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zé roberto padilha

E O FELIPE SE PERDEU

por Zé Roberto Padilha


Tudo é muito rápido para a Geração Vizeu. Mal disputou uma Taça São Paulo de Juniores, são alçados à equipe profissional. Campeões Carioca Sub-20, vão direto para a seleção. Não tem o salário reajustado como todo trabalhador em ascensão na sua empresa. São triplicados antes mesmo da estreia. Tão carente anda o futebol de artilheiros, que basta marcar dois gols no estadual, um deles contra o Voltaço, que já vem proposta da Europa. Seu companheiro que deu um drible diferente ao seu lado, mesmo sem completar 18 anos, já vai jogar no Real Madrid.

Não é fácil para a Geração Vizeu cultuar o respeito, exercitar hierarquia sem queimar etapas na vida. Seja em casa, na escola, no futebol. Como uma manga embrulhada em um jornal, uma banana acondicionada em câmara de gás, não há tempo para o amadurecimento adolescente. O bom dia, benção meu pai, obrigado, sim senhor, o carinho com os cabelos brancos que, mesmo desnudando quilômetros percorridos, são ultrapassados pela velocidade do primeiro carro. Antes era um fusca. Hoje, o primeiro já é um Jeep. E o respeito vai ficando para trás.


Se Zico levantasse um dedo daqueles para o Liminha seria suspenso dos treinos. E afastado do time. Mas Zico passou pelo Chevette, teve carteira assinada, reajustes anuais, lições diárias do Seu Bria e respondia aos conselhos dos mais velhos com um aparelho que falava e ouvia.

Já o WhatsApp da Geração Vizeu não escuta ninguém. São tão rápidas as reações que não há tempo para reflexões. Mas tem jogo quarta, é o que mais importa. E como os interesses estão à frente da formação, feitas as pazes com o Rodolpho frente às câmeras. Sem freios, limites ou punições, estes meninos vão continuar erguendo os dedos, perdendo a cabeça e se arrependendo depois. Pode ser tarde. E valer mais do que uma efêmera Copa Sul Americana na vida de um cidadão que vai seguir em frente quando Felipe Vizeu parar de jogar. E de fazer malcriação.

TRIBUNAIS DE PADARIA

por Zé Roberto Padilha


Em 5 de outubro de 2017, Paolo Guerero, jogador de futebol, então gripado, utilizou uma medicação para melhorar sua respiração. E ganhar fôlego para enfrentar a Argentina em busca da classificação do seu país, o Peru, para a próxima Copa do Mundo de Futebol. Jogo decisivo, segundo ele, não poderia lhe faltar uma só partícula de oxigênio parta lutar pelo seu país.

Em outubro de 2009, na Dinamarca, segundo o jornal Le Monde, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, recebeu a propina de 1 milhão de euros pela compra de votos para a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Segundo Nuzman, que não estava gripado, não poderia faltar um só corrupto a ser comprado para não perdermos esta oportunidade única de receber a festa maior do esporte. “Custe o que custar!”, afirmou.


Guerrero, que vive dos seus salários e gratificações, queria apenas, segundo ele, respirar melhor. Já Nuzman, que violou os desígnios olímpicos pregados pelo Barão de Cobertin, segundo a imprensa, e leva uma vida abastada acima dos seus rendimentos, não quis se pronunciar. Mas enquanto um acaba de ser condenado em um café da manhã na padaria ao lado (“Certamente era cocaína, disse um torcedor!”; “Logo desconfiei de tanta luta e correria”, afirmou um vascaíno), o outro, embora preso preventivamente, foi solto porque quem se interessa, nos bares e nas esquinas do nosso país, pelos rumos do vôlei, basquete, handebol, judô e natação?

Somos latinos e passionais. Capazes de convocar às pressas, nas cadeiras de uma padaria, uma sessão extraordinária para julgar um jogador de futebol. E esperar, passivamente, quatro anos para que a chama olímpica seja acesa, ilumine nossa consciência e exija exames de fezes, porque urina é pouco, dos nossos dirigentes esportivos. A questão é: quem fez falta, anteontem, no comando de um ataque para dar orgulho, não vergonha, a uma nação? Paolo Guerrero ou Carlos Nuzman?

MEMÓRIAS DE UM PONTA

Quem acompanha o Museu da Pelada tem o prazer de ser brindado com belas crônicas de Zé Roberto Padilha, ex-ponta da Máquina Tricolor, Flamengo, Bonsucesso, Itabuna, entre outros. Politizado desde os tempos de jogador, o craque se formou em Jornalismo e decidiu reunir todas as suas crônicas no livro “Memórias de um ponta à esquerda”, lançado na última semana, na histórica Livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro.


Assim como a equipe do Museu da Pelada, Zé Roberto chegou com muita antecedência. O ex-ponta trouxe de Três Rios, na mala do carro, as camisas dos clubes por onde passou e, com a ajuda de Rodrigo Ferrari, da Folha Seca, fez questão de estendê-las em um varal improvisado na Rua do Ouvidor, dando ainda mais charme para a livraria.

Com o prefácio escrito por nosso capitão Sergio Pugliese, o livro reúne 42 crônicas muito bem escritas e variadas, sobre os tempos de jogador e assuntos atuais.

– O único problema é que o torcedor não consegue separar as coisas. A capa sou eu com a camisa do Flamengo e, por isso, tenho certeza que muitos tricolores ficaram na bronca e vão boicotar o livro – lamentou o ex-jogador.


Iata Anderson, Zé Mário e Zé Roberto

Craques como Júnior e Zé Mário fizeram questão de marcar presença no lançamento e promoveram uma resenha divertidíssima na livraria. Em um determinado momento, Zé Roberto relembrou um samba que criaram em “homenagem” a Merica, o “misterioso monstro que veio de Alagoinhas, transformando o local em uma verdadeira roda de samba. As gargalhadas foram inevitáveis.

– Você tá mais maluco do que já era, né? – cornetou Júnior.

No fim da resenha, um dos maiores “carrapatos” da história do futebol brasileiro, Zé Mário não escondeu o orgulho por fazer parte daquela geração.

– Jogamos na melhor época de todo futebol mundial. Joguei contra e a favor dos melhores do mundo. Não vai existir outra geração como aquela.

 

UMA MÁQUINA NA MÃO, UMA FRUSTRAÇÃO NA CABEÇA

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Cheguei ao Flamengo levando junto do Fluminense, em 1976, o maior lateral-direito em atividade do país, Toninho Baiano. Leovegildo da Gama Júnior, então titular da camisa 2, recebeu do nosso treinador, Carlos Froner, uma dica: ou vai se adaptar na lateral esquerda e disputar a posição com Wanderley Luxemburgo (o titular, Rodrigues Neto, tinha ido para o Fluminense no troca-troca) ou sentar no banco de reservas. Júnior aceitou o desafio e se adaptou tão bem à nova posição que chegou à seleção brasileira.

Na concentração, reparei a quantidade de saladas que seu prato continha, chamava a atenção diante de outros, como o meu, não tão politicamente saudáveis. Como todos ali que jogavam por amor à camisa, que nem tinha patrocínios, Júnior abriu mão das noitadas. Treinava de dia na Gávea e à tarde corria nas areias fofas de Copacabana. Sua renúncia e cuidados foram longe, se tornou o jogador que mais vestiu a camisa rubro-negra em jogos oficiais: 865. Só quem se cuida muito conseguiria alcançar patamares que Adriano, Ronaldinho Gaúcho e os integrantes do Bonde da Stelinha nem sonharam chegar.

E é sobre este exemplo de desportista, ilustre cidadão carioca e meu amigo que dedico esta crônica. Pois na semana passada postaram no Facebook cenas de sua intimidade. Num restaurante cercado de amigos e admiradores, bebeu um pouco mais. Tinha direito, era dia de folga na Rede Globo onde nos brinda com o melhor e mais imparcial dos comentários. Todos já bebemos acima do normal e nossas mulheres nos levaram em segurança para casa. Mas entre o ídolo, sua privacidade e os seus admiradores, havia a postos no local um jogador frustrado de plantão. Com uma máquina na mão, uma inveja na cabeça, um sonho inalcançável de ter sido jogador de futebol, registrou tudo. E jogou na rede.


Até a invenção da Internet, recalcados e frustrados sofriam, afinal, em que lugar poderiam expor suas fraquezas sem serem percebidos? Daí veio a rede social a lhe estender a tela, palco e o anonimato onde poderiam postá-las, compartilhá-las com outros recalcados que passariam frustrações à frente. Não conhecemos quem gravou a cena, mas quem o fez tem o perfil daqueles que sempre se incomodaram com a luz que Júnior irradia, carregando atrás de si cidadãos carentes de ídolos e a procura de um autógrafo, uma foto, um registro seu para a história.

O recalcado da vez não deve ter passado de um jogador qualquer no Aterro do Flamengo. Não sabe onde fica Pescara, e do Estádio Sarriá, em Barcelona, nem passou por perto. Nem que fosse para sofrer junto com a gente. Sua vingança por não ser famoso e tão bom de bola acabou no exato instante em que o Flamengo, 48 horas depois, entrou em campo contra o Bahia e o nome e rosto do Júnior na bandeira, imortalizada ao lado da do Zico, foi erguida com orgulho outra vez pela torcida na Ilha do Urubu. E vai ser sempre assim. Quando uma nação tomba um monumento seu como patrimônio histórico e esportivo, melhor os frustrados de plantão recolherem suas câmeras. E retornar às selfies com que vão revelando, a cada dia, o tamanho da sua mediocridade.

LARGO DO HUMAITÁ, RUA DO OUVIDOR

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Guillermo Planel

O primeiro adversário, antes do primeiro Fla-Flu, de quem sonha em se tornar jogador de futebol é o garoto que se alojou no beliche ao lado do seu. Que desembarcou do interior com os mesmos sonhos que os seus. Irão, primeiro, lutar pela posição que escolheram atuar e depois por um lugar no time titular. Mas o segundo adversário é que será responsável pelo paredão que eliminará a metade deles: a saudade.

Como todos eles, saí aos 16 anos do abrigo dos pais, da cumplicidade dos irmãos, da tranquilidade da minha cidade para viver num quarto cheios de beliches, ocupadas por fusos horários diferentes do meu no bairro da Urca. Mais precisamente, Rua Octávio Corrêa, 45. Como esquecer? E entre um rádio alto, um ronco vindo de cima, o pesadelo de alguns no fundo e um prato carregado de couve-flores que detestava, mas não poderia devolver, a saudade ganhava de goleada. Muitos correram para a rodoviária e jamais voltaram. Recuperaram a namorada que perturbava o sono e se tornaram craques amadores da sua cidade.

Eu, felizmente, tinha o Rubens, namorado da minha irmã, a quem liguei do primeiro orelhão que encontrei após uma noite esquecível – e encontrei abrigo no Largo do Humaitá. Uma família, mesmo não sendo a sua, era tudo o que precisava para não deixar de sonhar. E eles, os Junqueira de Souza, foram tão importantes na minha carreira quanto qualquer iluminada apresentação.

Em 1968, o Rubens, sempre brincalhão, gostava de fazer o teste da gente do interior: pegar em nossas mãos, cheias de vergonha, e atravessar todas as avenidas fora da faixa, que nem sei se já havia, em meio aos carros e aos sinais. Era como entrar com a bola dominada em uma zaga formada por Orlando Lelé, Abel, Geraldo e Alfinete. Se saísse ileso, entrava na cara do gol. Ou da praia. E fui treinando, atravessando, ficando.


Depois de 20 anos ziquezagueando entre avenidas e zagas distantes, voltei a minha cidade, Três Rios, e recuperei a tranqüilidade. De enfrentar carros e avenidas, mas que hoje, terça-feira, será novamente quebrada. Retorno ao Rio de Janeiro para lançar meu novo livro. Levo na bagagem não chuteiras, mas as histórias que elas nos permitiram escrever. Às 19h, na Livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro, estarei autografando “Memórias de um ponta à esquerda”, meu novo livro. Rubens Junqueira de Souza, engenheiro e casado com minha irmã, três filhos e sete netos depois, confirmou presença e prometeu ajudar a toda nossa gente do interior atravessar a Rua do Ouvidor. Entre elas, as nossas memórias, haverá um lugar de destaque, em nome da gratidão, a lhe estender às mãos e lhe dizer o meu muito obrigado.