Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

zé roberto padilha

ICE PEDRO

por Zé Roberto Padilha


Para muitos atacantes, a grande área é um caldeirão de responsabilidades. Porque o gol é o grande momento do futebol, e o objetivo, a meta, estão bem próximos e há um natural nervosismo que muitas vezes atrapalha a conclusão.

Ice Pedro, entre poucos Romarios, é daqueles que entram na grande área como entram no freezer. Sua cabeça esfria ante as altas temperaturas dos últimos que saem a protege-la. Fora o goleiro que já vem no desespero.

Aí fica fácil, vai desviando dos que vem quente pensando que ele está fervendo e acaba entrando com bola e tudo.

E de cabeça fresca, torna simples uma equação diante dos que por lá encontram a soma dos quadrados da hipotenusa.

E eu, como torcedor tricolor, acho que nossos dirigentes estavam com a cabeça na gaveta de legumes para não perceber a ascensão desse menino rumo ao alto do congelador.

OS EMERGENTES DA BOLA

por Zé Roberto Padilha


Muito bacana ver que um clube de futebol da Classe C, que no Brasil é definida por aqueles que ganham entre 2 e 2,5 salários mínimos, de pouca torcida, estádio modesto, fora do Brasileirão, da Copa do Brasil e Libertadores resistir ao abandono da sua federação e se impor diante dos grandes.

É o exemplo de amor ao futebol que está nos dando a lusa carioca ao deixar Vasco e Botafogo fora das semifinais do estadual.

Fico a imaginar o dia a dia de jogadores e comissão técnica ao se deslocarem para a Ilha do Governador em linhas vermelhas e engarrafadas. Treinar em dois períodos para equilibrar a parte física sem um centro de treinamento, isto é, indo e voltando com a gasolina a R$ 6. E se superando nas divididas para não dar espaços a adversários mais talentosos.

Seu goleiro rodou o país, seu técnico é desconhecido e seu Romário é genérico.

Pouco importam os meios, agora aquele grupo que frequentava a Rodoviária Novo Rio desembarca no Aeroporto Internacional do Galeão rumo a merecida felicidade.

Porém, ao entrar no Maracanã do equilíbrio social, encontram um olhar desconfiado, de ceticismo e até de ironia, fora o pior de todos que é o preconceito dos comentaristas que nem lhe vêem ou comentam sua atuação.

Preferem apenas julgar o seu adversário, o Fluminense, se jogou bem ou mal, se Roger Machado merece continuar ou dar lugar a Renato Gaúcho.

A Portuguesa é um novo alento aos que ainda acreditam que podemos viver num lugar menos desigual. Mesmo que não seja no bolso dos seus jogadores, mas no equilíbrio de renda e oportunidades concedida para todos os cidadãos.

Estejam eles jogando ou torcendo, carteira assinada ou autônomos, recebendo auxílio emergencial ou pensão vitalícia, por todo um país que precisava receber, das suas origens e cores lusitanas, um exemplo Portuguesa.

Com certeza.

A FORCA

por Zé Roberto Padilha


Essa cena aí, do encontro preciso nas alturas entre o matador e sua arma, dificilmente você verá acontecer junto às novas gerações. Isto porque tiraram dos clubes, principalmente nas divisões de base, na obsessão de alcançar um maior rendimento físico, uma ferramenta essencial no aprimoramento dos fundamentos dos jogadores: a forca.

Era um poste de Madeira que possuía uma bola de futebol presa por uma corda. O preparador físico calculava, de acordo com seu tamanho, uma altura que você poderia alcançar. Não era salto em altura. Era tempo da bola.

Como um pêndalo, um balanço, você ficava a calcular em qual tempo você a alcançaria. Com os treinamentos, encontrávamos o momento certo do cabeceio. Sábios treinadores, como Pinheiro, aproveitavam para introduzir os goleiros para que aprimorassem o tempo de cortar um cruzamento. Nielsen, Roberto, Paulo Sérgio, Paulo Goulart, da nossa geração, foram seus melhores alunos. E essa conquista, como andar de bicicleta e datilografar na máquina de escrever Remington Rand, você jamais esquecerá.

Ninguém ensina jogar futebol. Se alguém ensinasse estaria muito rico porque tem pai que daria o sítio para ver seu filho no Maracanã. Mas aprimorar fundamentos pode.

Quem fica, hoje, no Ninho do Urubu, como Zico, treinando cobranças de falta após os treinos? E cadê o tempo para gravar um comercial para a Adidas? Aí fica o narrador lembrando quando o Diego, de tiara, vai cobrar a sua: a última vez que o Flamengo fez um gol de falta foi contra o Cobreloa…

Tecnologia de ponta, escaltes, aparelhos que marcam passes, gráficos que rastreiam a movimentação, aparelhos de última geração mostrando o ar contido nos pulmões. Mas quando o Egídio vai a linha de fundo e a bola vai até o segundo andar…

Outro Fred?

Vão chegar antes ou depois naquela bola. Para ele, foi como andar de bicicleta de BH até o Rio. Para mim, escritor tricolor, restou buscar nas teclas e descrever momentos mágicos, como de um gênio e seu objeto de desejo se encontrando no ar, que dificilmente assistiremos outra vez.

Obs. Para ser justo, Renato Gaúcho mandou fazer duas para o Grêmio. Geromel e Diego Souza melhoraram muito.

A TARRAFA

por Zé Roberto Padilha


Ah! O futebol e seus atores. Joguei em quatro estados da federação e cada um tinha seu estilo, sotaque, culinária, jeito de ser. Em comum a criatividade explícita que acompanhava o talento com que meus companheiros superaram concorrência e adversidade.

Nada, no entanto, na minha opinião, supera a frase que ouvi durante o treino do Goytacaz FC, se preparando para a disputa da primeira divisão carioca de 1984.

O clima frio, de Nova Friburgo, onde fizemos a pré temporada, o silêncio daquela serra, o improviso, a presença de espírito, e, principalmente o deboche que acompanha cada grupo reunido, enfim, tudo contribuía para que aquela pérola não fosse esquecida.

Nosso cabeça de área fez um longo lançamento para o lateral esquerdo que subia no apoio. A bola viajou alguns segundos e todos esperavam seu domínio, quando ela… escapou entre seus pés.

E saía pela linha lateral em meio aos lamentos do lateral, que voltava cabisbaixo para sua posição, quando um grito, da quarta zaga, ecoou pela serra:

– Joga a tarrafa!

Era melhor que o autor da frase, Cleber, o quarto zagueiro, o xingasse. Pela falta de habilidade, nosso lateral ficou bravo por saberem que seu anzol de recursos não bastava para fisgar aquele traiçoeiro objeto de desejo.

Com o tempo, percebemos que a tarrafa jogada sobre os gramados seria uma questão do ENEM não estudada.

Uma mulher tamanha que sua linha de nylon não foi capaz de segurar ao seu lado.

SOBRE TRAUMAS, SERRAS E TRAGÉDIAS

por Zé Roberto Padilha


De vez em quando, acordo de madrugada com aquele barulho. Deve ser o mesmo que minha gata, a Liz, levanta suas orelhas quando chove muito. Ela, outra sobrevivente, foi resgatada daquela tragédia na Serra de Itaipava em 2010.

No caso dela, choveu tanto que as encostas foram cedendo e saíram cobrindo de lama casas, resorts, animais e moradores. No meu, foi durante a inauguração do Estádio Serra Dourada, entre Fluminense x Goiás. Por lá, uma patada atômica desferiu uma bomba para cima de mim.

Pelo tamanho, ficava no primeiro pau para desviar a bola, mas o corner batido pelo Gil foi bem alto. A zaga rebateu e Rivelino, que ficava fora da área esperando um rebote, pegou de primeira.

O míssil veio na velocidade da luz, passou a 2 cm da minha cabeça, explodiu na trave e voltou quase na intermediária. Não deu tempo nem de desviar, muito menos sair do lugar.

As pernas travaram, só ouvia as súplicas do Zé Mário diante do contra ataque do time da casa: “Volta, Zé!!”. Certas noites, quatro décadas depois, elas mal reagem para sair da cama, quanto mais voltar no dia para marcar.

Até hoje, geólogos e marceneiros estudam as causas das tragédias. Da Serra de Itaipava, cujas encostas ruíram, no Serra Dourada, onde a trave balança até hoje. Enquanto picólogos tentam explicar a minha e a Liz continua apenas recebendo, durante os temporais, afagos e carinho, quando levanto elevo as mãos para os céus e agradeço muito.

Porque foi apenas por 2 cm que escapei.