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zé roberto padilha

O QUE NOS CUSTOU SER VICE DO VASCO

por Zé Roberto Padilha


A final da Taça GB 1976, entre Flamengo x Vasco, com 1×1 no tempo normal, gols de Roberto Dinamite e Geraldo Assobiador, foi decidida nos pênaltis.

Quando Zico foi bater o ultimo e fechar o caixão, enfiei a cabeça na grama e trocamos, eu e o Rondinelli, um diálogo digno de um jogador de futebol. Daqueles que vivem seus 15 minutos de glória fora da realidade econômica do seu país.

Ele perguntou, já que o bicho da conquista, 100 mil reais, três vezes o nosso salário porque 134 mil pessoas pagaram ingressos, o que iria fazer com essa pequena fortuna.

Respondi: trocar meu Puma Spyder, comprado há um ano na Lemos & Brentar, no Jardim Botânico, por uma Puma GTB (foto), motor Chevrolet, que acabara de chegar ao mercado.

Mazaroppi defendeu o pênalti, eu perdi o emprego porque havia sido trocado pelo Doval, e o Flu foi bicampeão carioca e Rondinelli o caminho de casa.


Conseguimos, com todo respeito a minha nora, Simone, a proeza de ser vice do Vasco e nunca mais ter tido a oportunidade de dirigir uma maravilha dessas.

Coisas do futebol. Mas que o carro era bonito…

DIGA, ESPELHO MEU

por Zé Roberto Padilha


Acabara de chegar das Paineiras onde melhorava meu tempo na subida dos 5 km. Todo feliz por chegar ao lado do Pintinho e do Edinho, atrás apenas dos tempos do Toninho e Cafuringa, quase imbatíveis naquela primeira prova de resistência de um esporte que passava a incorporar os sacrifícios de um atleta a doce vida de jogador de futebol.

Morava no Humaitá e perguntei orgulhoso ao meu espelho, em 1972:

– Será que existe um ponta esquerda que corra mais do que eu?

Ele respondeu:

– Sim, seu nome é Dirceu. E ele joga no Coritiba.

Não desisti. Continuei a treinar ainda mais forte, tomar vitaminas, dormir cedo e era sempre o primeiro da fila nos exercícios físicos. Certo dia, dois anos depois, alcancei em 1974, na planilha de Carlos Alberto Parreira, 3.220m em 12 minutos no Teste de Cooper.

Muitos jogadores do elenco tricolor sequer alcançaram a marca dos 3 km. Gerson, então, o Canhotinha de Ouro, alcançou 2.460m. Me sentindo quase um queniano, retornei ao espelho, já morando na Rua do Catete, e ele novamente baixou minha bolinha ao analisar nossos desempenhos:

– Sim, Dirceu foi além do seu tempo. Já atuando no Botafogo, alcançou 3.475.

Era um recorde absoluto entre jogadores de futebol.

Aí veio nosso primeiro duelo num “clássico vovô”, e ele aconteceu por todos os lugares do campo, onde a bola estivesse no Maracanã. Até a primeira metade da década de 70, o camisa 11 enfrentava o camisa 2, Garrincha, com a 7, fazia dos camisas 6 suas vítimas. E o 9 ficava entre a zaga, camisas 3 e 4, esperando que o seu 10 diferenciado viesse e decidisse a partida.

Eram vários duelos à parte, em locais específicos dentro de uma mesma partida de futebol. E era estranho para mim, e para o Dirceu, diante de tamanha correria, duelar em locais nunca antes defrontados. O espanto era recíproco quando dividiamos uma jogada: “O que será que este ponta esquerda está fazendo por aqui?”.

Peladeiros nas derrotas, polivalentes nas vitórias. Deste jeito, fomos buscando com nossos pulmões espaços no futebol-arte. Acabamos sendo motorzinhos da mesma máquina de jogar futebol, eu em 75, ele em 76. Nossa missão era a mesma: cobrir o Marco Antonio, depois o Rodrigues Neto, e liberar o PC, o Rivellino e o Edinho para atacar os adversários.

Fomos bicampeões cariocas. Mas as seguidas contusões não me permitiram mais tentar alcançar seu tempo. Fui para Recife defender o Santa Cruz, ele alcançou a Seleção Brasileira. Desta vez o espelho bateu definitivamente o martelo em Boa Viagem. Era um reflexo bonito, de frente para o mar, mas a sentença era a mesma a seu favor. Dirceuzinho, como passou a ser chamado, realmente, fora bem mais longe do que eu.


Já não era mais meu adversário. Me tornei seu fã. Cada convocação sua alimentava dentro de mim um estímulo que nos ajudava a continuar exercendo a profissão, seja em Itabuna, para onde fui emprestado, Marília, Campos do Goytacazes, mesmo diante da perda dos meniscos, dos tornozelos fraturados, de uma hérnia inguinal rompida.

Se não machucasse tanto, pensava no cotidiano de cada um departamento médico, poderia continuar me espelhando, buscar seus feitos como buscava seus tempos, quem sabe, um lugar melhor na história do futebol brasileiro.

Um tempo depois, o espelho se quebrou. Dirceu José Guimarães, nascido como eu em 1952, precocemente, nos deixou. Hoje, ao acordar e escovar os dentes, por instante vi refletido no espelho, infelizmente esquecido, o tamanho da sua importância para o nosso futebol.

Três Copas do Mundo, terceiro melhor jogador do planeta em 1978. Daí peguei a caneta e procurei lhe fazer justiça, pois em matéria de gratidão e respeito a sua obra, pensei, ninguém vai ser mais rápido do que eu.

Que saudades, meu ponta esquerda!

ELE MERECIA A BOLA DE OURO

por Zé Roberto Padilha


Sabe aquela jogada que você faz, no cotidiano do seu ofício, para cumprir tabela sabendo que ela pouco ou nada vai lhe ajudar? Como ir cobrar um cliente que nunca vai lhe pagar? Levar um freguês ao pátio de carros usados e tentar lhe vender um Ford K, primeira geração, o carro mais feio já fabricado no mundo?

No futebol tem essa jogada. Realizada nos campinhos de pelada, no futebol soçaite e, principalmente, no Maracanã. É a número 1 em perda de tempo e dinheiro: os zagueiros, apertados, atrasam a bola para os goleiros e os cabeçudos que vestem a 9, hábeis em concluir, não raciocinar, como Ribamar e outros Tanques, dão piques em sua direção. Mesmos os Ricardos Oliveiras a realizam jogando em casa para “fazer pressão”.

Mesmo todo mundo sabendo que em 99,9% dos casos não conseguem roubar esta bola. É a chamada jogada “para mostrar serviço ao patrão”.

Ontem, na decisão entre PSG x Bayern de Munich, o “sábio” treinador da equipe francesa inverteu sua maior arma: escalou o Mbappé pelo lado esquerdo e centralizou o Neymar. E quem passou a dar piques inúteis em direção ao goleiro alemão, se desgastando à toa quando mais sua equipe precisava de suas arrancadas com a bola?

Mbappé é mais novo, faria esse papel inútil com a natural obrigação. E Neymar iria crescendo com os dribles e jogadas que faria tendo ao lado a cumplicidade de um objeto que domina como poucos.

A ordem dos fatores, uma simples troca de função, alterou seu desempenho e prejudicou o produto PSG que pela primeira vez alcançava uma final de Champions League. E tirou do melhor do mundo a força, a velocidade e a oportunidade de carregar seu talento em direção ao prêmio de melhor jogador do futebol do mundo.

Que tanto merecia.

VALEU, ZÉ

por Zé Roberto Padilha


No primeiro gol meu, pelo Fluminense, como profissional no Maracanã, ele, ao lado do Gil, foi o primeiro a nos abraçar. E o Jornal dos Sports, felizmente, estava lá para registrar. E minha mãe para cortar e registrar seu amor.

Seu sorriso era de cumplicidade, carinho, amizade construída desde as divisões de base. Todos nós chegamos do interior, eu de Três Rios, ele de Volta Redonda, e demos as mãos, amarramos nossas chuteiras e lutamos juntos  muitos anos para permanecer e vencer na capital. 

Hoje, Zé Maria, dono desse sorriso angelical, nos deixa. Leva junto pro céu um pouco da nossa história da bola, construída durante os sete anos que passamos naquela universidade da disciplina, do respeito, capaz de formar tanto atletas como cidadãos do bem.

Zé Maria vai se juntar ao Cleber, Toninho Baiano, Silveira, Felix, Ximbica, Cafuringa, Gilson Gênio e ser novamente treinado no céu pelo Pinheiro. Com a supervisão de Roberto e Paulo Alvarenga. E o carinho do Argeu Afonso.

Zé Maria mal deu tempo de retribuir esse abraço. Então, descanse em paz, meu amigo. Dever cumprido com sobras, idas à linha de fundo, cruzamentos precisos e um domínio admirável de bola. Que grande amigo e admirável atleta que nos deixa tantas saudades. 

E muita paz e conforto aos seus.

EVARISTO DE MACEDO

por Zé Roberto Padilha


Tive bons treinadores ao longo da minha carreira O azar dela, da minha carreira, que encontrei o melhor de todos em Recife. Já havia deixado o eixo central onde tudo acontece e tudo é transmitido, narrado, comentado. Ou o treinador da seleção vai a Recife como vai ao Maracanã? Ao Morumbi e ao Olímpico? E o melhor de todos foi, sem dúvida, Evaristo de Macedo.

Primeiro, antes de assumir o comando do Santa Cruz no Brasileirão de 78, Evaristo foi nos observar no Mineirão após a demissão de Jouber Meira. Atlético MG 1×0 Santa Cruz, gol do Reinaldo. E na apresentação disse o que viu, analisando cada desempenho. Quando chegou a minha vez, perguntou: você era o 11? Observei você em todos os lugares do campo e não resolveu nada. Vou fazer o seguinte: vou riscar uma linha do meio de um gol ao outro. E foi ao quadro negro e dividiu com giz o campo ao meio. E sentenciou: se passar para o lado direito tiro você do time!

Desde então, passei a canalizar minha energia de peladeiro em uma metade do campo. Se corria ele todo imagine a metade? Até gol comecei a marcar, minha produção subiu e atacava e defendia com mais intensidade. Até ser dirigido por ele achava que treinador ajudava muito, mas quem resolvia éramos nós mesmos lá dentro. Depois que ele nos dirigiu, passei a pensar diferente. Treinadores como Evaristo realmente ganham jogos.

Exemplo, fomos enfrentar o Palmeiras no Pacaembu. Quem vencesse estava nas semifinais de 78. E ele disse na preleção: é do Rosemiro, lateral direito, que partem a maioria das jogadas ofensivas que o Toninho transformava em gol. Então, Zé Roberto, você vai colar nele e os dois não vão jogar. E brincou: como você não joga nada, eles perderão muito mais.

Privilegiado fisicamente como o lateral palmeirense, ele era uma espécie de Pikachú quando chegou ao Vasco (não o que se acomodou com os encantos da Cidade Maravilhosa e passou a pensar que era um craque) e colei nele. Ia beber água, eu ia junto. Quando ia bater, lateral ficava ao lado.

Marcação homem a homem de verdade, sem espaço, sem brincadeiras, com ou sem a bola. Daí ele foi ficando nervoso, dando empurrão, faz o teu que eu faço o meu, e antes de partir para a agressão tirei um trunfo da cartola.

– Não tenho culpa se o treinador mandou marcar o melhor do time!

Vaidoso, perguntou:

– É mesmo?

E completei a maldade:

– E não foi qualquer treinador. Foi Evaristo de Macedo. A lenda!

Daí caiu vertiginosamente de produção. Resultado? Santa Cruz 3 (Luiz Fumanchú 2, Nunes) x 1 Palmeiras, contra um do Toninho.

Recife parou para nos receber. E eu a pensar: aonde estava este homem que não surgiu antes para enquadrar um peladeiro como eu dentro de campo?