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zé roberto padilha

O QUE VIER DOS SEUS PÉS É LUCRO

por Zé Roberto Padilha


Meus netos, Eduardo e Felipe, foram ao Maracanã assistir Argentina x Venezuela. Na verdade, foram mesmo ver o Messi. Aos 12 e 8 anos, quatro de escolinhas de futebol e seis de Playstation da FIFA, não voltaram tão felizes do que assistiram. O camisa 10 argentino não estava em seus melhores dias dentro de campo. Mal sabiam, porque só o tempo vai mostrar a eles, que estavam diante do maior exemplo que um avô gostaria de mostrar aos seus netinhos. Porque o futebol vai passar pela vida deles. A formação, desportiva e cidadã, esta ficará para sempre.

Lionel Messi não perde tempo olhando seu cabelo no telão para não desviar sua atenção da partida. Seu impressionante foco, durante os noventa minutos, é se deslocar para receber um tijolo, lapidá-lo e transformá-lo em uma obra de arte. Se apanha e cai, levanta e não reclama. Pior, nem olha na cara do seu agressor. Será apenas mais um. Se o juiz não marca a falta, mesmo com a canela doída, não reclama. Não sorri, não chora, não faz beicinhos, cera ou catimba. Ele quer a bola. E nós queremos admirar seu exemplo, de atleta que acaba o jogo e vai jantar com sua família, que acompanha cada jogada que produz.

De que adianta ser um ídolo se ele embaça sua idolatria envolvido em baladas e acusado de estupro? De que adianta fazer um gol de bicicleta se dia seguinte, cultuado em álbuns de figurinhas, abre sua mansão para exibir suas 12 limusines enquanto poderia abrir uma fundação e retribuir o carinho aos que mais o idolatram e precisam?

Amanhã, dia de Brasil x Argentina, coloquem seus filhos de castigo na sala. Se for possível, levem-nos até o Mineirão. Porque um professor, um guia espiritual, um psicólogo, um empreendedor, uma tia carinhosa e uma babá cuidadosa estarão todos juntos dentro dos atos de um camisa 10 argentino. Pelo que já mostra de corpo e alma para as novas gerações, o que vier dos seus pés é lucro.

AS NOSSAS MULHERES FORMIGAS

por Zé Roberto Padilha


Apesar do descaso das pessoas daquele lugar, do abandono em que são constante vitimadas, as mulheres formigas não são uma espécie em extinção. Elas desaparecem e surgem em igual tempo e espaço pelas principais arenas do mundo. Seja durante uma Olimpíada ou em uma Copa do Mundo. As mulheres formigas do futebol brasileiro são espécies para serem estudadas pela Nasa. Pois são todas sobreviventes heroínas. E parecem surgir do nada com a missão de dar a seu povo orgulho demais.

Sem campeonatos municipais para realizar sua preparação de base, raras ligas desportivas à disposição, poucos estaduais e fora do calendário nacional, não contam com uma formação básica nos colégios. Como as americanas, as inglesas e as suecas. E ainda enfrentam um preconceito dentro de suas tocas que não cabem debaixo das suas saias. Jogar futebol? Escutam dentro de casa: isto é coisa para homem!

Assim pensam os habitantes do lugar aonde sobrevivem ocupando diversas profissões para sustentar a família. E comprar a própria chuteira. Quem pensava diferente, o jornalista Luciano do Valle, precocemente deixou sua espécie sem o único meio de comunicação que lhes dirigia atenção, campeonatos e oportunidades. Bandeirantes, o canal do esporte.

Durante a hibernação, algumas espécies saem pelo mundo em busca de uma equipe que as mantenha com os pés em movimento. Mas a maioria fica mesmo por aqui, jogadas à própria sorte. Vendo isto, Deus, sempre justo, fez de uma mulher formiga daquele ingrato lugar a abelha rainha. E Marta se tornou a melhor do mundo. Pouco adiantou. Continuaram esquecidas.

Domingo, as mulheres formigas do futebol voltaram a campo. Os cartolas do futebol brasileiro mal sabiam os seus nomes, de onde vieram, que equipe defendiam e desconhecem a superação que as fizeram chegar até ali. Devem achar que elas surgem de um toque de Marta, digo, de um passe de mágica, e mesmo assim, estavam sorrindo na Tribuna de Honra porque receberam um mês em Paris com tudo pago. Com o suor que não foram seus mas com a cara de pau que tem a cara, a marca e o descaso da CBF com o futebol feminino.

Liberdade, de jogar bola no colégio. Igualdade, nos clubes de futebol do país. Fraternidade, de uma sociedade machista que passe a reconhecer sua vocação e talento. Inaugurado pelos antepassados de suas adversárias durante uma revolução social, quem sabe um dia tais conceitos, de solidariedade e respeito, sejam também lhes concedidos?

Mulheres formigas do futebol brasileiro, nós temos orgulho de vocês.

AS DORES DO MEU PRIMO GERALDINHO RIGHI

por Zé Roberto Padilha


Se doeu em mim, que sou torcedor do América, fico a imaginar como doeu nele, que nasceu praticamente dentro daqueles vestiários. E viu seu campo de futebol se transformar em um parque de diversões. Falo do meu primo Geraldinho, filho de Remo Righi, diretor emérito do Entrerriense FC, durante longos anos, e neto de um dos maiores presidentes que passou pelo clube carijó. Nosso avô foi quase uma lenda por lá: João Pereira Lopes. Desde então, anda triste e cabisbaixo ao ver o campo destruído daquele jeito. Foi, com a sua história de vida esportiva, uma verdadeira covardia.

Na casa dos meus tios, primos e avós, na Rua Presidente Vargas, o Entrerriense FC era tão cultuado quanto o Centro Espirita e o GATVC. E mais frequentado do que o Cine Rex e o Cinema Glória juntos. Geraldinho cresceu vendo Traíra, o maior camisa 9 trirriense, subir no segundo andar e furar as redes do nosso inesquecível Albino. Presenciou, também, Filhinho, uma categoria de quarto zagueiro, sair jogando de cabeça em pé com a bola dominada de dentro de uma grande área carregada de atacantes vermelhinhos. Era uma rivalidade saudável. E sem igual.

Em Três Rios, durante sua infância e adolescência, esteve enfiado nas arquibancadas antes da missa ou do culto, como quase todo mundo, torcendo para que o Abílio, ao lado do Jerques, superasse a zaga diabo, mais temida do que Trinity, do Far West, e Messala, de Ben-Hur, formada por Aziz, Nivaldo, Parafuso e Gilson.

Geraldinho não torceu por uma geração. Por quatro décadas, subiu aquelas arquibancadas para vibrar por todos os amadores e profissionais que vestiram aquela camisa alvinegra. E, portanto, ao contrário de muito diretores que por lá se sucederam, sentiu como se uma faca cortasse sua carne quando as primeiras estacas perfuraram a marca do pênalti. E outras, que foram erguidas para abrigar barracas com canudinhos e cocadas. Fora as do cachorro e do misto quente, que ficaram ali, fincadas na intermediária. E, mais uma vez, viu ser destruído o impecável gramado que deu ao clube tantas glórias, orgulho e respeito.

Pois se na história dos nosso clubes sociais o CAER tem como nobre seu salão, o Independência Clube a quadra do tamanho da sua história, é o campo, do Estádio Odair Gama, e não a sede, as piscinas, as lojas à sua volta que melhor representam a sua nobreza. Entrerriense Futebol Clube. É o futebol a sua razão maior de ser, está no estatuto, seu nome afixado à portaria. Só não respeita esta missão quem não quer.

Esta foto lhe foi enviada esta semana. Logo depois, parecia ter caído uma chuva miúda, meio fora de época. Na verdade, eram as lágrimas do Keka, do Canhoto, do Zé Coruja, de tantos que lutaram uma vida inteira, despejando súplicas para que aquele palco sagrado de competições fosse novamente levado a sério. Não virasse, como virou um dia, um parque de diversões.

Diversões fora do tempo e lugar podem vir a empanar a luta de tantos abnegados pelo esporte. E a gloriosa história do Entrerriense FC, e a paixão, do meu primo Geraldinho como eterna testemunha, não merecem passar mais por isto.

A ESCOLINHA DO PROFESSOR DINIZ

por Zé Roberto Padilha


Thiago Silva, Marcelo, Carlos Alberto, Diego Souza, Roger, Pedro, João Pedro, entre tantos, dá até para montar uma seleção, foram revelados na Escola de Formação de Xerém. Quando não são vendidos aos 17 anos, chegam ao topo, isto é, à equipe profissional, graduados em todos os fundamentos. Dominam bem a bola, sabem chutar e cabecear, são disciplinados e experientes pois já rodaram o mundo disputando torneios desde os sub-15. Porém, só não trazem no currículo o aprendizado de uma inovação tática que foge aos padrões comuns.

Vão precisar de uma pós-graduação com o professor Fernando Diniz, mas esta não pode ser realizada no Estádio da Fonte Nova, sob pena de um atacante rodado, como o Gilberto, tomar a bola de um aluno que não sabe bem a lição, mas que foi orientado a sair jogando com os pés. Muito menos no caldeirão do Atlético Paranaense, onde um Aírton, cheio de cacoetes do ensino fundamental, dá seu carrinho tradicional e joga toda a concepção moderna de uma ocupação inteligente de espaços para os últimos lugares da tabela.

Nosso receio é que os seguidos maus resultados tirem Fernando Diniz, um professor tão promissor, das Laranjeiras. Vocês conhecem, como eu, como são nossos cartolas. Nunca jogaram bola, surgem do quadro social, se destacam na piscina, no salão nobre, nas quadras de saibro e convencem um grupo de amigos da sauna a elegerem o presidente. E saem distribuindo desconhecimento vestiários afora.

Basta que pichem os muros da Rua Álvaro Chaves que eles retiram sua incompetência da reta. E a transferem para o treinador que sai do clube carregando toda a culpa de uma má gestão. É mais fácil, prático, é só contratar um outro e pintar o muro de novo.


Melhor deixar, neste momento, sob risco de não viver a lutar outra vez para não cair, no comando dos profissionais tricolores o Abel. Já rodado e respeitado, tem sido o melhor mediador entre os garotos que chegam e os Bruno Silva que os empresários vivem a empurrar goela abaixo nas diretorias. E levar o Fernando Diniz, e sua revolucionária planilha, para o ensino fundamental do Colégio de Xerém.

Daqui a dois anos, ele retornará ao Maracanã com a geração que irá formar na ponta da chuteira. Aquela que além de ter a posse de bola, realizada desde o goleiro que irá treinar desde os juvenis, dos Aírtons que passarão a jogar com a cabeça em pé, terá também a posse da taça. E do respeito ao clube de volta.

Em Xerém, do nosso vizinho Zeca Pagodinho, existe uma máxima: deixa a vida te levar. Por lá, Fernando Diniz não tentará levar a vida do jeito que seu modo de jogar quer. Deixará a tradição tricolor, de vitórias e conquista, lhe conduzir ao pódio que sempre o tricolor viveu a ocupar.

MINHA VICIADA GERAÇÃO TRICOLOR

por Zé Roberto Padilha


Nosso vício começou aos 16 anos. Havia um senhor que comandava o tráfico e ele ficava no meio de um campo orientando como deveriam ser entregues as encomendas. Elas, redondinhas, variavam do número 3, para iniciantes, até o 5, para os adultos. E todas seriam, obrigatoriamente, distribuídas de pé em pé. Não eram traficantes. Eram treinadores. E como tinha campo, tráfico, jogadores e treinadores espalhados com vício de jogar bola.

O que lembro mesmo é que liberavam uma substância, a endorfina, da qual nunca mais deixamos de ser dependentes. Segundo o Google, ela é responsável pelos melhores sentimentos que temos na vida. E eles estão relacionados às atividades físicas. E conclui nosso guia, que se tornou mais rápido no gatilho e venceu o duelo com o Aurélio, se tratar do hormônio do prazer.

Teve um dia, frio e chuvoso, que minha esposa avisou: não vá ao clube se drogar. Morava em frente ao Independência Clube, tive um dia difícil na prefeitura e precisava saciar minha ansiedade em suas águas geladas. 1500 metros depois, cheguei tremendo ao apartamento e fui atirado debaixo de um chuveiro quente tomando um pito danado. Não era mais uma criança, apenas fui acometido da abstinência de quem foi privado da prática do futebol, após 4 cirurgias no joelho, e aconselhado a parar de correr, diante das artroses que se acumulavam sobre dois tornozelos fraturados.


Nos restou como consolo a natação. E a bicicleta. Com esta última, sai há pouco para ir às águas minerais de Paraíba do Sul pela estrada da Barrinha. Fui tranquilo nos primeiros 10 km e voltava ainda mais hidratado de lá quando uma equipe de ciclistas nos ultrapassou. Pelo equipamento e idade que possuíam, seria mais do que normal ganharem minha posição. Mas meu vício se potencializou quando fui acolhido, no início de tudo, em uma instituição que nos viciou tanto em jogar quanto a vencer: o Fluminense FC. Se somos acolhidos no Íbis FC, os deixaria passar. Mas no tricolor das Laranjeiras, com Pinheiro, Parreira, Sebastião Araújo, Telê Santana e Zagallo aprendemos a buscar e conviver com títulos e vitórias meio século atrás….Ganhar, que vício, era a nossa praia.

Eram 5 ciclistas, tinha uma mulher entre eles, e iniciei a insana caça e só consegui ultrapassar o último, meio fora de forma, na entrada da ponte que dava acesso à minha cidade. Cheguei exausto e pensei às vésperas dos meus 6.7: “Até quando irei viver tal dependência?” Na dúvida, abri uma cerveja Black Princess, estupidamente gelada, na chegada para comemorar o quarto lugar. Que vício mais ultrapassado este, pensei, hoje, perdem e são ultrapassados na tabela tão tranquilamente…