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zé roberto padilha

A VACINA

por Zé Roberto Padilha


Ele chegou na Suécia na reserva para disputar a Copa de 1958. Tinha apenas 17 anos.

Logo que chegou, o Mario Américo lhe deu essa vacina. Dizem que a recebeu das mãos dos Deuses do Futebol.

E ele entrou não apenas no time, como resolveu contra o País de Gales, arrebentou a França, Suécia, quem mais se meteu no seu caminho rumo ao nosso primeiro título mundial.

Pelé entrou, definitivamente, para a história como o maior jogador de futebol de todos os tempos.

Reza a lenda que uma outra dose foi aplicada, em Mané Garrincha, e nunca mais foi encontrada outra igual.

Nenhum outro atleta recebeu aquela vacina. E nenhuma outra genialidade calçou mais uma chuteira.

Arqueólogos, pesquisadores, historiadores têm, ao longo dos anos, realizados escavações nos vestiários que o Brasil utilizou durante a Copa.

Se encontrarem, e puderem fabricá-la, dessa vez será para levantar o nível do futebol e manter viva a nossa paixão.

Aí a gente deixa com a Pfizer e sairemos a vacinar uma nova geração que pode livrar o país desta ruindade que assolou os gramados e nunca mais ganhou uma Copa do Mundo.

Quem sabe um outro Rei? Um outro gênio das pernas tortas?

CONVOQUEM OS 3 MOSQUETEIROS

por Zé Roberto Padilha


Não escrevo por mim, tricolor, mas por meu filho, Guilherme, que a Tia Vera convenceu a ser a estrela solitária de nossa família.

Quando o fez, o Botafogo era campeão brasileiro, não uma decepção brasileira. Meu filho terá outro final de semana sem o sol do Seedorf que um dia aqueceu seus sonhos. Terá pancadas e paradinhas nostálgicas durante o período em que lembrar das cobranças do Loco Abreu. Mais do que isto: não poderá sair de casa com o guarda-chuva que o protegia de qualquer tempestade adversária: o goleiro Jefferson.

Não é fácil para qualquer torcedor, como ele, acordar e ver seu time rebaixado. E perdendo em casa para o Sport, em pleno Nilton Santos. Saber quer não vai ver seu time jogar no horário nobre das quartas e domingos, e sim no horário pobre das terças, sextas e sábados, aquele mesmo que dia seguinte você não tem o hábito de perguntar ao Sandro, ao buscar seus pães na padaria: Quanto foi?

O Botafogo não foi um time. Foi uma pandemia sobre a outra, um bando que se perdeu diante da sucessão de planos táticos e físicos que, ao serem trocados em plena competição, deixou seu elenco sem saber se marcavam a saída de bola, como queria o Autuori, ou se recuavam e saiam para o contra-ataque em busca de uma bola, como queria o Barroca.

Eu disse 5 orientações dentro de um mesmo campeonato que não permitiam sequer ao maestro Junior definir seu padrão de jogo. Mesmo porque não tinham algum.

Escrevo, como pai e ex-jogador de futebol, treinador e escritor que respira futebol desde os 16 anos, para sugerir ao presidente Durcesio Mello: leve com você, para as tribunas de honra, Ricardo Rotenberg, Carlos Augusto Montenegro, Claudio Good, Manoel Renha e seu vice de futebol, Marco Agostini.

Ninguém irá sentir falta deles lá embaixo porque nenhum deles tem história para contar.

E convidem Paulo Cézar Caju, Gerson e Afonsinho para comandar o futebol.

Os três, que estão entre os maiores ídolos que o clube já revelou, vão trazer de volta a credibilidade, o carisma e os torcedores. A seguir, as orientações que receberam de outra lenda da casa, Zagallo, serão colocadas em prática. E não cometerão erros primários de planejamento porque amam o clube e conhecem o futebol como poucos.

O senhor, presidente, e esse grupo de notáveis fora do mundo da bola, não tem obrigação de conhecer o futebol. São torcedores e associados que o estatuto permite que presidam o clube. Então, que cuidem do cloro da piscina, paguem a conta de luz da sede histórica, e conservem o Estádio Nilton Santos. Mas, por favor, deixem tocar o futebol quem sabe de futebol.

Os 3 mosqueteiros, tenho certeza, vão erguer suas espadas e trazer de volta à elite esse clube tão bacana, diferenciado, supersticioso, a quem nosso país tanto deve a conquista dos primeiros títulos mundiais.

Se tem coisas que só acontecem com o Botafogo, só ele e sua rica história, serão capazes de virar essa triste página buscando soluções em quem o ama de verdade.

ADEUS, AMIGO

por Zé Roberto Padilha


Sei que nessa hora você está nos ouvindo. Porque falo enquanto escrevo e você esta escutando na subida. Que bom ainda ter tempo de dizer do carinho que eu e meu irmão, Flavio, temos por você.

Chegamos os dois para defender o Santa Cruz, em 1977, e quem nos recebeu com o maior gentileza e consideração? Quem nos levou a conhecer a Feirinha de Olinda? Nos apresentar aos jangadeiros para trazer peixe fresco todas as tardes?

Joel Mendes, Carlos Alberto Barbosa, você, Levir Culpi e Pedrinho; Givanildo, Wilson Carrasco, Betinho e eu: Luiz Fumanchu e Nunes. Tecnicos: Joubert Meira e Evaristo de Macedo. Que time, quarto colocado no Brasileirão de 78.

Flavio tinha idade de juniores e jogava nas preliminares. Assim passamos ele, um, eu, dois anos maravilhosos das nossas vidas conhecendo um povo amigo, uma torcida apaixonada como a do Santinha e um lugar privilegiado chamado Recife. E um cicerone do tamanho da sua estatura e gentileza.


Claro que nunca mais nos vimos. O futebol faz isso com a gente, nos devolve para nossas origens e nunca mais o respeito e a consideração de quem nos contratou pensou em nos reunir.

Uma pequena festa, uma medalhinha, um jogo beneficente. Nada. Azar o nosso de nunca mais o ver nem que fosse para agradecer ter lhe conhecido.

Enfim, descanse em paz amigo. Poucos foram tão corretos e amigos nesta longa e tortuosa jornada chamada futebol como você, Lulão. E isto não tem preço, tem saudades.

UM GRITO CONTIDO DE GOL

por Zé Roberto Padilha


Em 1971, aos 19 anos, fiz minha estreia nos profissionais durante a Taça Guanabara. E quando Lula voltou da seleção, retornei para o banco de reservas. Não era um lugar de fácil acesso.

As gerações duravam décadas, dava para o torcedor decorar o time titular e a Panini lançar seu álbum de figurinhas. Felix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antonio; Denilson e Didi; Wilton, Flavio, Samarone e Lula. Quem não se lembra? E qual juniores tinha acesso ali?

Aí veio a decisão com o Botafogo. E quando Lula aproveitou que não havia o VAR e o choque do Marco Antonio com Ubirajara entrou para a história carregando toda a polêmica, eu dei um grito no banco e vibrei muito com o gol que nos concedeu o titulo.

Aí os bancários, cobras criadas, me deram um pito:

– Psiu, menos juvenil!

– Mas eu sou tricolor! – respondi!

– Lugar de torcedor é nas arquibancadas. Aqui é para dar uma leve secada. Nada grave, fratura nem pensar. Mas uma distensão leve, um estiramento em quem joga no nosso lugar ajuda a sair daqui.

Antes que respondesse, completaram:

– Ou você quer ficar aqui com a bunda quadrada, desconhecido da torcida e da mídia?

A partir desse dia não deixei de ser tricolor. Apenas passei a olhar minha paixão com um outro olhar, não mais pela emoção, mas pela luta dos meus companheiros pela sobrevivência.

Daqueles amigos que vieram do nada, mudaram a vida dos seus, que vestiam sua camisa e não tinham uma outra opção a não ser vencer em nossa concorrida e cobiçada profissão.

E essa, em uma tarde de domingo, nos impediu de gritar, como tricolor, um gol suado que nos deu o título.

Talvez tenha sido o único episódio em que abriria mão da minha luta e voltaria feliz pro meio do pó-de-arroz, que subia livre, leve e solto pelas arquibancadas campeã carioca de 1971.

UMA NOVA OBRA DE ARTE

por Zé Roberto Padilha


Uma ação provoca uma reação igual e em sentido contrário. Desde que você tenha os pés da reação no chão. Para lhe dar a impulsão. E evitar o gol.

Os pés do Wanderley, e Gabigol atrasou um instante, esperou um segundo, estacionavam na tecla pause quando ele tocou suavemente para virar a partida.

Se fosse no velho oeste, seria um tiro desferido no exato momento em que a bala se alinhava no cartucho. Mal deu para mirar, quanto mais se atirar na direção da bola.

No tênis, uma passada no contrapé, no vôlei uma deixadinha enquanto subia para o bloqueio e, no basquete, uma enterrada desferida em meio ao adversário que descia.

Tudo muito rápido. Tudo muito mágico.

Parece que foi simples. De tão simples. Um chute de fora da área descrever uma curva e se alinhar nas redes adversárias. A riqueza e a magia residem no compasso fora do passo, uma bola atirada no inexato instante. Como esperar?

Há muito cobrávamos do futebol brasileiro uma nova obra de arte. Uma folha seca, um elástico, a bicicleta inventada por Leônidas da Silva. Ontem, foi inaugurada na galeria um novo quadro pintado por esse menino que um visionário chamou um dia de Gabigol.

Depois do que ele fez, só nos restava levantar da poltrona, desligar a tevê e ir dormir. O que mais poderia esperar depois de um Gabigolaço daqueles?


Hoje, pelas resenhas esportivas de todo o mundo, torcedores assistirão um gol que jamais conseguirao fazer. Porque não são brasileiros. Nem passaram o que muitos por aqui enfrentaram.

Nossos gênios da bola, como o aniversariante Romário, Zico, Ronaldinho, Neymar não levam para campo apenas marcas da colonização ou feridas da escravidão. Carregam no subconsciente rotas de fuga de um antepassado diante de qualquer forma de opressão.

E levam como trunfo a plasticidade da capoeira, na batida dos tambores, na ginga do samba, que lhes moldou miscigenados e carregados de recursos para burlar a marcação e se libertar definitivamente com um grito de gol.

Parabéns. E obrigado, Gabigol, por escrever essa nova obra de arte!