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zé roberto padilha

GERALDO, O ASSOVIADOR

por Zé Roberto Padilha


Outro dia, Carlos Alberto Pintinho, seu amigo inseparável, e fico a imaginar que meio campo formariam se jogassem juntos, fez uma postagem sobre a data em que nos despedimos dele. Folheando meus álbuns, e como devo a minha mãe, irmãs e namorados o carinho com que os fizeram, encontrei esta foto da minha chegada ao Flamengo. Em 1976, pelas ruas de paralelepípedo de Governador Portela, em Miguel Pereira, onde realizávamos a pré temporada, este gênio do futebol voltava do treino ao meu lado equilibrando a bola naquele piso irregular e duro. Quando entrávamos em campo, o gramado se transformava num palco macio onde deslizava sua arte como poucos o fizeram.

Certas vezes, sua habilidade explícita se confundia com displicência. Quando o adversário tinha a bola, voltava lentamente e assobiando para compor a marcação. Treinadores de formação militar, como Carlos Froner, acostumado a acordar de madrugada com toques de clarins, perfilarem em silêncio e prestar continência diante de uma rígida disciplina, não aceitavam tal “irresponsabilidade”. Ele, e outros tantos brucutus da prancheta, não entendiam que gênios como ele precisavam voltar respirando a procura do espaço vazio. Se posicionando para receber, desmarcados, uma bola e iniciar o contra-ataque. Para roubar a bola do adversário já tinha eu, o Merica e o Tadeu. Ele e Zico, estavam lá para dominá-la com um pincel livre, leve e solto aos seus pés. E pintar no Maracanã uma nova obra de arte.

Certa feita, Carlos Froner perdeu a paciência. E não o relacionou para um excursão ao nordeste. Recuperando de uma torção no tornozelo, ficamos na Gávea correndo em volta do campo para manter a forma. E o Dr. Célio Cotecchia, que há tempos procurava uma oportunidade de operar suas amígdalas, o levou para a cirurgia. O que aconteceu lá todos sabem. O futebol se despediu de uma das suas maiores promessas. Penso num jogador que, hoje, jogaria parecido com ele. E só encontro ele mesmo.

Tamanha foi a comoção que sua família, repleta de irmão altos e inconformados, não permitiu a entrada do treinador no velório. Achavam que se Carlos Froner não o tivesse punido, levado Geraldo junto com o time, ele não iria operar. Não operando, não morreria. No futebol sempre foi assim, todos saem à procura de culpados diante de uma derrota. E que derrota foi essa para o futebol brasileiro.

Desculpem a nota colada ao lado enchendo a minha bola, mas minha mãe coruja recortava tudo que era elogio. E jogava longe, como todas as mães, as críticas sobre seu filho. Porém, no sábado, 17 de janeiro de 1976, com o Última Hora custando Cr$ 2,00, ela guardou mais que a foto de um Aero Willys, um fusca e uma Variant pelas ruas de Governador Portela. Ela perpetuou a oportunidade que tive de carregar nas mãos o que um gênio o fazia com os pés.

ASSIM NASCEU UMA MÁQUINA

por Zé Roberto Padilha


Aconteceu com a gente, em 1975, está acontecendo com o São Paulo, nos dias de hoje. De repente, um elenco promissor, que passaria outra temperada sem brilho, cumprindo tabela e se equilibrando entre o G4 e Z4, recebe um ser de luz. E muda a história de todo mundo. O nosso, chamava Roberto Rivelino. O do São Paulo, invicto desde que desembarcou, se chama Daniel Alves.

Pergunte a um ator teatral qual o seu desempenho quando entra em cena e encontra a casa cheia. E quanto sua atuação desaba quando a encontra vazia. Para nós, jogadores do Fluminense FC, desde o primeiro coletivo de sua apresentação, realizado no CEFAN, ficou claro que teríamos que buscar o nosso melhor para estar à altura do protagonista que chegava. À altura daquele monte de gente que começava a se espremer nas arquibancadas.

Nem eu ou Abel Baga, Rubens Galaxe, Cléber, Luiz Alberto, Carlos Alberto Pintinho, Herivelto, Edinho, Té, Marinho e Nielsen imaginávamos que poderíamos ir tão longe. Melhorar o nosso desempenho seguindo o elástico de um cometa.


E as peças foram sendo lapidadas, personalidades insufladas, autoestimas elevadas para nos colocarmos à altura dos novos desafios: saía o Hotel das Paineiras, inaugurávamos o Hotel Nacional. Voos rasteiros, em direção a uma gloriosa excursão pelo sul do país, foram trocados pelo Jumbo da Air France rumo ao Torneio de Paris. Tudo veio muito rápido. Os títulos. Uma performance que deu cria. E entrou para a história.

Daniel Alves tem feito o mesmo com o elenco do São Paulo, onde Pato, acreditem, virou Faisão. E todos passaram a jogar no seu limite para provar que merecem estar ao seu lado.

Desse jeito, o nosso Fluminense se tornou uma máquina. Desse jeito, com um maquinista deste quilate, com a camisa tricolor e o número 10 às costas, o São Paulo começa a andar nos trilhos. E sonhar o sonho sonhado de se tornar um time inesquecível. Como foi o nosso.

Falta o Nelson Rodrigues, que escrevia, João Saldanha, que comentava, Armando Nogueira, que imortalizava. Mas aí seria covardia. Querer no comando de um clube um outro Francisco Horta.

IN LUXEMBURGO WE TRUST

por Zé Roberto Padilha


Chegava às Laranjeiras de Xerém, no final dos anos 80, quando recebi a notícia de que havia sido promovido. O treinador dos Juniores tinha ganho a Taça São Paulo e recebera um convite de uma equipe do interior de lá. O Bragantino. Daí Rubens Galaxe, que treinava a equipe Juvenil, foi para o seu lugar e eu, dos infantis, ocupei o lugar do Rubens. O nome do treinador: Vanderlei Luxemburgo.

Vanderlei embarcou para o Bragantino levando a base da sua equipe que não teria chances tão cedo nos profissionais: João Santos, Carlos Ivã, Robert, Franklin e Silvio. Estavam na ponta dos cascos e acabaram levantando o título estadual paulista. Foi aí, nesta meteórica aparição, que Vanderlei recebeu o convite do Palmeiras. E sua estrela, desde então, jamais deixou de brilhar.

No palestra, formou uma equipe difícil de se comparar. Nenhuma outra marcou 100 gols no Campeonato Paulista, mais até do que o Santos, de Pelé e Coutinho. E jamais outro clube cedeu tantos jogadores à seleção: Marcos (Veloso), Cafú, Antonio Carlos, Cléber e Roberto Carlos; César Sampaio, Mazinho, Djalminha e Zinho; Edmundo e Rivaldo. De quebra, Evair, Edilson, Luisão. Para representar o Brasil, bastava trocar a camisa verde e branca pela camisa verde e amarela.

Joguei na Máquina Tricolor 75 onde Félix, Toninho, Edinho, Marco Antonio, Gil, Paulo César e Rivelino serviram à seleção. Como poucos, sei o valor deste time inesquecível, bicampeão carioca, Campeão do Torneio de Paris e duas vezes semifinalista do Campeonato Brasileiro. E realizei, um ano depois, na Gávea, coletivos aprontos que já mostravam a preciosa geração que alcançaria, alguns anos depois, a hegemonia do futebol carioca e o título do mundial de clubes.

O Leandro era meu marcador e Toninho Baiano se virava tentando marcar Júlio César. No meio campo, o duelo era entre Tadeu Ricci, Geraldo e Zico contra Andrade, Adílio e Tita. E o Mozer, sozinho, tomava conta do Caio e do Luizinho. Quando este elenco se juntou nos profissionais e recebeu a arte do Junior e o oportunismo do Nunes, chegaram perto da perfeição. Esta, na minha opinião, foi alcançada pelo Palmeiras, de Vanderlei Luxemburgo.

Vanderlei treinou a seleção brasileira e o clube mais poderoso do mundo, o Real Madrid. Depois de tudo isto, poderia parar, se tornar uma lenda, ir até o Palestra Itália apenas para inaugurar a sua estátua. Mas o amor pelo futebol não o deixou, felizmente, parar. E no último sábado, quando o Vasco virou sobre o nosso tricolor, muitos comentaristas disseram que foi na garra e porque estavam no alçapão de São Januário. Esqueceram que no banco tinha um treinador mais do que vencedor. Tinha um estrategista. E desde Tim o futebol carecia de um que sabia mexer no tabuleiro.

Não é Jesus, o Messias, mas dos treinadores que conheci de perto, foi o que mais entendeu a língua dos Deuses do Futebol. E, por isto, Vanderlei merece o nosso respeito. Because, “In Luxemburgo we trust”.

A CPI DO FILIPE LUÍS

por Zé Roberto Padilha


Entendo um pouco da posição pois joguei ao lado de Marco Antônio e do Junior. E vi o Nilton Santos pela televisão e o Marinho Chagas nos enfrentar, pelo Botafogo, nos anos 70, com uma qualidade técnica absurda. E estou à vontade para pedir aos conselheiros do Flamengo uma CPI para apurar quem está por trás da contratação de Filipe Luís. Gastar a fortuna que estão anunciando parta trazer o mais limitado lateral esquerdo que já vestiu a camisa da seleção é uma covardia. Covardia com as famílias que ainda não receberam as indenizações do incêndio do Ninho do Urubu. Covardia com a torcida do Flamengo que ainda sonha em ser novamente campeã mundial de clubes. Sinceramente? Trauco e Renê são, hoje, bem mais efetivos do que ele.

Nada pessoalmente contra Filipe Luís. É um atleta aplicado e disciplinado, sabedor das suas limitações e que não inventa dentro do seu cardápio feijão com arroz: apoia sem brilho e defende sem chamar a atenção de quem está à procura do craque do jogo. Se não fosse seu coque no cabelo, passaria despercebido. Como é diferente, chama atenção e poucos prestam atenção na mesmice que joga.

Seu maior trunfo é o tamanho do prestígio do seu empresário: o colocou no Atlético de Madrid e apesar de estar à quilômetros do Marcelo e sem possuir a impetuosidade do Alex Sandro, seu reserva, acreditem, está sempre presente na lista dos convocados. E agora surge como solução para o clube mais amado do Brasil. Quem estará por trás disto?

Certo dia, para não dizer que sou implicante, e como ex-jogador e jornalista tenho que ter cuidado redobrado para analisar um companheiro de profissão, convoquei meus filhos para a sala durante um Atlético de Madrid x Real Madrid. E pedi para que analisassem os dois laterais esquerdos. A conclusão foi unânime: de um lado um gênio, daqueles que só Xerém produz, como Thiago Silva. De outro um jogador que, com todo respeito, tinha um canhotinho atuando parecido nas finais da Copa Arizona de Futebol de Praia. E outros que jogam soçaite no Tijuca Tênis Clube e no Clube Harmonia, em São Paulo.


Tem Filipe Luís dando nos pés das serras pelos cantos do país e aí vem o Flamengo e destina uma fortuna por ele já no apagar das suas brandas luzes. Um dos meus filhos ainda disse, em sua defesa, “Mas ele não erra passes!”. O outro rebateu: “Mas se só joga para o lado e não arrisca algo diferente, como errar?”

Ontem, durante o “clássico” Avaí x Goiás, quem vestia a camisa 10 do Avaí era o Douglas. Que fez bonito no Grêmio, honrou a camisa do Vasco e está ocupando o degrau certo na escala que nos leva a aposentadoria. Quando a ordem se inverte e, em vez de descer dignamente, um atleta é recolocado na vitrine às véspera dos 3.4, tem algo errado por aí.

CPI neles antes que o contratem, passe 30 dias nas mãos do preparador físico para recuperar o ritmo de jogo, mais 20 para se adaptar ao fuso horário, 10 para se entrosar com os novos companheiros e…daí tem uma contratura muscular. O ano acaba e com ele o sonho rubro-negro de ter um novo Paulo Henrique. Depois vocês me cobram.

DESEJO DE ANULAR

por Zé Roberto Padilha


Quando era treinador do América FC-Tr, disputando a segunda divisão do carioca em 92, fomos enfrentar o Miguel Couto, na Baixada Fluminense. Um campo modesto, um barzinho lotado que deveria atrair seus torcedores desde o meio dia para empunhar seus copos antes de desfraldarem suas bandeiras.

Tínhamos um grande time, com Leonardo, Quarentinha, Mário Alexandre, Cesar Diniz, Renatinho, e acabamos subindo, ano seguinte, para a elite do futebol carioca. Mas meu preparador físico, Carlos Camelo, estava preocupado com a arbitragem. Era, àquela ocasião, de um nível muito baixo e só o relaxei quando os vi entrar em campo. Muitos jovens conheciam o juiz principal. Havia feito com a gente, em Xerém, nas divisões de base do Fluminense, um bom estágio. E disse ao Carlinhos: “Relaxa, este nós conhecemos!”

Em menos de dois minutos ele marcou um pênalti absurdo contra nós. Empatamos de 1×1 e, tão contrariado, nem fui falar com ele após a partida. E no jogo da volta, em Três Rios, muito menos. Sua postura em nada diferenciava da velha e ultrapassada geração de sopradores de apito da FERJ. E, com a mesma moeda, devolveu o presente: marcou um pênalti inexistente a nosso favor. Após a partida, não fui lhe agradecer. Nem saber porque era tão ruim assim. Fui ao seu vestiário para saber porque fez aquilo.

Meio sem graça, pediu desculpas. E me convidou a olhar em volta. Casa cheia, bebida liberada, um bairro afastado do centro da cidade e apenas dois guardas municipais a protege-los. “Lembra de Miguel Couto? Por lá os policiais nem apareceram!”. E confessou ali que desde cedo desenvolvem, no nascedouro da sua profissão, um instinto de sobrevivência. Dividiu, aprenderam, é da casa. “Para que sair dali a pedradas se você pode deixar aquele buraco quente tranquilo e voltar em paz?”, concluiu.

Daí pra frente notei que o arbitro caseiro é fruto da insegurança do seu cativeiro. Desde lá, incorporam este trauma que jamais os abandonará. Mesmo com a SWAT nas arquibancadas, dividiu, é da casa. Foi quando Pikachú recebeu, no sábado, uma bola que veio de uma dividida do Rossi. Poucos perceberam a falta porque, dali pra frente, ele transformou a jogada em uma obra de arte.

Porém, aquele 2×0 liquidava o time da casa. E neste instante, Rodolpho Toski Marques foi tomado pelo incontido desejo de anular. E recorreu ao VAR. Que este tentasse descobrir uma irregularidade qualquer, mesmo lá atrás, um lateral mal batido, um gandula dentro de campo porque ele estava na Arena do Grêmio. E não queria sair dali com o enjoado do Renato Gaúcho berrando ao seu ouvido.

Quem berrou foi o Vanderlei Luxemburgo. Perdeu seu tempo. Na próxima partida, em São Januário, a arbitragem, traumatizada do berço, lhe devolve o presente. Marca um daqueles pênaltis que só o Eurico Miranda enxergava. E sairá são e salvo daquele lugar esquisito. Se bobear, até aplaudido.