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zé roberto padilha

EU SÓ ACREDITO PORQUE ESTAVA JOGANDO

por Zé Roberto Padilha

Era um clássico, entre Flamengo x Vasco, pela terceira rodada do Campeonato Carioca, que não era revestido de qualquer outro ingrediente. O campeonato apenas começava a aquecer.

E aí, o carioca, que decide seu programa em cima da hora, resolveu combinar com todo mundo ir ao Maracanã depois da praia. Era um domingo ensolarado, dia 4 de abril de 1976.

Por mais rodado o Zico, excursionado o Roberto Dinamite, ninguém ali realizara anteriormente o aquecimento com o teto ameaçando cair. O barulho era ensurdecedor e ficamos a imaginar: o que estaria acontecendo dentro do maior estádio do mundo?

Aí vem o primeiro aviso: o jogo iria atrasar 20 minutos porque a PM subiu ao anel superior para retirar torcedores que foram espremidos até o teto. Uma loucura.

Quando entramos em campo, vivemos uma sensação semelhante a do Queen, no Rock in Rio 95, quando milhares de pessoas entoaram Love of my Life. Aquela sensação que será vivida por poucos mortais. De qualquer arte.

174.773 pessoas se acotovelaram para assistir uma exibição de gala do Zico. Ele fez dois na nossa vitória por 3×1, o outro foi marcado pelo Luizinho, naquela partida que registrará para sempre o terceiro maior público da história do Maracanã.

De vez em quando encontro um ex-atleta que viveu comigo aquela doce loucura, e ficamos a resenhar. Outro dia foi o Dé, que marcou o gol do Vasco. E ele me perguntou:

“Quantas vezes você acordou suado, no meio da noite, com a cama tremendo e um barulho infernal à sua volta?”

Disse que senti isso algumas vez. A sorte é que, anos depois, joguei pelo Bonsucesso um clássico contra o Americano, em Teixeira de Castro, pelo mesmo Campeonato Carioca.

O silêncio era tão grande que não foi difícil voltar a dormir.

O JOGO DO ANO

por Zé Roberto Padilha

Esqueçam Barcelona x Real Madrid, Manchester City x Arsenal. O jogo do ano acontecerá no próximo sábado, dia 29/04, 16h30, entre Fortaleza x Fluminense.

As duas equipes que mais evoluíram no futebol brasileiro.

Não será apenas uma partida da terceira rodada do Campeonato Brasileiro. Será uma celebração aos bons tempos do nosso futebol.

Fernando Diniz e Juan Pablo Vojvoda conseguiram deixar do lado de fora a insegurança da profissão, que leva nossos treinadores a fecharem suas equipes lá atrás porque se perderem serão demitidos.

Não há tempo no futebol brasileiro para um trabalho a longo prazo. A não ser quando uma equipe, como a do Palmeiras, vive a colecionar bons resultados.

Os dois treinadores apostaram na arte de se jogar um futebol corajoso e agressivo.

Enquanto estados como Pernambuco, Bahia e Santa Catarina viram suas equipes perderem espaço, o Ceará tem se orgulhado de assistir seus representantes apresentarem um futebol de alto nível.

Não lutam mais por cair, estão disputando Sul-Americanas, Libertadores, um estado que, merecidamente, alcançou um estágio em outro patamar.

Já a Fluminense descobriu o Arias. Tudo bem, Ganso chegou ao auge, André não se fabrica mais e Marcelo veio carimbar o Selo Iso de time campeão. Mas o Arias…

Talvez Oliveira, lateral-direito tricolor dos anos 60, o inventor do “Chuveirinho”, que consagrou Flávio, o Minuano, tenha conseguido algo parecido. Mas ninguém faz um cruzamento “Mortal Kombat”, como o Arias.

Mesmo com o lateral fechando o ângulo, ele consegue realizar um venenoso cruzamento, que vai fazendo uma curva, tirando do goleiro e levando um recado: “Faz Cano!”. É impressionante como realiza tal fundamento.

Já colocaram na agenda? Depois me cobrem. O jogo do ano vem aí!

E A GARRA, GABIGOL?

por Zé Roberto Padilha

O último Fla x Flu que assisti, com a vitória do Fluminense por 2×1, levei pra casa uma atuação de garra e entrega pouco comum de um jogador: Gabigol.

Poucas vezes vi um jogador lutar tanto contra os adversários, raras vezes com a bola e todas as outras com árbitros, bandeirinhas e comissão técnica adversária.

Como fui treinador, teria muito orgulho de ter no time um jogador assim. E não era decisão.

Na final, uma cena logo no começo do jogo me chamou a atenção. Ao dividir uma bola na lateral com Marcelo, Gabigol não deixou o corpo. Pelo contrário, se contorceu todo para não se chocar com o craque tricolor.

E esse excesso de respeito de quem menos respeitava quem quer que fosse nas divididas, deixou uma pista.

Ou ele respeitou demais o currículo do Marcelo, e puxou o freio de mão, e não entrou com o mesmo espírito e garra na decisão, ou olhou para o banco e viu a imagem de quem não havia mais porque lutar.

Inerte, indefeso, abandonado à beira de um banco de reservas, entregue á própria sorte, seu treinador, Vitor Pereira, começava a ser fritado. Vaiado é desfenestrado.

E a garra Gabigol, tão elogiada por mim, tem currículo pra dividir a bola, simpatia para defender um cargo e uma nação para se submeter à sua decisão de lutar ou não por ela?

O EFEITO MARCELO

por Zé Roberto Padilha

Aconteceu comigo, Cleber, Pintinho, Erivelton, Edinho, Rubens Galaxe, Abel Braga e toda a nova safra tricolor que se apresentava ao profissional. Em 1974, jogávamos direitinho. Quando Roberto Rivellino, PC e Mario Sérgio chegaram, um ano depois, passamos a jogar em um nível que nem sabíamos ser possível alcançar.

Como um sarrafo técnico que sobe, e você tem que ultrapassá-lo caso contrário retorna para o juniores, jogar ao lado da genialidade lhe inspira a buscar o seu melhor.

Se o hotel mudou, de duas estrelas (Paineiras) para cinco estrelas (Nacional), se o Torneio de Joinvile foi substituído pelo Torneio de Paris e se trinta mil pagavam ingressos e triplicou o número de torcedores que iam nos ver jogar, por que seu futebol não alcançaria um patamar acima?

Hoje, a nova geração tricolor vai ter o Marcelo ao lado. Se Nino, André, Martinelli, Alexsander estavam jogando bem, fico a imaginar o que vão jogar com tamanha inspiração ali ao lado.

O modo do aspirante se expressar diante de um ídolo que admira é jogar um futebol à sua altura. Seu cartão de boas vindas será um domínio perfeito, um lançamento correto e um drible que leva um recado na etiqueta: da fábrica Xerém, que lhe formou, somos do último lote.

Com a chegada de Rivellino, PC e Mario Sérgio, nós fomos inspirados a transformar um time em uma Máquina.

O QUE A PROFISSÃO NOS ROUBOU

por Zé Roberto Padilha

Quando fui pela primeira vez ao Maracanã, aos oito anos, fui num fusca que transportava minha famÍlia americana. Apesar do título alcançado pelo América, 2×1, gols de Nilo e Jorge, contra um do Pinheiro, voltei de lá tricolor.

Impossível um garoto não se entusiasmar com aquele mosaico tricolor adornado com nuvens de pó de arroz.

Brigava no colégio pelo Fluminense, discutia em casa, até que um dia o meu América, de Três Rios, recebeu o tricolor das Laranjeiras para nos entregar a faixa de campeões infanto-juvenil. Era o meia-esquerda do time.

Recebi o convite para testes e passei, dos 16 aos 23 anos, todo o aprendizado no clube do meu coração. Conquistei títulos, amigos, me formei atleta e cidadão até que um dia, sem me consultar, no meu melhor momento, titular da Máquina Tricolor, me trocaram com o Doval. E fui jogar no Flamengo.

Acabou o sonho, o amor de jogar pela camisa e virei profissional. Faz parte do manual da vida de um jogador de futebol, mas, dali em diante, roubaram de mim o que o torcedor possui de mais importante: a paixão desmedida.

O fanatismo gostoso que nos leva a bater boca até com nossos mais próximos e queridos, que nos leva a gritar, a todos os pulmões, que Obina é melhor que Eto’o.

Jamais deixarei de ser tricolor. Mas quando subi, recentemente, as rampas do Maracanã para assistir o Fla x Flu, confesso que não sabia se iria para o lado do meu coração ou se o Presidente Francisco Horta reservara para seu ponta-esquerda uma cadeira na outra torcida. A de um clube bacana que me acolheu com todo respeito e consideração.

A vida continua. O Fla x Flu também. No meu caso, um pouco sem graça porque roubaram de mim a paixão irrefletida, doentia, irracional e depositaram no lugar a tão sem graça da razão.