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zé roberto padilha

ENTRE DIEGO E ARRASCAETA, MELHOR DEIXAR NO BANCO A DEPRESSÃO

por Zé Roberto Padilha


Como treinador do Entrerriense FC, chegamos a nos enfrentar no estadual de 1995. Ao levantar a divisão intermediária um ano antes, e nos classificar entre os oito finalistas daquele ano, já sabia, mas não imaginava, o sofrimento que viria. Para vocês terem uma ideia do poder de cada um, o Flamengo, no ano do seu centenário, vinha para cima com Edmundo, Romário e Sávio. O Botafogo, de Túlio e Vagner, seria o campeão brasileiro, o Fluminense, de Renato Gaúcho levantaria o estadual e o Vasco….

Bem, o Vasco, dirigido pelo meu amigo Abel Braga, fomos enfrentar na última rodada. Heroicamente, com uma folha salarial que não pagava o artilheiro Valdir, perdíamos de 4 no quarta-feira e de 5 no domingo. E acordávamos na segunda para curar as feridas que seriam reabertas na quarta seguinte. Foi, naquela ocasião, como ganhar a segunda divisão do UFC e de repente cair numa chave com Anderson Silva, Cowboy e o José Aldo.

Antes de enfrentar cambaleando o Vasco, fui visitar o meu amigo na concentração do Hotel Salutaris, em Paraíba do Sul. Abel nos parabenizou pela campanha, estávamos todos de olheiras, hematomas generalizadas, mas nunca um time do interior tinha chegado tão longe. Como se fosse hoje, lembro do Carlos Germano, então o melhor goleiro do país, se dirigir às 9h45 para o seu quarto. E o Abel nos apresentou. E voltei para casa sabendo que mais do que evitar uma outra goleada, seria fazer gols na defesa vascaína. Mesmo jogando em casa.

Nosso time não concentrava. Um ano juntos, a cidade de Três Rios tomava conta de cada um soldado seu e o dinheiro da concentração era revestido na premiação. Que foi pouca, apenas empatamos com o América e só vencemos o Bangú.


Reapresentávamos às 10h00 para uma palestra, almoço e descanso até a hora do jogo. E quando cheguei ao clube, seu Carlos, o porteiro, foi logo nos dando a grande notícia: nosso goleiro tinha ido a Exposição Agro Pecuária e Industrial e chegara bem tarde na concentração do clube. Onde alguns moravam. Virei para ele, seu Carlos, e disse: vai ser um jogo interessante, pois se o melhor goleiro do país se recolheu cedo aos seus aposentos e o pior, que é o meu, que poucos conheciam, sequer dormiu, acho melhor me recolher também. E ir para casa.

Posso dizer a vocês, de carteirinha, que é a profissão mais difícil do mundo. Aquela em que você é julgado não pelo que produziu em campo. Mas por aqueles que deveriam produzir, ou não, por você. Não são máquinas que escalamos num complexo industrial, e só trocamos o fusível, o reator ou a pilha. São seres humanos que acordam inspirados ou não. Como entrar dentro do seu inconsciente e descobrir que teve um conflito em casa? Que mesmo morando em uma cobertura, cortaram sua luz porque o salário do clube atrasou mais de quatro meses.

O jogo foi Vasco 3 x 0 Entrerriense. Por não ter outro goleiro à altura, escalei o galã da exposição, o amante do rodeio. Aos dez minutos, Bismarck soltou um torpedo de fora da área, e ele caiu com bola, sol e tudo para dentro do gol. Após o jogo, fui atendido no Hospital de Clinicas N. Sra. Da Conceição. A competição havia acabado e a depressão foi o último adversário que enfrentei. Para, oito anos depois de muita luta e entrega, deixar a profissão aconselhado por uma junta médica.

Fui quase Ricardo Gomes, senti um pouco do Muricy passou e sei das dores que o Abel sentiu quando deixou o Maracanã e foi levado para o hospital. Se quem treinava um time do interior quase foi para o tombo, imagino meu amigo o que sentiu ao defender, sob pressão, uma nação. Sendo assim, parabéns pela decisão. Entre o Diego e o Arrascaeta, melhor deixar mesmo no banco a depressão.

QUE HINO É ESTE QUE TOCA E NÃO NOS TOCA?

por Zé Roberto Padilha


Retirem as crianças da sala, para não que elas não reparem a distância que eles tomaram. E poupem nossos pais, saudosos, para que eles não percebam que nossos ídolos, até então tão próximos, ficaram tão distantes e diferentes de nós. No Globo Esporte, um helicóptero, último modelo, fretado, saía da Granja Comary levando nossos jogadores, em seu dia de folga, para o Rio de Janeiro. Tão perto Teresópolis da Cidade Maravilhosa, com suas pavimentadas e belas estradas esculpidas em torno de um visual tão bonito, carregado de hortênsias e admiradas por um dos dedos de Deus, por que não voltaram de lá naquele luxuoso ônibus da CBF pago com o dinheiro dos nossos impostos?

Você começa a perder um grande amor quando deixa de tocá-lo. Quando um da relação chega cansado e mal tem tempo para lhe conceder um abraço. O que dirá se não lhe for servida uma taça de vinho. E ainda ganhar um beijo de tia, na face. É hora, definitivamente, de começar a desconfiar desta paixão esportiva. Não há como alimentá-la quando todos eles, jogadores da seleção brasileira, cercados de segurança para não serem assediados, com fones de ouvidos para não perceberem o clamor da massa que ainda os idolatra, passam um definitivo recado quando desembarcam diante das suas invioláveis armaduras da Nike: “Por favor, Não me toques!”.

Há dois anos, Richarlison chegou ao Fluminense, em seu Toyota 2017, pela BR 040. Veio dirigindo desde Belo Horizonte, onde defendia o América FC. Dois anos depois, na segunda-feira passada, foi o primeiro a chegar na Granja Comary. E desembarcou de uma limousine tão grande e blindada, que nenhum torcedor por lá de plantão se sentiu seguro a aproximar. E lhe dar um abraço de boas-vindas ao seu país e a sua seleção. Lhe desejar boa sorte e pedir um autógrafo. Seria a Carmem Lúcia que chegava? O Governador do Estado? Ou seria o próprio presidente Jair Bolsonaro?


Em um país tão desigual, nossos jogadores cada vez mais deixam suas origens, sua língua, seu hábitos e cultura para ser tornar, diante da primeira Champions League, mais um cidadão desigual. Do real para o euro, do Flamengo para o Real Madrid, do Fluminense para a zaga do Paris St. Germain, se distanciam dos seus torcedores trabalhadores que acordam às 4 da madrugada de Caxias, Mesquita e São João de Meriti para pegar uma composição da Supervia. E que retornam espremidos às 18h, mal veem seus meninos acordados, mas que tinham orgulho de economizar um pouquinho da feira para vê-los atuar no domingo. E na outra quarta também. Como ter time e trabalho misto se jamais na construção civil surgiu o Diego, o operário Arrascaeta misto a os poupar?

Na preparação das maiores competições oficias, ficávamos colados aos alambrados do Hotel de São Lourenço, da cidade de Caxambu, do clima ameno e das Águas de Lindóia, onde se preparavam para uma Copa do Mundo. Todos iam buscar um calor, um carinho e um autógrafo com a humildade de Mané Garrincha. Com a cumplicidade de um Carlos Alberto, do Santos, do Brito, que defendia o Vasco, do Piazza, ídolo do Cruzeiro, e Everaldo, a simplicidade convocada junto ao Grêmio. Hoje, protegidos pelo Daniel Alves, da Juventus, Thiago Silva e Marquinhos, do Paris St Germain, e Marcelo, do Real Madrid, nossa seleção não respira mais o cheiro da segurança e esperança das quais almejam seus compatriotas.

Quando aquele helicóptero subiu na telinha do Globo Esporte, e estragou nosso almoço de tão soberba a aparição, parecia um aviso que vinha dos céus e que iria percorrer cada pensamento dos nossos ídolos alienígenas antes do começo de cada partida da Copa América: “Que hino é este que toca e não mais nos toca?”

A TAÇA DE CRISTAL

por Zé Roberto Padilha


Nielsen Elias foi um grande goleiro. Chegou em 1968 às Laranjeiras com 16 anos. E foi ficando junto comigo, Abel Braga, Marinho, Rubens Galaxe, Silvinho e Marco Aurélio até 1975. Ganhamos muitos títulos, perdemos outros e nos tornamos grandes amigos. Mas o que nos chamava a atenção era a sua dificuldade de jogar na linha. Não sabia driblar, chutava mal, tinha mesmo que ser goleiro. E que goleiro. Nos treinos recreativos divertia a gente jogando de centroavante. O gol não era mesmo a sua praia. Em compensação lá, debaixo de paus, vi poucos arqueiros parecidos.

Dezoito anos depois nos reencontramos nas Laranjeiras. Era o treinador de goleiros dos profissionais e eu técnico dos Juniores. E ao vê-lo bater bola com o Wellerson, fiquei impressionando: já chutava tão bem ou melhor que o treinador profissional, que era nada menos que o Edinho. Nielsen se aprofundou neste fundamento, essencial para sua nova profissão e importante nos dias de hoje na vida de um grande goleiro.


Foram dezoito anos, não seis meses. É neste exíguo tempo que o Fernando Diniz quer exigir que aquele cara ruim de bola, que desde criança, por falta de habilidade com os pés, foi convidado a ir para o gol e usar as mãos, se adapte ao seu sistema de jogo. E saia jogando com os pés. O resultado? São obrigados a fazer o que não sabem.


E os treinadores, como o do Bahia, orientam seus Gilbertos para dar o bote. Uma vez perdida a bola, não há cobertura. Eles, os goleiros, são nossas ultimas fortalezas.

Não culpem nossos goleiros tricolores. Esta nova função precisa ser repassada, em Xerém, aos treinadores de goleiros dos infantis, juvenis e juniores. Iniciar tal jogada pelos profissionais, é como entregar nas mãos de seu neto, de 3 anos, uma taça de cristal inglesa que pertenceu a seus avós. Como em toda bola atrasada pelos zagueiros tricolores, vamos ficar rezando na sala para que eles não a deixem cair.

O TIC TAC TAMBÉM É FILHO DE XERÉM

por Zé Roberto Padilha


Sei, como jornalista e estudante de História, o trabalho que dá pesquisar rastros e pegadas sobre qualquer ação humana realizada no passado. Os arqueólogos que o digam. Pior, só mesmo quando você é quem construiu a Pirâmide e está vivo observando a memória frágil do futebol encobrindo-a. E entre deixar que cada vez mais a nossa construção tática se afunde, e sejamos taxados de vaidosos, até prepotentes, ou retirar cada pó que encobre nosso trabalho tático, o 55 Reversível, optei em lutar, três décadas após sua concepção, por sua autoria. O Pep Guardiola que nos perdoe e não durma esta noite sob o fog londrino. E o Fernando Diniz que se orgulhe de ter criado depois um sistema parecido. O que importa é mostrar a vocês que o Tic Tac, bem como Pedro e o João Pedro, é também filho de Xerém.

Ao começar nossa carreira de treinador por lá, em 1987, sentimos que nossos atletas, 80% deles vindos do Futsal das Laranjeiras, tomavam um susto com as dimensões do seu novo campo de ocupação. Hábeis, talentosos e acostumados a atuarem próximos uns dos outros, levavam um enorme tempo para se adaptar. E o campeonato carioca infantil estava chegando e começaria o julgamento do nosso trabalho. Então, criamos três quadras de futsal dentro do campo demarcadas por duas linhas intermediárias. E treinamos sua ocupação ordenada à exaustão. Na quadra do meio, era obrigatório dar dois toques na bola.


Deu tão certo que levantamos os títulos infantis, em 87, o juvenil, 89, e editamos um fascículo naquele ano denominado “Tríplice Ocupação com Dupla Função”. Segundo nossos atletas, “era uma toqueira danada para cima dos adversários não tão compactados.” Em 90, com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, apoiado pelo professor Ivan Cavalcanti Proença, editamos o livro “55 Reversível”, sistema tático de futebol. E o lançamos em uma palestra no Salão Nobre do Fluminense FC.

E quando esta talentosa geração alcançou os juniores, e encantava Telê Santana nos treinamentos coletivos com sua posse de bola, um diretor do clube, o ex-árbitro Walquir Pimentel, pagou do próprio bolso o salário do mês dos funcionários e atletas. Numa sociedade cada vez mais capitalista, se tornou um semideus nas Laranjeiras e passou a receber de volta passes dos atletas. Surgira ali o diretor empresário no lugar do diretor amor à camisa e….o sonho terminou. Fui dispensado e poucos jogadores foram aproveitados. Era melhor trazer o Bobô, do Bahia. E Juninho e Macula, do Bangú. Estavam há algum tempo no mercado, dava para negociar. Quanto aos meninos e seu treinador, melhor esperar ou dispensar.

Hoje, quando o time do Fluminense realiza no Maracanã o que sepultaram lá atrás, em Xerém, Paulo Alexandre, nosso ponta que se tornou professor e escritor, Cadú e Leonardo, que foram campeões em 95, nos ligam e postam sua indignação. “Professor, nós fazíamos isto lá atrás!” E eu, antes tarde do que nunca, que já lutei pelas Anistia, Diretas Já e saio às ruas por Lula Livre!, resolvi lutar pela autoria da própria obra. Que, acima do nosso amor pelo clube, é tricolor. O Tic Tac, acreditem, também é um filho talentoso e esquecido de Xerém.

O DARWINISMO DA BOLA

por Zé Roberto Padilha


Passei meu curso primário, melhor, estudo fundamental, como treinador nas divisões de base do Fluminense FC, em Xerém. Durante cinco anos (1987-1992), realizei aquela ralada básica que toda profissão exige. Isto é, desde que você não tenha padrinhos e se apresente direto aos profissionais nas Laranjeiras.

Acordava 5h30, tomava café e minha esposa nos deixava de bicicleta na Rodoviária. Ela não tinha padrinhos nem madrinhas também. E o ônibus da Viação Salutaris nos deixava uma hora depois no posto policial de Xerém. Por ali ficava aguardando por horas a chegada, ou não, do Tubarão. Um carinhoso apelido concedido a um ônibus truculento e ultrapassado que saia todos os dias da rua Álvaro Chaves. E poucas vezes chegava ao seu destino.

Nossa missão não era apenas preparar uma equipe competitiva para os estaduais da base, era também selecionar, como a natureza, segundo Charles Darwin, quem sobreviveria na selva da profissão mais cobiçada do país. Mas que poucas espécies permanecem. “Aquela que estabelece os parentescos fisiológicos e a comunhão de origem de todos os seres vivos. Ou a transformação das espécies como consequência da seleção natural”.

Não há como ensinar alguém a jogar futebol. Se aprende a tocar piano, violão, dançar tango ou balé e falar inglês. Ou o dom, a vocação vem do berço, ou você esquece. Caso leve jeito, estávamos a postos para aprimorar os fundamentos com que exercerão aquela dádiva concedida pelos deuses do futebol.

Como passei meia década por lá e o tempo era curto, diante da numerosa fila que surgia em ônibus, carros, vans e alguns com cartões da aristocracia tricolor, nos bastavam cinco minutos para dar o veredito se o garoto ficava ou não. Mas para o pai de um adolescente mineiro, seu filho precisaria realizar, a todo custo, o seu sonho de atuar no Maracanã. Mesmo sendo mediano junto a um grupo acima da média que levantara os títulos estaduais 87, infantil, e 89, juvenil. Sendo assim, mediano, permaneceu por lá para ser melhor avaliado. Certo dia, ao convocarmos um grupo para um amistoso, o pai, vendo o filho fora da lista de convocados, atravessou o campo e foi tirar satisfações.


Foi bom conhecer a teoria darwiniana e não discutir com ele. Pelo contrário, convidei-o a sentar ao meu lado e suspendi o coletivo-apronto e liberei uma pelada. Onde ninguém admite perder para ninguém e ser sacaneado na volta do Tubarão. Dei os coletes verdes para o craque do time, Mário Alexandre, e os vermelhos para nosso capitão, o Magaldii. E disse para o pai: “Vou levar dezessete atletas a Muriaé. Se seu filho estiver entre os primeiros dezessete escolhidos entre os vinte e dois, ele vai com a gente”.

Veio a distribuição de coletes e ele só não foi o último porque tinha que ter um outro goleiro. E o pai se levantou do banco, bravo toda vida, disse que aquilo era mesmo uma panelinha e nunca mais retornou de Juiz de Fora com seu filho. Charles Miller, como sabemos, trouxe o futebol para o Brasil. E Charles Darwin já sabia, antes dele, que a habilidade, a técnica e a destreza só manteria em cena os que só o meio permitiria.

Soube depois que o garoto tentou o Vasco. E o Tupi, de Juiz de Fora. E que se tornou um engenheiro respeitado. Contra a natureza não há mesmo como lutar. E as tribunas de honra do Maracanã também é um lugar digno para se ocupar porque lá cabem todos os sonhos possíveis de um pai sonhar.