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zé roberto padilha

O AMOR É AO MEU PAÍS

por Zé Roberto Padilha


A cada quatro anos é assim: a ficha, para todo mundo da bola só cai mesmo durante as oitavas de final. Quando esta fase se inicia, e favoritos já arrumaram suas malas de volta e as lágrimas correram por olhos abertos, e fechados, dos que a deixaram, um soldado uruguaio, relembrando Obdúlio Varela, dá carrinhos de cabeça nas chuteiras adversárias e, outro, mexicano, chuta um Neymar abatido no chão, redescobrimos que por ali não se disputa uma Champions League. Ou o mundial de clubes.

A defesa intransigente é pela nação, não por clubes, e aí os valores são invertidos. Na Rússia, temos assistido, todos os dias, que patriotismo não é dinheiro. É amor ao seu país. E neste contexto, onde a segurança das fronteiras é mais importante que a habilidade de cada um defensor, você descobre que Filipe Luis pode ser mais importante que um Marcelo na defesa do Brasil.


A história das Copas tem sido assim. Exaltava-se o poderio do esquadrão húngaro, imbatível em 1954, mas quem levou a taça para casa foi a Alemanha. Nossa seleção de 1982 encantou o mundo nos gramados espanhóis, mas foi a Itália que se fechou sua retaguarda e, sem encantar ninguém, se impôs a todas as nações. E nem preciso relembrar 1950, quando os artistas da casa perderam a batalha para um time de guerreiros oriundos da fronteira ao lado. Quando toca o hino nacional e o juiz apita, é uma nação que entra em campo, não um exército “mercenário” recrutado a peso de ouro pelo Barcelona, Real Madrid e Bayer de Munique ao redor do mundo. Daí vale o coração, não mais a quantidade de euros que carregam no bolso.

Tudo começou durante a Revolução Francesa. A defesa dos ideais de emancipação havia gerado, no interior da coletividade francesa, a criação de um novo e poderoso cimento social que proporcionou o surgimento de uma verdadeira religião nacional. A defesa do interesse comum contra os interesses particulares, o compartilhamento de ideais de fraternidade, igualdade e liberdade fomentaram uma forma virtuosa de pertencimento nacional. O princípio da nacionalidade, o ser parte de um Estado Nacional, envolveu pela primeira vez as massas. E ele, mais do que nunca, está presente nesta Copa do Mundo.


E neste cenário de oportunidades iguais, onde não há mais reis absolutistas no comando, como Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que Fágner se supera e não nos deixa sentir saudades de Daniel Alves, é justo que a democracia construída pelos franceses, não mais com Danton ou Robspierre, mas com Mbappé e Paul Pogba, continue a dar exemplos aos poderosos. E mereça participar da festa maior do futebol mundial.

FORÇA, ARLINDO!


Ontem, ouvindo uma das suas pérolas, que embalam points pela Copa, nos deu saudades do Arlindo. Poucos brasileiros são tão inspirados e sensíveis, como ele, a transformar em melodias as aspirações, dores e alegrias do nosso dia-a-dia. Seja ao lado do Sombrinha, um dia do Luis Carlos da Vila, foi de Madureira que ele alcançou e melhor interpretou a alma do nosso país.

A Copa do Mundo de futebol é a maior celebração da nação que melhor estendeu os ritos deste fascinante esporte. Sua miscigenação, sua diversidade, foi capaz de levar até suas periferias fábricas de atenuar desigualdades sociais. E onde tinha um terreno vazio, e bolsos dos seus pais tanto quanto, seus meninos humildes trataram de iniciar seu aprendizado rumo ao Barcelona, ao Chelsea, ao Paris St. Germain. Fora dele, meninos Arlindinhos, com os atabaques da resistência, tamborins e chocalhos sobrevividos do berço, elevaram o samba como a trilha sonora de uma arte praticada sem igual. E em um país tão desigual tem encontrado em seus meninos talentosos, dentro e fora de campo, um bálsamo de oportunidades contra o descaso. E a opressão.


Como muito dos seus fãs, temos recebido notícias desencontradas na mesma proporção em que paramos de receber suas melodias inspiradoras. Verdadeiras ou não, desejamos apenas que se recupere. E volte logo. Para que cada obra de arte dos nossos meninos, desta vez em gramados da Rússia, continue a ter o seu talento a resumi-las em canções. Um país que teve Pelé, e hoje tem Neymar, precisa de um Arlindo, como teve um Gonzaguinha, para encher o peito da sua gente e fazê-la acreditar, pelo menos em tempos de Copas do Mundo, que ele é bonito, é justo e um dia será igual.

O MELHOR EM CAMPO NÃO ENTROU

por Zé Roberto Padilha


Muito mais pelos méritos dos nossos jogadores, do que demérito dos nossos treinadores, cultuamos no futebol brasileiro o hábito de elegermos, após as partidas, o melhor em campo. E sempre votamos nos jogadores, jamais vi um treinador levar um Motorádio para casa. Com a internet cada vez mais rápida, mal terminou a vitória sobre a Sérvia que as indicações para o destaque do time se iniciaram. A primeira que abri estava: Thiago Silva ou Casemiro? Daí, tasquei meu voto: Tite.

Desde a partida contra a Costa Rica, que tirou da cartola o Douglas Costa e o escalou no lugar do William, mudando a cara do nosso time, que Tite começava a se destacar na competição como emérito estrategista. Daqueles que tem suas peças na palma da mão e as escalam, e as substituem, com precisão. Com a contusão do seu “trunfo”, retornou com o William para não mexer no sistema. E manteve o Paulinho, apesar das críticas. E foi justo o Paulinho, entrando em diagonal nas costas do quarto zagueiro, como faz desde seus tempos no Corinthians, que o Brasil abriu a contagem. E, hoje, quando o Marcelo saiu, escalou seu burocrático substituto que marca melhor que ataca. E que acabou por fazer uma correta partida.


Todo o nosso time pode melhorar com o decorrer da competição. Vai saindo a pressão com as vitórias, a confiança vem surgindo junto a classificação. Estão jogando para o gasto, mas enquanto o Neymar vai ganhando tempo para ser Neymar, Firmino se prepara para substituir o “Ai, Jesus!”, tem um treinador do lado de fora capaz de suprir, com sua esplêndida forma técnica, cada falha ocorrida nos tabuleiros recém jogados na Rússia. Enfim, após a temível Era Dunga II, a demissão, o Brasil tem um treinador à altura da qualidade dos seus jogadores. E que pode levar, hoje, o Motorádio de melhor em campo para casa sem ter pisado dentro das quatro linhas.

QUERIA UM MARADONA TORCENDO POR MIM

por Zé Roberto Padilha

Ele me representaria, com toda honra, nesta Copa do Mundo
Poderia ser até de brinquedo, movido a pilhas ou baterias
Porque Messis, em campo, já tive Zico, Gérson e Rivelino
Mas naquelas tribunas, com o amor de verdade ao seu país
Eu queria um Maradona torcendo por mim

Temos o Rei do Futebol, até um Príncipe Ivair
Mas quem alcança as lentes não me representa
Tem sido o Del Nero, Ricardo Teixeira
Uma “havalange “ de cartolas envolvidos a nos desonrar
Por isto que eu gostaria
De um ídolo por ali, de verdade, suado e infiltrado
Um Maradona torcendo por mim

Ontem, Maradona levou ao mundo
E bota gente do mundo de olho em tudo
Toda a paixão latina pela alegria de jogar futebol
Dançou, cochilou, xingou e chorou
Em campo, a energia do comandante se irradiou
E a Argentina se classificou
Por isto eu queria, nem que seja por uma Copa do Mundo
Um Maradona torcendo por mim

Ainda dá tempo, tem muito jogo pela frente
Que algum ídolo nosso, de verdade
Largue os microfones, resista ao Galvão
E suba aquela tribuna elevando uma história da bola
Que ninguém tem por lá mais bonita
Porque na Copa da Rússia, até agora
Eu gostaria mesmo
De ter um Maradona torcendo por mim.

DESCULPE-NOS COLÔMBIA

por Zé Roberto Padilha


Infelizmente a visão que tenho do mundo foram passadas, e reprisadas, pela telinha que meu pai comprou em 1956. E perduravam até hoje. Era uma inédita televisão Emerson bege, e a Rua Barão de Entre-Rios vinha toda noite assistir aquela novidade com a gente. Se os americanos foram colonizados pelos ingleses, e perderam a oportunidade de nos descobrir, trataram de aperfeiçoar sua tecnologia e cismaram de colonizar a nossa mente. E em cada canto do nosso país, minha geração, dos anos 50, foi dominada pelos seus filmes e a cultura que nos passavam em preto e branco.

Nossos heróis não foram Zumbi, o Rei dos Palmares, muito menos Tiradentes, o primeiro a ir para as ruas protestar contra o aumento dos impostos e os abusos do governo. Eles foram Tarzan, Capitão Marvel, Lassie e Rin-tin-tin. Seus nativos originais, os indígenas americanos, foram exterminados em seu habitat pelos vírus, canhões ingleses, e acabaram expulsos do seu território. Mas a versão produzida pelos estúdios da MGM e Paramount era o contrário: John Wayne, Clint Eastwood e o Trinity eram os mocinhos que defendiam as aldeias atacadas por “sanguinários” peles vermelhas. Pobres bandidos do bem fazendo cara feia no cinema para a gente. Quando entramos na universidade e tivemos acesso aos relatos dos vencidos, era tarde: já tínhamos colecionados todos os discos do Elvis. E meu pai comprado toda a coleção do Franck Sinatra e meus filhos dançaram no colégio a coreografia de Thriller.

Quando John Kennedy morreu choramos mais lá em casa do que por Getúlio Vargas. Quando Jango foi para o Uruguai retirado do seu cargo pela ditadura militar, não era com o futuro da nossa bela primeira dama, a Maria Tereza, que estávamos preocupados: era com a Jacqueline Kennedy que se casava com Onassis. Gatos, então, coitados, esta criatura adorável, trataram de retirar do nosso cotidiano pois nos desenhos animados o Tom não parava de perseguir o Jerry. Era o bandido da história e quando aparecia nos filmes de Hitchcock, pelo regime de cotas, era preto, sinistro, símbolo do azar e de atrair coisa ruim. E todos os brasileiros passaram a ter um cão e desprezar os gatos dentro de suas casas.


E com vocês, povo colombiano, não foi diferente. A versão da telinha produzida por Hollywood não teve exaltação a Simon Bolívar, a Francisco Santander, seus libertadores das garras do domínio espanhol. Seu herói por aqui sempre foi Pablo Escobar. E seus produtos de exportação não passavam de maconha e cocaína. Quantas vezes Arnold Schwarzenegger foi até suas selvas, as vilas imundas dos cenários que produziam, trazer reféns de volta em meio a violência dos seus traficantes? E em nenhum filme foi falado que o maior mercado consumidor de cocaína do mundo era o norte-americano.

E, de repente, em uma quarta-feira entristecida, toda a não ficção exportada por eles é substituída por um gesto que nos deixou tão emocionados quanto envergonhados. Nenhuma nação do mundo seria capaz de produzir ao vivo, não em falsos cenários, um espetáculo tão respeitoso e bonito quando enlutaram seu estádio, e o ocuparam todo à sua volta, para glorificar seus adversários, a Chapecoense.. E ainda conceder-lhes o título que por tanto lutaram.

A partir de hoje, povo colombiano, nós, brasileiros, prometemos não ir mais às locadoras buscar mentiras magistralmente dirigidas contra vocês. Mesmo que tenha a Angelina Jolie no papel principal. Recebam as nossas sinceras desculpas e nem precisamos pensar em vingança: eles mesmos acabam de escalar um “bandido” para dirigir o seu destino.


Obs. Se, ano passado, pedimos desculpas, permita-nos agradecer por ontem, domingo, quando vocês jogaram contra a Polônia como nós, brasileiros, já jogamos um dia. Mina foi Luiz Pereira, Rodriguez atuou como Rivelino, e Quadrado foi Jairzinho. E, nas arquibancadas, estiveram felizes, como felizes fomos um dia. Muito orgulho de vocês, Colombia. Parabéns!