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zé roberto padilha

A SELEÇÃO BRASILEIRA DE MASTER

por Zé Roberto Padilha


Tinha, em 1986, 34 anos. Havia disputado o estadual carioca da divisão principal pelo Bonsucesso FC e aguardava um telefonema para saber se meu joelho esquerdo, três vezes operado, meus tornozelos fraturados, uma hérnia inguinal rompida, um afundamento do malar e uma fratura do perônio resistiriam a colocar mais um clube no meu currículo.

Bruno acabara de nascer, não tinha outra profissão a seguir e o telefone parecia emudecer de vez. Nossa carreira, de 17 anos, não merecia ter um fim triste assim. Um belo dia ele tocou com ecos de bola quicando. E a Rossana, ao correr e atender, gritou da sala toda feliz: “É o Abel. Ele quer falar com você!” Jogara há dois anos com ele no Goytacaz FC e pode testemunhar que meus quatro pulmões, minhas armas principais e preservadas, poderiam aspirar ares mais dignificantes.

Abel acabara de assumir o comando do Vasco e deu a notícia dos meus sonhos: “Zé, quer vir jogar aqui?”.

Fiquei deveras emocionado. Roberto Dinamite ainda ostentava a camisa 9 e ao lado dele surgia um baixinho que iria fazer história: Romário. Deveria, pensava, fazer o quarto homem pela ponta esquerda e antes que abrisse a champanhe ouvi um tiro de misericórdia: “É que estamos iniciando aqui no Vasco o futebol master!”.

Ainda tentei segurar com a ponta dos dedos o teto que desabava sobre minha cabeça e retruquei: “Mas o Master não é acima de 35 anos?”. Daí ele atirou a última pá de cal: “É 35 anos, mas o regulamento permite dois de 34. E você foi escolhido um deles. Parabéns!”.

Foi assim que tudo acabou. Sonhara com o céu, porém, antes que aquele telefonema me atirasse direto nas profundezas a tabelar com lúcifer, procurar um boteco para secar as lágrimas, Luciano do Valle tinha criado para nós, atletas no limite da profissão, o purgatório: a Seleção Brasileira de Master. Uma oportunidade para os torcedores continuarem a ver, em câmera lenta, seus ídolos. E todos nós, atletas profissionais de futebol, nos despedir devagarinho em rede nacional, sendo respeitados, não vaiados, e tocando mais a bola do que correndo com ela. E garantindo o dinheiro da feira, da creche do Bruninho, até arrumar um outro rumo na vida.

Pena que ele, Luciano do Valle, foi embora. Porque, hoje, Fábio, Leonardo Moura, Leonardo Silva, Rodolfo e Carlinhos; Henrique, Nenê, Ganso e Thiago Neves (Cícero); Fred e Ricardo Oliveira formariam uma bela seleção brasileira de máster. Se já estivessem atuando por lá, não precisariam xingar o Oswaldo de Oliveira, muito menos formar uma panelinha para tirar do cargo o Rogério Ceni.

Sairiam de cenas deixando saudades, não dando maus exemplos aos que estão começando.

VAI LÁ E… PIMBA!

por Zé Roberto Padilha


Não foi a morte do Wando, e seu ritual de distribuir calcinhas, e a fossa desaparecida junto ao Jamelão, “Êta dor de cotovelos dos diabos!”, que decretaram, como supunha, o fim do romantismo. Estava lendo o segundo caderno, de O Globo, domingo, quando identifiquei o responsável por tudo. Posava em página inteira, todo de azul, diante de uma reportagem que comemorava os vinte anos do seu surgimento. Período em que roubou, debaixo das nossas incertezas e à venda sem receita nas drogarias, um secular rito de sedução. Seu nome: Citrato de Sildenafila. Viagra, para os íntimos.

Em duas décadas, o que era a conclusão de um processo de paixão, iniciado na puberdade, aflorado em espinhas e exalando os primeiros odores do cio, se tornou um só começo, meio e fim. Nada mais de enviar flores à mulher desejada, dar as mãos no escurinho do cinema, roubar o primeiro beijo a despertar desejos comuns. Desde então, basta tomar um comprimido e todo o ritual que precedia o ato foi para o espaço. Agora, Vai lá e…pimba!

Neste frio e duro processo que queima etapas que concretizaram relações, movidos a gestos de carinho e cumplicidade, foram eliminadas as poesias de Drummond, os versos de Vinícius de Moraes, os acordes do piano de Tom Jobim. Para alcançar o raso de uma relação, basta um fundo musical com a Anitta, o hit de “um pau que ama” no lugar do coração. Por R$ 18, e até genéricos a R$ 3, você pega atalhos e… Vai lá e…pimba!

Brochar, como errar, perdoar, cobrar um pênalti para fora em uma decisão, era a conjugação de um verbo transitivo direito comum a todos os seres imperfeitos que Deus convidou ao acasalamento. E se a varinha de condão foi concedida a Adão, não era justo jogar na sua conta frustrações que Eva colaborou, ao permanecer, após o terceiro filho, engordando e engordurada junto ao fogão. Caso se cuidasse, praticasse caminhadas no Éden e comesse maçã, não tortas de chocolate da Tia Anastácia, juntos alcançariam 100% de aproveitamento. E de magia. Deste jeito, ficava mesmo complicado Ir lá e…pimba!

Jamais direi, ou escreverei, que desta água não beberei. Mas enquanto nós pudermos resistir ouvindo Chico Buarque, Roberto, Erasmo e Adriana Calcanhoto, melhor convidar a patroa para jantar fora. Abrir um vinho na varanda em noites de luar. E resistir. Muitos amigos meus desconheceram que o azulzinho é um aditivo que transforma o motor do nosso Fuska, ano de fabricação 52, em uma Ferrari 2018. Esqueceram que um corpo, e um carro antigo, não são movidos apenas a motor turbo de ultima geração. E quando aceleraram forte no fim da reta oposta, sobrou para uma artéria entupida ou uma veia vencida. E a vida, tão bonita, de frustrações e prazeres, Foi lá e…pimba!

Obs. Crônica republicada em homenagem ao Gabigol. Não tem jogadas de efeito, dribles desconcertantes, tabelinhas à lá Pelé e Coutinho. Pega a bola e Vai lá e…Pimba!
O próprio Atacante Viagra que alcança mais rápido o orgasmo do gol.

O MENINO QUE NÃO GOZAVA

por Zé Roberto Padilha


Era uma vez um país do futebol. Nele, a maioria das crianças ganhava de presente uma bola de meia. Que virava de plástico na medida em que cresciam, depois no Natal a dente-de-leite, até alcançarem a maciez de uma toda revestida de couro. E a levavam para jogar com amigos em terrenos baldios próximo de casa. Felizes toda vida, cortavam bambus, erguiam traves e demarcavam o alvo da cobiça. Quem conseguisse colocá-la no fundo das redes que as avós costuravam, esse era o segredo, tinha até um goleiro à sua frente para dificultar, dariam um grito de gol. Do orgasmo pleno com que passaram a infância e a adolescência jogando futebol.

Neste país, um menino atrevido, de Três Corações, foi coroado Rei porque alcançou o orgasmo 1.286 vezes. O gol, neste país encantado, era o grande momento, a sublime relação de um menino, um campo e uma bola de futebol.

Mas como todo conto de fadas a estragar e a envenenar a maçã, tinha um garoto mau. Que chutava de canela, sempre esteve na reserva e jamais sentiu o prazer de colocar uma bola no fundo de uma rede. Por vingança, virou cartola. Tão ruim e determinado, alcançou a presidência da FIFA. E não sossegou enquanto não inventou uma camisinha suíça para revestir a bola. E a batizou de VAR.

Antes, para sentir o sublime prazer, bastava um olhar furtivo pro bandeirinha e sair a dar um soco no ar. Agora, com o freio de mão puxado, a espera que sua relação seja revista pelos país, avós e tias monitorando o ato em uma sala fria e calculista, nem o Gabigol goza mais quando marca.

O menino mau, que nunca gozou mas fala inglês arranhado e sabe fazer chocolate suíço, acabou com o prazer de um país de amar e jogar futebol.

DESAMOR À JATO

por Zé Roberto Padilha


Craques o Fluminense também fazia em casa. Xerém foi o primeiro ninho a criar em série este orgulho nacional. Tão fértil foram suas safras, que de seus laboratórios saíram Thiago Silva, Carlos Alberto, Diego Souza, Roger, Marcelo, entre tantos. Porém, antes de se tornarem obras raras de exportação, retribuíam em campo, com entregas e títulos, o amor à sua agremiação.

Quem os treinou tinha história para repassar, como Assis, Gilson Gênio, Edvaldo, Rubens Galaxe, Marinho, Carlinhos, crias da casa que repassavam as glórias de um clube tantas vezes campeão. Quando embarcaram, tinham o Fluminense no peito, na ponta da chuteira e prometiam voltar a defendê-lo um dia por gratidão.

Há algum tempo, substituíram por lá os ex atletas que desde Píndaro, Altair, Telê, Peri e Pinheiro abasteciam corações com histórias vividas de quem defendeu uma camisa que fascinava por sua disciplina. Em seus lugares, assumiram trogloditas de plantão, que vivem a insuflar músculos, bíceps e tríceps em máquinas Apolos a gerar atletas, não mais jogadores de futebol, movidos a Whey Protein.

E muito cedo, sem sequer serem batizados pelo pó de arroz, embarcam em contêineres frios para a Fiorentina sem dar uma só volta olímpica. Logo do clube que detém a Taça Olímpica de 1952.

Neste projeto Desamor à Jato, promessas são vendidas e mercadorias com prazos vencidas acolhidas. Como Digão, Airton, Bruno Silva e Nenê. Que são desorientados por Oliveiras, não mais comandados por quem, como Abel, aprendeu a amar as Laranjeiras.

No Desamor à Jato , mensagens do Intercept capturaram ligações afirmando que João Pedro será negociado. E que o Fred estará desembarcando de volta.

Melhor, então, Xerém trocar sua função social. Deixar de ser um ninho, que acolhe os recém nascidos, e se tornar a versão esportiva da Casa dos Artistas. Com todo o respeito, amparados e cuidados para suportar a solidão de serem visitados por seus torcedores apenas às terças e sextas.

Com público reduzido e em cômodos onde se apresentam, para arquibancadas e corações vazios, os clubes da segunda divisão.

O EXPRESSO DO CATAR

por Zé Roberto Padilha


Certo dia, vi o Flamengo ser derrotado no domingo e alguns jogadores, como Everton, Paulinho, Pará e Marcelo Cirino aparecem dia seguinte, na Internet, felizes toda vida num churrasco. E tendo às mãos, como troféus, cervejas Stella Artois.

Estavam sorridentes e pareciam comemorar a própria derrocada. Não do clube, que é imortal, mas das suas próprias carreiras. Pareciam desconhecer o tamanho da camisa que vestiam e o que ela representava na vida de tanta gente. Fiz uma crônica, Renato Maurício Prado a reproduziu em sua coluna, em O Globo, e o grupo ficou conhecido como O Bonde da Stellinha.

Lembrava, na ocasião, que saía da concentração do Itanhangá, em 1976, para jogar o Fla-Flu do troca-troca no Maracanã e, na minha cabeça, só havia lembranças e gratidão pelo Fluminense. Como enfrentaria o clube que me acolheu, aos 16 anos, e nos formou até os 23 anos como atleta e cidadão?

Foi quando estávamos próximo de atravessar o Túnel Dois Irmãos e tinha um ponto de ônibus da Rocinha. Tomei um baita susto, parecia que todas as precárias condições que o estado lhes ofereciam, como saúde, segurança e educação, seriam atenuadas por uma vitória do seu time. Se aglomeravam, e pulavam, e sacudiam suas bandeiras rumo ao estádio como se buscassem por lá a dignidade perdida. E entrei em campo, e como suei a camisa, não mais pelo meu coração, algo pessoal, amador, mas para devolver profissionalmente, nem que seja por 90 minutos, o respeito que eles mereciam.

O bálsamo contra a injustiça social tinha um nome, um resultado: a vitória do Flamengo. Não dava mesmo para brincar de jogar futebol com aquela camisa. O Bonde da Stellinha não alcançou isto. E se perdeu defendendo equipes menores país afora.


Parece que nesta segunda-feira vai ser elevado o nosso PIB, o desemprego será diminuído e a chuva vai cair para amenizar toda as queimadas. Porque o Brasil vai acordar e levantar da cama para produzir mais porque a maioria da sua gente, mesmo tomando o mais simples dos cafés da manhã, vai sair de casa toda orgulhosa ostentando seu manto sagrado.

Ontem, não foi o Palmeiras que perdeu. Porque o Palestra Itália, com os euros, dólares e o patrimônio dos senhores do café que tem, vai enfrentar com tranquilidade o protesto de meia dúzia de torcedores bem aposentados. Felipão, mantido no cargo, vai trocar o William pelo Scarpa, o Bruno Henrique pelo Rafael, fora o Ramires que ainda não estreou. E tocar sua nobreza porque a vida continua bela e melhor redistribuída por lá.

Já pelas bandas de cá, as máquinas das fábricas irão rodar mais rápidas, as confecções produzirão mais peças porque quem foi a campo lutar por eles os representou com talento, respeito e consideração à sua história.

Gabigol, Arão, Éverton Ribeiro, Arrascaeta e seus companheiros entenderam que ao dormir cedo, cuidar do corpo, da família, treinar com dedicação e não se deixar levar pelos efêmeros prazeres da Cidade Maravilhosa, irão substituir o Bonde da Stellinha, que envergonhou uma nação, pelo Expresso do Catar, que irá perpetuá-los na galeria do clube mais querido do Brasil.

Quem viver, poderá brindar. Com uma Stellinha não mãos, por que não?