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zé roberto padilha

PELO SAGRADO DIREITO DE ERRAR

por Zé Roberto Padilha


Às vezes, confesso, tenho que tirar o meu chapéu para a FIFA. Reconhecer sua insuperável capacidade de retirar do futebol o que ele carrega de mais surpreendente, inesperado e irreverente. E que levava a diversidade de quem mais ousava praticá-lo, com arte e improvisações, a alcançar a hegemonia mundial.

Depois que Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho, três bolas de ouro da entidade, levantaram nosso quinto título mundial, ela se aliou a Sony. E juntas decidiram, pela tecnologia, que todos os países deveriam jogar por igual em cada campo e telinha desse mundo. Ou dariam um jeito de tirar o Brasil da jogada porque não teria mais a menor graça. Mas com um mercado deste tamanho? Com uma paixão como a nossa? E começaram a igualar sua prática pelos estádios. Todos os torcedores tinham que se comportar nas cadeiras, nada mais de Arquibaldos, que carregavam isopores, Geraldinos, que expressavam de perto seus amores. Viraram Arenas frias, aqui e na Grécia, na Turquia e no Uzbequistão.

Lançaram videogames tão reais que muitos garotos deixaram nossos campinhos de pelada, onde inventaram uma arte única, lançaram dribles, construíram artimanhas, para se trancarem nos quartos e trocar passes laterais no lugar de arriscarem uma arrancada para o gol. Mesmo alcançando seu objetivo, nos levando a perder seguidos mundiais e passar a atuar tão previsíveis quanto a Croácia, e a ser eliminada por último pela mais comedidas das Bélgicas, resolveram nos punir ainda mais. E acabaram de nos roubar até o sagrado direito de errar. E criaram a praga do VAR.


Inventado pelos ingleses, rigorosos com o tempo, e administrados pelos suíços, precisos como seus relógios, jamais entenderão a paradinha que o nosso Rei Pelé criou para atrasar o tempo de bater uma penalidade máxima. E enganar o arqueiro adversário.

Quando, em 1995, Renato Gaúcho meteu a barriga, os braços e os testículos naquele cruzamento do Aílton, e tirou da Gávea o título estadual no ano do seu cinquentenário, aos 44 minutos do segundo tempo, não existia nem um VAR a julgar. Era o juiz, e seus bandeirinhas, com liberdade de escolha, de reflexos, para validar ou não, no ato da criação, no exato instante da comoção, a razão maior do futebol que é o seu grito de gol.


Agora, nem gritar o artilheiro pode, o torcedor comemorar, quem se habilita se há olhares e monitores a constranger a seguir quem ousou por ele vibrar? Se no pôquer não puder mais blefar, uma camisa discretamente na área não puder mais segurar, ao adversário nem uma artimanha empregar, o futebol deixará de ser um jogo emocionante, surpreendente e digno das paixões que carrega.

Se continuar a passarem corpo e alma a limpo a cada ato de sua criação, não será necessário mais ser jogado no Maracanã. Bastará levar a final para o confessionário do Mosteiro de São Bento. Sem as polêmicas que levamos para casa, que varam as madrugadas abastecendo nossas resenhas esportivas, e que carregam torcedores a discutir os lances horas depois nas mesinhas dos bares, que graça terá mesmo o futebol quando alcançar por aqui a sua mais completa e absoluta razão?

O ÚNICO BLOCO DAS PIRANHAS PERDIDO

por Zé Roberto Padilha


Desde que Moisés, o zagueiro Xerife, então jogador do Vasco, com a ajuda de alguns companheiros, entre eles o Alcir e meio time do Olaria, saíram num sábado de carnaval vestidos de mulher pelas ruas de Madureira, que o Bloco das Piranhas entrou de vez na vida de cada um de nós, boleiros. Tanto tempo depois, ainda saímos de Piranhas, como ontem, irrecuperáveis, irreverentes e festeiras. Desde este episódio, ocorrido no começo da década de 70, só deixei de sair no bloco uma vez. Em 1975. Pois justo no sábado de carnaval deste ano, Francisco Horta, nosso presidente, resolveu marcar um jogo no horário de sua saída. E logo no Maracanã, contra o Corinthians. Motivo? Apresentar Roberto Rivelino, um tricampeão que nem um torcedor da fiel queria mais.

No banco de reservas, Piranhas antes da partida contrariadas, que desfilavam pelos gramados do Estádio Hercílio Luz, Brinco de Ouro da Princesa e Ressacada, que concentravam no Hotel das Paineiras, faziam excursões em vôos rasteiros, assistiram, estupefatas, um desfile dos sonhos sonhados. Talvez nem Joãozinho Trinta apresentasse, à nossa frente, algo tão bonito parecido. Porque ele, Roberto Rivelino, meteu três gols na goleada de 4×1 e na Comissão de Frente veio o título carioca. Um carro alegórico exibia, a seguir, nossa nova concentração, um Hotel Nacional 5 estrelas novinho em folha de frente para o mar. E uma ala, com as asas azuis, vermelhas e brancas da Air France, mostrava nossa delegação partindo, de Jumbo, para o Torneio de Paris. No Paris St. Germain, o organizador da festa no Parc des Princes, vestindo o estandarte 10 como convidado, Johan Cruyff, o maior jogador em atividade no mundo, contracenava em uma ala verdinha com ele, Rivelino, Mário Sérgio, Marco Antonio, Edinho, Zé Mario, Gil….. e Paulo César Caju.


A partir daí, Piranhas comedoras de sardinhas, como eu, se espalharam pelos clubes, do país e da Europa, com direito a ter bacalhau com vinho do Porto à mesa. Perdemos um desfile, mas nenhuma piranha daquelas, entre elas o Cléber, Zé Maria, Carlos Alberto Pintinho, Abel, Érivelto, Rubens Galaxe e Nielsen Elias, se esqueceu daquele sábado em que perdemos um desfile. E passamos a conhecer e ser respeitado melhor pelo mundo da bola.

UM PAI ALÉM DE UMA GRANDE PAIXÃO

por Zé Roberto Padilha


Em 1995 era treinador do Entrerriense FC, que disputava o Campeonato Carioca da primeira divisão. Com extrema ousadia, por se classificar entre os oito finalistas, e doses de imprudência, por enfrentar os grandes clubes no centenário do Flamengo, e do título nacional do Botafogo, acabávamos de cumprir nosso último compromisso em Bangu após apanhar bastante. E voltamos para casa escutando no rádio a final da competição entre Flamengo x Fluminense.

Minhas filhas, então com 13 e 15 anos, já rubro-negras por sua bisavó, a Rutinha, ser mais convincente que as camisas tricolores que lhes dei de presente, estavam no banco traseiro quando alcançamos o trevo da Ponta das Garças, na entrada da cidade. Faltavam três minutos e o empate era do Flamengo. E as duas pediram para passar pela Chopperia que de lá sairia a maior das carreatas. A carreata do título do centenário.


Em meio a travessia da ponte o Ailton chamou o Charles, o Guerreiro, para dançar, e o Renato colocou de barriga a bola para o fundo das redes. Uma tristeza jamais sentida no interior de um Passat mudou o roteiro daquela chegada e elas pediram para ficar em casa. Naquela noite, em que faltei pela primeira vez à carreata tricolor, descobri que era muito mais pai que torcedor do Fluminense.

E, ontem, foi a vez do Bruno sair de casa em busca de um empate. No futebol, diz a lenda, jogar por ele é como sair com uma mulher que você desconhece e ela se apresentar de mini saia, decote ousado e salto alto. Você sabe apenas que vai sair, se vai voltar com ela pra casa só os noventa minutos, às vezes prorrogação, pênalti, uma falha do Arrascaeta…

Bruno também ganhou a camisa recusada pelas irmãs, mas no nosso jogo de despedida, então com 13 anos, em que veio a Três Rios o Máster do Flamengo, não resistiu ao concerto oferecido por Zico, Adílio, Junior, Andrade, Claudio Adão e Julio Cesar. E foi com as meninas para o meio da massa.


Saiu, ontem, de casa com o empate nas mãos e ele escorregou aos 47 minutos do segundo tempo. E nunca ninguém entrou em nossa casa com a cabeça tão baixa daquele jeito. Triste por ele, redescobri, mal dormindo também, que continuo muito mais pai que tricolor.

Quanto ao Guilherme, o nosso caçula, que a Tia Vera convenceu a ser Botafogo e fez por encalhar de vez a camisa original tricolor, dormiu muito bem, obrigado. Tem coisas que só acontecem aos que torcem pelo Botafogo.

DEPOIS DE BRUMADINHO, O PUXADINHO


O jornalista esportivo, diante de uma tragédia esportiva, precisa se portar como um legista. Não procurar sair a encontrar culpados, esta tarefa cabe a Defesa Civil, ao Ministério Público e ao Corpo de Bombeiros. Mas diante das suas responsabilidades, calçar luvas, pegar uma caneta fria e buscar a fundo as causas do ocorrido. Seu relatório servirá de base para que as causas do ocorrido sejam conhecidas. Analisadas a fundo, poderão no futuro evitar outras tragédias. O que não podemos, como ex-atleta e jornalista, é nos calar diante desse triste episódio.

No nosso caso, que saímos aos 16 anos para morar numa concentração no bairro da Urca, e percorrer todas as divisões de base do Fluminense, bastaram as primeiras imagens, do helicóptero da Rede Globo, no Bom Dia Brasil, sobrevoando o Ninho do Urubu, para perceber que a fumaça não saía do Complexo Esportivo destinado à administração e ao alojamento dos profissionais. Todos eram protegidos por coberturas de lajes. Pegou fogo nos dormitórios das categorias de base, visto lá do alto um puxadinho, módulos improvisados protegidos por telhados discutíveis.


De cima, seus alojamentos destoavam da harmonia e beleza da obra. Por dentro, deixaram expostos o descaso com que a maioria dos clubes de futebol, por todo o país, ainda tratam as suas divisões de base. Para os Henriques Dourados, Vitinhos, que já não dão mais lucros, pagam os maiores salários e servem do bom e do melhor. Para os futuros Vinícius Jrs, Lucas Paquetás, verdadeiros diamantes a serem lapidados e vendidos a peso de ouro, reservam e acomodam no espaço em que for possível.

As notícias divulgadas pelo G1 não nos deixam mentir para que lado são direcionados os privilégios num CT: “Em 2018 foi inaugurada a nova ala reservada aos profissionais, com novos alojamentos, um parque aquático, academias e a estrutura pré-existente foi deixada para as categorias de base”. Estrutura pré-existente é coisa do passado destinado aos que garantirão o futuro do clube. Até quando?


O segundo laudo traz as responsabilidades indiretas da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro no ocorrido. Ao abandonar o futebol do interior, ajudar com seu descaso o fechamento das ligas desportivas que organizavam os campeonatos, cerceou o crescimento e o amadurecimento dos craques em seu próprio berço.

Se antes um atleta se revelava nos infantis, ele defendia seu clube nos juvenis e disputava os campeonatos amadores municipais e regionais. Somente alguns eram convidados a treinar em clubes grandes. Hoje, todos procuram Xerém desde os 8 anos e muitos se dirigem ao Ninho do Urubu sem alcançar sequer o ensino médio. Todos perdem com isto: os pais, precocemente a companhia dos filhos, a cidade, um dos seus maiores atrativos, e o filtro estreito que acaba fechando o caminho de muitas promessas.

Poucos no universo esportivo, suas vítimas , seus pais e familiares, legistas ou jornalistas percebiam que havia, além do sonho de jogar no Real Madrid ou no Barcelona, ter sua história contada no Globo Esporte, abutres sobrevoando o legítimo sonho treinado em cada ninho por centenas de meninos”.

LICENÇA PRÓ – A NOVA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR O TITENIC

por Zé Roberto Padilha


Diante da atual penúria técnica do futebol brasileiro, que conta com a pior safra da sua história, seria normal que os atuais treinadores do G-20, grupo que reúne os comandantes da sua primeira divisão, se reunissem para rever o estado de conservação dos campos de fertilização de novos talentos. Buscar a fundo as razões que levaram a cidade de Três Corações, no interior de Minas Gerais, a não revelar um novo Rei. Saber por que Quintino, no subúrbio do Rio de Janeiro, não enviou um outro Antunes ao Maracanã. E porque o São Cristovão não vê por ali nascer mais fenômenos. Isto é, buscar nas raízes dos campos de peladas do interior, e no desaparecimento dos seus heróis abnegados, com um apito na boca e uma bola debaixo do braço, que viviam a garimpar, sem CREF ou Licença Pró-Teção ao meu cargo, a nossa maior matéria prima de exportação.

Mas no lugar de ir fundo no problema, os integrantes do G-20 preferiram ficar na superfície das suas próprias ambições. Inseguros, corporativistas, tramaram nas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro se reunir na sede dos Coveiros do Futebol Brasileiro (CBF) e garantir a própria sobrevivência. Afinal, como um treinador de seleção brasileira se presta ao desconforto de sentar num banco escolar para ouvir não uma preleção do Guardiola, do Mourinho, mas as considerações de um Famoso Quem em busca de uma carga horária?


Ele, Tite, o Dunga e mais os 18 anões do meu pirão primeiro, se prestaram a tal humilhação para ter direitos exclusivos sobre nós, treinadores do futebol brasileiro espalhados por todos os campos do país. Eles se rotulam comandantes da elite, mas que elite é esta que precisa buscar nos países vizinhos soluções berrantes, e Berrios, que brotavam a toda hora pelos nossos campinhos de pelada?

Sou treinador de futebol do interior, com muito orgulho. Oito anos dirigindo quatro equipes (Fluminense FC, América FC-TR, Entrerriense FC e Ariquemes FC) com quatro títulos conquistados (Estadual Carioca Infantil 87, Juvenil 89, Segunda Divisão Carioca 94 e Campeão Estadual de Rondônia 93). Pouco importa o que lutei e alcancei. Como centenas de colegas ex-atletas carregados de experiências, estou há anos sem clube porque o descaso da FERJ com o interior saiu fechando o futebol do Barra Mansa FC, de Cantagalo, de Teresópolis, e do Serrano também. Os dois clubes da minha cidade, Três Rios, que revelaram o Ferreira para a Seleção Brasileira e o Vinícius Righi para o comando do ataque do Flamengo, e o Da Silva para proteger a zaga da nação, entre tantos craques , fecharam suas portas. Sem campeonatos, ligas desportivas abandonadas, deixaram de revelar grandes jogadores, oferecer a população espetáculos ao vivo e passaram a abastecer o crescente mercado do mundo das drogas.


Ao final da reunião do G-20, na sede coveira da Granja Comary, foi registrado em ata que só eles poderão dirigir as grandes equipes dos pequenos jogadores. Pagaram uma fortuna para garantir que ninguém mais irá dirigir o Flamengo sem Nunes, o Fluminense sem Fred, o Botafogo sem Túlio e o Vasco sem o Roberto Dinamite. Pouco importa o resultado alcançado, o que vale é estar ali no comando de um Titenic que já perdeu outra Copa do Mundo, viu a Copa Libertadores da América ser disputada por dois argentinos e segue, imponente sob seus comandos, para o fundo do mar porque para o fundo das redes ninguém mais com a 9 consegue acertar.