por Wilker Bento
Em entrevista ao blog Ser Flamengo, o vice-presidente de relações externas do rubro-negro, Luiz Eduardo Baptista (Bap), fez críticas severas ao trabalho de Abel Braga no clube durante o primeiro semestre de 2019. Responsável por trazer e manter o treinador, o dirigente afirmou que sua percepção sobre o trabalho de Abel não era boa, e que seu tempo no cargo chegaria ao fim em breve. E usou frases polêmicas: “Houve um momento em que a gente achava, e que a gente discutia internamente, que ele devia estar de sacanagem. A gente olhava ele dando entrevista e a gente falava ‘cara, tem alguma coisa que a gente não está entendendo. Ou ele bebeu ou ele está drogado’, disse Bap, se referindo às declarações controversas dadas pelo técnico em entrevistas coletivas, como “perder para o Inter é normal” e elogios ao Estádio Beira-Rio.
A crítica à postura de Abel Braga é válida, principalmente porque, ao assumir posteriormente o Vasco da Gama, o treinador seguiu dando declarações que viraram chacota nas redes sociais – como ao dizer “hoje foi lindo” após derrota para o Flamengo. No entanto, há uma fronteira entre crítica e ofensa, que precisa ser respeitada por ambas as partes. Vale tanto para o profissional que não aceita ser contestado quanto para o crítico que recorre a insultos pessoais. É o limite entre a liberdade de expressão e a difamação.
Bap ultrapassou esse limite quando se referiu ao treinador daquela forma. Obviamente, o dirigente não usou a frase de forma literal. Sua intenção não foi sugerir que Abel tivesse, literalmente, comandado a equipe sob uso de álcool ou entorpecentes. Trata-se de uma maneira de se expressar que muitas pessoas têm no cotidiano, em conversas informais, mas que jamais poderia ter sido utilizada por um dirigente de um clube profissional em uma entrevista pública. Quem exerce uma liderança desse porte deve ter um comportamento exemplar. Se age como um torcedor comum, corre o risco de desmoralizar sua imagem.
Apesar da fala inapropriada, muitos saíram em defesa do vice-presidente, alegando um suposto “mimimi” no meio futebolístico. De fato, o torcedor em geral sente falta de entrevistas mais sinceras, provocações entre jogadores, enfim, da “zoeira” característica do futebol brasileiro. Reclama da chamada “geração Nutella”. Nesse sentido, realmente retrocedemos, ficamos mais azedos.
Porém, é preciso fazer contrapontos. Para o bem ou para o mal, a sociedade mudou. Não estamos mais nos anos 1980 ou 1990. Antes era comum, por exemplo, fumar em ambientes fechados, propagandas de cigarro e comerciais de cerveja com mulheres seminuas. Hoje, isso não é mais aceito. Precisamos acompanhar a evolução da sociedade.
Mesmo naquela época, dirigentes de futebol não podiam falar e fazer o que bem quisessem. Um caso emblemático foi o desentendimento entre Eurico Miranda e Milton Neves, em 1999. Após o primeiro jogo da final do Torneio Rio-São Paulo, entre Vasco e Santos, Eurico se recusou a responder as perguntas de Milton e ameaçou bater nele, além de proferir insultos. O jornalista acusou o então vice-presidente do cruzmaltino de se proteger na imunidade parlamentar: “Ele é deputado federal e se esconde na covardia desse mandato”, disse Milton Neves que, no entanto, chegou a processá-lo.
É uma prática que pode acabar se tornando comum no contexto atual do Flamengo. Com bons resultados dentro de campo, os dirigentes ficam blindados e podem agir da forma como querem, acima do bem e do mal. A exemplo da gestão Ricardo Teixeira na CBF, ou como Andrés Sanchez no Corinthians e, mais recentemente, o Palmeiras na Era Crefisa. Situações diferentes em que o desempenho dos times acobertaram os problemas nos bastidores.
Assim, o rubro-negro, que jogou um futebol que encantou o país em 2019, caminha para se tornar, fora das quatro linhas, o time mais antipático do Brasil.