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zé roberto padilha

ASCENSÃO E QUEDA DE UM CANHOTINHO

por Zé Roberto Padilha


Ser canhoto deveria ser uma anomalia. Melhor, uma heresia. Motivo de preocupações no desenvolvimento do Robertinho que certamente encontraria, no Colégio Entre-Rios, poucas carteiras disponíveis para escrever ao contrário da maioria. Só isto explicaria uma pessoa tão doce e católica como minha avó, América Fernandes Padilha, ter amarrado a mão esquerda do seu netinho durante as refeições. Um ato de extrema correção. Acho que deveria até ter vaga disponível e prioridade nos bancos e correios para quem nascesse escrevendo desse jeito.

Sorte a minha que ela não me viu jogar. Porque quem chegava na peneira batendo na bola ao contrário, tinha uma concorrência menor. De cada dez pontas que se apresentavam, sete eram destros. E fui aproveitando minha cota canhota e fui ficando na ponta esquerda, sendo aprovado e subindo de divisões, até estar concentrado, aos 19 anos, no Paraguai para enfrentar a Argentina.

A base da seleção brasileira para o Sul Americano sub-20, de 1971, era do Fluminense. E às vésperas do maior clássico sul-americano eu e o Marinho, nosso quarto-zagueiro, éramos dúvidas para a partida e dividíamos o quarto e as dores nos tornozelos. Muito inchados, passaríamos a noite fazendo tratamento e a palavra final sairia na revisão pela manhã do médico do Botafogo.


O massagista preparou os baldes de contrastes, um com água quente e outro com água congelada. Era o chamado tratamento de choque térmico. Iniciávamos pelo gelo e quando não suportávamos mais, aliviamos com a água quente e assim, sucessivamente, um balde amenizava a temperatura do outro até que ambos perdessem sua intensidade. Ao final, que terminava no quente já morno, passávamos Bálsamo Bengué, enrolávamos uma atadura de crepe e íamos dormir com a esperança de vê-los despertar desinchados.

Pela manhã, o médico chegou para a revisão e acabou vetando o Marinho e me liberando para a partida. O milagre só acontecera para o meu lado. Quase em êxtase por não perder aquela partida, levantei para comemorar e senti fortes dores no tornozelo. Ao me reexaminar, o doutor descobriu a razão: passara noite inteira tratando o tornozelo errado. A contusão era no direito, mas quando da contagem regressiva e aflitiva para enfiar o pé no balde congelado, a mente congelou junto e taquei o pé esquerdo como de hábito fazia com a bola e com tudo que não suportava. Além de não melhorar o tornozelo machucado, acabei queimando a pele do sadio.

Vetados, assistimos nossa derrota por 2×0 das arquibancadas do Estádio Centenário. E naquele instante só lembrava da minha vó querida e “terrorista”. E se ele tivesse amarrado os meus pés também? Daí seria uma outra história, daquelas que teriam um final feliz desde que ….tivessem começo. Pois jogando na ponta direita quem diria que fosse tão longe para fazer uma burrada dessas?

DOMINGO ERA DIA DE ZICO

por Zé Roberto Padilha


Ate nós, jogadores, ficamos assustados com o tamanho daquele burburinho. Não era a final do Carioca ou do Campeonato Brasileiro de futebol. Muito menos, havia uma Copa Libertadores em disputa. Era apenas o primeiro Flamengo x Vasco pelo primeiro turno do estadual de 1976. Se ficamos assustados em campo, os torcedores não. Estes foram avisados pelos Deuses do Futebol: “Vão para o Maracanã, meus filhos, assistir um ser quase humano em extinção”. E eles, 174.770 torcedores, que se transformou no quinto maior público da história do maior estádio do mundo, se espremeram entre a geral, cadeiras e arquibancadas. Era um domingo, dia 4 de abril de 1976. E domingo era dia de Zico.

A ficha só caiu diante daquela profusão de gente quando ele, Zico, fez um corta luz para o Luizinho e correu para receber à frente. Aos 25 minutos do primeiro tempo. Nosso camisa 9 tocou mal e a devolução subiu mais do que devia. Pouco importava, ele acertou o corpo na corrida e, de primeira, desferiu um sem pulo improvável e jogou a bola no ângulo esquerdo do Mazarópi. Era um lance raro até para o futebol arte praticado no país naquela ocasião. Mas era um domingo de futebol no Rio. E domingo era dia de Zico.


Quem jogou aquela partida, como eu, precisou, desde então, adotar como os sobreviventes de Hiroshima, as testemunhas da queda das torres gêmeas, do terremoto de San Francisco, um psicólogo e um otorrino. As cenas e os zumbidos permaneceram acesos e nos fazem abrir os olhos assustados de madrugada diante de um silêncio que, nos parece, preceder a chegada de uma enorme explosão. Nenhum público do atual Campeonato Brasileiro atingiu 77.770 espectadores. Se alcançassem, imaginem mais 100 mil pessoas com seus isopores, fogos, apitos e bandeiras.

O Maracanã, que era nosso, era um estádio ocupado por um povo feliz e miscigenado antes da chegada do padrão sectário da FIFA. E nossos templos sagrados viraram arenas, os espetáculos se tornaram dramas e os dribles, os gols, toda a magia foi desaparecendo junto à multidão. Só ficou mesmo no Rio o domingo. Com praia, sol, gente bronzeada e bonita, mas nunca mais se viu uma tarde sua igual aquela. Um domingo que era dia de Zico.

ONDE A REGRA NÃO ERA TÃO CLARA ASSIM

por Zé Roberto Padilha


No começo era, durante o Natal dos César e Coelho, como nas regras oficiais das residências dos meninos brasileiros: ganhavam de presente uma bola, um short, um meião ou uma chuteira. Porém, os pais foram notando que seu menino retornava triste das peladas. Não conseguia driblar, tabelar com os companheiros e, muito menos, fazer um gol. Se os amigos voltavam com as camisas suadas e enlameadas, a do seu filho, que mal lhe passavam a bola, ainda dava para jogar a pelada do dia seguinte. As partidas de futebol, como ele era sempre o ultimo a ser escolhido, já não lhe davam alegrias. Até que um dia durante o par ou impar, no limite dos 22 presentes a serem escolhidos, quando ia ser citado por ultimo e fechar a conta, eis que surge uma Kombi freando ao lado do campo. E quem o escolheria sentenciou ali o seu destino: “Eu quero o…..que está chegando na Kombi!”. Mal sabia se era bom ou ruim de bola. Nas duas hipóteses, certamente deveria seria melhor que o Arnaldinho…

Sendo assim, as regras não ficaram por lá mais tão claras assim. E o menino Arnaldo Cezar Coelho acabou ganhou um apito de presente no natal seguinte. Se não tinha habilidade com a bola nos pés, seu equilíbrio e senso de justiça, revelados desde que nasceu, o credenciaram a ser um juiz. Não precisava mais sujar a roupa na lama, apenas sua genitora, em alguns lances mais polêmicos, sairia de lá enlameada. Antes preterido, passou a ser o primeiro a ser escolhido, cobiçado pelo bairro e pela sua qualidade, convidado a fazer um curso de arbitragem. E seguir uma carreira diferente de todos os seus amigos.


Tão diferente que quando acertam tudo durante os 90 minutos, na difícil interpretação da velocidade cada vez maior dos lances, ninguém vê. Estão lá para isto, sentencia o Galvão. Não há replays que o exaltem nem o árbitro de vídeo a parar o jogo e elevar suas virtudes. Mas quando erram são taxados de sopradores de apito, ladrões pelas arquibancadas, caseiros pelos comentaristas e o eco da Rádio Globo ainda vive a soar por suas cabeças no vozeirão de Mário Vianna. Com dois enes. “Errrrooooouuuuuuu!!!!!!”

Ontem, ficamos sabendo que Arnaldo Cezar Coelho, um desses heróis que se prestaram a mediar nossas fortes emoções, julgados que são com poucas razões, está se despedindo da equipe de comentarista da Rede Globo. Tão bonita foi sua carreira, que não bastou ter apitado a partida mais valiosa do mundo, uma decisão da Copa do Mundo, quis também deixar como legado um novo mercado de trabalho para seus companheiros de profissão. Hoje, comentarista de arbitragem já dá emprego no futebol graças ao seu exemplo e desempenho. Fez como Raul Carlesso, o precursor dos treinadores de goleiros, que antes eram treinados juntos com os que não utilizavam as mãos. Um avanço. Outra inovação.


Enfim, depois de Arnaldo Cézar Coelho, apito com grife da Adidas, da Nike e da Puma, passou a ser, no país do futebol, um novo e cobiçado presente de Natal.

Obs. A primeira parte do texto foi de absoluta ficção, visando apenas exaltar a não ficção que se impôs quando o apito soou e colocou ordem na intenção do autor.

O PROJETO GOLEAR

por Zé Roberto Padilha


“Bota ponta , Telê!”. Mais que outro bordão engraçado de Jô Soares, era um importante alerta dos anos 80 e 90 sobre um processo de extinção da qual fiz parte. E tanto mal fez ao futebol arte: escalar o meia armador na ponta e enviar o ponta esquerda de verdade, o que partia pra cima do lateral e encantava a torcida, de volta para casa. Eu, Dirceuzinho, Zinho, Sérgio Manoel, Luis Carlos, Galdino, Gilson Gênio, Mário Marques e tantos meias, discípulos de Zagallo, o primeiro a colocar o Pepe no banco de reservas, fomos coniventes com este “ponticídio”. E acabamos por retirar do futebol a beleza plástica do Lula, Romeu, Zé Sérgio, Mário Sérgio, Gilson Nunes, Julio César e quem mais partia, e não encerava ou tocava pro lado, com a bola nos pés para cima dos laterais.

Quando Telê deixou Éder no Brasil e escalou, em 1986, dois laterais, Júnior e Branco, e uma Copa depois, deu a camisa 11 para o Valdo, tal mau exemplo se propagou pelas divisões de base do país. Se o treinador da seleção, mesmo avisado na televisão, pensaram os treinadores, acabou com os pontas, porque nós insistiríamos com eles? Daí o que era um preferência, virou tendência, processo de extinção que nem teve o Greenpeace para panfletar contra. Desde então, nunca mais tivemos um iluminado Escurinho a clarear as tardes tricolores de domingo.


Ao assistir São Paulo x Corinthians, tive a oportunidade de constatar um novo processo de extinção, desta vez com os centroavantes. Jair Ventura perdeu a paciência com o Roger e avançou o Danilo. E o treinador do São Paulo mandou o Gilberto para o Bahia e fixou o Diego Souza entre os beques.

Flamengo se livrou do Felipe Vizeu, Leandro Damião e mantém Henrique Dourado em cativeiro. Vasco importou uma espécie rara dos vizinhos e o Fluminense vive a morrer de saudades do Fred. Quando um camisa 9 desponta nas divisões de base, são logo negociados. E quando surge um Pedro, vem junto uma lesão. Mas há uma solução.


O vitorioso Projeto Tamar não deu jeito de preservar as tartarugas da extinção? O Projeto Temer, e seus acordos ilícitos com o congresso e com o judiciário, não preservou no poder seus comparsas golpistas Aécios e Renan Calheiros? Então que seja lançado, antes que seja tarde e toda partida acabe em 0x0, o Projeto Golear. Em cada clube de futebol, um ex-camisa 9, que fez história no clube, será o treinador de artilheiros. Washington percorrerá Xerém ensinando todos os atacantes a se posicionar. E Nunes, o Ninho de Urubu, orientando os meninos a arte de guardar a bola no fundo das redes. Valdir Bigode já está no Vasco, é só largar a interinidade. E Jairzinho vai botar o short e mostrar aos meninos tudo ao contrário do que o Brenner vive a lhes proporcionar.

O gol é o grande momento do futebol. Seu auge, seu máximo, o espasmo. Um grito de orgasmo. Se perder os pontas significou perder um beijo apaixonado, que paixão resistirá dos torcedores com a magia futebol quando o fundo de todas as redes viver a apenas ser flertado. E nunca mais buscado, acossado, penetrado como a triste tarde vivida ontem em Itaquera.

O TEMPO DA BOLA E DESTINO

por Zé Roberto Padilha


A diferença que separa os homens dos meninos no futebol, em meio a bagagem que precisam ostentar ao dirigir um clube do porte do Flamengo, saltou aos olhos quando a arrogância e a falta de humildade de um goleiro, Diego Alves, colocou em cheque a unidade do grupo rubro-negro no Campeonato Brasileiro.

Caso Barbieri, interino e ainda menino, estivesse no comando do time talvez seu currículo, tão propagado, fosse imposto diante do bom momento do seu substituto. Mas Dorival Júnior, cascudo e rodado, seguiu a cartilha que norteia o futebol e privilegiou quem encontrou jogando e ganhando. Por que tiraria de César o que passou a ser sob seu comando, por direito e defesas, de Cesár?

Não há cláusulas contratuais previstas que garanta a um atleta, que saia do time lesionado, o direito a retomar de pronto sua posição. Ele deve ter a humildade do Diego, que possui um currículo ainda maior, que entendeu que a chegada do novo treinador, e sua contusão, deu a William Arão a oportunidade de mostrar o futebol que jogava no Botafogo. Sua entrada tornou o Flamengo mais objetivo, porque se apresenta na área como fator surpresa, e seguro, porque ajuda o Cuellar na marcação. Ao voltar e reconhecer o bom momento de quem o substituiu, Diego, ao contrário do seu xará Alves, tem pensado mais no grupo do que em si mesmo. Aos poucos vai entrando, recuperando o ritmo e aguardando a mesma brecha que concedeu lhes ser retribuída.

O futebol, todos sabem, é um esporte coletivo. Quando um atleta não entende isto, que acha que uma posição é sua e não tem concorrência, melhor trocar os shorts pela sunga, as chuteiras pelo tênis, e procurar uma piscina ou uma pista. Tanto na natação, quanto no atletismo, é o tempo, o senhor da razão e escalação, quem define quem vai disputar a próxima Olimpíada. Já o tempo da bola é o seu quique e destino.

Saber entender quando ela nos eleva acima, ou nos domina por baixo, é a grande jogada que separa os Diegos do entendimento de serem atletas homens. Ou jogadores de futebol birrentos e meninos.