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zé roberto padilha

A CAMISA DA SUÍÇA

por Zé Roberto Padilha


Paulo César Caju foi mais que um craque. Foi um bailarino que desfilou sua arte carregando uma bola de futebol na ponta dos pés, como um pincel, e em nossos gramados, como em um atelier, expôs uma das belas coleções de jogadas que consagraram o artista brasileiro. Primeiro destro a jogar na ponta esquerda, fazia nos anos 60 o que o Messi anda fazendo com seu pé esquerdo. Jogando invertido, quebrou paradigmas, inovou dribles em diagonal, levou seus marcadores à loucura por subverter conceitos de como marcar um extremo que vem pra cima com o pé trocado. Ontem, em O Globo, em meio ao ufanismo de muitos, celebridades que opinavam sem ter dado um só pontapé na bola, PC declarou que vestiria à tarde uma camisa da Suíça. Afinal, por que um ídolo brasileiro torceria contra seu país?

Após a seleção carioca de Máster enfrentar, em Mariana-MG, a seleção local, nos dirigimos, ao lado de Brito e Marco Antonio, ao salão do hotel, para assistir a primeira partida da seleção brasileira nas eliminatórias de 94, que era contra o Equador. Para surpresa geral, Marco Antonio chegou de verde e amarelo, igual a todo mundo, só que ele torcia, e muito, pelo Equador. Não foram poucos os “marianos” que reprovaram seu gesto. Como ontem, muitos reprovaram a camisa escolhida pelo Caju na estreia da seleção. Na viagem de volta, tratei de sentar ao lado deles para saber o motivo. Já estudava jornalismo.

A personalidade de um artista, como o jogador de futebol, vai se moldando em meio ao tamanho da idolatria lhes concedida. Como tricampeões mundiais, podiam aquilatar sua extensão. Não pediram para ser tão importante na vida das pessoas, mas sofrem em igual proporção quando apenas os jornais amarelados e os álbuns em preto e branco são testemunhas isoladas em meio ao ostracismo em que são jogados. Se bobearem, me confessaram, são impiedosamente pisoteados na subida da rampa do Maracanã em que os pais de muitos, e tios de tantos, lhes cobriram de glórias. E deferências.


(Foto: Marcelo Tabach)

Disseram mais, naquela ocasião: enquanto o Brasil não ganhasse uma outra Copa do Mundo, o feito deles no México não seria esquecido. Bastava começar uma outra edição, e foram cinco, durante vinte anos até o tetra, que eram exaltados, davam entrevistas, recebiam convites para comentaristas. Dito e feito, o tempo, o tal senhor da razão, provou que estavam certos. Ou alguém viu uma entrevista com o Brito no Globo Esporte? E o Marco Antonio, será que foi lembrando por algum comentarista? E Paulo César Caju, que escreve como joga e fala com jogava, foi visto ao lado do Galvão Bueno?

Nossos tricampeões mundiais, orgulho desta nação, não torcem contra o seu país. Apenas torcem por camisas parecidas, vestem outras diferentes com medo de serem definitivamente esquecidos.

A FELICIDADE QUE O PETRÓLEO NÃO COMPRA

por Zé Roberto Padilha


Se alguém duvidava da veracidade da frase “O dinheiro não compra a felicidade”, coube a caixinha de surpresas do futebol confirmá-la, definitivamente, durante a abertura da Copa do Mundo. Em plena Tribuna de Honra, e pela elegância, segurança e conforto, bota honra nisso, o Príncipe Mohamed Bin Salman, que tem a segunda maior reserva de petróleo do mundo, e a terceira maior de gás natural do planeta, e que sem rios ou lagos é capaz de comprar toda a água que precisa a 370 km dali, e gastar uma fortuna para lhe retirar o sal, tentava se explicar aos anfitriões porque não foi capaz de comprar um jeito de seus cidadãos aprenderem a jogar bola. Com todo os petrodólares do mundo, conseguiu ficar ali desconfortável e mal assistiu a partida. Ficou a dar explicações a Putin enquanto seu time dava o maior vexame lá embaixo.


E ninguém pode dizer que eles não tentaram. Desde 1970, quando o Brasil conquistou o tricampeonato, que eles não pararam de buscar por aqui nossos principais treinadores para reverter este quadro. E o primeiro foi o Zagallo. Até Roberto Rivelino eles levaram para Ryad com a missão de lhes ensinar a arte der bater na bola. Quatro décadas e meia depois, após vultosos investimentos, seus zagueiros continuam marcando mal, são incapazes de deter outro ataque, seja no outono ou na Primavera Árabe. Seus armadores não sabem passar, seus atacantes ainda não metem medo a ninguém. Nem aos judeus, egípcios, palestinos e, como assistimos ontem, muito menos aos russos.


Está mais que provado: o dinheiro não compra a felicidade. Esta, no futebol, Deus reservou a um povo que tem a maior reserva de políticos corruptos do mundo. E a terceira maior reserva de magistrados comprometidos com eles. Mas quando a bola rola, não tem gás ou petróleo que tenha a energia de sua miscigenação. De sua superação. A felicidade, no futebol, é a reserva maior, a que restou durante alguns meses, a uma gente eternamente roubada e explorada. E que possui, graças a Deus, como bálsamo e consolo, um grito que não seja ainda de liberdade. Mas de tantos gols quanto precise para ser novamente campeã do mundo.

FEELINGS

por Zé Roberto Padilha


Ao contrário dos meus netos e da maioria reunida, no sábado, em torno da telinha, torcia pelo Liverpool. Por mais que tenha constantemente aberto suas avenidas para saudar seus campeões de volta trazendo mais uma “orelhuda”, a cidade de Madrid não foi ainda capaz de revelar quatro craques, como Liverpool, que nos proporcionaram as mais belas jogadas sonoras de toda a nossa vida.

Pouco adiantou Benzemá se antecipar no primeiro gol, e mostrar ao Eduardo, que quer ser centroavante, como um matador deve ficar à espreita da presa. Ou Gareth Bale realizar a bicicleta dos sonhos do Felipe, 8 anos, o aniversariante da tarde. Para nós, beatlemaníacos, o que importa mesmo é que Let It Be vai tocar sempre após cada show do intervalo. E que Yesterday, Love Was Such An Easy Game to Play.

Mas não tem jeito, para quem jogou bola, as imagens da dor estampada no rosto do goleiro inglês foram mais marcantes na decisão da Champions League do que a alegria do Cristiano Ronaldo e do Marcelo.

Pergunte ao Júnior, por exemplo, se o lance de sua carreira capaz de despertá-lo certas madrugadas, suando frio, não é um passo á frente que poderia ter dado, e deixado Paolo Rossi impedido, quando deveria ser acordado em júbilo pela entrada em diagonal que realizou marcando um gol histórico contra a Argentina? A geração de Telê deu um show de bola, mas Paolo Rossi é um fantasma que lhes assombra os passos da glória todos os dias.


Uma pena que com tantas músicas, Lennon e Mc Cartney não compuseram Feelings. Pois sentimentos foi o que faltou aos jogadores do Liverpool. No lugar do Help que deveriam prestar ao seu goleiro, ir até ele abraçá-lo, confortá-lo, o deixaram chorando sozinho como se fosse o único culpado pela derrota. Apenas um jogador, e do Real Madrid, foi até lá lhe dar uma força. Do campo ao vestiário, coitado, atravessou uma The Long and Winning Road. E o treinador? Sacudiu os ombros, como a dizer, Let it be, Let it be, and when the broken hearted people, living in the world agree, there will be an answer…

Fellings, nothing more than feelings, mais do que futebol, foi a harmonia que faltou aos onze jogadores que vestiram a camisa do Liverpool para merecer ganhar o título. Incapazes que foram, em um esporte coletivo, de entoar, para seu goleiro, herói de tantos jogos e que os ajudou a chegar tão longe, um With a Litlle help from my friends.

ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM

por Zé Roberto Padilha


Quem o julgou, Guerrero, não sabe o que faz
Impedir um menino simples e talentoso
Criado em um país humilde das Américas
Ter o direito de passar toda uma vida lutando
Para realizar seu sonho de criança
Que é jogar uma Copa do Mundo

Difícil para eles, os sabidos, filhos dos sabidos
Procriados nos primórdios das Américas, enviados à Coimbra
Enquanto os colonizados sofriam e pagavam impostos à matriz
Não convidados ao açoite, poupados ao submisso
Entender o que é ter um filho seu, nativo, sobrevivente e excluído
Ser convocado a jogar uma Copa do Mundo

Porque seus filhos, os filhos das elites
Tiveram acesso aos melhores salões, as mais belas cortesãs, cargos de chefia
Os melhores brinquedos
Do autorama ao videogame, de ultima geração
A serem escolhidos por méritos, conquistas pessoais, gols marcados
Não acordos escusos, indicações, bocadas, fisiologismos

Ao não terem como única opção, à sua disposição
Apenas um campo de terra batida, no Peru, Argentina ou Vila Maria
Uma bola de futebol, como única diversão
Jamais aos seus rebentos fora permitido uma topada sobre pés descalços,
Numa pelada a céu aberto, pois estes calçariam mais tarde, na posse, 
Mocassins italianos pela manutenção da ordem e sobrevida
De suas eternas oligarquias


Essa semana, a FIFA acabou de impedir, no alto do seu poder absolutista
Que a arte de um exímio artista, seu raro domínio sobre os quiques
E o rumo da razão maior de toda a festa do futebol
A bola de futebol bonita, colorida e atrevida, 
Que aos poucos foi cedendo seu encanto, sua magia e empatia
A quem melhor aprendeu, como Paolo Guerrero,
A alinhá-la nas redes que perseguia, seu alvo, sua razão maior de existir

Para eles, Guerrero, que estudaram Direito desde cedo para serem justos
Mas precisam ser justos apenas com os seus e consigo mesmo
O chá de coca que você toma, desde menino, virou cocaína na festa deles
E acaba de estragar a festa do seu povo, peruano
E outra festa da sua nação, rubro-negra
Apenas porque o mundo é sempre injusto com o sul da América
E incapaz de reconhecer o valor dos seus heróis e guerreiros.

Eles não sabem o que fazem, e o artista da festa que estão perdendo.

POUPAR O GOLEIRO?

por Zé Roberto Padilha


Aprendi, no futebol que, goleiro, mais do que todos os jogadores “de linha”, precisa jogar para aprimorar, além da forma física, os reflexos. Que são muitos. É o único em campo a ser permitido usar, além dos pés, as mãos. Ter o tempo de bola afiado nas duzentas e vinte alçadas sobre a área em faltas próximas e escanteios. Talvez por isto, Rogério Ceni, no seu auge e do seu time, o São Paulo, jamais deu brecha no gol, estabelecendo todos os recordes de jogos disputados. Alberto Valentim foi o último a tentar um revezamento entre Jefferson e Gatito Fernandéz. Os dois não conseguiam manter o ritmo. E o tempo da bola. E desistiu da ideia.

O Flamengo perdeu para a Chapecoense porque poupou seu goleiro titular, Diego Alves, quando este começava a incomodar a relação do Tite. Vai pegar muito mal levar tantos atletas de fora e apenas o Fágner, talvez outro meia, como o Diego, ou o Luan, que jogam perto e estão disputando o Campeonato Brasileiro.


Diego Alves está no auge e já merecia ser convocado. E foi, ontem, inexplicavelmente poupado dando lugar a César, sem ritmo, que tentou evitar o gol da vitória com uma saída não de goleiro do Flamengo, mas “a lá Aterro do Flamengo”.

Fica a lição para Barbieri, este jovem e corajoso treinador, que teve a ousadia de realizar substituições audaciosas jogando fora de casa, quando muitos administrariam o empate, mas que acabou entregando a chave do cofre nas mãos inseguras de um goleiro interino. E interino, ele sabe, o mundo do futebol está cansado de saber, dura só até quando as derrotas se tornarem efetivas.