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Vozes da Bola

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZICO


Todos buscavam algo, além da Lagoa na época pré-túnel Rebouças, com poucas casas às suas margens, onde se podia ouvir o galope dos cavalos que montados por amazonas e cavaleiros da Sociedade Hípica Brasileira, cavalgavam pelo matagal que se estendia da Curva do Calombo até a finada favela da Praia do Pinto.

Em frente ao Estádio de Remo, dominando tudo a sua volta com seu monumental lance de arquibancadas, a imponente sede do Flamengo abria os braços querendo abraçar aquele menino loirinho, magrinho, ainda pequeno para seus 14 anos.

Pela primeira vez na vida saía de Quintino, zona norte do Rio de Janeiro, para colocar os seus pés sagrados no não menos sagrado chão da Gávea.

Naquela quinta-feira, 28 de setembro de 1967, trazido pela mão pelo radialista Celso Garcia, Zico – apelido dado pela falecida prima Ermelinda – treinou pela primeira vez no Flamengo.

No entanto, antes de mostrar seu talento em campo, Zico precisou que Celso Garcia, convencesse Modesto Bria, treinador do juvenil do Flamengo e imortal craque do primeiro tricampeonato em 1942/43/44, a lhe dar uma chance.

“O que me movia era a coisa de Flamengo, de entrar para o meu clube de coração, que era o que eu mais desejava. Mas o primeiro momento foi de decepção, pois a escolinha tinha duas categorias, e apareci no dia do treino dos garotos mais velhos. O Bria não queria me aproveitar. Assim mesmo, o Celso criou toda uma situação, para não desperdiçar a nossa viagem, e acabei entrando. Não foi nada demais, só deu pra fazer umas gracinhas, aquela não era a minha praia. Eu realmente fiquei assustado quando cheguei à Gávea, naquele primeiro dia; os caras eram bem maiores do que eu. O fato é que me mandaram voltar no dia seguinte, uma sexta-feira, para me apresentar para a partida de domingo, contra o Everest. Eu me apresentei aos responsáveis pelo meu núcleo, o Célio de Souza e o José Nogueira. Joguei e fiz dois gols na vitória de 4 a 3. Mas não me lembro de quase nada. Só quando pego alguma foto da época. De qualquer jeito, foi ali que o meu sonho começou a se tornar realidade. Eu tinha sido aceito na escolinha do Flamengo”, disse a Roberto Assaf e Roger Garcia, autores de sua autobiografia, ‘Zico 50 Anos de Futebol’.

Se o Natal rubro-negro é 3 de março, podemos afirmar indiscutivelmente que o Ano Novo é 28 de setembro, data em que mostrou todo o seu futebol de um menino que viria, anos mais tarde, ser o maior ídolo do clube.  

Porém, antes de sê-lo e obter tamanho êxito, cresceu dezessete centímetros chegando a 1,72 metro, ganhou vinte e nove quilos encorporando para  66 em massa muscular e sendo preparado pelo médicos do clube para receber entradas duras e desleiais de seus marcadores, como a de Márcio Nunes, naquela noite infeliz de agosto de 1985, pelo Campeonato Carioca.

Recentemente, viveu confinado em sua casa onde esteve há mais de cem dias, o ‘White Pelé’ (Pelé branco) como o Galinho de Quintino é conhecido no exterior, e aceitou conversar com o Museu da Pelada para fazer parte da série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

De onde vem o apelido Galinho?


Vem do Valdir Amaral, radialista da Rádio Globo. Quando estreei, estava jogando de centroavante, corria bem e lutava muito e como era cabeludo, recebi esse apelido de Galinho, e lógico,  Quintino, por ser do bairro onde eu morava e fui criado. Então, pegou e hoje todo mundo me chama de Galo ou Galinho.

Quem foi sua inspiração no futebol?

Eu tive grandes inspirações, a começar pelo Dida, que era o grande ídolo do Flamengo e da minha família inteira. Meus pais diziam que depois de pai e mãe uma das primeiras frases que falei foi ‘Dida’. E lógico, depois dos meus irmãos, Edu e Antunes, onde eles jogavam, eu ia assistir, e aprendi muito com eles. E uma grande Seleção, com excelentes  jogadores também me inspirou muito, porque era um ataque que todo mundo era camisa 10 em seus clubes, que foi a Seleção Brasileira de 1970. Nessa época, eu estava no juvenil e sabendo mais ou menos o que queria como jogador de futebol, olhava muito aqueles jogadores e aprendi muito com eles.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Sinceramente, não sinto saudades da minha carreira. Pô, foram muitos anos jogando no Brasil, na Itália, no Japão, então, não sinto saudades de nada. Ainda jogo minhas peladas, então, seria muito egoísmo da minha parte sentir saudade de alguma coisa.

Você marcou 826 gols na carreira. Se não fossem os graves  problemas no joelho, você acha que chegaria aos mil?

Bom, eu nunca me preocupei com essa coisa de bater recorde não, de numeração e tal. A gente com o decorrer do final da carreira que você começa a achar números. Eu terminei minha carreira com 831 gols e 1.174 jogos. Agora, tem muitos jogos que muita gente não conta que é a questão dos jogos que são amistosos ou não, jogos beneficentes e jogos de despedidas. Quando eu era profissional, eu anotava tudo e lógico, que se talvez eu tivesse pensando na questão de bater recordes, talvez pudesse ter chegado a isso, mas minha função não era essa. Eu acredito que como jogador profissional, eu tenha feito uns seiscentos e poucos gols, juntando Flamengo, Seleção Brasileira, Kashima, Udinese, aí chegue a uns setecentos e poucos talvez. Para um jogador de meio de campo está bom demais e talvez eu seja um meio-campista que tenha feito mais gols no futebol mundial. Acho que sempre gostei de fazer gols mas jamais deixei de dar um passe para um companheiro melhor colocado para fazer gols e ser artilheiro. Então, isso nunca passou pela minha cabeça, porque eu sempre fui ‘nós’ e não ‘eu’.

De acordo com o jornalista Celso Unzelte, você fez 334 gols. O que representa o Maracanã na sua vida de torcedor e de jogador?

Desses 334 gols, estão contando também a parte de amador. Com isso, daria 442 jogos, e se for tirar a parte de amador, seriam 418 jogos e acho que  316 gols. O Maracanã ficou como se fosse a minha casa e como torcedor tive momentos maravilhosos de poder assistir grandes jogos e grandes decisões. Quando moleque,  aquele Fla-Flu de 63, que foi o maior recorde de público pagante, com mais de 177 mil torcedores, sendo o Flamengo campeão naquele ano ao empatar em 0 a 0 com o Fluminense. É lógico, como jogador, ali foi a minha história, pois o Flamengo mandava jogos lá, a possibilidade de fazer gols era maior e eu largava na frente dos outros. O Maracanã está ligado à minha vida.

Alguns jornalistas esportivos e muitos torcedores acham que ganhar uma Copa do Mundo é o ponto alto na carreira do jogador profissional. Você disputou os mundiais de 1978, 1982 e 1986. O que faltou, na sua opinião, para esse título?

Eu acho que uma carreira não é pautada só por títulos, conquistas, perdas. Então, nunca me preocupei com isso, essa questão de ganhar ou não uma Copa do Mundo. Seria bom, pois lutei para isso, a gente quando está disputando alguma coisa você quer sempre ganhar e trabalha para isso. Se não foi possível,  paciência! Grandes nomes da história do futebol não tiveram também essa possibilidade e outros que não representaram muito conseguiram estar num grupo que foram vencedores. Eu acho que o que dignifica a sua carreira é o teu comportamento, tua postura, teu modo de ser, o seu profissionalismo, eu acho que nesses pontos eu fui impecável. Então, para mim, não faltou nada e acho até que ganhei mais do que merecesse. A Seleção de 82 era uma seleção muito boa, todos os jogadores daquele time tiveram sucesso em suas carreiras individualmente, mas infelizmente não foi possível e no dia em que a gente não esteve bem acabou sendo eliminado. Naquele jogo erramos mais que o tanto no coletivo quanto no individual e diante de uma grande equipe como era a da Itália, eles não perdoaram a gente. Para você ver que o futebol é tão esquisito, que aquela partida foi a única oficial que eu perdi na Seleção Brasileira, juntando eliminatórias e Copas do Mundo. Disputei três Copas do Mundo: em 78, não perdermos, em 86 também não,  saímos nos pênaltis após empatar em 1 a 1 no tempo normal e eliminatórias também não. Então,  nem tive a felicidade de disputar uma final  e muitos outros jogadores perderam e foram campeões do mundo. No mais, essas coisas acontecem no futebol, não deixo de colocar minha cabeça no travesseiro e dormir. Fiz o que era possível fazer, mas Deus não quis, só me resta entregar nas mãos D’Ele e paciência. Mas minha carreira está aí para todo mundo ver, o quanto eu trabalhei, me dediquei na Seleção e nos times que joguei.


Arthur Antunes Coimbra, torcedor, nunca viu o Flamengo ganhar do Botafogo. Quando virou Zico, colocou dez jogos de vantagem nos confrontos, porém, em 1989, perdeu a final para o alvinegro. Afinal, o Glorioso foi ou não uma pedra na sua chuteira?

Não, o Glorioso não foi uma pedra na minha chuteira. Foi sim, muito importante e deu muitas glórias ao futebol brasileiro com times maravilhosos. Para se ter uma ideia, eu como torcedor, em 1962, vi o Botafogo ganhar a final contra o Flamengo com três gols do Garrincha e não saí chateado do Maracanã, pois o ‘Anjo das Pernas Tortas’ era a alegria do povo e era um cara que todo mundo gostava. O problema meu, em especial, era que o (goleiro) Manga, mexia muito com o torcedor do Flamengo e dizia que gastava a gratificação antes do jogo, pois tinha um time bom, então, ele passava no mercado antes dos jogos e fazias as compras. Na verdade, isso irritava um pouco a gente, torcedor, e aí,  talvez, tenha me deixado mais chateado. Tanto que quando comecei a jogar tinha mais gana de vencer o Botafogo do que qualquer outro time por causa dessa provocação, sempre que eu lembrava das palavras do Manga. O Flamengo era o único time que tinha menos vitória que o Botafogo e depois a gente equilibrou e botamos dez vitórias à frente. Hoje, o Flamengo está com uma boa vantagem em relação ao Botafogo. Sobre 89, o fato de perder ou ganhar uma final não tem nada a ver, não muda nada, o Botafogo não foi pedra na minha chuteira não. Tive mais alegrias do que tristezas jogando contra eles.

O que vem à sua cabeça quando você fecha os olhos e lembra o 6 de fevereiro de 1990, quando fez sua despedida oficial dos gramados no Maracanã?

O que vem à minha cabeça é o orgulho de ter representado bem o Flamengo em primeiro lugar, que foi quem me abriu às  portas para o futebol profissional. Depois, por onde eu passei, eu acho que o profissionalismo e a determinação com que encarei isso. Na verdade, eu já estava com a minha cabeça preparada para essa despedida. Chegou uma hora que meu corpo já não aceitava mais aquilo que eu comandava com a cabeça, e lógico, sempre há uma expectativa muito grande quando você atinge um alto nível na carreira. Mas havia chegado a hora de parar. Comecei a ter muitas contusões, a ser impedido de fazer uma das coisas que eu mais gostava, que eram os treinamentos. Mas foi uma despedida digna e um agradecimento especial à torcida que esteve lá presente no dia e muita gente se emocionou. Vi que tudo aquilo que aconteceu, acabou mostrando que minha carreira durante todos esses anos, valeu a pena em cada suor desprendido em minha trajetória no futebol.

Qual o gol mais bonito que você fez na carreira e o mais importante?

O gol mais bonito para mim foi o que eu fiz lá no Japão, que é chamado o ‘Gol de Escorpião’, pelo Kashima. Foi um gol de calcanhar ao contrário, difícil, e bonito pela plasticidade, onde deu tudo certo numa jogada entre eu, o Alcindo e o Carlos Alberto, quando ele deu o passe, eu já havia passado da bola, mas consegui dar um mergulho e puxar a bola com o calcanhar. Aí, o goleiro vinha saindo, então, a beleza foi na dificuldade. Dificilmente, você vê um jogador fazer gol igual a ele. Então, para mim, foi o gol mais bonito. E o mais importante, foi o de falta contra o Cobreloa, o segundo, na final da Libertadores de 81 e que selou ali o título. Eu sempre digo que todos os treinamentos que fiz de falta durante a minha carreira inteira, se eu tivesse só feito aquele gol, já teria valido a pena, ter desprendido o suor que eu desprendi para poder fazer aquele gol, que até aquele momento havia sido o título mais importante da história do Flamengo.


No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Zico?

Parabéns ao futebol por esse dia, mas o futebol é comemorado todo dia e não só no 19 de julho. Eu acho que o futebol representou tudo na minha vida, o que eu tenho, eu devo ao futebol. Não sei o que faria se não tivesse o futebol, é lógico, estudei para poder ter condições de se não desse certo fazer outras coisas, mas apareceu o futebol muito cedo. Então, o futebol representou tudo na minha vida.

Você já foi diretor do Flamengo em 2010. Pensa algum dia em ser presidente?

O período em que fui diretor do Flamengo em 2010 só serviu para fortalecer que eu não deva assumir nenhum cargo no Flamengo. E presidente, nem pensar!

O Flamengo levou 38 anos para ganhar uma Libertadores. O que você atribuí ao fato e qual o grande mérito deste Flamengo de Jorge Jesus?

Acho que o Flamengo teve times em condições de ter conquistado uma Libertadores, e se não conseguiu, no momento em que poderia se estruturar melhor, acabou não dando importância para isso. Quando se estruturou financeiramente, em termos de equilíbrio econômico, a parte de infraestrutura, aí, lógico que pôde fazer com que jogadores de grande nível pudessem vir jogar no Flamengo e num local de treinamento que não falta nada. Toda parte de tecnologia e condições de trabalho dos profissionais fez com que muita gente  tivesse gosto em voltar a jogar no Flamengo. E o Jorge Jesus, com a chegada dele, conseguiu mostrar aos jogadores, a  importância do que representa o Flamengo, do que é  jogar no Flamengo. Então, é lógico, que além disso tudo, mostrou um trabalho de campo excelente, com intensidade e com uma forma de jogar que conseguiu encaixar todos os jogadores. Uma coisa que facilitou foi que do time titular, oito jogadores passaram pela europa e já estavam habituados com os métodos de treinamentos e forma de jogar. Eu acho que você não pode numa resposta dizer todos os pontos mas eu acho que esses foram relevantes para que isso tudo acontecesse e o título da Libertadores voltasse ao Flamengo assim como poderia ter voltado o do Mundial também.

Na sua opinião, quem foi melhor: o Flamengo de 81 ou a Seleção Brasileira de 82?

Eu acho que o Flamengo de 81, porque era um time que treinava todo dia, já a Seleção de 82 se reunia de vez em quando, ficava três dias e tal, mas é diferente. O conjunto que o Flamengo de 81 tinha, lógico, muito melhor, e muitos daquele time poderiam estar naquela Seleção de 82, pois aquele time era uma verdadeira seleção. O único jogador do Flamengo de 81 que não foi para a Seleção foi o Lico, que jogava um futebol tão bom quanto os que foram. Eu acho que você não pode comparar um time que treina todo dia com uma Seleção que se encontra apenas de vez em quando. É lógico que, além da qualidade técnica, tinha um entrosamento que a Seleção de 82 não conseguiu.

Faltando ainda dois anos para a próxima Copa do Mundo você coloca o Brasil como favorito?*

Eu acho que antes de chegar numa Copa do Mundo, o Brasil tem que passar das eliminatórias, né? Hoje, há um equilíbrio muito grande e a Seleção Brasileira ainda está muito instável. Se o Brasil for para a Copa do Mundo, aí sim, poderá ser um dos favoritos como sempre acontece pela qualidade e pelo nível de seu futebol.

Os campos melhoraram, os materiais como chuteiras, caneleiras, meiões e camisas se desenvolveram. Tudo evoluiu para o jogador de futebol praticar o esporte, não é mesmo?

Nós não tivemos a infraestrutura que jogadores de hoje em dia têm, os campos maravilhosos, onde você não perde tempo para dominar uma bola, não precisa adivinhar se a bola vai para esquerda, para direita, se vai subir, se vai vir rasteira. Naquela época para jogar você precisava ser peladeiro mesmo, acostumado a jogar na terra, no paralelepípedo, tabelar com muro, com o meio-fio, quem não sabia fazer isso se complicava. Os jogadores de hoje são bons, têm muita qualidade, mas jogam de acordo com o que o futebol exige hoje para eles. Meu material na época, se chovesse, você saía do campo com 3 kg a mais de peso, ele encharcava. Até chuteira, era impossível qualquer jogador pegar uma chuteira nova e ir para o treino, para o jogo, você tinha que mandar alguém amaciar, geralmente a gente pedia para a garotada fazer isso. Hoje, não, você pega uma chuteira nova e já bota para jogar. Então, como você vai comparar essas épocas, com toda essa diferença? Não dá.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Covid-19?

Bom, eu tenho aproveitado minha casa, afinal de contas, foram mais de cinquenta anos de trabalho e construí um bom patrimônio. Pela primeira vez, estou há quatro meses sem sair de casa com a (esposa) Sandra, meus filhos, netos, e estou aproveitando esse momento família. Tenho feito minhas caminhadas no campinho aqui em casa, corrida na piscina, utilizando meu spa e a gente constrói um patrimônio e em virtude do trabalho,  acaba não aproveitando isso. Portanto, nesse período de pandemia, estou aproveitando minha casa, cuidando das minhas plantas, brincando com meus cachorros, olhando tudo, fazendo as mudanças que tenho que fazer e não sinto vontade nenhuma de sair de casa.


Como surgiu a ideia do canal no YouTube, o ‘CanalZico10’, que já conta com um milhão e duzentos mil inscritos?

A ideia do canal surgiu do fato de eu ter feito uma linda carreira e grandes amizades ao longo desses anos no futebol. Se você não tiver conteúdo, não adianta ter nome. Então, o importante foi que aquilo que eu consegui no futebol, com a possibilidade de fazer bons conteúdos, e lógico, um papo sempre gostoso, divertido, sem polêmica, onde os convidados falam de suas histórias e contam coisas engraçadas. A produção do canal criou uns quadros bacanas onde todos se divertem, então, se o convidado quiser falar o que quiser, ele fala, e não é induzido a nada e nem em polêmicas. Estamos satisfeitos, é muito trabalho que dá, mas tem sido muito legal e o mais importante é que as pessoas que têm sido convidadas tem esse prazer em bater esse papo com a gente. Então, conseguimos bons parceiros e procuramos sempre valorizar isso levando grandes convidados que têm histórias, principalmente dentro do futebol. Mas a gente leva de outras áreas também, pessoas que às vezes têm ligação com o futebol. Estamos felizes e tivemos oportunidade nesse tempo de quarentena conversar com muita gente que seria muito difícil devido ao fato do trabalho. Mas como estavam em casa, a gente conseguiu uma galera muito legal para conversar e participar lá no canal.

Faltou algo em sua carreira?

Bom, na minha opinião não faltou nada para minha carreira. Tudo o que eu recebi, está bom demais e eu não fico lamentando o que deixou de acontecer. Hoje, curto e aproveito tudo aquilo que me foi dado.

E para terminar: Defina Zico em uma única palavra?

Uma palavra que me define é determinação.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA EDINHO


Os pés de Edino Nazareth Filho, o Edinho, hoje com 65 anos; a bola e as areias das praias da Zona Sul do Rio viveram um ‘triângulo amoroso’ que começou na infância, aos 11 anos, quando os pais dele se mudaram da Zona Oeste do Rio para a Praia do Leme, um dos cartões postais da cidade.

Foi ali que o trio amoroso conviveu quase que diariamente, até 1969, quando Edinho (levado pelos pés dele) com 13 anos, ‘traiu’ a areia da praia num encontro com o gramado das Laranjeiras, onde junto com a bola, foi fazer um teste para a base do Fluminense.

Foi um novo ‘trio amoroso’ que se formou, uma paixão que os três viveram até 1989, quando os pés de Edinho e a bola tiveram uma recaída pela antiga paixão, e num ‘divórcio amigável’, abandonaram a grama dos campos, e voltaram para os braços da grande paixão da adolescência, a areia, onde o craque se tornou um dos grandes ídolos do futebol de praia do Brasil, nos anos 90.

“Era domingo, estava sem fazer nada em companhia de dois amigos, quando li no jornal sobre uma experiência no Fluminense. Nem meião eu tinha, o meu negócio era jogar descalço na praia. Consegui uma chuteira e fui. Cheguei lá e tinha mais de 200 garotos, com idade entre 13 e 15 anos. Apresentei-me como meio de campo. Fui escolhido de cara e me colocaram no treino dos efetivos do time na quarta-feira. Logo virei titular”, relembra o hoje coordenador de futebol do Tombense, de Minas, em entrevista para a série ‘Vozes da Bola’, do Museu da Pelada com a serenidade de quem fez 65 anos há três meses.

Com a camisa tricolor, a titularidade atravessou os anos e se estendeu aos profissionais em 1973, quando fez sua estreia, mas foi dois anos depois, num sábado de Carnaval, no dia 8 de fevereiro de 1975, que ao ritmo da bateria da Mangueira, a torcida do Fluminense invadiu o Maracanã para assistir a estreia de Rivellino, justamente contra seu ex-clube, o Corinthians, com um passeio de 4 a 1, com direito a hat-trick (3 gols) do camisa 10 tricolor.

Nascia ali, um jovem zagueiro que se tornaria símbolo e peça importante na engrenagem funcional daquele time, que um ano depois, seria batizado de ‘Máquina Tricolor’.

‘Máquina’ que de cara faturaria o bicampeonato carioca em 75 e 76, conquistaria ainda torneios amistosos fora do país e ficaria marcada por vencer o Bayern de Munique, base da seleção alemã campeã do mundo em 74, por 1 a 0 no Maracanã, com gol contra de Gerd Muller.

Fã de Gérson, o ‘Canhotinha de Ouro’, a quem confessa ter se inspirado no fino trato à bola e treinado exaustivamente para bater de esquerda quando necessário fosse, Edinho foi aos poucos consolidando seu futebol.

De atacante na areia, passou a treinar no meio campo da  bases tricolor, e depois, ainda no juvenil recuou para a zaga, onde se tornou um dos maiores da sua posição. Com um estilo clássico, parecia que ‘jogava de terno’, mas sempre mostrou garra e raça pelos estádios do Brasil e do mundo afora.

Maior que seu gol na decisão do campeonato carioca de 1980, contra o Vasco, foi o reconhecimento conquistado e a admiração de tricolores ilustres, como o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980); o jornalista Pedro Bial; o humorista Jô Soares e o músico Chico Buarque, fãs confessos do craque.

Das três Copas do Mundo que disputou, em uma delas, na de 86 no México, nas oitavas de final, marcou um golaço na goleada de 4 a 0 contra a Polônia, e teve uma atuação à ‘la Ruud Krol’, líbero holandês, em quem se espelhava.

“Me inspirei nele e gostava muito de vê-lo jogar. Era só um pouco mais velho, mas muito bom. Assim como um bom vinho italiano”, diria.

E como um ‘bom vinho nacional’, aos 32 anos, conquistou o título da Copa União de 87, pelo arquirrival Flamengo, já que fora desprezado pelo clube de coração que até hoje continua amando.

Venceu ainda a primeira edição da Copa do Brasil, disputada em 1989, por um outro tricolor, o Grêmio. Em 1990, após uma passagem de seis meses por um time amador, do Canadá, trocou os campos novamente pela areia, para defender a Seleção Brasileira de Beach Soccer.

O Museu da Pelada tem o prazer de entrevistar Edinho, um dos maiores ídolos tricolores de todos os tempos para a série ‘Vozes da Bola’.

Por Marcos Vinicius Cabral

Como foi sua chegada à base do Fluminense em 1969, com 13 anos?

Foi igual a de muitos garotos da minha idade. Aos 13 anos fui fazer uma peneira no clube e no primeiro treino passei. Daí, comecei a fazer parte do dente de leite, depois disso, cheguei até o profissional.


Cinco anos depois, aos 18, já estreava no time principal, fazendo parte do time que ganhou a alcunha de ‘Máquina Tricolor’ nos anos de 1970. Como era jogar entre tantas feras?

Uma experiência incrível. Foi muito bacana jogar num time de muitos craques, de muita experiência, e é claro, muitos jogadores campeões do mundo em 1970. No Fluminense tínhamos o (goleiro) Félix e o (lateral -esquerdo) Marco Antônio, e depois chegaram Paulo Cezar Caju, Carlos Alberto Torres, Rivellino, ou seja, um jogador jovem como eu era e tendo essa experiência na carreira em jogar com esses jogadores importantes no cenário do futebol, foi recompensador.

Com a camisa tricolor você foi campeão estadual em 1975, 1976 e 1980. Qual desses foi o mais difícil?

Ganhar título é sempre muito importante, mas não é fácil não, é muito difícil. Acho que título sempre tem uma importância na nossa carreira, na vida. Posso afirmar que todos os títulos foram importantes, mas o (Campeonato Estadual) de 1980, talvez tenha sido o mais significativo em função de ter sido o autor do gol do título. Se tiver que escolher um, é esse aí.

Medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos de 1975, no México, improvisado como lateral-esquerdo na Copa de 1978, na Argentina, reserva na de 1982, na Espanha, e capitão e autor de um golaço nas oitavas de final contra a Polônia, na de 1986, no México. O que faltou ao Edinho com a camisa da seleção brasileira?

Ganhamos a medalha de ouro no Pan-Americano em 1975 e 4° lugar nas Olimpíadas de Montreal, no Canadá, em 1976. Em seguida fui convocado para disputar as eliminatórias em 1978, jogando na minha posição, pelo Osvaldo Brandão. Mas, depois mudou o treinador (Cláudio Coutinho), e na convocação para a Copa do Mundo ele me chamou como lateral-esquerdo, o que acabou sendo uma novidade para mim, pois havia feito poucos jogos improvisado nessa posição. Mesmo tendo jogado bem, não era a minha posição e ele me convocou como titular da lateral-esquerda, na Argentina. É claro que foi muito difícil, ainda mais jogando uma Copa do Mundo, em uma posição que não é a sua, tendo outros jogadores da posição. Portanto, foi extremamente difícil, muitas críticas, as pessoas tentavam criticar o treinador e nominalmente me criticavam, mas eu entendi perfeitamente o quão difícil foi aquele processo. Em 1982, fui convocado como zagueiro, fui reserva do Luizinho, do Atlético Mineiro, e em 1986 fui capitão da equipe no México. Então confesso que foi muito bacana ter participado de três Copas do Mundo e vivido essas situações, em que eu poderia ter saído queimado em 78, aí fui convocado outra vez em 82, mesmo na reserva, e em 86, virei capitão da equipe, o que mostra o respeito ao profissional que fui. É lógico, também, que não dá para se ganhar sempre uma Copa do Mundo. O que faltou? Acho que esse título da Copa do Mundo, pois não é toda hora que a gente pode ganhar, mas foi recompensador jogar três Copas do Mundo, o que não é qualquer jogador, ainda mais em um país como o Brasil, onde muitos jogadores a toda hora despontam.

Em 359 partidas pelo Fluminense, você assinalou 34 gols. Tem algum que tenha sido marcante para você?

Fiz 359 partidas pelo Fluminense, fora os amistosos, e fiquei de fora de muitos jogos jogando pelas seleções, principalmente na principal, quando a gente concentrava muito tempo antes e ficava muitos dias afastados do nosso clube. Tanto que a CBD (Confederação Brasileira de Desportos), pagava o salário do jogador convocado. Sempre fui um jogador que fiz muitos gols, mesmo sendo zagueiro, pois me aprimorei nas batidas de faltas, no cabeceio, nas cobranças de pênalti e chutes de longa distância. Mas, posso selecionar como marcantes, o de 80, na decisão do campeonato carioca, quando ganhamos por 1 a 0, gol de falta; pelo Fluminense teve um contra o América, marcante também, e contra o Flamengo, de cabeça, ou seja, gols interessantes. Mas sem sombra de dúvidas, o de 80 foi o mais importante.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas lembranças como jogador no estádio?

Todo grande jogador prestou uma bela homenagem ao Maracanã, fazendo belíssimos jogos no estádio que fez 70 anos recentemente. Eu fico honrado em ter sido escolhido entre os 50 maiores que jogaram nesse Templo do Futebol. Isso não é para qualquer um não.

Em 1982 você se transferiu para a Udinese, da Itália, atuando ao lado de Zico, que chegou um ano depois. Por que aceitou jogar em um time considerado médio no futebol italiano?

Aceitei jogar na Udinese-ITA mais em função da situação em que me encontrava no Fluminense, né? O clube vivia um momento financeiro delicado e eu achava que o meu futebol poderia se dar melhor na Europa. Foi a primeira oportunidade que apareceu, ou melhor, na verdade, a segunda, pois a primeira foi o Olympique de Marseille-FRA, mas o Fluminense não quis me vender na época. A gente, o jogador, ficava preso sob a Lei do Passe, e éramos presos aos clubes. Com isso a possibilidade de ser vendido, ainda mais sendo um jogador ídolo como eu era no Fluminense, era pequena. Com isso, tive que montar uma estratégia e incluí no contrato uma cláusula em que eu pudesse me transferir para um clube por uma certa quantia no final do vínculo. Assim foi feito e acabei indo jogar em Udine, na Itália.


Quem foi seu melhor treinador?

O meu melhor treinador foi aquele que me ensinou muitas coisas, como fez o falecido Pinheiro, quando cheguei às Laranjeiras, nas categorias de base do Fluminense. Depois, sinceramente (pausa para pensar), encontrei muitos treinadores, mas treinador realmente, que a gente pode encher a boca e dizer que era treinador de verdade, aprendi muito pouco com eles. O Pinheiro foi exceção, o que me formou, aprendi muito com ele. Outro também foi o Enzo Ferrari, técnico da Udinese-ITA, e que o Zico também gosta muito, e que foi o nosso primeiro treinador na Itália. Esses dois, posso dizer que foram os meus melhores treinadores e com quem gostei muito de ter trabalhado.

Retornando da Itália para o Brasil, por que escolheu o Flamengo?

A ideia sempre foi voltar para o Fluminense, mas só que o Fábio Egypto, presidente do clube à época, não me aceitou de volta. Sabendo disso, o Flamengo me fez uma proposta, eu aceitei, e joguei no clube. Foi uma experiência muito legal. Fomos campeões da Copa União em 1987, num grupo muito coeso, ambiente maravilhoso e só craques no elenco. Tive a oportunidade de entrar em uma equipe altamente qualificada.

Tão qualificada que você formou uma zaga de respeito com Leandro. Como era jogar com ele?

O Leandro não era zagueiro de ofício, era lateral, mas era um craque de bola. O Leandro era um jogador que onde fosse escalado, ele jogava, e jogava bem. Jogar com ele na zaga foi muito legal e acredito que para ele também tenha sido uma experiência boa em ter jogado comigo, porque ele pode também se olhar bastante e ter esse entendimento como era jogar como zagueiro central comigo ao seu lado.

Ainda sobre 87 e seu período no Flamengo, você sempre foi considerado um jogador que marcava duro, mas sem ser desleal. O que realmente aconteceu entre você e Geovani naquele Flamengo e Vasco pela Copa União, em 1987?

Foi o seguinte: eu voltara há pouco da Itália e o futebol brasileiro vivia um pouco confuso, conturbado, muita desorganização. Até para o campeonato brasileiro foi difícil e a Copa União foi feita pelos clubes na marra… Então, não havia muita disciplina, e isso me marcou bastante, porque, a falta de punição, impunidade e tudo mais. Com o Geovani, foi um lance normal dentro de campo, onde eu caí, existia uma rivalidade muito grande entre Flamengo e Vasco, e eu caído no chão, ele me deu um soco no rosto, onde tive afundamento de malar. Passei por uma cirurgia e fiquei um mês parado, sem jogar futebol. Mas não tem nenhum tipo de problema entre nós, não!

O título da Copa União até hoje gera polêmica. Edinho é, assim como o Flamengo, campeão brasileiro de 1987?

Isso já foi decidido nos tribunais e se já foi decidido não é polêmica, se cria polêmica em torno de uma decisão. Independente de qualquer decisão judicial, todos nós, jogadores do Flamengo e que jogamos aquela competição, nos consideramos campeões. Nosso título foi conquistado com muita determinação, jogando contra grandes equipes da época e nada nos tira isso, ou seja, ganhamos dentro de campo e não fora dele. Espero ter respondido essa pergunta.

Quem foi sua grande inspiração dentro das quatro linhas?

Como jogador eu gostava muito do Gerson, o ‘Canhotinha de Ouro’, principalmente naquela fase no Botafogo. Lembro que eu gostava de imitá-lo e aprendi a chutar de canhota em função dele, porque nessa de tentar ser igual a ele, aprimorei muito em bater de perna esquerda. O Gerson foi um jogador em quem me inspirei bastante, não o seu jogo em si, até porque minha posição era outra, mas como jogador mesmo.

No Grêmio, onde foi capitão e ergueu a taça do título da primeira edição da Copa do Brasil de 1989, você jogou pouco tempo. O que houve?

Depois de passagens por Flamengo e Fluminense, cheguei no Grêmio, onde fomos campeões Gaúcho, sendo eu o capitão da equipe. Levantei a primeira taça da Copa do Brasil em 1989, e isso foi muito importante, pois o meu nome está marcado na história do clube, em uma competição que se tornou muito disputada, além do grande valor no calendário de competições do futebol nacional. Mas na verdade, no Grêmio eu joguei muito pouco, até porque a ideia inicial era ficar um ano apenas, aí eles queriam renovar meu contrato, não aceitei e retornei ao Rio de Janeiro.

Pela sua representatividade no futebol, principalmente no Fluminense, por que  pendurou as chuteiras em 1990, em um time amador de Toronto, no Canadá?

Porque surgiu a oportunidade – muito bacana por sinal -, depois que encerrei a carreira. O Toronto é um time amador, semiprofissional, e foi uma experiência inesquecível. Ali, fui jogador e um pouco treinador, onde ajudava o técnico da equipe em todos os sentidos. Foi bacana fazer essa transição de jogador para treinador, e em 91, eu já voltei para o Fluminense como treinador da equipe principal. Mas foi uma experiência muito legal mesmo, onde fiz um contrato de três anos e fiquei seis meses na equipe.

O que o futebol representou para o Edinho?

O futebol foi a minha vida, ou melhor, continua sendo a minha vida. Representou não, representa isso ainda, o futebol é meu dia a dia, onde desde meus 13 anos de idade, quando entrei no Fluminense, respirava 24 horas futebol. Hoje, na função de coordenador técnico, a minha vida continua firme em torno do futebol.


Você não renovou com a SporTV e está voltando a se envolver novamente com futebol. Depois de algum tempo, por que retomar a carreira de coordenador?

Eu fiquei durante sete anos como comentarista do SporTV, onde as coisas não funcionaram como eu achei que poderiam funcionar, e fiquei desmotivado na hora da renovação. Mas bem antes disso ocorrer, eu já começava a projetar a minha volta para uma função dentro de um clube. Te confesso que é o que sei fazer e o que gosto de fazer. Me preparei, fiz o aperfeiçoamento teórico-prático no Curso Licença A da CBF, promovido entre os dias 4 a 21 de maio do ano passado, em Águas de Lindóia, no CT Oscar Inn, e me coloquei no mercado de novo. Vim para o Tombense-MG não como técnico, mas para ser coordenador, o que eu acho, particularmente falando, uma situação interessante. A propósito, já desempenhei essa função no Athlético-PR e no Vitória-BA. Então, acho que está tudo dentro da minha expectativa, do que eu sei fazer, o que eu posso fazer, e estou aqui tentando colaborar ao máximo com meu conhecimento e experiência que tenho no futebol, para viver esse novo momento na minha carreira.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou morando aqui em Carangola, uma cidade na zona da mata, no interior de Minas Gerais. Aqui teve confinamento e toda aquela preocupação com o coronavírus. Mas na cidade, pessoas não ficaram trancadas e nem os comércios aqui, talvez, tenham ficado uma semana fechado no máximo. As coisas funcionam, mas com as devidas precauções e importância que têm que ter com esse vírus. Já fizemos testes, além de pouquíssimos casos registrados aqui na cidade e todos assintomáticos.

Recentemente, no aniversário de 118 anos do Fluminense, numa eleição com 100 jornalistas esportivos, que Fred foi apontado como o 2º maior ídolo do clube, só atrás de Castilho. Você ficou em 12° lugar. Te surpreendeu o resultado?

Esse resultado aí, nessa eleição de 100 jornalistas, não me surpreendeu mesmo. Por quê? Porque são gerações diferentes e o meu tempo passou e muitos deles que votaram, não me viram jogar, tem a cabeça mais fresca com as coisas da atualidade. Mas as pessoas da época, os mais antigos, certamente, se tivessem que votar, votariam em mim. No Fluminense, ídolo mesmo, jogador feito em casa, criado e chegado lá com 13 anos de idade, ter jogado em um dos maiores times de todos os tempos do clube, que foi a ‘Máquina Tricolor’, ser cria das Laranjeiras, isso aí é muito difícil de ser alcançado. Então, sei da minha representatividade nas Laranjeiras, representei muito bem as cores dentro de campo, me orgulhava de representar os torcedores, ou seja, é natural, até muito bacana terem me escolhido como 12° com 100 jornalistas votantes. Bacana mesmo, as pessoas lembrarem de mim, mas tenho a consciência de que o que vale mesmo, é a memória e a história. No Brasil e em alguns clubes também, o Fluminense não seria diferente, poucos reconhecem seus antigos ídolos. Então, achei legal.

Ainda sente saudades da época de jogador?

Na verdade, depois que parei de jogar futebol profissional, nunca senti saudades de nada. Nunca pensei em voltar no tempo, tipo “poxa, se eu estivesse aqui jogando!”, não, isso é passado e as coisas passaram. Estou vivendo um outro momento e sei o quanto foi bacana a minha época de jogador. No mais, ao encerrar a carreira, acabou, acabou mesmo… e não sinto saudades de absolutamente nada. Hoje, nem gostar de jogar futebol eu gosto, nem pelada eu bato mais. Então quer dizer, dentro de campo, o futebol não me faz falta.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ARTURZINHO


No dia 7 de setembro de 1983, há 37 anos, o Maracanã foi palco da coroação de Artur dos Santos Lima, o Arturzinho, como o ‘Rei Artur do subúrbio de Bangu e Moça Bonita’. 

Pois é, como diz o ditado, ‘Rei morto, Rei posto’. 

Fazia pouco mais de três meses que um outro Arthur (Arthur Antunes Coimbra), o Zico, havia abdicado do trono de ‘Rei da Nação Rubro Negra’, depois de 10 anos de reinado, para tentar conquistar outros súditos na Itália, sede do antigo Império Romano.

Quis o destino que a prova de fogo de Arturzinho pela conquista do trono de Moça Bonita fosse contra a Nação Rubro Negra. 

E ele não decepcionou. 

Fez 4 gols, um deles digno de um ‘monarca da bola’, na histórica vitória do Bangu por 6 a 2 sobre o Flamengo pelo Campeonato Carioca daquele ano. 

No lugar de Zico, no Flamengo, quem ‘comandava’ com a camisa 10 era Júnior, mas Arturzinho e seus ‘cavaleiros’ não tomaram conhecimento.

Poucos torcedores sabem, mas esta disputa  de ‘reinados’ que ocorreu entre o final da década de 70 e meados da década seguinte, está registrada nas páginas das crônicas esportivas. 

Os dois ‘baixinhos’ com o mesmo nome lideraram ’11 Cavaleiros da Redonda’ e se enfrentaram em vários campos de ‘batalhas’ do Brasil, um deles o ‘Maior do Mundo’, o Maracanã. 

De um lado, Arthur Antunes Coimbra, o Zico ou Galinho de Quintino, ‘Rei Primeiro e Único da Nação Rubro Negra’. 

Do outro, Artur dos Santos Lima, o Arturzinho, com súditos conquistados nos reinados das Laranjeiras, de São Januário, e outras ‘plagas’ do Nordeste e Centro Sul do Brasil, mas entronizado como ‘Rei Artur do subúrbio de Bangu e Moça Bonita’.

Com três anos de idade de diferença (Zico nasceu em 1953 e Arturzinho em 1956), e 10 centímetros na estatura (o Galinho tem 1,72 m, e Arturzinho 1,62 m), contam seus ‘súditos’ que os dois se igualavam em talento com a bola nos pés. 

Bem, hoje o ‘Vozes da Bola’ presta reverência a um deles: Arturzinho. 

Ele conta como enfrentou o preconceito pelo pequeno porte físico para o esporte e venceu dificuldades para conquistar seu reinado no futebol. 


“Ei, baixinho: pode sair! E não volte mais aqui!”, foi o que ouviu de um dirigente da Portuguesa-RJ, que apontou o portão de saída pra mim. Isso em 1969, quando eu tinha 13 anos e só tinha treinado 20 minutos”, relembra. 

Naquele dia, ele voltou para casa chorando e achou que só restava se contentar em jogar as peladas de rua no Caju, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, defendendo o Redentor, time que Seu Amaro, o pai, tomava conta.

Mas, logo depois conseguiu uma chance de treinar na escolinha de futebol de salão do São Cristóvão de Futebol e Regatas, onde ficou de 1969 a 1974, e despertou a atenção de olheiros do Fluminense, onde começou sua carreira profissional.

Hoje, além de treinador, com vários títulos conquistados, Arturzinho é proprietário do Centro Esportivo Social Arturzinho, clube que disputa à série C do Campeonato Carioca.

Por Marcos Vinicius Cabral 

Como vê o Bangu atualmente?

Eu torço muito pelo Bangu. Costumo dizer que no Rio de Janeiro, é o único clube que eu torço para que ascenda e volte a ser o Bangu da minha época, o que disputava títulos todo ano. Hoje, não concordo com a filosofia e nem com a maneira que o Bangu tem trabalhado nesses últimos anos. Na minha opinião, o clube deveria olhar mais para as categorias de base, formar atletas, e acho que o Bangu vem se contentando apenas em trazer, às vezes, jogadores que não atuam de forma convincente e com isso desperdiçando anos e anos sem revelar jogador nenhum. Acho que o Bangu, como uma equipe tradicional do Rio de Janeiro, deveria pensar mais na formação, e consequentemente, no futuro, com a contratação de atletas pontuais, visando formar grandes equipes e postular bons resultados, títulos, conquistas, e pensar na parte de cima da tabela. Hoje infelizmente, entra na competição para não cair, e isso não é da grandeza do Bangu.

Em 22 anos de carreira como jogador, tem duas partidas épicas e que são inesquecíveis para os torcedores do Bangu e do Vitória. Uma foi a goleada por 6 a 2 sobre o Flamengo, no Carioca de 1983, em que você marcou quatro gols. A outra foi o Ba-Vi histórico, em que o Vitória venceu por 1 a 0, mesmo com dois jogadores a menos. Foram realmente suas maiores atuações por clubes?

Foram dois jogos que marcaram muito a minha carreira, sem dúvida. Ganhar do Flamengo em 83, que era um equipe muito qualificada, em que eu tive uma noite muito feliz, fazendo 4 gols, isso fica marcado para o resto da vida e na história. O outro, foi um clássico entre Vitória e Bahia, em que o nosso time, com dois a menos, ganhou de 1 a 0, gol meu de cabeça. Então, são jogos inesquecíveis, e que o torcedor, tanto do Bangu, como o do Vitória, sempre comentam quando a gente tem oportunidade de reencontrá-los.

Ainda pensa em voltar a trabalhar como treinador?


Sim. Tenho inclusive um projeto, estou trabalhando diariamente nele e quando acabar essa pandemia, se aparecer uma oportunidade concreta e que valha a pena, eu posso voltar ao mercado. Eu acho que ainda tenho muito a dar ao futebol e espero que isso aconteça em breve, sem descartar em hipótese alguma, o meu projeto, muito pelo contrário, para que esse projeto seja mais conhecido e a gente possa revelar mais garotos para dar a oportunidades deles virarem profissionais.

Você teve uma passagem curta como treinador do Bangu em 2017, clube onde jogou por sete anos e se tornou ídolo. Por que ficou tão pouco tempo?

A minha passagem como técnico do Bangu, era a realização de um antigo sonho de dirigir o alvirrubro e tentar fazer história. Mas, infelizmente, tive alguns transtornos que fizeram com que ficássemos apenas um mês e pouco, onde a indisciplina imperava. Inclusive, um atleta de renome, queria mandar mais do que eu dentro da equipe, e para não prejudicar o clube e não me desgastar com esse atleta, achei melhor sair. Uma pena, pois é um clube que tenho um carinho muito grande e que eu queria muito fazer história como técnico. Mas Deus sabe o que faz.

Defina Arturzinho em uma única palavra?

Não consigo me definir em uma palavra, mas acho que a melhor definição seria: jogador de Deus! Com o meu tamanho, com o meu corpo, jogando de ponta de lança e ter feito história no futebol, só Deus mesmo, a quem tenho que agradecer sempre. Então, três palavras me resumem: jogador de Deus! Só Ele para justificar como eu virei jogador profissional de futebol.

Quem foi o seu melhor treinador?

Eu tive bons técnicos  com quem eu tive a oportunidade de trabalhar. Posso citar o Edu, irmão do Zico, o Zagallo, outro ótimo treinador, o Didi, que foi sensacional, teve também o professor  Pinheiro, que me marcou muito na época da minha formação no Fluminense e Seu Valdir e Seu Décio, ambos no São Cristóvão, pessoas que foram importantes para mim. Mas o que mais me identifiquei foi Carlos Castilho, ex-goleiro do Fluminense, com quem trabalhei três anos no Operário-MT. Ele me deu uma diretriz correta sobre o que era ser profissional, e dele, extrai alguns pontos e coloquei isso no meu trabalho como técnico de futebol.

Como tem enfrentado o coronavírus?

Estamos guardados dentro de casa e saindo muito pouco, com raras exceções, quando é necessário sair. Às vezes, caminho na praia e tentando conviver com alguns amigos mas de uma forma diferente, em virtude da distância. É lamentável que esse vírus tenha nos deixado em casa, sem contato com as pessoas e a gente torce para que isso acabe logo, ou então, que fabriquem uma vacina o mais rápido possível para voltarmos a ter a nossa vida de volta, além é claro, da convivência com àqueles que amamos.

Por onde você anda e o que tem feito?

Estou no Rio de Janeiro, esperando que essa pandemia acabe, aguardando esses protocolos aí, tanto da Prefeitura, como da FERJ, para reiniciarmos nossos treinamentos. O nosso clube treina no CFZ, de segunda a sexta, de 10h às 12h, e esperamos que tudo se regularize para voltarmos sem nenhum transtorno e tocar o nosso clube, que é um sonho pessoal em fazer dele uma referência na formação de jogadores no futebol brasileiro e com nosso DNA. Se Deus quiser, colocar muitos jogadores no mercado, com qualidade e princípios, e não só futebolísticos, mas com princípios de cidadãos.

Você é o único técnico que conquistou a taça da Copa do Nordeste pelo Vitória e pelo América de Natal em 1997 e 1998, respectivamente. Por que sua carreira de treinador não decolou?

Além desses títulos na Copa do Nordeste, em 97, 98, ganhei campeonatos goianos, conquistei títulos no Joinville, fui campeão na segunda divisão pelo América-RN e outros títulos significativos. Eu acho que a minha carreira não decolou, primeiro porque não tenho empresário, segundo, que meus princípios vão na contramão do que é empregado pelos clubes brasileiros. Tem que ser complacente, maleável, para poder sobreviver, e eu não abro mão dos meus princípios, do meu comando, da minha diretriz, independentemente de, às vezes, até perder o emprego. No Brasil, isso é quase uma condenação das pessoas que têm esse tipo de conduta, mas não me arrependo, até porque faz parte do processo. O mais importante disso tudo é que deito a cabeça no travesseiro e durmo tranquilo.

Você fundou em maio de 2000, o Centro Esportivo Social Arturzinho, dois dias depois do seu aniversário. Era um sonho ter seu próprio clube de futebol?

Eu costumo dizer que realizei alguns sonhos. O primeiro, ter sido jogador de futebol profissional, e graças a Deus, consegui, e depois, ser técnico de futebol, que consegui também. Ser jogador e técnico com excelência, conquistando vários títulos. Depois, um outro sonho que tinha, era ter um clube meu, com meus princípios, minha metodologia e filosofia de trabalho, com ideias que tenho no futebol e agora estou realizando este outro sonho. O clube foi fundado em 2000, mas na época, não estava focado apenas nele, já que estava trabalhando como técnico Brasil afora, mas agora, um pouco mais voltado para isso, bem focado, estou tocando o  

Centro Esportivo Social Arturzinho. Lá sou presidente, técnico, massagista, roupeiro e é uma coisa que me envaidece muito, me deixa muito feliz, pois estou realizando um sonho. Vale frisar, que o meu sonho, possibilita realizar o sonho de outros tantos garotos, que assim como eu, quando garoto, tinha essa vontade em se tornar atleta de futebol profissional. Sinceramente falando, espero que isso dê certo, porque não é somente a parte financeira, é questão de se ter uma oportunidade.

No final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, você voltou a atuar com destaque com a camisa do Vitória. Como foi esse período?

Eu cheguei no Vitória em fim de carreira, com 36 anos e tive atuações espetaculares. Eu costumo dizer que no Operário-MT, no Vitória, no Bangu, no Vasco, no Fortaleza, eu fiz partidas fenomenais e tive a honra de vestir a camisa grandiosa do Vitória. Estava nesse momento que cheguei em má situação em relação à credibilidade nos torcedores e conseguimos resgatar isso. Subimos da série B à A e depois fomos campeões baianos em 92, eu jogando e sendo artilheiro da equipe e do campeonato. Eu tenho as melhores recordações desse lugar e até hoje, tenho boas lembranças dessa equipe quando vou em Salvador. Confesso, que tenho um carinho especial pelo Vitória e sei o carinho que a torcida tem por mim, e espero que o clube recupere e volte à elite do futebol brasileiro, pois é um time de primeira grandeza.

Recentemente o futebol brasileiro perdeu a irreverência do ex-ponta Marinho, o Bangu perdeu um ídolo e você perdeu um grande amigo. Como foi jogar com ele e como era sua ligação com ele?

O Marinho foi um amigo e irmão, que o futebol me deu. Mesmo de longe ultimamente, eu sempre lembrava dele e torcia para que se recuperasse em todos os níveis, não só clinicamente, mas também emocional e de autoestima. Vou confessar aqui, que a primeira vez na vida que eu chorei por causa de um amigo, foi quando nos reencontramos em Belo Horizonte, depois de bastante tempo sem vê-lo. Marinho foi o maior jogador com quem eu tive o privilégio de jogar, apesar de ter jogado com Pintinho,  Rivellino e outros grandes jogadores. Mas o Marinho era diferente, foi o mais completo de todos, em todos os sentidos, ele driblava, lançava, cabeceava, batia bem com os dois pés, era veloz, inteligente, sabia fazer gols como poucos e um jogador completo. Nunca senti tanto a perda de um amigo como foi a sua morte. No futebol, eu cumprimentava a todos normalmente, mas o Marinho, eu fazia questão de beijá-lo no rosto. Infelizmente, foi uma perda muito grande, um cara que só trazia alegria, um bom astral, uma irreverência, e uma felicidade que transbordava. Que Deus o tenha, pois ele merece o melhor lugar do mundo pela pessoa que ele era, por sua simplicidade e sua humildade.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

Eu tenho as maiores e melhores lembranças. Minha primeira vez no Maracanã, foi na final do Campeonato Brasileiro em 74, entre Vasco e Cruzeiro, onde eu era juvenil do São Cristóvão e fizemos a preliminar enfrentando o próprio Vasco. Até hoje, não esqueço aquele dia, estádio lotado, e eu, com meus companheiros, jogando em um grande evento como foi aquela final. Depois, fiz belas partidas pelo Vasco, pelo Bangu, marcando gols importantes e que valeram títulos, como na final da Taça Rio de 87, contra o Botafogo, em que fiz dois gols, os quatro contra o Flamengo em 83, um time super campeão. Jogar no Maracanã era diferente, só quem jogou naquele palco pode dizer a magia que era aquilo ali.

Você viveu uma das melhores fases de sua carreira jogando no Operário-MT. Que recordação você tem dessa época?

Em relação ao Operário-MT, tenho as melhores recordações possíveis. Sou considerado em Mato Grosso do Sul, um dos maiores atletas de todos os tempos que já passou por lá. Em relação a títulos, nunca perdi nenhuma decisão com a camisa do clube e meu retrospecto é muito bom. Cheguei lá com 22 para 23 anos, totalmente focado em jogar futebol e tendo nos treinos um desempenho exemplar. É um clube que adoro, está em meu coração eternamente e que torço até hoje, para voltar aos seus momentos de glórias, e foi um clube que me formou praticamente junto com o Fluminense. Foi ali inclusive, que comecei a jogar como titular pela primeira vez de verdade e com a responsabilidade em tentar fazer o meu melhor para algum clube. Então, eu sou muito agradecido ao Operário-MT e estou na expectativa que volte a ser o grande time dos anos de 1970 e 1980.

Em 1984, você foi contratado pelo Corinthians com a enorme responsabilidade de substituir Sócrates, na época negociado com a Fiorentina, da Itália. Como foi vestir a camisa do Timão?

Ter vestido a camisa do Corinthians, foi uma coisa que me deixou muito envaidecido. Talvez, por alguma circunstância extra campo, como o nascimento da minha filha e ela não podia ir para São Paulo ficar comigo, isso me tirou um pouco o foco. Admito, que não fui tão profissional como deveria ser no Timão. No primeiro semestre fui bem, mas no segundo, não. Joguei apenas um ano no clube, não tive muitas oportunidades e também não merecia tais oportunidades, porque não estava focado no clube. Infelizmente, é algo que lamento, me entristece e me deixa até certo ponto, sabendo que fiquei devendo ao tratamento que me deram. Mas não fui no segundo semestre, nem metade do jogador que fui jogando lá, nos primeiros seis meses. E jogar no lugar do Dr. Sócrates,  um craque excepcional, era uma cobrança muito grande, apesar de não ter sido esse o motivo de não ter rendido o que esperavam de mim. Mas apesar do Corinthians ter me recebido com muito carinho, minha cabeça não estava boa. Infelizmente.

Ainda em 1984, você jogou uma única vez pela Seleção Brasileira, no amistoso contra o Uruguai, no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, e fez o gol da vitória. Na sua opinião, por que não teve uma sequência?

Vestir a camisa da Seleção Brasileira foi outro sonho que realizei. Por mais que alguma vez eu pensasse que isso seria impossível pela qualidade dos atletas da época, da minha geração. Foi apenas uma partida sim, em 84, eu tive a felicidade de jogar e fazer o gol da vitória, é uma coisa inesquecível. Jamais,  confesso, pensei em ter essa oportunidade, e quando a tive, graças a Deus, pude mostrar o meu valor. No entanto, jogar na Seleção Brasileira, que é considerada o país do futebol, com os maiores jogadores do mundo aqui, você é um privilegiado. Acho que, se não tive a sorte de ter a sequência de jogos, porque, depois eu fui para o Corinthians e na época, as convocações demoravam quase um ano para ter outros jogos e não tive outras chances, infelizmente. Já em 85, numa outra convocação, estava machucado. Mas eu sou muito agradecido a Deus, em ter vestido a amarelinha, representado o país, mesmo que tenha sido por apenas uma partida.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que esse esporte representou para o Arturzinho?

O futebol é tudo na minha vida. Sou uma pessoa melhor, um ser humano melhor, isso, porque eu joguei futebol. O futebol nos prepara para a vida, nos dá uma disciplina, um conhecimento de vitórias e derrotas e desde cedo, te prepara para ser uma pessoa mais capaz de ver as intempéries da vida, e, consequentemente, ter menos dificuldade de ultrapassar as barreiras. Agradeço a Deus pelo dom de jogar futebol e digo que, através desse dom, pude realizar sonhos, alguns materiais e outros, mais significativos, praticando esse esporte.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA BOBÔ


Quando ouviu pela primeira vez os versos “Quem não amou a elegância sutil de Bobô?” – um dos refrões da música ‘Reconvexo’, composta por Caetano Veloso em 1989 e interpretada por Maria Bethânia -, Raimundo Nonato Tavares da Silva, quase não acreditou. 

O apelido, que ganhara ainda na infância, por conta da irmã bebê, que não conseguia pronunciar seu nome, era eternizado pelo compositor baiano, no mesmo ano em que ele se eternizava como ídolo do Esporte Clube Bahia.

O Raimundinho, como também era chamado quando moleque, correndo atrás da bola nos campos de várzea da cidade de  Senhor do Bonfim, pediu para ser ‘beliscado’, sem acreditar na homenagem.

Assim como teve que, ele mesmo se ‘beliscar’ várias vezes, até ver o seu apelido improvável para o nome de um jogador de futebol, ovacionado pela torcida do Tricolor da Bahia. 

Mas nem sempre foi assim. Sete anos antes, quando ele atuava pela Catuanse-BA, e o time enfrentou o América-RJ, no Maracanã, em jogo válido pela Taça de Prata de 1982 (segunda divisão nacional), o apelido Bobô foi motivo de chacota.

Na ocasião, o repórter e comentarista Washington Rodrigues, então na ‘Rádio Globo’, não conteve a gargalhada: “O time baiano tem até Bobó”, debochou o radialista, fazendo alusão do prato típico baiano ao craque da camisa 7.

Pobre Apolinho, que tempos depois teria que se ‘beliscar’ ao ter que aplaudir a elegância’ e a  qualidade técnica do franzino e habilidoso Bobô.

O filho de Florisvaldo Tavares da Silva, o Seu Flori, e Antonieta, a Dona Tieta, se transformou num dos maiores ídolos da história do Bahia, chegou à Seleção  jogando num time do Nordeste, fato raro na história futebolística do país.

Em meio à pandemia de coronavírus, nosso quinto personagem é Bobô, que isolado em sua ‘terrinha’, conversou por telefone com o Museu da Pelada e deu seu depoimento para a série ‘Vozes da Bola’.

Por Marcos Vinicius Cabral

Como foi o seu início de carreira?


Como profissional foi na Catuense-BA, aos 17 anos, e no amador em Senhor do Bonfim, onde nasci, jogando o campeonato intermunicipal. Competição muito importante, quando eu tinha 14 anos. Foi a primeira oportunidade que tive no futebol, e que me levou para jogar por quatro anos na Catuense, de Lagoinhas.

É verdade que você adorava jogar com a camisa 8 e se sentia desconfortável jogando com outros números?

É verdade. Eu sempre gostei de jogar com a camisa 8, mas é claro que isso foi com o passar do tempo. No início mesmo de carreira, no primeiro clube que joguei profissionalmente, eu jogava com a camisa 7, na Catuense. No segundo ano de profissional, na mesma Catuense, aí sim, jogando mais por dentro como meia-direita, escolhi a número 8. De lá pra cá, nos clubes em que passei, sempre pedia para usá-la. Com exceção de um ou outro clube, que já tinha o número definido. Mas a camisa 8 era um número simbólico para mim e até hoje fazem essa referência do número comigo.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Eu tive dois grandes jogadores como referências no passado: Zico e Careca. O Careca, que jogou no Guarani, e depois no São Paulo, era um meia-direita, grande jogador, qualidade técnica muito grande, eu adorava vê-lo em campo, além de ter sido  inspirador. O outro foi o Zico, que é referência para todo mundo, não só como atleta, mas também como cidadão. O Zico passava coisas boas para todos, além de jogar muita bola. Para mim, especialmente, era referência como jogador e com seu comportamento dentro e fora de campo. Esses dois foram minhas maiores referências no futebol.

Quantos gols você fez em toda sua carreira?

Eu acho que fiz quase 300 gols, segundo uma estatística feita por uma pessoa aqui na Bahia. É bom lembrar que comecei a jogar profissionalmente com 17 anos e esses gols são daí pra frente. Nessa estatística, não entram os gols na base, que eu não fiz.

Qual a importância de Evaristo na conquista do Brasileirão prlo Bahia em 1988 e como foi trabalhar com ele?

O Evaristo foi um dos grandes responsáveis pela conquista de 88. Não só do título em si, mas também da montagem da equipe. O Bahia era um time que veio montado de 86, 87 e 88, mas quando o Evaristo chegou em 87, ele mudou a forma de jogar da equipe, mexeu em algumas peças do time e ousou na forma de jogar. Tornou a equipe agressiva e que jogava um futebol veloz, alegre e para frente. O Bahia se prevalecia do conceito de futebol adotado pelo nosso treinador. O Evaristo foi um grande técnico, particularmente, um dos mais  importantes do futebol brasileiro. Nós sabemos muito da sua importância naquela conquista e sabemos o quanto não foi fácil assumir o Bahia, no Nordeste, ganhar de todo mundo e se tornar  campeão. Foi em um momento difícil, porque pouco se pagava aos treinadores, ainda mais times menores ou do Nordeste, mas ganhamos graças ao grande trabalho dele e da comissão técnica.Tenho um orgulho muito grande de ter convivido com ele, além de ser um amigo.

Em 1988 você estava em grande fase e ganhou o prêmio da Bola de Prata. Foi o melhor ano da sua carreira?

O ano de 88 foi muito importante para mim. Além de ganhar o título de campeão Brasileiro, ganhei a Bola de Prata e fui escolhido pela ABCD (Associação Brasileira de Cronistas Desportivos) como o melhor jogador daquele ano. Isso me levou a ser convocado para a Seleção Brasileira. Não tenho dúvida alguma de que foi um grande ano e vivi um grande momento na carreira. Quando você tem a oportunidade de conquistar um título Brasileiro, jogando por um clube do Nordeste e se destacar, obviamente, a gente tem que estar agradecido também.

Depois você passou por São Paulo, Flamengo, Fluminense, Corinthians e Internacional, antes de voltar ao Bahia e encerrar a carreira. O que não deu certo nesses outros clubes?

Depois do Bahia eu joguei no São Paulo, e lá fiquei dois anos. Tive a felicidade de ser campeão Paulista em 89, mesmo ano em que pelo Bahia, meses antes, havia sido campeão Brasileiro. Estranho, né? Mas são coisas desse calendário maluco do futebol brasileiro. Em 89, por pouco, não conquistei três títulos no mesmo ano, já que me tornaria campeão Brasileiro por dois clubes diferentes: Bahia em fevereiro e São Paulo em dezembro, mas enfrentei o Vasco na decisão de 89, e fomos derrotados por 1 a 0, gol de Sorato, no Morumbi. Com o Flamengo fui campeão da primeira Copa do Brasil, depois, em 90, ganhei a Taça Guanabara com o Fluminense… enfim, tive o privilégio de disputar títulos que eu considero importantes. Mas tive dificuldades em alguns desses clubes em que joguei, em função até das lesões musculares que me acompanharam na carreira. Mas tive carinho por todos eles e o Fluminense, em especial, porque meu pai era torcedor e quando era vivo, me convenceu a ir jogar lá, quando saí do São Paulo. Não me arrependo e gostei muito em ter passado esse período nas Laranjeiras, em um clube maravilhoso. Já no rival, o Flamengo, joguei pouco tempo é verdade, apenas seis meses, mas foi uma fase bem interessante antes de voltar para São Paulo e ir para o Corinthians e depois Internacional. Então, em todos eles eu tive momentos felizes. Depois, voltei para encerrar a carreira no Bahia, porque eu queria que fosse no clube. Estava com 34 anos e em virtude das lesões, cirurgias, acabei precocemente parando. 

Por que você, Charles e Zé Carlos passaram a ser convocados para a Seleção Brasileira, mas não tiveram muitas chances com Sebastião Lazaroni?

Eu tive três com (Sebastião) Lazaroni, mas foi um ano difícil, pois naquela época, chegar à Seleção já era muito difícil, sobretudo jogando em um clube do Nordeste. Na verdade, se convocava mais jogadores do Sul e Sudeste, né? Nesse ano, nós fomos um pouco mais ousados e o Bahia foi o melhor time do futebol brasileiro, sagrando-se campeão e a CBF, tinha por obrigação convocar alguns jogadores do nosso time. Eu tive essa chance em algumas oportunidades, e o Charles e Zé Carlos, também. Mas falaram oportunidades maiores naquele ano e acho que nós três poderíamos ter ao menos, jogado uma Copa América. Infelizmente, ele (Sebastião Lazaroni) já havia definido o grupo que iria disputar a competição. Disputei alguns jogos que antecederam a Copa América, em amistosos, contra o Peru, o Paraguai, enfim… mas ele já havia definido o grupo que disputaria a Copa América e desse grupo, 80, 90% ria para a Copa do Mundo da Itália, em 1990.

Caetano Veloso, célebre torcedor tricolor, eternizou a ‘elegância’ de Bobô no futebol, na música ‘Reconvexo’. Como foi virar música do compositor baiano?

Pois é. Isso é uma honra muito grande para mim ser cantado em versos por Caetano Veloso, numa música linda por sinal, a ‘Reconvexo’. Até hoje é um sucesso na voz de Maria Bethânia. Brinco, dizendo que estou imortal por conta dessa música e dessa homenagem que ele fez. Sou muito grato e algumas vezes estive com ele e agradeci por esse momento, essa grande homenagem. É claro que a gente fica orgulhoso com isso, afinal de contas, estou sendo homenageado por Maria Bethânia numa composição de Caetano Veloso. Aproveito essa entrevista para agradecer aos dois, mais uma vez, por eu ser imortal (risos).

O canal SporTV reprisou  jogo do Bahia contra o Fluminense, pela semifinal do Campeonato Brasileiro de 1988. Na sua opinião, foi um dos jogos mais difíceis na caminhada ao título do Campeonato Brasileiro?

Foi bacana lembrar de 31 anos atrás, e confesso, não me lembrava muito dos lances, porque foi na íntegra, ou seja, os 90 minutos. Assisti ao jogo e foram jogos difíceis, né? Esses contra o Fluminense foi muito complicado para a gente, mas não acho que tenha sido os mais difícil. Fizemos dois jogos contra o Fluminense no Rio, um no Maracanã, que foi 0 a 0, e poderíamos até ter vencido esse jogo e fomos muito bem, e no segundo, começamos perdendo e viramos. Mas eu acho que o jogo contra o Sport-PE, eu considero o mais difícil pela rivalidade do Nordeste. Foi 1 a 1 lá em Recife e aqui 0 a 0, indo para prorrogação até. Nos classificamos para enfrentar o Fluminense na semifinal nessa prorrogação contra o  Sport-PE. O jogo contra o Fluminense foi legal porque teve o maior público da história da Fonte Nova, com 110 mil pagantes.

Queria que falasse um pouco sobre o ‘Dignidade dos Ídolos’. Como foi criado e qual o objetivo do programa?


O ‘Dignidade dos Ídolos’ é um projeto criado pelo presidente do Bahia, Guilherme Bellintani. Na época, ele me convidou e achei espetacular, porque era algo que entendia que tinha que acontecer um dia e espero que os demais clubes copiem Mas, não só fazer uma festa de comemoração de um título importante ou reunir os ex-atletas. A gente sabe que a maioria dos jogadores de futebol, independente de ter passado por grandes clubes, não ganhou dinheiro suficiente para ter uma estabilidade financeira. Os jogadores do passado precisam de apoio e quando o ‘Dignidade dos Ídolos’ foi criado, para nós, ex-jogadores, foi muito bacana. Hoje, esse projeto beneficia seis ex-atletas, como o Zanata, que mora no Rio, o Maílson, que infelizmente está acamado. Atualmente, esses jogadores precisam desse auxílio, que é um salário mensal, e é um reconhecimento do clube pelo trabalho desses ex-atletas. O bacana foi que eles ganharam não só uma placa ou aplausos, mas tiveram de volta a dignidade, já que esses caras destinaram uma boa parte de suas vidas ao clube e construíram uma história bonita. Eu acho que essa reciprocidade é difícil acontecer nos outros clubes, mas no Bahia está acontecendo. Eu, particularmente, tenho muito orgulho, de alguma maneira ter feito parte disso, em reconhecer esses ex-atletas em um debate com o presidente do Esporte Clube Bahia.

Defina Bobô?

Não sei dizer exatamente. Talvez um cara persistente, talvez vitorioso na carreira, onde sou grato ao futebol como falei, pois tive a felicidade de jogar em alguns clubes importantes no Brasil e neles ser campeão. Eu acho, que isso na realidade, acaba de uma maneira dando credibilidade a uma carreira de dezessete anos. Então, poderia definir a pergunta, nas oportunidades que tive na maioria dos clubes, em que aproveitei muito bem. De alguma forma, fui recíproco com essas oportunidades.

Qual o gol mais importante que você fez na carreira?

Eu tive a felicidade de marcar alguns gols importantes pelo Bahia, e, sobretudo no Campeonato Brasileiro. Não só no de 88, mas no meu primeiro ano de clube. Em 86 ganhei uma placa na Fonte Nova, com o gol mais bonito do estádio. Em 87, 88, nos jogos finais, esses gols, óbvio, ajudaram muito o Bahia a ser campeão Brasileiro. Realmente foi um título espetacular.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?


Esse isolamento tem sido difícil para todo mundo, ou seja, ficar isolado não é bom. Ficar sem poder cumprimentar, conversar, e abraçar as pessoas, não é legal. São mais de quatro meses desse isolamento social, e é claro que, o início foi mais fácil do que tem sido agora, mas está dando para levar. Acho que é a única maneira ainda que temos de superar esse vírus e manter esse isolamento social. Sair, só se for extremamente importante, usar máscara e álcool em gel sempre. Eu tenho feito isso mas na expectativa da gente  voltar ao nosso ‘novo normal’.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

O primeiro jogo que eu fiz no Maracanã, foi jogando pelo Bahia, na década de 1980. É um estádio maravilhoso e sempre foi referência no Brasil e no mundo. Todo atleta tinha dois desejos: vestir a camisa da Seleção Brasileira e jogar no Maracanã! Mas todos os jogos que fiz, jogando pelo Bahia, depois São Paulo, Flamengo e Fluminense, são jogos que tenho na lembrança e, sobretudo, quando joguei no Campeonato Carioca, nos Fla-Flus por exemplo, é inesquecível. Tive o privilégio de jogar no estádio, jogar e fazer gol em Fla-Flus, e isso, marca muito, ainda mais sabendo a importância do clássico no futebol brasileiro.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Bobô?

Essa data é especial na vida de quem joga futebol ou já jogou. O futebol representa muito na vida de todos e na minha em especial, porque essa estrutura que eu tenho hoje, como cidadão, eu credito muito ao futebol. Esse 19 de julho, que se comemorou o Dia Nacional do Futebol, representa muito e sou muito agradecido. Sempre faço questão de dizer em entrevistas que o futebol me projetou e o que ele me proporcionou, seja não só estabilidade financeira, que isso eu não tenho, pois continuo trabalhando, mas sobretudo, na condição de fazer com que você conhecesse pessoas, cultura, lugares, jogar nos maiores clubes do futebol brasileiro e cheguei à Seleção. Inclusive, virei ídolo de uma geração, e isso para mim, é motivo de orgulho e agradecimento. Obrigado ao futebol e graças a Deus, por ter me dado o dom de ter jogado futebol e o que ele me proporcionou como cidadão. Agradeço aos clubes por onde joguei e aos ex-companheiros.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA DELEY

por Marcos Vinicius Cabral


Na noite de 11 de dezembro de 1983, com o testemunho de 83 mil pessoas, Wanderley Alves de Oliveira, o Deley, filho de Seu Sebastião, um metalúrgico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, mostrou que era mais do que um ‘operário’ da bola. 

Não que isso fosse um demérito.

Mas, depois de fazer parte do ‘timinho’ do Fluminense, campeão Carioca de 1980, o ‘operário’ Deley virou um dos protagonistas do escrete tricolor que conquistou o tri carioca de 83, 84 e 85, além do Campeonato Brasileiro de 1984.

As imagens do lance que originou o gol de Assis, aos 45 minutos do segundo tempo daquele Fla x Flu de 83 estão eternizadas nas retinas de todos os tricolores, vivos ou mortos.

Apesar de naquela noite, Assis ter se consagrado e dado o primeiro passo para se transformar no ‘carrasco’ do rubro negro, foi o ‘operário’ Deley que consolidou seu ‘reinado’ nas Laranjeiras.

E conta a história, que tudo podia ter sido diferente.

Com 12 anos, Deley treinava na escolinha da CSN, quando Jaime Valente, professor de uma universidade de Volta Redonda, levou Deley e outros quatros meninos para treinarem no Flamengo.

Oficialmente não se sabe porque Deley não ficou.

Mas os deuses do futebol explicam.

É que, quatro anos depois, em 1976, a ‘Máquina’ do Fluminense com Gil, Carlos Alberto Pintinho, Rivelino e Paulo Cezar Caju, entre outros, foi à Cidade do Aço enfrentar o Volta Redonda.

Na preliminar, se enfrentaram Barra Mansa e Comercial, pelo Campeonato Amador do estado do Rio, e Deley, então com 16 anos, com a camisa do Barra Mansa, encantou os craques da ‘Máquina’, que o indicaram para o dirigentes tricolores como um discípulo de Gerson, o ‘Canhotinha de Ouro’.

Conciliando o futebol com os estudos, Deley começou a aparecer para a torcida tricolor no ‘timinho’ do Fluminense de 1980 que desbancou Flamengo, Botafogo e Vasco, com quem decidiu o título e se tornou campeão Carioca.

Nessas coincidências que o mundo da bola proporciona, em dezembro daquele ano ‘nascia’ o ídolo Deley e morria outro, o escritor Nelson Rodrigues, não sem antes presenciar o inesquecível camisa 8 conquistar o título estadual.

Na série Vozes da Bola, que comemora o Dia Nacional do Futebol, o Museu da Pelada traz um pouco da história do nosso quarto personagem, craque inesquecível, que além do Tricolor jogou pelo Palmeiras, Botafogo, Volta Redonda e times de Portugal.

Deley, quando você decidiu que ia ser jogador de futebol?

Meu pai era funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), aqui em volta Redonda. Começou como servente, mas sabia que para ascender na empresa e poder dar mais conforto a família teria que estudar. Eu tenho um irmão com paralisia infantil e meu pai fez cursos, se formou em Contabilidade, e foi promovido a chefe de seção. E como a maioria de filhos de operários, naquela época a gente se enxergava seguindo a trajetória do pai. Eu já me enxergava como alguém que ia trabalhar na CSN.

E o que houve para mudar seu destino?

Eu, como filho de funcionário, treinava no campo da CSN, na escolinha do professor Irlei, e o Jaime Valente, que era professor de uma universidade de Volta Redonda, selecionou eu e mais quatro garotos para participar de um treino na Gávea, no Rio. Foi minha primeira viagem ao Rio e assisti Zico e Geraldo treinando. Minhas pernas tremeram para burro. Isso foi em 1972, e continuei atuando em times amadores de Volta Redonda. Até que em 1976, quatro anos depois, o Fluminense de Pintinho, Gil, Rivellino e Paulo Cezar Caju, a ‘Máquina Tricolor’, veio enfrentar o Volta Redonda aqui e eu joguei na preliminar entre Barra Mansa e Comercial. Foi uma noite inesquecível. Eles me viram jogar e me indicaram para o técnico. Chegando nas Laranjeiras, tive a oportunidade de ser treinado pelo Pinheiro, que me ajudou muito.

Então, aos 12 anos você treinou na Gávea, e se encantou com Zico e Geraldo. Anos depois, em 1980, no seu primeiro Fla-Flu, e nos seguintes da década de 80, você participou de jogos memoráveis. Enfrentar o Flamengo era especial?

Sem dúvida. Na verdade, no meu primeiro Fla-Flu, em 1980, entrei no lugar do zagueiro Tadeu. Naquele ano eu havia sido efetivado pelo Nelsinho, porque o Pintinho havia ido para o Vasco. E moleque novo, entrando naquela onda de que o Zico ‘pipocava’, uma tremenda imbecilidade. Mas foi bem feito, porque acabei tendo a resposta do que deve ser o futebol. Tomei um chapéu com mais de 100 mil pessoas assistindo, mas depois me recuperei, pois aquilo me irritou e me incentivou a apenas jogar bola. Joguei outros Fla-Flus naquela década. Em 1985, quando fomos campeões no final, antes teve aquele jogo do gol do Leandro. Ali não era questão de marcar ou não. Foi uma escolha que eu fiz. Num rebote de uma bola alçada na área, a segunda bola sempre era minha e quando percebi que era o Leandro, jogador habilidoso, eu imaginei que ele fosse tentar me driblar. Naquele lance, eu lembro que já havia olhado para o placar do Maracanã e minha ideia era, sei lá, dar um abraço nele e o jogo terminaria. Quando ele ameaçou chutar (o gramado do Maracanã não era tão bom naquela época), eu nunca imaginei que ele fosse acertar aquele chute. Foi doído. Fui dormir às 4h da manhã, mas no final deu tudo certo e a gente conseguiu ser tricampeão.

Diz o ditado popular que “a primeira vez a gente nunca esquece”. Você também não deve esquecer o título do Campeonato Carioca de 1980. Quais suas lembranças daquela conquista?

A minha lembrança é o Zagallo indo para o Vasco. A gente começando a treinar e se preparar para aquele Campeonato Carioca. O Fluminense era o ‘patinho feio’ do Rio. A primeira força era aquela equipe espetacular do Flamengo; a segunda era o Vasco e a terceira o Botafogo. Mas, o Nelsinho chegou e teve a entrada do Cláudio Adão, o Gilberto cresceu enormemente dentro do campeonato, e isso foi importante para a gente. O time era basicamente de jogadores formados dentro do Fluminense, com exceções do Gilberto e do Adão; e como era a primeira vez, a gente nunca esqueceu. Está guardado na memória e para o resto da vida.

Os tricolores até hoje não esquecem o seu passe magistral para Assis no Fla-Flu que decidiu o campeonato estadual de 1983. Quais as recordações daquele jogo?

Por causa daquele gol, até hoje sou parado nas ruas. Eu brincava muito com o Assis sobre isso e ele foi um dos poucos amigos que fiz no futebol. Dá para contar nos dedos os que tive. Eu o zoava, dizendo: “Assis, avisa lá que 80% do gol foi meu” (risos). Mas realmente foi um momento fantástico e a lembrança que eu tenho é a minha preocupação da torcida invadir o campo para abraçar o Assis. Mas quando ela (a torcida) invadiu, alguns foram abraçá-lo e outros me abraçaram. E tiraram uma foto minha sentado no momento que eu vi o (árbitro) Arnaldo indo embora. Eu estava preocupado com a saída de bola e ali, sentei. Ia ser entrevistado pelo Raul Quadros e disse que aquilo ali “havia sido escrito há seis mil anos atrás”, que me veio à cabeça, essa profecia do Nelson Rodrigues.

Quem é o maior ídolo do Fluminense, na sua opinião?

Acho que o maior ídolo do Fluminense é o Castilho, por toda sua trajetória, sua história. Evidentemente, o clube tem vários ídolos, mas ninguém teve uma identificação tão forte como ele e não vejo outro maior.

Podemos dizer que o time tricampeão Estadual e Brasileiro em 84 era uma outra ‘Máquina Tricolor’, como foi o time de Rivellino e Cia.?

Eu, particularmente, acho que a ‘Máquina’ só tinha ‘artistas’. Não que o time da minha época não tivesse, tanto que vários jogadores chegaram à Seleção, mas realmente a ‘Máquina’ deveria ter tido um resultado melhor em termos nacionais. Até porque, aquele time era uma verdadeira Seleção Brasileira. Era uma coisa tipo, como ir numa peça de teatro. Já o time em que joguei não. Era mais pragmático, com um outro tipo de jogo e que teve seus méritos, e era fantástico vê-lo jogar, também.

Pelo tricolor, você conquistou os Estaduais de 83, 84, 85, além do Campeonato Brasileiro de 84. Como foi fazer parte daquele grupo vitorioso?

Foi um momento mágico. Acho que talvez tenha sido o maior momento da minha carreira, já que era o único remanescente de 80. Nesse time tinha o Paulo Vitor e o Aldo, que haviam chegado depois, e eu era a cria mais antiga do Fluminense, onde cheguei em 76. Então, foi o momento único de uma equipe, grande equipe melhor dizendo, que era muito difícil perder, e aqueles campeonatos foram conquistas importantíssimas. Foi o meu melhor período jogando futebol.

Após se sagrar campeão Brasileiro de 1984, você, Jandir, Assis e Tato, seus companheiros de Fluminense, vestiram a camisa da Seleção na vitória por 1 a 0 sobre o Uruguai. Na sua opinião, o que faltou para vocês se firmarem na Seleção?

No meu caso, particularmente, não houve impedimento, pois vivi momentos fantásticos. Foram quatro anos, de 83 a 87, espetaculares. Engraçado que, eu me lembro quando nós fomos tricampeões, eu viajei de carro com Ricardo Gomes para a Bahia, e um dia lá em Porto Seguro, eu consegui achar um rapaz, que anos depois eu reencontraria. Ele, lendo o jornal O Globo, e na época, o Zagallo, então treinador, dizia numa entrevista, que o único garantido em seu meio campo era eu. Mas aí houve uma engenharia na época, entrou o Otávio Pinto Guimarães na presidência da CBF, e trouxe o Telê Santana, que quis prestigiar alguns jogadores da Copa passada, a de 82. No meu entendimento, eram espetaculares, mas alguns deles, não tinham o mesmo rendimento. Eu vejo que havia outros bons jogadores para a Seleção Brasileira de 86, como eu, Arturzinho e outros tantos. Mas faz parte da vida e não tenho nenhum trauma por isso.

Você em 1987, se transferiu para o Palmeiras, onde fez apenas 23 jogos, sofreu uma lesão no olho e passou por problemas pessoais. O que houve?

Minha passagem pelo Palmeiras foi muito complicada. Na verdade, eu não tive problema na vista, eu tive uma inflamação no cérebro, em que os pontos inflamatórios afetaram o meu equilíbrio, atacando minha visão e que demorou a ser descoberto. Eu fiz vários exames e só quando consegui achar um neurologista, que era na época o ‘bam bam bam’ em São Paulo, e que pediu uma ressonância, foi que me recuperei. Mas realmente, foi muito traumático, porque estava vivendo um momento fantástico. E mesmo assim, tendo feito poucas partidas, eu me lembro que quando saí do Palmeiras para ir para o Botafogo, os torcedores me pediram muito para que eu não saísse. Com todas dificuldades que tive, foi uma passagem que poderia ter sido melhor, mas essa doença me atrapalhou dali até o restante da minha carreira.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

São inúmeras. Outro dia tive a chance de ver algumas fotografias antigas da geral e pensei em vários momentos que vivi no estádio. As melhores lembranças são de quando nós jogávamos no juvenil e no primeiro tempo já tinha 30, 40, 50 mil pagantes, que faziam questão de ver o nosso time jogar, que era uma ‘Maquininha Tricolor’. Então, era muito legal a gente fazer a preliminar e perceber o estádio enchendo aos poucos.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Deley?

O futebol representou muito para mim. Eu, um garoto do interior, o futebol abriu oportunidades e me deu chances de viver muitas coisas na vida. Socialmente, quem vem de camadas mais humildes, através do futebol, tem a oportunidade de viver momentos maravilhosos, de conviver, de aprender. E, eu encontrei não só pessoas da área do futebol, mas da cultura, da política. Então, tem muito a ver com a minha formação pessoal. O futebol me oportunizou chegar aonde eu cheguei, ter sido secretário de Esportes aqui em Volta Redonda, ter deixado vários legados aqui na cidade e ser deputado federal. Não sei, se sem o futebol eu teria feito tudo isso. Assim como fez o argentino naturalizado espanhol Di Stéfano, que ergueu um monumento de uma bola no jardim de sua casa, agradecendo a ela por tudo, eu tenho muito que agradecer ao futebol.

Em 1988 houve uma greve na CSN, quando o Exército invadiu e três operários foram mortos. Seu pai trabalhava lá naquela época? E você, como lembra daquele fato?

Na época da greve eu estava jogando em Portugal, mas tinha um entendimento político, já me sentia uma pessoa envolvida com a política. Fiquei muito preocupado com os relatos que recebi, pois era um ambiente muito carregado, que culminou com a invasão do Exército, e resultou na morte de três operários. Mas Volta Redonda sempre foi uma cidade com características de resistência da classe operária. Então, te confesso, foi um momento muito tenso.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Não tem sido fácil para ninguém. É lógico que tem pessoas em situações piores que a minha, mas estou tentando me exercitar quase todos os dias. Mas evidentemente, abismado com tudo que tem acontecido no mundo e no nosso país. Como dizia Nelson Rodrigues, “os idiotas perderam a timidez”. Então, estou vendo um cenário que é a mistura entre a burrice com a ignorância. Mas estou torcendo para que isso passe logo. Estou fazendo um curso, extremamente interessante, de introdução à política, com palestras de ensinamentos de Sócrates, Plutão, Aristóteles. É um negócio muito legal. São várias visões desde aquela época antiga até o período feudal, o republicano e coisas do tipo. Tenho tentado passar o tempo estudando isso e refletindo como posso mudar meu comportamento pós pandemia.


Depois do Palmeiras, você jogou no Beleneses de Portugal, Botafogo, Volta Redonda, América de Três Rios e Volta Redonda, onde encerrou a carreira. Se arrepende de alguma coisa?

Sinceramente sim. Acho inclusive que essa quarentena tem servido para eu fazer uma avaliação da vida e de muitas coisas dentro e fora do futebol. Dentro do futebol, acho que poderia sim, ter sido um profissional melhor. Mas, evidentemente, que só a idade e o amadurecimento fazem você ver algumas coisas. Acho que é um problema de todo jovem, esse sentimento de imortalidade. A gente está vendo isso na própria pandemia, a garotada toda na rua, enfim, realmente, a juventude, ela nos faz ter esse sentimento imortal.

Quem foi o seu melhor treinador?

Não vou falar um só, seria injusto da minha parte. Mas o Nelsinho, Parreira e Ênio Andrade, foram os melhores. O Ênio, com quem trabalhei pouco, foi de um aprendizado muito grande.

Você dirigiu o Fluminense em 1994. Por que desistiu da carreira de treinador?

Fui treinador do Fluminense em 94 e depois fui para o Mogi Mirim, treinei o Volta Redonda e surgiu a oportunidade de trabalhar na Prefeitura de Volta Redonda, como secretário de Esportes. Naquele momento, eu estava com filhos pequenos e já meio sem saco de seguir no futebol, pois te exige muito e uma ausência muito grande em sua casa. Aí, eu preferi ficar mais perto da molecada. Essa vida de treinador, você sabe como é, uma hora você está aqui, outra hora você está lá. Mas foi de boa, foi tranquilo, acabou que em seguida também virei deputado, sem nunca ter imaginado que viraria. A vida da gente, às vezes, toma um caminho que não é aquele que a gente planeja.


Há cinco anos, nas eleições presidenciais no Fluminense, você foi derrotado por Peter Siemsen. Ainda pensa em ser presidente do clube?

Não, não penso mais em ser presidente do Fluminense. Acho inclusive que os clubes vão ter que repensar o lance da pandemia. Eu achava que a única saída era a transformação do clube em empresa ou algo parecido, mas não acredito mais nesse modelo. E naquela época, era um outro momento. Economicamente o país vinha muito bem, e o fato de eu ser deputado, me ajudaria a contribuir e muito para o Fluminense. Eu não tenho dúvidas que o Peter foi um horror, e é um dos piores da história do clube. Acho que eu teria condições sim, de fazer muitas coisas, mas também faz parte da vida, faz parte do jogo. Mas foi, acima de tudo, um momento muito bacana e inclusive fui homenageado no final da eleição. É uma coisa que tenho como um grande momento marcante na minha vida.

O futebol brasileiro parou de produzir aquele camisa 8 clássico, como você, Adílio e Sócrates. A que atribui essa escassez de meias que desequilibravam uma partida?

A falta do camisa 8 no futebol brasileiro é uma coisa que vem acontecendo ao longo do tempo. O nosso futebol vem cometendo erros e o principal é copiar o europeu. Se você olhar para trás, a questão física já aparece na Copa do Mundo da Inglaterra, em 66. Ela tem um hiato na Copa de 70, até porque o Brasil teve quatro meses para se preparar, jogando na altitude e sob um calor enorme. Em 74, quando volta para o ambiente europeu, você tem aquela revolução que foi a Holanda e aí, uma leitura também errada daqueles que dirigiam o futebol brasileiro, que entenderam que a partir dali o futebol era força. O Brasil começa a fugir das suas características, da sua maneira de jogar, e aí aparece esse tal de dois cabeças de área. Hoje, se prova mais uma vez que não funciona e os meias da Europa e nos times modernos de lá, os meias vão e voltam. O De Bruyne, do Manchester City, talvez seja o melhor exemplo disso. Nos últimos tempos, tivemos o Ricardinho e o Ganso, que com problemas no joelho, não foi o jogador que esperávamos que fosse. Mas isso é culpa das categorias de base com os seus tecnocratas que exterminaram esse tipo de jogador, que sempre fez parte da nossa cultura no futebol.

Defina Deley?

Se fosse uma palavra eu diria solidário, talvez generoso, sei lá. Se fosse uma frase maior, a minha melhor definição seria uma do Arturzinho que disse certa vez: “Eu só vi dois jogadores jogarem sem condições físicas: Sócrates e Deley”. Concordo com ele, e acho que realmente não fui um atleta.