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zé roberto padilha

UMA MÁQUINA DE SONHOS

por Zé Roberto Padilha


O relógio do Mineirão, em uma época em que ainda se permitiam ostentá-lo nos estádios como no Basquete, a ajudar a torcida vitoriosa pedir o fim do jogo, e a adversária ir mais cedo para casa, marcava 44 minutos do segundo tempo. O placar apontava Cruzeiro 1 x Fluminense 1 pelo Campeonato Brasileiro de 1975. PC Caju, nosso camisa oito, foi batê-lo.

Mas ao notar mais homens de azul do que tricolores no interior da grande área, gritou para eu encostar e trocar passes na linha de fundo, junto a bandeirinha, até o tempo se esgotar. O empate fora de casa, a duas rodadas do fim do campeonato, já nos classificava para as semifinais. Esgotado por correr 89 minutos naquele gramado fofo, recusei o convite e me plantei na intermediária. Félix havia se machucado e meu compadre, o goleiro Roberto, que tinha a chance da sua vida, me pedira aos soluços no vestiário para não deixar o Nelinho desferir nenhuma daquelas bombas em sua direção. Para evitar seus chutes em meio às minhas funções, cheguei à exaustão.

A pressão do Cruzeiro era insuportável e certamente viria um contra ataque após a cobrança daquele corner. Não tínhamos um centroavante alto, Manfrine tinha apenas 1,76 e o Edinho, nosso melhor cabeceador, nem no ataque se aventurou. Mas PC, igualmente cansado, que parecia não ter forças sequer para alçar a bola na grande área, continuou a berrar:

– Encosta aqui ô Juvenil!

Mesmo começando a minha carreira e diante das ordens de uma velha raposa tricampeã mundial, resisti. E devolvi a dura lá de longe, quase na linha do meio-campo:

– Joga esta p…pro abafa!

Contrariado, PC bateu o córner direto. A bola fez uma curva incrível e enganou o goleiro Raúl, que caiu dentro do gol enroscado com ela. E um gol inesquecível, olímpico, garantiu de vez nossa presença nas semifinais ao lado do Internacional, do Corinthians e do próprio Cruzeiro.

Apenas dia seguinte, lendo a coluna de Nelson Rodrigues em O Globo, fui saber que um personagem da história tricolor fora o principal responsável pela minha precoce desobediência: o Sobrenatural de Almeida. Segundo o cronista-mestre, tratava-se da mesma criatura que na decisão de 1971, contra o Botafogo, ajudara o Marco Antonio dar um chega para lá no Ubirajara para que Lula empurrasse a bola para dentro do gol.

Como sonha todo indivíduo do sexo masculino no país do futebol, eu era jogador de um grande time, quase imbatível, cujo goleiro, Félix, era uma lenda tricampeã mundial. Nas laterais, dois modernos apoiadores: um mais forte, que chegava rapidamente à linha de fundo, chamado Toninho Baiano, e outro mais técnico, também tricampeão mundial, conhecido como Marco Antonio. Na zaga, um jogador experiente que chutava como poucos, o Silveira, ao lado de um fenômeno que surgia, aos 19 anos, para dar muitas alegrias ao futebol brasileiro: Edinho.

Zé Mário, um incansável cabeça de área, os protegia, deixando livres para a criação dois monstros sagrados: PC e Rivelino. No ataque, a explosão e o oportunismo do Búfalo Gil e, centralizado, como pivô, um habilidoso craque chamado Manfrini. Não havia banco, era um poltrona de couro que injetava durante as partidas, nesta máquina de jogar futebol e para desespero dos adversários, a vitalidade de Cléber e Carlos Alberto Pintinho, a velocidade de Cafuringa, a juventude de Erivelton e a magia e habilidade do ponta esquerda Mário Sérgio.

Neste paraíso da bola rolando, eu, tricolor apaixonado desde criança, ganhara de presente a camisa 11 e percorria, com ou sem bola, os quatro cantos do Maracanã, do Mineirão, do Serra Dourada ou onde quer que o Fluminense se apresentasse feliz toda vida. Vestia a camisa que era minha bandeira nas arquibancadas, trocava passes com meus ídolos e, ainda por cima, era pago para isto. Quando nos aproximávamos de mais um título, depois de levantarmos invictos a Taça Guanabara, o estadual de 75 e o Torneio de Paris, o relógio tratou de me despertar.

Decepcionado e contrariado, me levantei naquele dia pra lá de mau humorado, tomei meu café da manhã sem dar bom dia a patroa, que não tinha nada com isso, e saí para meu trabalho na Secretaria de Esportes de Três Rios. Ao passar pela sala me deparei com um pôster da Revista Placar pendurado na parede. Para minha alegria, ele mantinha a minha foto em meio a todas aquelas feras.

Que bom saber que o sonhado era recordado apesar de vir evitando, ao longo dos anos, maiores decepções ao não me debruçar sobre o passado. Que levou a maioria dos meus companheiros, desamparados e esquecidos, a viver contando suas histórias nos botequins de suas cidades de origem, retratinhos no bolso para provar cada passe ou gol marcado, onde acabaram embaçando o brilho de suas conquistas no lugar de procurar construir uma nova realidade. Sobreviver, sem aposentadoria, numa sociedade que ninguém nos preparou para buscar mais 20 anos de carteira assinada e pior: sem a cumplicidade de uma bola que carregamos 18 anos nos pés.

Afinal, mesmo no país do futebol, não passo de um sobrevivente comum, de carne e ossos fraturados, meniscos ausentes, tornozelos condenados, mas com direito a sonhos e recordações. Máquina, em nossas vidas, foi um apelido carinhoso de um inesquecível time de futebol que tive a honra de defender e posar pra fotografia quatro décadas atrás.

* Crônica do livro: Futebol: a dor de uma paixão. 3* Edição

OBRIGADO, ENTRERRIENSE

por Zé Roberto Padilha


Acabo de chegar do Colônia FC onde o Entrerriense FC, que completa 95 anos, fez uma festa cujo maior homenageado foi o meu irmão Flavinho, o Brasa.

Quis o destino que o melhor jogador de futebol da família Lopes e Padilha não fosse o mais conhecido. Jogou igual ao meu pai e mais do que eu e o Mauro. Chutava como Nelinho e tinha a raça do Edmundo, mas o seu joelho não resistiu a tantas preciosas repetições.

Operou 4 vezes e se prepara para a quinta. E isso reduziu seus caminhos. Fez do Departamento Médico seu gramado e que as luzes dos refletores se confundissem com as de ondas curtas aplicadas pelos massagistas. Não havia fisioterapeutas nem fisiatras pelos clubes que passamos.

Voltei de lá gratificado ao receber, em seu nome, a mais justas das homenagens. Meu avó João Pereira Lopes foi um símbolo carijó, e meu tio Remo Righi um fenômeno como diretor do clube. Uma pena não terem visto você defender suas cores. E o fez com extrema categoria.


Então, meu irmão, força aí nesta próxima intervenção. Eu sei quanto é duro um pianista sofrer uma lesão nos dedos, um tenista padecer por uma artrose na clavícula. Deus concedeu um dom a cada um e em cada apresentação desta dádiva nos sentimos recompensados.

 E quando ficamos impossibilitados de exercê-la, um vazio percorre nossa autoestima. E nos deixa bem pra baixo.

Mesmo assim, pode carregar uma certeza: você conquistou respeito, admiração e amigos. Todos o admiram. Pelo atleta que foi e pelo tamanho do coração que não cabe em seu peito.

E no dia em que você colocou um escudo do Entrerriense sobre ele, não faltaram testemunhas. Elas estiveram todas comigo e foi emocionante constatar o quanto você é querido por tudo que seu talento e carisma alcançaram por aqui.

Nós amamos você. E a história do futebol trirriense,  ficou provado hoje, jamais o irá esquecer.

OS ESTRANGEIROS ASSUMIRAM A PONTA

por Zé Roberto Padilha


Falta de aviso não foi. Há quanto tempo a imprensa esportiva não fala seguidamente sobre as obsoletas  estruturas táticas  montadas pelos treinadores brasileiros? 

O futebol boleiro, de Joel Santana, o bom de grupo e do churrasco, de Waldir Espinosa, o amigo da rapaziada, como Jair Pereira, foram perdendo posições no G4, e se aproximando do ZR4, na medida em que o futebol moderno foi ocupando o espaço do futebol arte.

Por termos há alguns anos a genialidade que resolvia por si mesma, caso do quarteto Ronaldo, Rivaldo, Romário e Ronaldinho, que  dominavam os troféus de melhores da FIFA, nossos treinadores relaxavam no quesito aplicação tática na marcação. 

Se tomávamos 3, eles faziam 4. E tinha churrasco na segunda e chinelinho na terça.

Quando Neymar, Coutinho, Arthur foram embora e o Diego, Hernanes e o Nenê voltaram para jogar no Master do Luciano do Vale, e acabaram titulares das principais equipes do país devido a escassez de talentos, o Robinho quase veio nessa barca, não havia mais quem resolvesse uma partida com a bola nos pés. 

E sem sua posse e guarda, o espaço cada vez menor a ser ocupado precisava de treinamento tático organizado. Nada mais de improviso e muito de estudo e trabalho dentro de campo. E isso esses treinadores aí de cima sabem fazer muito bem. 

E por isso as três Mercedes, do Inter, do Flamengo e do Atletico-MG ocupam, hoje,  as primeiras posições do Grid de Largada, enquanto as nossas Ferraris, dirigidas pelos que ainda insistem em viver de romantismo e exaltar seu passado, vão ficando para trás na classificação geral.

O GUARDIÃO DO REI

por Zé Roberto Padilha


Sempre bom lembrar, no embalo do aniversário de um Rei, que recebeu seu cetro no México onde se tornou o primeiro atleta tricampeão mundial, daquele que bravamente protegeu seu Castelo.

Felix Miélli Venerando. O último goleiro da fase romântica do nosso futebol. Não tinham treinadores, o deles era o de todo mundo, e como aparelho de aprimorar fundamentos de última geração, apenas um tanque de areia para se jogar pra lá e pra cá.

 E viviam a suplicar que nós, os “jogadores de linha”,  chutássemos contra eles, após os treinos,  bolas pra cá e pra lá.

Mesmo assim, quando um inglês entrou armado com uma bola sozinho em sua grande área, pronto a derrubar todo esse reinado, Felix se atirou aos seus pés com a cara e a coragem.

Uma defesa tão extraordinária que são incapazes de mostrar para a posteridade.

Reprisam a bola do Rei que não entrou, seu passe para o Capitão decretar a conquista, o tiro certeiro do arqueiro Rivelino contra as fronteiras uruguaias. Sua defesa, não.

Félix sabia que poucos lembrariam do seu gesto patriótico.  Que ousadia, não Papel, defender com as mãos, e ser condecorado, e ser reconhecido, quem sabe lembrado, uma nação que apenas exalta aqueles  que a defendem  com os pés.

BRAHMA NA JOGADA!

por Zé Roberto Padilha


Foi muito gratificante ter jogado futebol durante os anos 70, onde predominava o futebol-arte. Os maiores gênios do nosso futebol desfilaram seu talento na década tricampeã mundial. O único senão para os coadjuvantes da arte, como eu e os que se propunham a dar suas primeiras pinceladas nas telas verdes do Maracanã, era que toda  partida era transmitida pelo rádio. Apenas os grandes clássicos eram reproduzidos à noite, em vídeo-tape.

E no rádio não tem como a gente se defender, estamos na boca do narrador, à mercê dos comentaristas e eles é que decidem, não os torcedores, se te mantém no time titular ou volta para o banco de reservas. Se gostarem de você, vai fazer carreira. Caso contrário, desaparecem com seu nome.

Eles que decidiam se seu chute passou raspando à trave ou se perdeu pelas nuvens. O torcedor era levado pelo seu imaginário.

Como a bola era bem tratada, não tinha chutões para as laterais para dar tempo do Waldir Amaral falar dos patrocinadores da Rádio Globo, e ninguém fazia cera, porque quem gosta e sabe quer jogar, não atrasar a vida dos outros, a bola não deixava de rolar um só instante para Jorge Curi justificar e exaltar quem ajudava a pagar o seu salário.

Desse jeito, sem poder parar a transmissão quando a bola caia nos pés do Rivelino, “a patada atômica”, muito menos nos pés do Gérson, “o canhotinha de ouro!”, quando ela  caia nos nossos pés eles imediatamente chamavam : “Brahma na jogada!”.

Lá em casa era um desespero! “Mas cadê o Robertinho, não está jogando!”. “Deve estar, só não pega na bola!”.

Daí o Marco Antônio tocava a bola para mim e passava em velocidade. Segundo meu irmão Mauro, o que tomava conta das transmissões, o Garotinho, ainda começando, era obrigado a narrar assim: Toca Marco Antônio para…”

Brahma na jogada! Em Bangu, Marinho marca o primeiro gol do Bangu contra o..

Olha a bola cruzada da linha de fundo para Manfrine e goooolllll do Fluminense.

Passe de quem? Brahma na jogada.

À noite a TV mostrava que eu tinha feito a assistência, mas a massa acompanhava mesmo o futebol era pelo radinho de pilha. Pelo menos lá em casa meu apelido passou a ser “Brahma na jogada!”.

Melhor, então, era abrir uma bem gelada com qualquer resultado.