleravam suas vassouras em euforia. Varriam o lixo como retirassem todo e qualquer resquício daquele seu treinador. “Aonde já se viu, Diego e Everton Ribeiro juntos?” Pouco estavam interessados em saber que a escalação do Gedell Vieira ao lado da mala de Rocha Loures ajudou a comprar a reforma trabalhista, cuja terceirização irá ameaçar a estabilidade por eles alcançada no concurso mais concorrido do estado.

“Finalmente, que venha o Wanderley!”. Wanderley Luxemburgo, outro cara do bem, já garantiu o seu futuro. Será que com a reforma da previdência nossos valorosos garis não sabem que vão varrer ruas até os 85 anos para alcançar a sua?

O Brasil voltou recentemente a ocupar a zona do rebaixamento no quadro da Fome da ONU. De que importa? O que vale mesmo é o Flamengo ficar entre os quatro que vão à Libertadores. Para alcançá-la, são capazes de encher um ninho de urubu num domingo de praia e deixar completamente vazios os palcos de luta e resistência como a Avenida Copacabana e a Paulista.


Antes, os libertadores da América tinham sobrenomes como Bolívar, Martin, L’Overture, Guevara, Guimarães e irmão do Henfil. Hoje, a liberdade é buscada de uma forma tão imbecil que enforcamos inocentes a céu aberto – e nos calamos dentro de casa e damos folga às nossas panelas diante dos culpados.

Bom dia, Brasil. Num passe de injustiça, a bandeira de Mello foi erguida nesta segunda-feira após a derrota para o Vitória. Só mesmo em um lugar onde Michel Temer continua e Zé Ricardo perde o seu lugar é que toda vitória significa uma derrota. E assim será enquanto não erguermos outras bandeiras de luta. E levarmos o nosso próprio país a sério.

QUEM DIRIA, PARIS AOS NOSSOS PÉS

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Em meio a tanta polêmica durante a transferência do Neymar do Barcelona para o Paris St. Germain, senti, durante a exibição do Globo Esporte, um imenso orgulho de ser brasileiro um dia após ter vergonha de ser. A reportagem mostrava uma imensa fila em torno do quarteirão da Champs-Élysées não para buscar, com exclusividade, o ultimo livro de Harry Porter. Muito menos, para o lançamento de um iPhone de ultima geração. Em Paris, a cidade luz, o produto cobiçado por todos desta vez era brasileiro. A imensa fila buscava a primazia de conseguir uma camisa do PSG que vestiria a nossa maior matéria prima de exportação: um jogador de futebol.

Não temos os cérebros que trabalham no Vale do Silício, muito menos a pretensão de alcançar o berço da literatura inglesa. Porém, nenhum país do mundo conseguirá produzir um jogador de futebol do nível do Neymar.


Como país eternamente colonizado e explorado, desde cedo portugueses, franceses, holandeses e ingleses desembarcaram em nossas costas para levar nossas riquezas. Com o Pau-Brasil pintaram seus tecidos, com a borracha ergueram a Pirelli e a Good Year, e o açúcar viajou para adoçar suas iguarias. E o café acabou tomando o lugar do chá pelo mundo. Mas quanto ao jogador de futebol, Pero Vaz Caminha já avisava em carta que seria mais difícil:

“Aquele povo tem a cultura de base européia, a agilidade e a força Etiópia e a simplicidade natural dos seus nativos. Seu segredo é colocar tal diversidade desde cedo em campos irregulares, de terra batida, atuar completamente descalços, e exercer exaustivamente este dom, principalmente porque seus meninos carentes não conseguem acesso à educação. Utilizam o tato atrelado à bola, no lugar de afastar a sensibilidade com chuteiras, como fazem pelos laboratórios de futebol pelo mundo. Dali retiram soluções inusitadas, inesperadas, que os zagueiros pelo mundo, e suas retrancas suíças, levarão séculos para desenvolver uma vacina”.


Tudo bem, assistindo o atual nível do Campeonato Brasileiro, Neymar deve ser mesmo a nossa última matéria prima de excelência. Campinhos de pelada nas periferias foram ocupados pelo Projeto Minha Casa, Minha Vida. E o Bolsa Família fez com que as mães carentes tirassem seus filhos da pelada e os colocassem na escola. E os vacinassem. Quem diria, a conquista da dignidade cidadã está secando na fonte nossa ultima espécie em extinção. E Paris, que pena, Alain Delon, Brigite Bardot, Cristian Dior e seus perfumes, nunca mais vai ser curvar aos nossos pés.

FORÇA, ABEL!

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Pouco importa, neste momento, a causa que levou precocemente o seu menino. A nós, seus companheiros, cabe apenas compartilhar a dor. E prestarmos solidariedade a você, Abel, neste momento tão difícil. Independente dos motivos que nos afastaram de um convívio tão bonito, iniciado quanto tínhamos apenas 16 anos, dos infanto-juvenis até os 23 anos, quando Francisco Horta lhe enviou ao Vasco e nos espalhou pelos clubes do país e do Rio, somos todos frutos de uma preciosa geração tricolor. De uma escola onde a ética, a honra, a decência, a disciplina e o amor ao esporte nos foram repassados por professores do tamanho da integridade de João Baptista Pinheiro, Píndaro, Roberto Alvarenga, Argeu Afonso, Sebastião Araújo, Drs. José Rizzo Pinto, Haddad, Durval Valente, roupeiros Silvio e Ximbica. Entre tantos.

Quando o ciclo das nossas vidas se conflita e um pai se despede do filho, nenhum abraço reunirá qualquer força a trazer junto ao peito prazer nenhum ao coração. Porém, Rubens Galaxie, Marinho, Nielsen, Marco Aurélio e eu, que unimos nas Laranjeiras a Vila da Penha com Conselheiro Josino, Realengo junto ao Catumbi, chegamos Muriaé mais próxima de Três Rios, como uma só família que venceu o estadual juvenil 1970, levou ao Torneio de Cannes nosso amor pelo Brasil, e voltou de lá orgulhosa de ter alcançado o primeiro título amador mundial do futebol brasileiro, não poderíamos deixar de estar ao seu lado nesta hora.


Porque nossos 18 anos, comemorados em 1970, foram diferentes dos 18 anos dos nossos meninos. Naquela ocasião, não precisava da Força Nacional ser convocada de Brasília para proteger o povo carioca. Os morros não haviam sido tomados pelos traficantes, apenas geravam talentos, Cartolas, sambas e poesias. Pelo contrário, do Borel só desciam virtuoses para os estádios, como Geraldo e Carlos Alberto Pintinho. E a favela ao lado do Flamengo só gerava Adílios. Tinha o Píer de Ipanema, o La Mole, a New York Discotheque e uma garota toda linda, cheia de graça, que vinha e passava seu doce balanço a caminho do mar. 

Éramos felizes, inocentes e sabíamos disto. Me And Mrs Jones, de Billy Paul, era sua musica predileta, seu Opala era branco e do piano que tocava saíam notas inocentes da Bossa Nova. Nada afastava a cidade maravilhosa da simplicidade do subúrbio e do interior em que fomos criados. Infelizmente, tantos anos depois, não foi esta a sociedade herdada pelos nossos filhos. Perdeu-se a pureza, a educação, a segurança e o respeito. O consumo tomou conta de tudo e embolou no Barra Shopping a Bibba, a New Man, o Cine Roxy e o Bob´s que dividiam seu glamour pelos bairros. Drogas, que drogas, são oferecidas hoje nas esquinas e a segurança e o medo estão espalhados nas calçadas. Restava o governo tomar providências, mas este está preso, foi fazer graça em Paris e deixou nossos servidores sem salários, escolas sem professores, hospitais sem remédios.

Sei que neste momento você gostaria de trocar de lugar, época, de moda, hábitos e costumes com seu menino. Às vezes pego meu filho ouvindo Mr. Catra e gostaria que tivesse o privilégio de ouvir em sua idade Lennon & McCartney. No lugar da Anitta, Gal Costa ou Nana Caymmi. Escrever uma carta de próprio punho para a namorada, não uma postagem seca no Facebook, uma mensagem instantânea, muitas vezes irrefletida, no Whatsapp. Mas fazer o quê, esta é a vida. E ela, dura que seja, que lhe ampare, lhe dê forças neste momento junto aos seus e receba um abraço carinhoso de todos nós, seus eternos companheiros de formação, coração e de time..

Força, Abel!

SOMOS TODOS ROMERITO

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Romerito toda hora vem do Paraguai tomar a sua dose. Tem sorte, os portões das Laranjeiras lhe estão abertos e seu nome está sempre entre os convidados de qualquer festa. Mas e os outros dezesseis que o ajudaram a conquistar o Campeonato Brasileiro de 1984, aonde vão buscar as suas?

Todo ex-atleta profissional é dependente de uma droga conhecida como afago. Há também seu genérico, o reconhecimento. Ao longo dos clássicos, vem em uma embalagem para viagem, já quando a partida é na Rua Bariri, em doses homeopáticas. Diferente das outras profissões racionais, em suas veias são injetadas, pela emoção, irreflexão, doses de idolatria ao longo da carreira. O grau de dependência que se manifesta quando a encerram depende do tempo, e da equipe, que defendam. Se jogam no Timão ou Flamengo, fu…danou-se.

Nenhum jogador de futebol pediu para ser ídolo de alguém, mas os gols vão acontecendo, títulos são alcançados, ganham uma faixa em meio a torcida, viram figurinha para o álbum da Panini e goles e mais doses de aplausos lhes são oferecidos. Quando marcam o gol da vitória, então, lhe estendem um papelote. E lhe pedem um autógrafo. Dai seguem anestesiados a cada rodada até o seu jogo de despedida.


No primeiro ano sem a bola nos pés e uma dose no ego poucos sentem. Ainda são reconhecidos, alguns viram treinadores, comentaristas, escrevem suas memórias, sobrevivem. Mas, com o tempo, a ausência do afago, a subida da rampa do Maracanã com aquela bandeira que vestiu passando na cara e nem ela lhe reconhece, sente o início da dependência. Algo começa a faltar no ar junto ao corpo e a alma.

Quando o Fluminense comemorou seus 115 anos, semana passada, e chamou o Gil e não convidou os que fizeram dele um Búfalo da seleção no lugar do touro que surgiu de Vila Nova, faltou o ar para seus companheiros. Subiu a pressão. Passou a ser caso de internação. Sem outra qualificação, pois entendiam ser a profissão de jogador de futebol orgulho do seu país, descobriram quando pararam que a própria previdência lhe negou a insalubridade, mesmo com as chuteiras passado a centímetros de suas cabeças. E precisaram se reinventar na sociedade, sem qualquer preparo ou estudo, para completar o tempo de serviço para alcançar a aposentadoria.


Mais fácil, então, entrar no primeiro botequim. Com um retratinho no bolso do seu time para ser reconhecido, tentar provar que foi importante um dia na vida de algum tricolor. E pedir uma cerveja, uma dose de licor para não lembrar que foi esquecido. Muitos não se chamam Romerito, são brasileiros comuns que se tornaram dependentes esportivos carentes de afago. E de doses profundas de reconhecimento. Na verdade, são todos ex. Para sempre.

*Qualquer semelhança com o autor não terá sido mera coincidência.