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Zé Roberto

NELSINHO E CARLINHOS

por Zé Roberto Padilha


Há anos que a FIFA escolhe apenas atacantes, como Messi, Cristiano, Ronaldo, Romário, Rivaldo, como os melhores jogadores de futebol do mundo. São, de fato, os protagonistas dos espetáculos. Fazem gols, são ídolos porque na defesa, e no meio-campo, os espaços começaram a ser ocupados por atletas sem talento.

A Era Dunga, de pouca técnica e muita marcação, transformou a zona de pensamento, de organização de jogadas, em um lugar onde Guiñazü, Edinho e Márcio Araújo sobreviveram correndo mais com a bola, e dando carrinhos, do que realizando por ali grandes jogadas.

A era Nelsinho e Carlinhos, Didi e Zito, e a que mais simbolizou o futebol-arte, Clodoaldo e Gérson, até desaparecerem com Adílio e Andrade, Cléber e Carlos Alberto Pintinho, parecia definitivamente encerrada até que a Croácia, como num lampejo de luz lançado sobre as lentes da Copa do Mundo, redescobre Modric e Rakitic. E o meio-de-campo, cheio de jogadas de rispidez, chutões e bolas trocadas lateral e irritantemente com os zagueiros, passa a ver a bola deslizar suave pela grama. E receber, de novo, lampejos de arte.


Não por acaso, os dois croatas são, há anos, titulares absolutos dos maiores clubes do mundo: Real Madrid e Barcelona. Xavi e Iniesta encontraram em Rakitic sua arte renascer ao lado com um vigor a mais. E o adotaram. E Zidane redescobriu em Modric a lucidez, o toque de bola, que o levou a ser reverenciado mundo afora. Eu, que torço pelo Barcelona, e meus filhos, que torcem pelo Real Madrid, estaremos juntos, domingo, não apenas torcendo pela Croácia, mas para que os exemplos destes dois se irradiem pelas escolinhas de futebol. E alcance os clubes de todo o mundo. A Copa do Mundo sempre foi assim, a nova coleção de Cristian Dior. A partir dos desfiles das 32 seleções, os clubes passarão a adotar o protagonismo vencedor que melhor por ali se apresentou.

Quando o Brasil foi tricampeão no México, o futebol-arte se espalhou pelo mundo. Quando a Alemanha se impôs quatro anos depois, o futebol-força, com o Teste de Cooper, o Circuit Training, Interval Training e as Máquinas Apolos a reboque, saíram distribuindo músculos e velocidades pelos campinhos de todos os planetas. Foi deixado de lado o professor jogador e entrou em cena o professor preparador.


Se a Croácia se consagrar campeã mundial no domingo, aquele menino canhotinho, de Niterói, que se apresentar ao Botafogo e realizar um lançamento de 50 metros na peneira, não mais será mandado de volta para casa. E os novos candidatos a jogarem naquela faixa central, hábeis, frágeis e talentosos que surgirem no Ninho de Urubu, não serão transformados em carniça diante da fúria dos gladiadores de plantão. Darão ao futebol a chance de ter novamente, na sua zona de organização, não mais o fim da arte de bater no bola. Mas toda a lucidez Nelsinho e Carlinhos perdida de volta.

ELES MERECEM VOLTAR

por Zé Roberto Padilha


Se a diretoria do Vasco conhecesse a importância da Escola de Sagres no descobrimento da América, não faria a travessia para a primeira divisão sob tão frágeis estruturas. Para conquistar o Novo Mundo, o Infante D. Henrique criou, em 1417, uma escola de navegação que os possibilitou alcançar lugares nunca dantes navegados. Rodeou-se de mestres nas artes das ciências ligadas à navegação, formou grandes descobridores e construiu naus seguras para suportar tempestades, marés e calmarias.

Os novos almirantes vascaínos sabiam da duração da viagem rumo à primeira divisão. E seus percalços. Estava no mapa: desembarque no Ceará, depois fazer as malas e enfrentar o Brasil, de Pelotas, na quarta seguinte pegar o Náutico, em Recife, e tentar alcançar o primeiro voo para Salvador, jogar contra o Bahia. Mesmo assim, não reforçaram a estrutura da sua tripulação, que era boa, entrosada, mas sem peças de reposição. Além de não contratar ninguém para o lugar do Riascos, só tinha o Pikachu para entrar nas beiradas, o Diguinho para substituir o terceiro cartão amarelo e cometer penalidades máximas e o Thales para entrar no segundo tempo no ataque. E quando o arqueiro Martin Silva desembarcava no Uruguai, o Jordi cobria o seu lugar. E era só.

Será que alguém no hangar de São Januário, oito séculos depois daquela lição lusitana, acreditou que seus 16 homens que lutaram para não cair em 2015, foram bi-campeões cariocas no primeiro semestre, suportariam 37 novas baldeações pela imensidão do país com 90 minutos cada? Mesmo com o mérito do inegável entrosamento alcançado, que fez com que nós, tricolores, soubéssemos a escalação do Vasco e não a nossa, seria impossível ir tão longe com o mesmo time. E com poucas e previsíveis peças de reposição. Quando subia a placa de mais cinco minutos, como em Criciúma, parecia em seus semblantes que teriam que navegar em mar revolto por mais cinco horas.


Sábado, contra o Ceará, será a ultima etapa de uma travessia sofrida. Fico a imaginar como estão os músculos adutores do Rodrigo, os hematomas dos tornozelos sempre atingidos do Nenê, os joelhos já rodados do Andrezinho. Fora as cordas vocais do Jorginho, a carga do extintor de incêndio carregado nas costas pelo Zinho. Todos estão há mais de um ano sem descanso. Não são feitos de tábuas da Ilha da Madeira, ou construídos com um aço que nem existia. São de carne, osso e fibras. Independente da falta de visão dos seus novos infantes, cartolas descomandantes, a torcida vascaína precisa ir a São Januário, ou ao Maracanã, reverenciar a ultima jornada dos seus heróis e guerreiros. Um dia a história do futebol lhes fará justiça pela dedicação, entrega e capacidade de suportar tantos jogos com um elenco tão reduzido. Todos eles, jogadores e comissão técnica vascaínos, merecem o nosso reconhecimento e respeito ao desembarcarem de volta ao seu Porto Seguro.

NOSSO TREINADOR “CORDIAL”

por Zé Roberto Padilha


Na busca da nossa formação, nas raízes do caráter do povo brasileiro, dois autores são obrigatórios para seu entendimento: Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda. O primeiro, nosso maior sociólogo, em seu clássico Casa-Grande & Senzala, enxerga na aproximação portuguesa junto aos escravos, no Brasil Colonial, uma das maiores características do brasileiro: o elemento da plasticidade, do homem sem ideais absolutos nem princípios inflexíveis. O segundo, um dos nossos maiores historiadores e crítico literário, em seu clássico “Raízes do Brasil”, destaca a expressão “homem cordial”. A cordialidade, ressaltou, é sua propensão para sobrepor as relações familiares, afetivas e pessoais às relações profissionais ou públicas. O brasileiro, segundo ele, tende a respeitar a impessoalidade de sistemas administrativos em que o todo é mais importante que o indivíduo. Daí a dificuldade de encontrar homens públicos que respeitem a separação entre o público e o privado. E que ponham os interesses do Estado acima das amizades.

Em Brasília, tão impregnada de tal cordialidade, já fez seu ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, em pleno século XXI, realizar publicamente a defesa do nepotismo para empregar seu filho para um cargo elevado no governo. Mesmo diante de toda a indignação da opinião pública. No futebol, deu a Felipão o direito, e a cara-de-pau, de não convocar o Miranda na última Copa do Mundo, um dos melhores zagueiros do futebol do europeu, para chamar seu amigo e zagueiro do Palmeiras, Henrique, que estava há um ano na reserva do Napoli, da Itália. Tal cordialidade foi agradecida pelos alemães, quando Thiago Silva ficou suspenso para aquela fatídica partida, bastava escalar o Miranda, que jogava na sua posição. Como o amigo jogava na quarta-zaga, e o outro zagueiro convocado, o Dante, também, inverteu o David Luiz de posição, escalou o Dante sem ritmo, e o resultado vocês sabem quanto foi.

Agora, após tantas lições políticas e esportivas, o novo treinador da seleção brasileira tinha nas mãos uma oportunidade de ouro. Chamar os melhores jogadores em atividade e aproveitar esta nova geração olímpica. Dar exemplo e enterrar nepotismos, fisiologismo e assistencialismos. E eis que na primeira convocação ele chama o Paulinho. Nosso glorioso volante está há exatos um ano e dois meses atuando no glorioso Guangzhou Evergrande no altíssimo nível competitivo do futebol chinês. Mas entre ele e o Wallace, do Grêmio, que está voando, optou pelo amigo. Aquele que há quatro anos lhe ajudou a ser o técnico renomado que é, ao ser destaque na Copa Libertadores e no título do mundial de clubes, que marcou aquele gol de cabeça contra o Vasco nas semifinais, e não sai da sua cabeça agradecida.

Dia seguinte à esperança de construir um país olímpico, que eleve os investimentos no esporte a partir dos exemplos de superação dos heróis que alcançaram medalhas, que o valorize como formador e construtor da cidadania, recebemos a notícia que emerge, no país da cordialidade, uma nova expressão para revalidar seus piores ismos: o Titismo. O ultimo dos neologismos que precisávamos para sair do Brasil Colônia e entrar de vez na modernidade.

ME POUPE, MAS NÃO MICALE

por Zé Roberto Padilha


 Quando vi esta nova invencionice da CBF, Rogério Micale, anunciado como o novo técnico da seleção olímpica, que não preenche uma só linha nos três quesitos básicos da entrevista para se habilitar a treinador do meu time de pelada, em Três Rios (1- Jogou aonde? Lugar nenhum. 2- Chupou gelo com quem? Com ninguém. 3- Ganhou o quê? Nada, apenas vice-campeonatos, do sub-20 Mineiro, da Copa BH e do Mundial sub-20), apitando treinos de óculos escuros e dando entrevistas de página inteira, no Globo, cheio de teorias e pouquíssimas práticas, não resisti a pesquisá-lo um pouco mais na Wikipédia. Quando acabei, não consegui me conter: Chega, CBF! Me poupe. Mas não Micale. Não subestimem, outra vez, o ouro olímpico no futebol. Este rapaz não tem currículo nem bagagem para tamanha envergadura.

Seria tão simples, justo e correto com a maior paixão do brasileiro, que a entidade que o dirige fizesse o óbvio: concedesse, através da meritocracia, a oportunidade de um treinador vencedor da sua mais importante competição, o Campeonato Brasileiro, dirigir a nossa seleção brasileira. Em 2013, antes da Copa do Mundo, o Cruzeiro levantou o título brasileiro com 11 pontos de vantagem contra o segundo colocado, o Grêmio. Teve cinco vitórias a mais e saldo de 40 gols a favor, contra cinco. Seu treinador era Marcelo Oliveira. Ao anunciar o nome que nos levaria àquele novo vexame em casa, a CBF convidou Luis Felipe Scolari. Seu último trabalho: fora demitido pelo Palmeiras um ano antes ao perder por 3 a 1 para o Vasco, ter conquistado apenas 20 pontos em 24 partidas no Brasileirão e levado seu clube para a segunda divisão, em 2013. Nesse caso, a CBF usou a derrotocracia.


Vem um novo Brasileiro, 2014, e novamente o Cruzeiro se torna bicampeão brasileiro. Seu treinador, Marcelo Oliveira. A CBF se prepara para anunciar o substituto de Felipão. Depois do fracasso da seleção brasileira em 2010, Dunga ficara dois anos sem treinar qualquer clube. Foi contratado pelo Internacional apenas em dezembro de 2012. Após outro fracasso no Brasileirão 2013, demitido após 15 derrotas e apenas duas vitórias, a CBF o anuncia como o substituto de Felipão para a Copa América e as Olimpíadas. Só agora, depois de uma nova derrotocracia, chama o Tite. Justo campeão brasileiro. Mas em vez de colocá-lo para trabalhar, fazer jus ao salário e comando, coloca o cara para viajar pelo país no lugar de dirigir a seleção olímpica. E vocês querem que eu Micale?

Bem, só para não ir muito longe, vou lembrar a vocês:  Alexandre Gama também era bom treinador do sub-20. Ganhou alguns títulos de base para o Fluminense. Como este estudioso moço de óculos escuros, ascendeu de repente ao estrelato? De sub para supra! Quando quis enquadrar o Romário, o Baixinho perpetuou uma das suas memoráveis frases: “Chegou agora e já quer sentar na janela?” Gama, lógico, caiu do ônibus e sumiu pela estrada. Romário e o Fluminense seguiram viagem. Vocês acham que este criador de minhocas vai conseguir se impor em meio a este Butantã de cobras criadas? Estou quietinho aqui na minha cidade, mas meu computador, e minha paixão pela bola, me permitem o desabafo: Me poupe, mas não Micale!

NÃO CHORE POR MIM, ARGENTINA!

por Zé Roberto Padilha


A reportagem de O Globo, de sábado, sobre o futebol argentino, vai além da nossa compreensão. Um paradoxo só compreendido por se tratar de um esporte regido pela emoção, não pela razão: “Jejum de 23 anos sem títulos na seleção principal leva caos ao futebol olímpico!”. Duas linhas à frente, a reportagem conclui “a Argentina deve assumir a liderança do próximo ranking da FIFA.” Como pode haver crise em um futebol que alcança o posto de melhor do mundo, à frente de Alemanha e Espanha, apenas por que não ganhou a final da ultima Copa do Mundo e da Copa América? Será que o conjunto da recente obra invicta, os ingredientes que confeccionaram o bolo são menos importantes do que a cereja colocada sobre a conquista chilena, alcançada após a prorrogação e a disputa de penalidades máximas?

Ronaldão, nosso bravo e limitado ex-zagueiro do São Paulo foi campeão mundial. Nós, torcedores, lembramos dele como o “Rei dos Carrinhos”. Um recurso geralmente praticado por zagueiros que, sem o tempo da bola para antecipar os atacantes, como o Edinho, o Juan e o Ricardo Gomes, se atiram para interceptar a jogada. Na metade dos carrinhos, Ronaldão  achava a bola, nas outras tentativas levavajunto o tornozelo, além de cometer pênaltis infantis e receber cartões em todos os jogos. Zico, Falcão, Leandro, Júnior, Cerezzo e Sócrates, com repertórios variados de jogadas de pura arte e sem violência, jamais ganharam uma Copa do Mundo. Mas quando o IBOPE sai às ruas para saber do torcedor brasileiro qual a melhor seleção de todos os tempos, a de 1982 empata com a de 1970. A do tetracampeonato, vencida com a ajuda dos carrinhos do Ronaldão, de Mauro Silva, César Sampaio, Branco e Zinho só é lembrada pelo desempenho do Romário. Se não fossem os gols do baixinho, quem lembraria outro símbolo daquela conquista se não a bola isolada por Roberto Baggio por cima do gol de Taffarel? Se um italiano, Paulo Rossi, tirou-nos a Copa merecida, outro nos deu de presente a imerecida. Os italianos sempre foram elegantes, educados e gentis. Afinal, o latim ainda é a língua oficial da Cidade do Vaticano.

Acostumamos, no futebol,  a dar um peso maior a cereja do bolo, o licor que coroa um lauto banquete, no lugar de quem matou a nossa fome de bola. Para latinos-americanos ainda com resquícios de subdesenvolvidos, vice-campeão não é o segundo melhor colocado. É o primeiro dos perdedores. Enquanto isso, a Islândia, racional e resolvida, deixa a Eurocopa ovacionada por alcançar o quarto lugar. Seus jogadores estão sendo aguardados no aeroporto de Reykjavic e desfilarão por suas avenidas como heróis nacionais. Já Messi, o melhor do mundo da melhor seleção do mundo, soluça: “Não chore por mim, Argentina!”.

Preferimos, no futebol sul-americano, exaltar o fechar com “chave de ouro”, mesmo que a porta seja de lata e guarde lá dentro trajetórias esquecíveis. Como os carrinhos do Ronaldão, a enceradeira encostada em um canto, do Zinho. Em nossa memória, do lado de fora, circularão pelas salas, pelas mesas no encontro das famílias, perpetuada por seguidas gerações, a magia da equipe dirigida por Telê Santana A inesquecível falta cobrada pelo Messi contra os Estados Unidos. A última impressão não é a mediocridade da conquista, é a beleza de uma partida que, mesmo perdida, ainda é a que fica.