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zé roberto padilha

A SUBIDA DAS PAINEIRAS

por Zé Roberto Padilha


Viciado em uma atividade física diária, a opção desta manhã foi ir de Três Rios a Paraíba do Sul, de bicicleta, pela estrada da Barrinha. Desde que foi asfaltada, tem sido dez km pra lá, dez km pra cá e, no intervalo, você tem a dúvida salutar, nada cruel. Com que água hidratar o treinamento: magnesiana, ferruginosa ou alcalina? Eu, com ritmo de stress, contra o tempo, minha esposa, sempre ao lado, sem ligar para os dois e a favor da natureza. Hoje ela não foi e eu tratei de violar minha natureza.

Sei que não sou mais ponta esquerda e voltava em um bom ritmo quando o meu amigo Dr. Edson, ortopedista e apaixonado pelo esporte, passou voando ao meu lado em uma bela Caloi 10. Só deu para ouvir a frase: “Desculpa, não dá para parar, estou treinando!” E sumiu. Tudo bem, normal se pesarmos idade, equipamentos, visitas regulares ao divã do Gerson Brasil, se esta irrequieta raposa felpuda, prestes a ingressar na Route 66, não recordasse das corridas das Paineiras batendo pega com Edinho, Toninho e Carlos Alberto Pintinho. Das batalhas na Vista Chinesa contra o tempo e o Adílio, que abusado aquele juvenil! Nem bem foi promovido já queria chegar na frente da gente! E como não lembrar na carreira da chegada ao Americano de Campos, com 34 anos, e um só morro à nossa frente para provar no tempo que ainda tinha alguma lenha para queimar? Minha maior arma para sobreviver no futebol, o preparo físico, não me foi concedida geneticamente. Foi construída com muitos treinos. E corridas.

Sendo assim, e tendo como testemunha o sol das dez e um bocado de urubus a secar, sem ter às mãos o certificado 2018 do Toninho Chimelli, devendo há anos a dedada ao Alcendino e sem um equipamento de qualidade (nossas bicicletas, de estimação, completaram 27 anos), resolvi ir atrás. Com o cuidado de não ser percebido na caça, diminuía nas subidas, mas ele compensava nas descidas. Até que chegando em frente aos Aços Mil o ultrapassei. Neste momento, o manual indica, mesmo sem ter pernas ou gás, dar uma acelerada psicológica para sufocar uma possível reação. E, como uma criança teimosa, devolvi: “Obrigado por me obrigar a treinar também!”. E deu para ouvir a resposta que ficou pela estrada: “Eu sabia que você…..!”.


Perto do SESI, ele me alcançou. É um dos nossos, acreditem, e cruzamos juntos à linha de chegada. Enquanto narro este experiência fresquinha, minhas pernas doem, a cabeça ora concorda, ora repudia, mas não são elas que me preocupam. Será como vou usar, daqui pra frente, minha arma competitiva que começa a virar, com o passar do tempo, a mira do revolver não para abater adversários, mas em minha própria direção.

CENAS DE UM APAGÃO

por Zé Roberto Padilha


A caixinha de surpresas do futebol também possui um relógio. Uma caixa de luz comandada não pelos homens da Light, mas pela energia dos Deuses do Futebol. Tão intensa, potencializadas em decisões, jogando pelo empate, então, cega seus comandantes pela emoção a ponto de, ao final do seu trabalho acadêmico de tantas linhas, e de tantas rodadas, não evitar que um pico de luz desapareça com páginas de conquistas. E de viradas. Bastava ter apertado a tecla salvar toda a campanha e jogar para o ataque. Mas o receio da derrota e um cochilo da zaga, sobrecarregada, assistiu vir por terra a bela trajetória do time da virada.

Apenas quem perdeu um texto após horas de digitações, na solidão de suas salas, inconformados diante dos seus computadores, ou no cantinho dos seus vestiários, pode avaliar a noite que passou Zé Ricardo. Por que entrei com quatro laterais, utilizei quatro zagueiros e não ousei um pouco mais? Por que convidei o Botafogo, mesmo jogando mal, a ocupar nosso terreno? E o Paulinho? Ah! se tivesse o Paulinho seria diferente, prenderia um pouco mais a bola lá na frente….E as horas vão passando. Os títulos também. Vice, de novo. E cadê o sono que não vem chegando?


Muitas vezes, os Euricos Mirandas que jamais deram um só peteleco na bola, em meio ao apagão de uma derrota, convocam às pressas outro eletricista. E trocam o treinador. A torcida, em meio à escuridão da perda de um título, mal enxerga um palmo à frente para defender seu comandante. Quando a luz se acende, já caiu o Paulo César Carpegiani. E o interino vai permanecer enquanto houver um novo rastilho de luz. Esquecem todos os nossos cartolas que a caixinha de surpresas não vem com manual de instruções. Só quem perdeu, ao apagar das luzes, o brilho do seu trabalho, após tantas páginas treinadas, pode saber o que é jogar com o coração na ponta das chuteiras e ver tudo se perder aos 48 minutos do segundo tempo.

Portanto, Zé Ricardo, não se desespere. O destino, e não a força das águas, o imprevisível, e não os moinhos de ventos, o imponderável, e não um palito de fósforo, serão sempre as baterias que acenderão ou apagarão a paixão do nosso futebol. Além disto, para provocar o brilho no olhar do meu filho botafoguense, o Guilherme, que ontem reluziu por toda a noite, só mesmo a energia de uma caixinha de surpresas será capaz de gerar.


Ela, e não o árbitro de linha e o de vídeo, a comunicação eletrônica, instantânea, e o Padrão FIFA de tornar comuns às suas normas, serão capazes de entender. Pelo bem de todos nós, que amamos, e não entendemos, e somos surpreendidos a cada semana, por um novo facho de luz jogados sobre esta magia chamada futebol. Que os deuses a tenham para que o mundo não seja tão previsível dentro e fora das quatro linhas.

A ARTE QUE FALA PORTUGUÊS

por Zé Roberto Padilha


Em 1932, uma bola foi alçada sobre a área da equipe do Carioca, pelo campeonato estadual do Rio de Janeiro, em direção a Leônidas da Silva., então atacante do Bonsucesso. Quando ele se preparava para concluir de cabeça, a bola quicou em uma irregularidade do terreno e tomou um novo rumo. Qualquer jogador que não pertencesse a esta iluminada raça miscigenada, não incorporasse a capoeira e outros ritos culturais pela colônia preservados quando de suas capturas, lamentaria o seu curso. E colocaria as mãos na cintura. Leônidas da Silva, não.

Negro, safo e habilidoso virou de costas para o gol adversário e se jogou no ar num rodopio a tentar alcançar seu objeto de desejo. Nada era fácil para eles, como perderia aquela bola? E pés e bola se encontraram no ar e as redes, ao balançarem, registraram o espanto do público diante de uma inédita obra de arte. Desta vez ela não chamava Mona Lisa. Era um gol de Bicicleta.


Quarta feira, pela Champions League, contra a Juventus, em Turim, um descendente dos nossos colonizadores, que certamente carregou em sua árvore genealógica um ramo miscigenado, Cristiano Ronaldo pintou um novo quadro, ao vivo, para um mundo boquiaberto pela plasticidade e raridade do movimento. Desta vez a bola veio reta, o gramado era um tapete, não irregular como em Teixeira de Castro, mas alcançou uma altura tamanha, 2,40m, quase impossível de ser encontrada. E o artista atirou seu pincel no vazio e desenhou, com a ponta da chuteira no terceiro andar, uma nova obra de arte que se alinhou nas redes de Buffon.

Historiadores se dividem: afinal, fomos descobertos ou achados pelos portugueses? Pelo menos agora, na história da arte do futebol, não há mais dúvidas: quando Leônidas da Silva e Cristiano Ronaldo captam a essência do Rei local, Édson Arantes do Nascimento, e perpetuam a bicicleta como um quadro raro e precioso exposto no Baú do Esporte, o mundo fica sabendo que quando o pincel é uma bola, a tela um campo de futebol, todo Leonardo da Vinci fala português. Se por baixo se desentenderam em revoltas, motins e insurreições, no ar encontraram a paz e a harmonia em forma de arte.

SEM TESÃO, COMO COMANDAR UMA NAÇÃO?

por Zé Roberto Padilha


Ter a honra de dirigir o Flamengo é o sonho maior de muitos treinadores. Poucos cargos no futebol oferecem, além da enorme visibilidade, tanta gente reunida a torcer pela sua vitória. No entanto, o presidente do clube, Bandeira de Mello, acaba de declarar, em O Globo, que o seu preferido, Cuca, ainda não decidiu se aceita o convite ou vai ser comentarista na Copa do Mundo. Quando um comandante se mostra indeciso entre a coragem para assumir aquele caldeirão ou comodamente pegar um microfone e julgar o trabalho dos outros, é porque sua cuca perdeu o tesão de dar continuidade à sua profissão. E sem tesão, não há solução.

O cargo de comentarista esportivo tem sido ocupado, honradamente, por ex-atletas e árbitros de futebol. Ao lado de jornalistas formados e capacitados, estão contribuindo para explicar, com a simplicidade do Júnior e o bom humor do Denílson, em meio a idolatria que cultivaram, os segredos vividos dentro de campo. Mas o fazem após seu jogo de despedida. Logo após Muricy Ramalho anunciar a sua aposentadoria do apito.


Se o Flamengo insistir com esta cuca indecisa, vai ter no Campeonato Brasileiro um treinador meia bomba. Com seu olhar desconfiado, copinhos posicionados a dividir seu misticismo no burródromo, vai se apresentar ao Ninho de Urubu “de camisinha”. E dirigir seu time não com a faca entre os dentes, mas mascando um chiclete sem tirar o papel celofane. Não é a toa que todos amam por lá papai Joel. Sem deixar seus cabelos embranquecidos, além do brilho no olhar confiante, misto de deboche, atrevimento e confiança, traçou há anos em sua prancheta a fórmula do amor eterno à sua profissão. E a carrega em seus braços em qualquer direção. Menos da Rússia.

Ao não saber se vai para sua lua de mel em Cancun ou Raposo, vestir Armani ou Casa José Silva, tomar um vinho chileno ou licor de catuaba, viver grandes emoções ou apenas comentá-las, Cuca já se aposentou da profissão. Apenas não sabe.

LENDAS DE UM VESTIÁRIO

por Zé Roberto Padilha


Delei foi um daqueles raros gênios a habitar nosso meio de campo que não precisava correr com a bola. Tinha como marca registrada uma cavadinha que a levava com precisão, como naquela configuração gráfica do Messenger, dos seus pés até o espaço em que o Aldo de um lado, e o Branco do outro, ocupariam nas costas dos laterais para colocar a bola à feição das cabeçadas do Washington. E do Assis. Mas após o tricampeonato de 1985, dizem pelos vestiários, que ficam impregnados de histórias e estórias, nosso craque deu uma relaxada. E a noite, implacável, superou o treinamento do dia e aí as pernas não aguentavam mais enviar precisos Messenger para ninguém.

E o supervisor do Fluminense, Roberto Alvarenga, sempre muito correto e profissional, passou a cobrar dele uma dedicação maior. Primeiro com o atleta, depois com o grupo e mais tarde junto à imprensa. E Delei acabou barrado e saiu do time contrariado. E prometeu vingança. Passou a se cuidar e ele, hoje, Deputado Federal, quando aliava condição física ao seu natural talento, não tinha para nenhum Leomir, Renê, ou quem mais rondasse aquela faixa intermediária de campo disputando uma vaga. Em duas semanas, recuperou a camisa 5 e, contra o Botafogo, foi o melhor em campo. Antes, armara na concentração uma pegadinha, tudo combinado com seus colegas de trabalho..


Após a partida, atrasou um pouco seu banho e circulou de toalha pelo vestiário, com seu Motoradio em punho, a amealhar afagos e elogios em meio a festa pela vitória. De soslaio, mantinha o Roberto sob controle, e calculando seu inevitável assédio se posicionou no centro do vestiário. E quando o Roberto lhe alcançou e lhe abraçou, soltou um grito: “Socorro! Me acudam, fui esfaqueado!”. E simulou um gesto a tentar retirar um suposto punhal encravado às suas costas. E se jogou ao chão. Os jogadores, já sabendo da trama, correram a ajudá-lo com toalhas e até o massagista foi em sua direção com sua maleta de primeiros socorros.

Diz a lenda, implacável grudada aos azulejos, sem direito à defesa dos que precocemente nos deixaram cheios de saudades, estejam no céu ou em seu gabinete em Brasília, que Roberto Alvarenga deixou o Maracanã todo sem graça. E nunca mais se meteu com “esta raça” que um dia fiz parte. Que tanta vezes levantava um brinde à mais, chegava em casa um pouco mais tarde, e ao treino da manhã também, como a prever, ao estender seus momentos de glória, a quantidade de dias que passariam esquecidos. A tal facada, do ostracismo, da falta de reconhecimento dos clubes e dos torcedores quando paramos de jogar, esta vai continuar doendo pro resto da vida.