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zé roberto padilha

SAUDADES DE UM MATADOR

por Zé Roberto Padilha


Jogava no Santa Cruz FC, em Recife, no final dos anos 70 e, fora cartas, telefones e telegramas, o único meio de me comunicar com a família era no domingo à noite. Durante os gols do Fantástico. Como não fazia gols, tratei de melhorar o pique e me especializei em ser o primeiro a abraçar o Nunes. João Danado, como era conhecido e temido pelas defesas do nordeste, fazia gol de tudo que era jeito. Daí corria para abraçá-lo e dava um adeusinho pro Léo Batista e para os meus: “E aí, dona Janet? Como estão?”. Era através de matadores, como Nunes, Volnei e Luiz Fumanchu, que matávamos as saudades de casa.

Recife era, de fato, antes das mídias sociais, muito longe do Rio de Janeiro. Como longe estão, hoje, nossos centroavantes da nobre função de marcar gols. Depois do Fred, uma sumidade, não teve mais ninguém a exercer com categoria e assiduidade este fundamento principal, sem os quais o futebol não sobreviveria. E a audiência, na ausência da subida da bolinha, acabaria. Que saco: com vocês, as assistências do Fantástico! Que falta anda fazendo o Fred, talvez o último grande artilheiro do nosso país a distrair as tardes da gente sacudindo as redes. E mantendo acesa a paixão pelo futebol.


Vamos analisar a rodada de ontem? O camisa 9 do Palmeiras ainda é pior do que Jesus. Se o que leva o nome do filho de Deus foi crucificado na Copa, este rapaz, magro e esforçado, com seus cabelos pintados de branco, é o próprio pecado escalado em campo. Não há milagres, a não ser contra um Bahia, um Paraná ou a Chapecoense, que o faça balançar as redes quanto mais o Palestra Itália precise para encostar nos líderes. Já o Santos, cansou de testar um nome no comando do seu ataque e acabou fixando seu meia Gabigol mais à frente. Que seria mais um e não menos o 9 em seu ataque. Caso do Internacional, que desistiu do Damião, e fixou o Nico Lopes, do Botafogo, que anda a perder a paciência com o Kieza, Breno, do Flamengo que se arrasta há algum tempo com um gatinho dourado vestindo a camisa que pertencia a um matador. Como o Silva, Claudio Adão, Vinícius Righi, Gaúcho e o próprio Nunes. E nem vou falar do Corinthians, que faz a fiel sofrer com um ataque que se tornou escravo da ausência do Jô.

Restou o Ricardo Oliveira, do Atlético-MG, mas este que anda sofrendo com a tinta do cabelo, que tem corrido por sua testa no exato momento das cabeçadas. E o Pedro. A coisa está tão feia pela grande área, que em menos de seis meses que o Abel lançou este menino, sem sequer ter tido tempo de amadurecer com as competições, já virou atração do brasileiro e convocado para a Seleção.


Em qualquer outra época teria que fazer gols no Fla-Flu, ser consagrado em uma decisão e não ser chamado por fazer apenas 10 míseros gols em duzentas rodadas. Mas diante da seca e da carência da safra, nem o mestre Juca Kfouri questionou o Tite.

Fico, então a pensar nos novos Zé Robertos, que deixaram a família aqui no Rio e foram jogar no Sport. Se não fosse o WhatsApp, o Facebook, estariam no portão de suas casas esperando as cartas. Um telefonema. Porque nem um Nunes eles terão, como eu tive, para correr, abraçar e as saudades da família matar pela telinha.

A CÉSAR O QUE NÃO É DE CÉSAR

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Quando o córner contra o Flamengo foi batido, logo cedo pela manhã de domingo, e a bola caiu na pequena área, segundos antes do meu filho deixar a sala inconformado com o segundo gol tomado pelo Flamengo contra o Atlético-PR, lembrei-me de um goleiro que fez parte da nossa formação: Jorge Vitório. Alto, forte e disposto, quando uma bola daquela era alçada sobre a grande área, porque a pequena ele já tomava com sua envergadura, ele saia em todas e gritava: “Sai que é minha seus juvenis!”. E com aqueles joelhos à frente do corpo subindo em todas as direções, crescemos tomando cuidados a cada escanteio. Não tem trauma de infância? Então o trauma juvenil meu e do Rubens Galaxe, e do Cléber e do Pintinho, e de outros tantos que se formaram nas Laranjeiras, era de ser atropelado durante a cobrança de um escanteio.

César não. Podendo usar suas mãos e socar aquela bola, ficou plantado em cima da linha do seu gol a esperar que a sorte, ou o tempo de bola, porque esqueceu que quem possuía seus melhores fundamentos, Rever e Juan, não estavam por ali a protegê-lo, acabou levando impávido, estático, o segundo gol do Furacão. Fora de ritmo, sem o tempo da bola e ainda dando azar de pegar um campo de grama sintética que dá velocidade aos tiros em sua direção, César recebeu o que não é para ser do César: a camisa titular do Flamengo para defender sua liderança no Campeonato Brasileiro.

O treinador pode poupar todo mundo. Menos o goleiro. Este, quando mais joga, mais esperto, mais ligado nas inúmeras situações que rondam sua cidadela fica. O tal ritmo de jogo lhe é fundamental e por isto Rogério Ceni jogou um milhão de partidas seguidas no auge do São Paulo. Nos anos 70, falava-se em Palmeiras, e lá estava o Leão no gol. Era o Félix no Fluminense e o Raul no Flamengo. E era Gilmar dos Santos Neves o nome que abria as escalações dos gloriosos tempos do Santos FC.

Em Minas, não tem mais Atlético x Cruzeiro: é Victor x Fábio. Em Recife, a escalação de Magrão, no gol do Sport, é mais certa no programa de domingo do que a de um boneco de Olinda. E no gol do Grêmio, Renato Gaúcho quando entrou o titular era o Marcelo Grohe. E ele jamais pensou em mexer naquela peça cheia de segurança. Cheia de confiança e detentora de todos os rumos e tempos da bola.

Portanto, Barbieri, poupe o Diego, que já passou dos 30, e reveze seus goleadores que não marcam gols. Mas não brinque com aquela nobre posição. Ou você escala o Diego Alves, e continue a brigar pela liderança, ou continue a dar a César o que não é, ainda, de César.

A DOR DE UMA PAIXÃO


São dez livros, muitas noites concorridas, outras vazias. Fora de casa, já não temos os amigos próximos, parentes, apenas aqueles “tu é responsável por aquilo que cativas” que cativamos.

Já cascudo, passei a dar valor a quem compareceu, e procurar entender aqueles que não dei razões para se deslocarem até la. É uma sensação estranha: “você a caneta os livros e uma incógnita no ar: Será que vão aparecer?

Ontem foram poucos, fora meus parentes, dois atletas que treinei, dois com quem joguei: Nielsen e Eduzinho.


É uma professora de história. Edu, com quem joguei um ano no Flamengo, foi o bálsamo de todas as ausências. Carinhoso, gentil, educado com todos, valeu cada quilômetro percorrido. Nestes exemplos, de qualidade e afeto, aprendi a valorizar no lugar de quantidade de livros vendidos. Por eles, os 30 livros vendidos valeram passar uma noite tão agradável. O livro ficou lá em consignação e posso dizer: com 250 páginas contém tudo o que gostaria de deixar como legado. Você vai gostar, tenho certeza. Abraço

E OS OUTROS?

por Zé Roberto Padilha


Era uma vez, em 17 de Dezembro de 2015, que um bom e discreto goleiro, do Internacional, de Porto Alegre, de nome Alisson Ramsés Becker, foi vendido a uma discreta equipe de futebol, a Roma, da Itália, pela discreta quantia de 5 milhões de euros, 21,1 milhões de reais, para disputar o discreto Campeonato Italiano. Que nenhuma emissora quer comprar os direitos de transmissão pelo mundo. De tão discreto e desimportante é no cenário do futebol mundial.

Três anos depois, sem alcançar um só título nacional, todos vencidos pela Juventus, sem se destacar em qualquer edição da Champions League, e jamais se aproximar da vitrine de um mundial de clubes, este discreto goleiro, com uma participação para lá de discreta na Copa do Mundo, já que sua zaga foi o grande destaque da competição e mal permitiu espaços aos adversários para incomodá-lo, foi vendido ao Liverpool pela nada discreta quantia de 72,5 milhões de euros. Ou seja, 323 milhões de reais. Valor este, de tão absurdo, que os próprios diretores da Roma classificaram de “muito acima do valor do mercado”.


Em 2016, Jéfferson, do Botafogo, era considerado o melhor goleiro do Brasil. Mas o treinador Dunga, do Internacional e da Seleção Brasileira, convocou pela primeira vez o Alisson “pela sua estatura”. Na ocasião, pensávamos que era relativa à sua altura, não ao valor a ser alcançado no mercado.

Um ano depois, Diego Alves, ao se tornar o recordista na história da La Liga como o maior defensor de pênaltis de sua história, chega ao Flamengo disposto a lutar por um lugar na seleção brasileira. Fez um grande campeonato, mas foi Cássio, do Corinthians, o campeão e melhor jogador da posição no Brasileirão que antecedeu a Copa. Mas na hora do Tite escolher o goleiro que defenderia o Brasil, Alisson foi mantido como titular absoluto. Mal acabou a Copa, a transação que assustou o mundo foi consolidada.


Nenhum papel neste período, seja do Facebook ou da Microsoft, na Bolsa de Valores Nova York, ou da Sony, na Bolsa de Tóquio, alcançou esta valorização no mercado. Nenhum artista, ou cantora, como a Beyoncé ou Shakira, trocou de gravadora por algo parecido. Então, meus amigos da Lava Jato, da CIA, do FBI, do CSI Miami, entrem no circuito. Pelo bem do futebol, pelo que restou de sua credibilidade em meu país, façam uma CPI desta aberração. Não pela mercadoria Alisson, que é um bom profissional, não tem nada com isso, mas pelos mercadores que os rodeiam e, há anos, se apossaram da CBF. E que não merecem a nossa confiança. Não por acaso, estão presos por corrupção. O país do futebol, tão arranhado, já identificou terça feira, em São Januário, seus ratos dentro de campo. Precisa, agora, conhecer os que continuam roendo nossa dignidade fora dele.

NELSINHO E CARLINHOS

por Zé Roberto Padilha


Há anos que a FIFA escolhe apenas atacantes, como Messi, Cristiano, Ronaldo, Romário, Rivaldo, como os melhores jogadores de futebol do mundo. São, de fato, os protagonistas dos espetáculos. Fazem gols, são ídolos porque na defesa, e no meio-campo, os espaços começaram a ser ocupados por atletas sem talento.

A Era Dunga, de pouca técnica e muita marcação, transformou a zona de pensamento, de organização de jogadas, em um lugar onde Guiñazü, Edinho e Márcio Araújo sobreviveram correndo mais com a bola, e dando carrinhos, do que realizando por ali grandes jogadas.

A era Nelsinho e Carlinhos, Didi e Zito, e a que mais simbolizou o futebol-arte, Clodoaldo e Gérson, até desaparecerem com Adílio e Andrade, Cléber e Carlos Alberto Pintinho, parecia definitivamente encerrada até que a Croácia, como num lampejo de luz lançado sobre as lentes da Copa do Mundo, redescobre Modric e Rakitic. E o meio-de-campo, cheio de jogadas de rispidez, chutões e bolas trocadas lateral e irritantemente com os zagueiros, passa a ver a bola deslizar suave pela grama. E receber, de novo, lampejos de arte.


Não por acaso, os dois croatas são, há anos, titulares absolutos dos maiores clubes do mundo: Real Madrid e Barcelona. Xavi e Iniesta encontraram em Rakitic sua arte renascer ao lado com um vigor a mais. E o adotaram. E Zidane redescobriu em Modric a lucidez, o toque de bola, que o levou a ser reverenciado mundo afora. Eu, que torço pelo Barcelona, e meus filhos, que torcem pelo Real Madrid, estaremos juntos, domingo, não apenas torcendo pela Croácia, mas para que os exemplos destes dois se irradiem pelas escolinhas de futebol. E alcance os clubes de todo o mundo. A Copa do Mundo sempre foi assim, a nova coleção de Cristian Dior. A partir dos desfiles das 32 seleções, os clubes passarão a adotar o protagonismo vencedor que melhor por ali se apresentou.

Quando o Brasil foi tricampeão no México, o futebol-arte se espalhou pelo mundo. Quando a Alemanha se impôs quatro anos depois, o futebol-força, com o Teste de Cooper, o Circuit Training, Interval Training e as Máquinas Apolos a reboque, saíram distribuindo músculos e velocidades pelos campinhos de todos os planetas. Foi deixado de lado o professor jogador e entrou em cena o professor preparador.


Se a Croácia se consagrar campeã mundial no domingo, aquele menino canhotinho, de Niterói, que se apresentar ao Botafogo e realizar um lançamento de 50 metros na peneira, não mais será mandado de volta para casa. E os novos candidatos a jogarem naquela faixa central, hábeis, frágeis e talentosos que surgirem no Ninho de Urubu, não serão transformados em carniça diante da fúria dos gladiadores de plantão. Darão ao futebol a chance de ter novamente, na sua zona de organização, não mais o fim da arte de bater no bola. Mas toda a lucidez Nelsinho e Carlinhos perdida de volta.