Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Vozes da Bola

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA CLÁUDIO ADÃO


Nenhum outro jogador vestiu mais camisas de clubes de futebol que Cláudio Adalberto Adão, atualmente com 65 anos.

Ninguém encantou mais os torcedores e extraiu de suas gargantas o grito expandido de goooooooool no ar ao desencantar as redes adversárias mais do que o filho de dona Ilma e seu Paulo, nos vinte e sete clubes pelos quais passou.

Cláudio Adão respirou e transpirou por cada um deles, foi profissional, foi atleta e o melhor de tudo: foi goleador!

Poucos, bem poucos, a ponto de contar nos dedos de uma das mãos, deram tantas alegrias a uma gente tão sofrida como são esses seres apaixonados que estacionam suas nádegas nas arquibancadas, fazem o coração bater mais forte e recebem a alcunha de torcedor de futebol.

Nascido na ‘Cidade do Aço’, como é conhecida Volta Redonda, naquele 2 de julho de 1955, quis o destino (alguns dizem que essa providência divina pelas leis naturais têm nome e se chama Oliveira, primo que o convidara para passar férias escolares em sua casa, em Cubatão), que num teste despretensioso na Portuguesa Santista, fosse aprovado com sobras.

Megalômano, logo em sua primeira experiência com a bola em um torneio amistoso com as participações das equipes do Santos e do Jabaquara, fez 8 gols, dois a menos que o 10 de sua camisa.

Convidado a treinar no time pelo qual Pelé se notabilizou, acabou sendo autorizado pelo pai a morar no alojamento do Estádio Urbano Caldeira e pelo treinador Chico Formiga a trocar o 10 de meio campo pela 9 de centroavante.

Adâmico naquele  paraíso de terreno  plano e verde, conheceu e se apaixonou por sua ‘Eva’, simbolizada na figura redonda de uma bola, mas não ouviu a voz do ‘Deus’ Pelé para não entrar em divididas.

No entanto, caiu na tentação e mesmo mordendo a maçã do pecado por amor a sua ‘Eva’, vestiu literalmente a camisa do Santos numa partida vadia no ‘Caldeirão do Diabo’, como era conhecido o Estádio Mário Alves de Mendonça (demolido anos depois para a construção de um grande supermercado), fraturou a patela e os ligamentos do joelho num choque involuntário com Luís Antônio, goleiro do América de São José do Rio Preto.

Na contusão, o vermelho do sangue de sua perna se misturaria ao preto de sua pele, e naquele 2 de maio de 1976, o pedido de sua mãe Ilma – para não entrar em campo – às vésperas do fatídico jogo, varreria à mente e se manifestaria de forma intensa na sua vida: o Flamengo seria sua redenção.

E foi.

Após presenciar o choro incontido dos seus pés com saudades da bola nesses 418 dias em que passou por um rígido tratamento de recuperação, seja na Escola de Educação Física do Exército no Rio de Janeiro, ou nas atividades físicas individuais, tão importante quanto foram o incentivo e o enxugamento de cada gota de suor de seu rosto, feito à época pela noiva Paula (com quem é casado há 43 anos).

Dois Fla-Flus foram o suficiente para ele dizer ao futebol: ESTOU CURADO! 

Um em 1977, na vitória por 2 a 1, dois gols de Tita, que marcaria sua estreia de forma modesta pelo Flamengo e um outro no mesmo ano, no qual o camisa 9 marcou dois gols – sendo o segundo um golaço no ângulo – na vitória contra o Tricolor por 2 a 0.

Ali, naqueles 90 minutos, Cláudio Adão choraria em introspecção e mataria dos seus pés a saudade que estavam da bola.

Mas Adão estava curado e pôde desfrutar das coisas boas que o futebol lhe proporcionaria dali por diante, como a energia da torcida em cada gol marcado, independente das vinte e sete camisas que vestiu nesses vinte e poucos anos como jogador profissional.

Sim, pôde buscar pelas vitórias e títulos conquistados ao lado de Zico & Cia. no time da Gávea.

Sem dúvida, pôde jogar partidas gloriosas pelo Glorioso com o número 6 de Nilton Santos de cabeça para baixo às costas.

Definitivamente, tabelaria com Robertinho e Zezé no ataque Tricolor, clube paixão mor do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).

E jogou, venceu e nunca perdeu ao lado de Roberto Dinamite, jogando em São Januário com a Cruz de Malta no peito.

Segundo seus próprios cálculos, 862 gols foram marcados, para outras fontes, 591 tentos, mas isso pouco importa.

Na verdade, trata-se certamente de ser um digno representante de qualquer lista dos maiores goleadores da história do futebol brasileiro e que infelizmente, não vestiu uma única vez a camisa da seleção brasileira, para sua maior (e porquê não dizer nossa também) tristeza.

Conviveu com a difícil missão de ser goleador por onde passou, enfrentou uma grave contusão e o racismo quando era auxiliar de Evaristo de Macedo no Flamengo, mas jura de pés juntos, ter tirado de letra.

Não bastasse tanto, ainda foi herói ao salvar a vida do irreverente ponta-direita Marinho (1957-2020), que se afogou ao tentar tirar ‘onda’ surfando numa madeira nas ondas revoltas na Praia da Barra, em 1985, quando foram companheiros no Bangu.

O Museu da Pelada conversou com Cláudio Adão, o nômade do futebol brasileiro para a série Vozes da Bola desta semana.

Por Marcos Vinicius Cabral

O que levou um menino de 13 anos, viajar 380,7 km de Volta Redonda a Cubatão, jogar na equipe amadora do Unidos do Parque Fernando Jorge, passar pelos juvenis da Portuguesa Santista e chegar no Santos, onde começou a carreira, em 1972?

Um sonho. Eu tinha um primo chamado Oliveira, que morava em Cubatão e meu desejo era jogar no Santos de Pelé. No entanto, para chegar lá, passei pelo Unidos do Parque Fernando Jorge e depois pela Portuguesa Santista, onde depois de um torneio contra o Santos e o Jabaquara, joguei muito bem. Foi aí que o seu Olavo, das divisões de base do clube, me convidou para fazer um teste no Peixe. Fiz, passei e iniciei minha vida no futebol.

É verdade, que você era meio campista e por sugestão do treinador, passou a ser centroavante, chegando a marcar 80 gols pelas equipes de base?

Verdade. Eu realmente comecei como camisa 10, e quem me orientou para virar centroavante foi o próprio seu Olavo e o Chico Formiga, ambos treinadores das categorias de base que diziam que eu teria mais oportunidade de subir para o time profissional como 9, porque o 10 era do Pelé.

Em seu primeiro ano de profissional no Santos, em 1972, você chegou a jogar com Pelé, antes dele ir para os EUA. Como foi jogar com o ‘Atleta do Século’ e conviver um pouco com ele?

Foi a realização do meu sonho de menino. Ele me dava muitos conselhos, mas ao mesmo tempo metia medo nos mais jovens. Mas foi o (ponta) Edu, que conversou bastante comigo e me aconselhou demais sobre como me comportar dentro e fora de campo. Aprendi muito com os conselhos do Edu e observando os movimentos e a colocação em campo do Rei Pelé.

Foi em um Santos x América, em São José do Rio Preto, no Estádio Mário Alves de Mendonça, que você fraturou a tíbia e o perônio. A contusão foi tão séria que o médico do clube, Dr. Daló Salerno, viu a fratura exposta e achou que você não jogaria mais. O que de fato aconteceu, isso atrapalhou sua carreira e como se recuperou?


Na verdade o médico que me operou e me acompanhou todo o tempo foi o Dr. Ítalo Consentino. Mas realmente, as fraturas foram muito graves, fiquei parado quase dois anos e com muita dedicação consegui voltar. Tive que me adaptar a uma nova maneira de jogar, porque perdi muita velocidade. É claro que esse acontecimento atrapalhou muito a minha carreira, pois logo de cara, perdi a Olimpíada de Montreal, da qual eu era capitão e maior nome da seleção na época.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Acordo todos os dias, faço meus exercícios com minha mulher, estou aproveitando para ler muitos livros e passo muito tempo com meus netos Flora e Joaquim, com os quais estou em quarentena desde março.

O Flamengo acreditou em você quando ficou dois anos parado, sendo inclusive peça-chave na conquista do tricampeonato carioca, em 1978 e 1979 e 1979 (especial). O sucesso foi tanto que virou até música, na voz de João Nogueira, que adaptou um samba de Wilson Batista: “O Mais Querido/Tem Zico, Adílio e Adão/Eu já rezei pra São Jorge/Pro Mengo ser campeão”. Por que resolveu sair e jogar no Botafogo?

Meu contrato venceu e a oferta do Flamengo não me valorizava como eu esperava. Aí, o Botafogo me fez uma proposta muito melhor.

A imprensa afirmou na época, que no Botafogo, seu salário era três vezes maior do que no Flamengo. Nada mal para quem na juventude, crescera idolatrando Didi, Garrincha, Zagallo e Nilton Santos. Por que ficou pouco tempo nessa sua primeira (de três) passagem pelo Glorioso?

Fiquei pouco tempo porque recebi uma proposta do Áustria Viena irrecusável, muito boa financeiramente falando, que acabou não dando certo por causa de exames médicos, que identificaram no meu coração uma onda T invertida.

E mesmo tendo sido identificado problemas no coração, continuou jogando sem problemas?

Na verdade, só tive conhecimento dessa onda T invertida nos exames médicos lá na Àustria. Lembro que liguei de lá mesmo para o cardiologista do Flamengo, Dr. Serafim, que me tranquilizou imediatamente e me disse que isso não representava nenhum perigo para a continuidade da minha carreira como jogador profissional de futebol.


Reprovado na Áustria por problemas médicos voltou ao Brasil para jogar em que clube?

No Fluminense, em 1980. 

Falando em Fluminense, o tetracampeonato carioca pelo tricolor foi uma façanha para não ser esquecida. Mas é verdade, que você chegava a se arrepiar quando entrava em campo e ouvia os tricolores cantarem a música feita para o papa João Paulo II. “A benção, João de Deus…”.?

Olha, fui muito feliz no Fluminense e sou o recordista de gols do campeonato carioca até hoje pelo clube. E olha que passaram por lá, grande atacantes como: Romerito, Assis,  Whashington, Ézio, Romário, Fred e tantos outros. Como sou católico, a música do João de Deus, realmente me emocionava e motivava muito.

No Vasco, mais uma vez campeão carioca, você carregou consigo uma história vencedora na principal casa de um clube de futebol, que é São Januário. Jogando no místico estádio, com a Cruz de Malta no peito, você não perdeu uma única partida sequer, não é mesmo?

Essa sempre foi uma característica minha como jogador ao longo de toda carreira. Depois dessa contusão grave no Santos, raramente, eu voltei a me machucar. Por todos os clubes que passei, sempre fui o jogador que mais atuava e no Vasco, não podia ser diferente. Sempre me cuidei muito e sempre gostei de treinar muito.

Entre tantos zagueiros que enfrentou, qual foi na sua opinião, o mais difícil? Por quê?

Os mais difíceis sempre foram os zagueiros que jogavam limpo, e desses, eu posso citar dois: o Amaral e o Luiz Pereira.

Quem foi o seu melhor treinador?

Vou citar alguns: seu Chico Formiga e seu Olavo na base do Santos, Zizinho na base da seleção brasileira, Didi no Botafogo, Tim e Pepe, ambos no Santos, e Cláudio Coutinho no Flamengo.

Por mais de duas décadas, você mostrou faro de gols apurado com as 27 camisas que vestiu, marcando 862 vezes. No entanto, não ter jogado uma Copa do Mundo, certamente deve ter te desapontado. Mas na verdade, foi Cláudio Coutinho, que não te levou em 1978 ou Telê Santana em 1982, o responsável da maior tristeza do jogador Cláudio Adão?

A maior tristeza foi eu não ter jogado pelo menos um jogo na seleção brasileira, nem sequer em amistosos. Cláudio Coutinho não me levou em 1978, mesmo sendo meu treinador no Flamengo e levou o Reinaldo machucado, algo surreal. Depois em 1987, eu jogando pelo Cruzeiro e o Telê, como técnico do Atlético Mineiro, me ligou e me confessou que me convocou em 1982, mas que a CBF pressionou e o obrigou a chamar Roberto Dinamite para o lugar do Careca, que havia se machucado. Acreditei nele, porque o Tele não escalou o Roberto para o banco de reservas em nenhuma partida nessa Copa do Mundo.

Sobre o Roberto ter ido por imposição da CBF em 1982, na Copa do Mundo da Espanha em seu lugar, o que será que o Roberto acha disso?

Nunca conversei com ele a esse respeito. 

Nunca?


Não, nunca. Imagino que ele ficaria muito constrangido e seria uma situação desnecessária, já que não podemos voltar no tempo.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Cláudio Adão?

O futebol representa tudo na minha vida. As maiores alegrias, as maiores tristezas, o encontro com minha mulher, com quem estou casado há 43 anos, enfim, a realização de todos os meus sonhos, eu devo ao futebol.

Certa vez, você falou que pelas suas contas, ficou faltando apenas 138 gols para o milésimo gol. Se não tivesse ficado 418 dias sem jogar em virtude da grave contusão que teve antes de se transferir para o Flamengo, acha que chegaria lá?

Mole, mole, modéstia à parte. Hoje em dia, um atacante fica meses e até anos sem fazer um gol, coisa surreal. Muito diferente da minha época, no qual não podíamos ficar sem fazer gols por duas partidas.

Em 1989, pelo Corinthians, você marcou um gol de calcanhar contra o Palmeiras no Campeonato Brasileiro daquele ano. Por ter jogado nos maiores clubes do Brasil, qual foi, na sua opinião, o clássico que você disputou que é a maior rivalidade do futebol nacional?

Eu tive a felicidade de jogar praticamente todos os clássicos que representam as maiores rivalidades do futebol brasileiro: Fla-Flu, Flamengo x Vasco, Corinthians x Palmeiras, Cruzeiro x Atlético Mineiro, Ba-Vi, Ceará x Fortaleza, Santa Cruz x Sport e Santa Cruz X Náutico. De todos esses que eu joguei, acho que a maior rivalidade é Corinthians e Palmeiras.

Em entrevista ao UOL Esporte ano passado, você disse aos repórteres Diego Salgado e Vanderlei Lima, que o racismo atrapalhou seus planos em se tornar técnico de futebol. Como jogador ou cidadão comum, sofreu algum tipo de  preconceito? O que pensa sobre o racismo?

Sofri vários episódios de racismo como jogador, como ser humano e como técnico. O racismo é inaceitável numa sociedade justa. Mas enquanto os brancos não saírem do seu lugar privilegiado e pararem de dizer que não são racistas e passarem a ser antirracistas, essa situação não mudará. Infelizmente.

Você disse que sofreu episódios de racismo, e qual foi o que mais te deixou magoado?

Foi quando eu era assistente do Evaristo de Macedo, no Flamengo, em 2002. Uma vez, chegando ao treino, escutei uma pessoa dizer numa roda de diretores, que conversavam sobre uma possível saída do Evaristo, que negro só servia para jogar, e não para comandar. Na época, fiquei super decepcionado, porque essa pessoa era meu amigo e o neto dele estudava com meu filho e os dois eram os melhores amigos. Fiquei decepcionado e nunca imaginei que ele era racista.

Dos clubes que você jogou no exterior, qual deles você enriqueceu mais, culturalmente falando?

Sem dúvida nenhuma no Al Ain, nos Emirados Árabes, em 1982. Foi a oportunidade de conhecer mais a cultura muçulmana e entender as diferenças gigantes entre a nossa cultura e a deles. Até hoje, conservo a amizade com companheiros e alguns sheiks com quem convivi nessa época.

Se Nilton Santos foi a ‘Enciclopédia do Futebol’ para os laterais, podemos dizer que você foi um livro de ‘Auto-Ajuda’ para os centroavantes?

Deixando a modéstia de lado, acho que sim. Penso que hoje faz muita falta para os atacantes ter a presença de ex-jogadores de futebol nas comissões técnicas, passando seus conhecimentos e experiências próprias.

Você tinha uma maneira de cobrar pênalti inigualável, se posicionando ao lado da bola e sem tomar distância. Como criou esse cobrança e depois de você, não vimos mais jogadores te imitando. Por quê?


Eu comecei a analisar que, quando eu caminhava para bater o penalti, eu me deslocava e às vezes, dava uma pequena vantagem ao goleiro. Foi dai que comecei a treinar batendo parado e me adaptei bem. Quando joguei no Sport Boys do Peru, formaram uma comissão de árbitros que analisaram a minha maneira de bater parado para ver se era ou não uma paradinha, à época proibida pela FIFA. Mas é lógico que concluiram que se eu já estava parado ao lado da bola, não podia estar efetuando a paradinha. Sobre outros jogadores baterem igual, não sei porque nenhum tentou cobrar dessa forma, mas ao mesmo tempo, considero que essa forma de cobrar pênaltis é bem difícil e requer mais força e precisão do que em uma cobrança normal.

Defina Cláudio Adão em uma única palavra?

Humildade.

Você é conhecido no futebol carioca por ter sido um dos poucos jogadores que defendeu os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Afinal de contas, o Museu da Pelada quer saber: qual é o seu time de coração?

Santos (risos).

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA JÚNIOR


Júnior não chegou à Gávea craque em 1973, mas foi sendo preparado para sê-lo.

Ao ingressar no clube à beira da lagoa, adentrou como uma pedra bruta pelos portões imponentes e teve a sorte de ter bons lapidários dentro e fora das quatro linhas: Modesto Bria foi um deles, Jayme Valente e Pavão outros, apenas para citar alguns.

Foi ganhando forma, se aperfeiçoando com tamanha habilidade, fascinando com sua beleza – ainda que precocemente – e foi se transformando em um diamante, sendo desnudado e tendo seu brilho mostrado.

Talento e sorte caminham de mãos dadas – e que mal há nisso? – pois foi necessário muito trabalho.

Vaidoso com a aparência ao extremo, fez o seu jogo se transformar e agradável aos olhos daqueles que torciam o nariz ao saber que com o nome de Leovegildo, poderia ser qualquer coisa, menos jogador de futebol.

Foi aos poucos aprendendo a desvendar os mistérios da bola e a se arriscar, como aves marinhas costeiras ou oceânicas – essas que mergulham em alto mar à procura de alimento para sobrevivência e emergem com o peixe agonizando em seus bicos.

O futebol leva ao céu mas também enterra a sete palmos do chão e faz a carreira de qualquer neófito morrer.

Ele corria esse risco.

Entretanto, sua maneira de sobreviver num esporte tão inóspito, foi por meio de muita dedicação, do amor infinito aos treinos exaustivos até tarde, onde apenas a lua e as estrelas presenciavam todo o seu esforço.

Se privou de muita coisa enquanto suor e lágrima confundiam-se no rosto áspero daquele paraibano que ainda não tinha o famoso bigode, sua marca registrada – além do número 5, é claro! – até hoje.

Foi nas areias das praias cariocas, sua fiel companheira – além é bom que se diga, de dona Helô, mandatária do seu coração há 37 anos – que ia se reabastecendo para enfrentar os tantos desafios.

Porquanto a praia foi local de hibernação de Leovegildo nas folgas, o campo, redenção de quem queria que o Júnior se transformasse em alguém na vida.

Batalhou, lutou, conquistou e se tornou verbo obrigatório terminados em ‘ar’ de amar, lutar e conquistar, que todos os flamenguistas conjugavam em uma só voz nas arquibancadas e nas gerais do Maracanã.

E não há de esquecer que Deus escreveu cada capítulo especial nas páginas de sua vida profissional dentro do Clube de Regatas do Flamengo.

Um exemplo?

Como explicar ele lateral-direito em começo de carreira (lembram do gol contra o América/RJ na final do Carioca em 1974 do meio campo?), não ter que disputar posição com Leandro, recém chegado de Cabo Frio (e aprovado logo no primeiro treino) em 1978 como lateral-esquerdo por Américo Faria?


Deus foi generoso por não pô-los para disputar posição no mesmo Flamengo que ganhou tudo a partir de 1980.

Ora bolas, o mundo da bola tem dessas coisas.

Reconhecido como jogador e campeão em tudo pelo Flamengo, deixou escapar pelas mãos e escorrer pelos dedos o título da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, quando Paolo Rossi abriu a gaiola do Estádio Sarriá e mandou o ‘Voa, Canarinho’ de volta ao Brasil, que chorava enlutado.

Plural como jogador no Calcio italiano nos anos de 1984 a 1989, viveu por cinco anos regendo o meio-campo do Torino-ITA e depois do Pescara-ITA.

Não bastassem os títulos e o carinho dos rubro-negros, foi imortalizado em 1° de dezembro de 2018, na escultura de bronze do artista Luiz Eduardo dos Santos, no Ninho do Urubu, espaço que hoje abriga o CT comprado em 1984 por George Helal, então presidente rubro-negro, com o dinheiro da venda de Júnior para o Torino-ITA.

“Uma honra ter meu busto na fábrica de craques do Flamengo, que é o Ninho do Urubu! Ainda mais que o terreno do Ninho foi comprado pelo Helal com a minha venda pro Torino”, afirmou.

O Museu da Pelada apresenta Júnior nesta semana como décimo quinto personagem da série Vozes da Bola.

Texto e ilustrações: Marcos Vinicius Cabral

Como foi sua chegada ao Rio, já que você é paraibano?

Eu cheguei no Rio de Janeiro no final de 1959, quando minha família se transferiu para cá, vindo de João Pessoa, na Paraíba. Ao chegar em Copacabana, morei com minha avó materna e com meu irmão mais velho Lino, que já estava aqui. Em seguida, veio o Luiz Eduardo e depois o caçula Leonardo, que aliás é o único carioca da família.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Na verdade, acredito que as grandes inspirações, não só para mim, mas para os meus contemporâneos, tenham sido Pelé e Garrincha. Os dois jogadores que inspiraram toda minha geração, mesmo não tendo muitos aparelhos de TV’s naquela época, mas eu tive a sorte em ter um tio, chamado Aloísio, irmão da minha avó, apaixonado por futebol e que levava eu e meus irmãos para o Maracanã. Inclusive, todas às vezes que o Santos vinha jogar no Rio de Janeiro, ele levava a gente e sempre íamos também ver os jogos do Botafogo, por causa do Garrincha. Acho que esses dois, foram os caras que mais trouxeram inspiração para mim.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou em casa desde 16 de março e quando completei quatro meses de isolamento social, saí apenas duas vezes: uma para ir ao dentista e outra para pegar um documento para o meu Imposto de Renda. O resto fiquei em casa, mantendo a forma na minha pequena academia, vendo filmes, participando de lives para poder passar o tempo e ouvindo música, já que eu adoro. É dessa forma que tenho enfrentado esse momento que ainda não acabou e até o fim do ano esperamos que a coisa possa dar uma melhorada. Na verdade, não voltar à normalidade mas melhorar um pouco para que a gente possa voltar à vida que a gente levava antes.

Há uma curiosidade que pouca gente conhece, envolvendo você e o Leandro. Quando você chegou ao Flamengo em 1973, você era lateral-direito e acabou sendo deslocado para à esquerda, e o Leandro, ao chegar em 1976, era lateral-esquerdo e foi deslocado à direita. Se tivessem que disputar a titularidade de uma lateral, tanto na esquerda ou na direita, pela qualidade dos dois, na sua opinião, quem jogaria?

Eu cheguei no Flamengo em 1973, quando fui jogar de meio-campo, indicado por Seu Napoleão, que era amigo do meu tio Aloísio. Foi ele que me levou para treinar, já que era amigo e vizinho do (técnico) Modesto Bria. Eu joguei praticamente todo o campeonato daquele ano como meio-campo, até que no segundo turno, em um jogo contra o Madureira, Garrido, nosso lateral-direito, acabou sendo expulso e eu fui jogar naquela posição. Pouco tempo depois, fui convencido pela comissão técnica na época, que a possibilidade para subir ao profissional como lateral era maior do que jogando no meio-campo, já que a concorrência era muito grande, inclusive com Geraldo, o assoviador, que nos deixou prematuramente em 76 e que era a grande revelação do Flamengo naquela posição. Naturalmente, eu tive essa oportunidade com o Joubert e fiquei dois anos jogando na lateral-direita, até acontecer o troca-troca entre Flamengo e Fluminense, quando (o goleiro) Renato, Rodrigues Neto e Doval foram para as Laranjeiras e (o goleiro) Roberto, Toninho Baiano e Zé Roberto vieram para a Gávea, e acabei sendo deslocado para a lateral-esquerda pelo treinador Carlos Fromer e fiquei por quase oito anos atuando ali, inclusive, jogando a Copa do Mundo de 82. Sobre o Leandro, eu não sei se teria problema, porque, ou ele seria deslocado, ou então, eu teria que ser. Realmente, jamais passou pela minha cabeça ter que disputar posição com ele, até porque, o Leandro, talvez, tenha sido o maior lateral-direito que a gente tenha visto, com todo respeito ao Carlos Alberto Torres. Eu acho que o Leandro foi mais completo, enquanto o nosso saudoso Carlão, no qual tive o privilégio de jogar ao seu lado em 1977, quando ele veio para o Flamengo, não com lateral, mas como beque central. Mas o Leandro sem dúvida, foi o maior jogador da sua posição e da história do futebol brasileiro.

Quem foi seu melhor treinador?

Não dá para escolher o melhor treinador. Eu tive vários treinadores, como o Joubert, que talvez tenha dado, não só para mim, mas toda a geração do Zico – que subiu um ano mais cedo do que eu para o profissional – a oportunidade de trabalhar muitos fundamentos e nos colocar em melhores condições técnicas, vamos dizer assim, pelos treinamentos que ele nos dava. Um outro treinador importantíssimo na minha carreira, foi o Cláudio Coutinho, que tinha uma visão muito à frente de sua época, vale lembrar o que ele fez com a formação da nossa equipe de 76 a 80, quando deslanchamos e começamos a ganhar todos os títulos possíveis no futebol brasileiro, e para completar ainda tive o Telê, que na seleção brasileira, foi um treinador que conseguiu extrair, o que eu tinha de melhor, seja pela liberdade que dava a cada um de nós atletas, em fazer o nosso melhor dentro das nossas características e pela sua visão de futebol.

Quando entrevistamos o Zico, ele falou que o Botafogo era um time que ele sempre gostava de ganhar em razão das provocações do ex-goleiro Manga, na década de 1960. Quando jogava tinha algum time que gostava de enfrentar?

O Botafogo passou por muito anos, em função dos grandes times que teve na década de 1960, a massacrar o Flamengo. Havia uma faixa que eles levavam, que era na verdade um pano branco, no qual estava escrito: ‘VO6’, numa clara alusão à goleada que o Botafogo deu no Flamengo, no dia 15 de novembro de 1972, no 77° aniversário do clube, um verdadeiro presente de grego. Não bastasse isso, ainda vinha o (goleiro) Manga e aquelas brincadeiras de que comprava a feira antecipada na sexta-feira, porque no domingo ia jogar contra o Flamengo. É lógico, que isso era uma forma de motivação para eles e para nós e quando tivemos a oportunidade de devolver essa goleada, nós devolvemos. A partir daquele ano de 81, aquele pano branco escrito ‘VO6’ sumiu e depois, em 85, o Flamengo deu outra goleada por 6 a 1, mas eu já não estava mais e jogava na Itália. Mas na minha opinião, a grande rivalidade era com o Vasco nessa época e não o Botafogo, até porque o Glorioso não tinha grandes times, tanto que ficou um bom tempo sem ganhar um campeonato carioca e foi onde o Flamengo reinou.

Grandes jogadores do futebol nacional e internacional sofreram com contusões ao longo da carreira. Aqui tivemos como exemplo, Leandro e Zico, seus companheiros de Flamengo, que sofreram muito com cirurgias em seus joelhos e lá fora, o holandês Van Basten, com seus tornozelos. O que você atribui não ter passado por isso em 20 anos como atleta profissional?

A minha grande vantagem em relação aos meus companheiros de profissão, foi ter jogado sem apresentar contusões sérias. Tive uma torçãozinha aqui, uma pancada ali e isso, acredito eu, foi por ter tido uma formação física nas areias, onde comecei jogando com oito anos de idade. Então, meus joelhos, tornozelos, articulações, devem ter se fortalecido, e teve até um estudo feito pelo Dr. Giuseppe Taranto na época, no qual foram fazer uma reportagem sobre a minha carreira e os repórteres queriam saber sobre o fato em ter jogado tantos anos sem contusões, e o Dr.Taranto tinha a certeza que foi em função de ter jogado futebol de areia desde pequeno. E graças a Deus, isso me ajudou a jogar profissionalmente. 

Segundo o ‘Almanaque do Flamengo’, de Clóvis Martins e Roberto Assaf, foram 857 jogos, 492 vitórias, 210 empates e 155 derrotas, com 73 gols marcados. São números expressivos, não é mesmo?

Verdade. É, sou recordista de jogos do Flamengo, né? Uns dizem que são 857, outros afirmam que são 876, mas o mais importante é saber que dificilmente essa marca vai ser batida, porque a minha vida toda foi dentro do clube. Infelizmente, hoje é difícil isso acontecer, pois os jogadores trocam de clube a toda hora e na nossa época não existia muito disso.

Qual foi o título inesquecível e o jogo mais importante nessa sua trajetória no Mais Querido?

São muitos títulos e jogos disputados com a camisa do Flamengo, porém, a decisão do Mundial Interclubes contra o Liverpool em 1981 e o primeiro jogo da decisão do Campeonato Brasileiro em 1992 contra o Botafogo, vencido por nós por 3 a 0, foram os mais importantes e que eu, particularmente, tenho um carinho especial por eles.

No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que esse esporte representou para o Júnior?

O 19 de julho para a gente foi e sempre será um dia de comemoração. E esse esporte é a minha vida, onde eu entrei com 17, 18 anos e fui até meus 39 jogando profissionalmente.

E o Beach Soccer?

Tive a oportunidade, o prazer e o privilégio de jogar na areia, no Beach Soccer de 1993 a 2001. Foram oito anos se divertindo, em um esporte que estava começando e a gente conseguiu dar um impulso grande. Particularmente falando, tenho o maior orgulho em ter começado aqui no país esse esporte que se tornou profissional. 

Ser campeão do mundo com a camisa da seleção, seria a cereja do bolo numa carreira tão vitoriosa como a sua?

É lógico, que uma Copa do Mundo é importante na carreira de todo jogador de futebol. Infelizmente, a gente não teve essa sorte, mas acho que a minha geração deixou um legado dentro do futebol brasileiro. Eu por exemplo, fui comprado pelo Torino-ITA, exatamente pelas minhas atuações dentro da seleção brasileira no Mundial de 1982, na Espanha. Se tivesse vencido, é lógico, seria a cereja do bolo de uma carreira em que, afirmo, não posso me lamentar por tudo aquilo que aconteceu em mais de vinte anos como profissional.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Saudades mesmo eu sinto do clima, da atmosfera, do ambiente do futebol. Foram muitos amigos, vitórias, conquistas, e tudo vivido no Flamengo dos anos 80 e depois em 1992 com a garotada extremamente talentosa, como Marcelinho, Júnior Baiano, Marquinhos, Rogério, Nélio, Piá. Foi essa rapaziada toda que me deu uma sustentação muito boa para que eu pudesse prolongar minha carreira. Para você ver, eu voltei com a intenção de jogar um ano, e joguei por mais cinco, voltando inclusive à seleção. Sou muito grato a essa molecada!

Ter retornado ao Brasil, mais uma vez para vestir a camisa do Flamengo, em 1989, foi uma decisão tomada para realizar o sonho do seu filho Rodrigo ou realmente era hora de voltar?

Quando eu voltei em 1989, foi muito mais em função do pedido do meu filho Rodrigo,  que vendo um vídeo cassete que o Zico me deu de presente com os gols dele me perguntou: “Pai, quando eu vou te ver jogando no Maracanã?”. Então,  desde 84 na Itália, achei que era o momento de voltar, apesar de ter um convite para continuar no futebol italiano. Acho que foi uma das coisas, ou melhor, um dos grandes acertos que fiz no que se refere ao tomar uma decisão. Na verdade, não somente pude dar essa possibilidade dele me ver jogar no Maracanã, mas com conquistas importantes como a Copa do Brasil em 1990, Campeonato Carioca em 91 e o Brasileiro em 92, inclusive voltando para a seleção brasileira, aos 38 anos. 


Você comandou o jovem time da Gávea, que tinha Júnior Baiano, Nélio, Marquinhos, Fabinho, Paulo Nunes, Marcelinho, entre outros, no título Brasileiro de 1992. À época, você era o meio-campista da equipe comandada pelo técnico Carlinhos e que derrotou o Botafogo nas finais. Como foi ser o único remanescente do Flamengo de 81 e conviver com aquela garotada?

Essa foi uma conquista das mais importantes na minha carreira, tendo Carlinhos como treinador, no Campeonato Brasileiro de 1992. Vale ressaltar, que aquele grupo conseguiu superar uma série de problemas. Aquela garotada foi como um elixir da juventude, porque eu pude conviver com eles por quatro anos e eles me dando muitas forças, ouvindo meus conselhos, no qual ia contando muitas histórias do que vivi e do que eles estavam por viver em suas carreiras. Foi muito legal e um momento muito especial de verdade, não só para mim, mas para eles também, acredito. 

Você já foi diretor de futebol do Flamengo em 2004. Pensa em algum dia em se tornar presidente do clube?

Quando se é pelo Flamengo nunca se é convidado e sim convocado, e na verdade, eu não queria ser treinador. A minha ideia sempre era fazer um trabalho da direção do futebol como aconteceu em 2004, em um período difícil em relação a recursos financeiros, pois o Flamengo passava um momento muito difícil. Mas independente disso tudo, a gente conseguiu ser campeão Carioca tendo o Abel como treinador, chegamos à final da Copa do Brasil, mas infelizmente perdendo em casa para o Santo André. No entanto, conseguimos permanecer na primeira divisão do Brasileiro, que era o nosso desafio. E mesmo com tudo desfavorável, conseguimos, repito, ter um ano satisfatório, apesar dos poucos recursos.  

Primeiro você foi chamado de Capacete e anos depois de Maestro. Como surgiram esses apelidos?

Quem me colocou o apelido de Capacete, foi o Reinaldo, aquele ponta-direita que veio do América para o Flamengo. Em função do meu cabelo, ele dizia que parecia um Capacete, mas não era pejorativo e sim um apelido carinhoso. Inclusive, é bom que se diga, eu jamais fiquei na bronca com isso e brinco sempre no que se refere a apelidos, de quem tem o nome de Leovegildo, não sofre nenhum problema com isso. Posteriormente, já no final de carreira, o (radialista) garotinho José Carlos Araújo, me chamou de Maestro, dizendo que eu regia o meio-campo e ficou esse apelido. E quem mais fez solidificar esse apelido Maestro foi o meu amigo e narrador Luís Roberto, que durante as transmissões começou a me chamar de Maestro e hoje, isso foi aclopado, vamos dizer assim, ao meu nome. 

Jorge Jesus saiu do Flamengo com números extraordinários, títulos, recordes quebrados e deu ao clube uma Libertadores que há 38 anos o torcedor rubro-negro não comemorava. Na sua opinião, quais foram os méritos do treinador português à frente do ‘Mais Querido’?

Jesus conseguiu fazer um trabalho excepcional em todos os sentidos. Primeiro, pela questão do tempo, porque o que ele conseguiu em seis meses, dificilmente vai acontecer com outro treinador, um trabalho tão vitorioso e jogando um futebol em que até os próprios adversários admiravam. Portanto, de junho de 2019 a dezembro do mesmo ano, o Flamengo jogou um futebol encantador a ponto de conquistar uma Libertadores e fazer uma partida de igual para igual contra o Liverpool na decisão do Mundial. O legado de Jorge Jesus foi para o futebol brasileiro e não apenas para o Flamengo, que fez com que os outros treinadores revissem seus conceitos em termos de futebol. Sinceramente falando, dificilmente vai acontecer com um outro treinador conseguir fazer um trabalho assim tão bom em tão pouco tempo como ele conseguiu.  

Quem foi melhor na sua opinião: o Flamengo de 1981 ou o de 2019?

Acho que não dá para comparar. O time de 1981, reinou por anos e conquistou muitos títulos, como três Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial. Mas admito que o time de 2019 jogou um futebol parecido com aquele nosso, mas o time de 1981, ganhou tudo e por muito tempo. Acho que essa é a diferença entre essas duas equipes.

Você recentemente se tornou vovô do pequeno João. Já começou a contar suas histórias para contar para o netinho?

Ele ainda é pequeno ainda, João Henrique tem somente 2 anos, mas a gente já começa a contar as histórias da carreira e de tudo isso que aconteceu. Quando ele estiver maiorzinho, ele vai gostar mais ainda (risos).

Faltou algo na sua carreira?

De forma alguma. Muito pelo contrário, só tenho a agradecer, porque joguei por mais de vinte anos, com grandes conquistas, com grandes experiências no Flamengo, Seleção Brasileira, Torino-ITA, Pescara-ITA, e não posso reclamar. Apenas agradeço por tudo o que aconteceu na minha carreira.


Sabemos que você tem duas paixões: o seu projeto social ‘Samba da Sopa’, que em virtude desse isolamento social está parado, e caricaturas. Queria que falasse um pouco delas.

Verdade. Esse projeto social O Samba da Sopa, no qual a gente consegue se divertir numa roda de samba, mas também ajudando com cestas básicas para várias instituições que precisam. Em agosto agora, completou treze anos desse projeto e temos conseguido fazer coisas legais e arrecadar bastante coisa. Espero que esse projeto não pare nunca, pois é uma satisfação muito grande você ajudar pessoas que precisam de verdade. Já sobre as caricaturas, elas são uma outra paixão, que vem desde pequeno. Sempre gostei de fotos, mas as caricaturas me encantam, porque eu vejo uma arte naqueles que conseguem fazer esses desenhos e que é realmente uma coisa excepcional. A caricatura traduz exatamente a arte dessas pessoas que têm essa capacidade. Amo caricaturas e tenho várias, tem uma inclusive, de um amigo de Torino, que fez na época em que eu estava lá, caricaturando todos os jogadores e a minha que ele retratou foi quase uma fotocópia. Eu adoro, adoro caricatura realmente!

Defina Júnior em uma única palavra?

Eu acho que sou um parceiro, sou um cara que gosto de amizade e de ter meus amigos sempre por perto. Mas se realmente for para me definir em uma única palavra, diria que sou um parceiro.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA GEOVANI


Muitos apaixonados por futebol dizem que ninguém no futebol brasileiro foi capaz de lançar como Gérson, o Canhotinha de Ouro.

E vão além corroborando com a declaração dada pelo tricampeão mundial em 1970, em um canal de televisão: “A medalhinha que o negão (Pelé) carregava no pescoço nos gramados mexicanos, ficava marcada em seu peito. E o responsável por aquela marca fui eu”, diz referindo-se aos milimétricos lançamentos que fazia para o peito do camisa 10 daquela seleção fantástica.

Mas se algum jogador chegou perto nesse quesito entre tantos craques surgidos nos anos de 1980, um deles, pequeno em estatura, exímio cobrador de faltas e pênaltis, habilidoso e dono de uma visão privilegiada dentro das quatro linhas, merece que se estenda um tapete vermelho para que os passos de Geovani Faria da Silva, atualmente com 56 anos, continuem eternizados.

Capixaba, o garoto de 16 anos se destacou tanto no Desportiva Ferroviária-ES que acabou se tornando ídolo da Tiva.

Chegado ao Rio de Janeiro em 1982, viveu os melhores momentos da carreira com a Cruz de Malta no peito e com ela, conseguiu realizar seu maior sonho: vestir a amarelinha da seleção brasileira, onde foi campeão mundial de juniores, em 1983, no Estádio Azteca, no México, e medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, na Coreia do Sul cinco anos depois.

Conhecido carinhosamente como ‘Pequeno Príncipe’, apelido dado pela finada Dulce Rosalina em 1983, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim, foi bicampeão carioca em 1987/88, antes de arrumar as malas e buscar a independência financeira no Bologna/ITA e Karlsruher/ALE.

Pequeno, genioso e talentoso com a bola nos pés, sem ela, se transformava a ponto de se agigantar e explodir como fez com experiente zagueiro Edinho, na Copa União em 1987, quando desferiu-lhe socos fazendo com que o eterno ídolo tricolor passasse à noite no hospital e não em casa.

Episódio isolado que não apagaria a brilhante carreira que teve e cheia – com exceção da não ida à Copa do Mundo de 1990 na Itália – de alegrias.

Respeitado e vencedor dentro das quatro linhas, fora delas se tornou exemplo ao vencer a polineuropatia – doença que ataca os nervos e músculos das pernas – em 2012, após ter convivido com a doença por seis anos.

O Museu da Pelada traz como personagem da semana no Vozes da Bola, Geovani, um dos maiores camisa 8 do futebol brasileiro.

por Fabio Lacerda e Marcos Vinicius Cabral

Como começou a carreira?

Eu despontei para o futebol jogando no Desportiva Ferroviária-ES em 1980, onde conquistei ao lado de meus companheiros o bicampeonato capixaba. Graças a Deus, com muito trabalho, fui um dos destaques da equipe e vencemos no mesmo ano os estaduais das categorias juvenil, júnior e profissional. Ainda em 1980, realizamos a melhor participação da história de um clube do Espírito Santo no campeonato brasileiro, ficando entre os 16 melhores times da competição. Após esse ano maravilhoso, menos de dois anos depois, cheguei ao Clube de Regatas Vasco da Gama, quando eu estava com 18 anos. Foi aí que começou a minha história no futebol.

Quem foi a inspiração no futebol para o menino Geovani Faria da Silva?

A grande inspiração que eu tive quando menino foi vendo o futebol capixaba. Foi ali que passei a querer ser jogador de futebol e mais tarde vendo jogos da seleção brasileira na televisão. No entanto, a inspiração me ajudou a ser jogador de futebol profissional, jogador do Vasco e da seleção. Fui movido por essa inspiração e comecei vendo alguns craques jogando, mas foi o Eli, que jogou no Rio Branco-AC, a primeira grande inspiração que tive. Depois, veio a inspiração em querer jogar na seleção brasileira, que era o meu objetivo. Sinceramente falando, eu não tinha nem o desejo de ser jogador em um clube, mas em um dia poder vestir da seleção brasileira, sei que talvez possa parecer muita pretensão falar isso, mas vestir a amarelinha sempre foi o meu objetivo.

Como você encarou a barração do Antônio Lopes para o jogo decisivo contra o Flamengo na final do Campeonato Carioca quando o técnico modificou 50% do time e sagrou-se campeão? Como analisaria a atuação do Ernane no seu lugar?

Ficar chateado a gente fica com a barração, pois eu era titular. O problema é que nós jogamos um jogo contra o Flamengo que não valia nada e o Lopes aproveitou isso e mudou o time quase todo. Eu lembro que o Vasco estava se preparando para a final do campeonato carioca de 82 e eu e vários outros jogadores estávamos como titular. Só que ele (Antônio Lopes) botou um time misto e descansou vários jogador, inclusive eu. O jogo contra o Flamengo seria a fase final que havia ainda o América, e o Lopes colocou um outro time, no qual os caras entraram e jogaram para caramba, inclusive o Ernani por exemplo, entrou e fez gol, jogou uma partidaça e se não estiver enganado foi 3 a 0 ou 3 a 1o resultado dessa partida contra o Flamengo. Então assim, o Lopes não acreditou na atuação daquele time misto entre parênteses, e ia fazer o quê? Acho que ali o nosso treinador usou o bom senso, onde os caras foram bem, se apresentaram bem, jogaram bem, e o Lopes manteve aquele time e ajustou uma peça aqui, outra ali e continuou aquele time para o restante da competição, onde o Vasco acabou sagrando-se campeão. Chateado eu fiquei muito, confesso, mas o time sendo campeão ali, apagou a chateação e ficou tudo bem. Mas que a gente fica chateado em ser barrado, a gente fica, mas não foi o fim do mundo. O Vasco ganhando título era o mais importante.

De onde vem o apelido Pequeno Príncipe?

Vem da vascaína Dulce Rosalina, falecida em 2004, que foi presidente da Torcida Organizada Vascaíno (TOV) e da Pequenos Vascaínos, que ao me ver desembarcar no aeroporto do Rio, lotado de torcedores e da imprensa que aguardavam os campeões mundiais de 83, ela me abraçou, me parabenizou pelos meus seis gols marcados na competição e por ter sido escolhido o melhor jogador, e a Dulce, na euforia, me chamou de ‘Meu Pequeno Príncipe’, na frente de todo mundo. Eu sorri, agradeci o carinho, abracei a causa e gostei, pois pequeno eu sei que sou, agora príncipe foi ela que me intitulou.

O Museu da Pelada gostaria de saber: quem foi seu melhor treinador?

Museu da Pelada, então, vou responder: eu não tive o melhor, eu tive os melhores, como Antônio Lopes que me lançou no profissional do Vasco, o professor Alcir Rodrigues, o Beto Pret que me lançou no profissional na Desportiva Ferroviária-ES, seu Otto Glória e Sebastião Lazaroni, ambos no Vasco também, enfim… o Carlos Alberto Silva na seleção, então, não existe o melhor. Um exemplo é o seu Otto Glória, que me ensinou muito, assim como todos os outros me ensinaram. Mas agora se você perguntasse o treinador que mais pegou no meu pé na carreira, eu te responderia de imediato: o Antônio Lopes! (Risos). Mas ele me ajudou muito, me deu muita força e me fez aprimorar em algumas coisas que eu precisava para me destacar no futebol brasileiro.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que ele representou para o Geovani?

Representou muita coisa, ou seja, tudo na minha vida. Se não fosse o futebol ter sido inventado, talvez hoje eu não seria um cara feliz por ter sido jogador.


Você, em 1986, sentiu que poderia ter ido à Copa depois de ser o craque do Mundial de Juniores em 1983 e ter feito uma grande temporada em 1984 com o Vasco no Brasileiro? E na Copa de 90, poderia ter jogado uma vez que estava na Itália pelo Bologna?

Eu acho que eu fiquei fora da Copa do Mundo do México, em 1986, mais por relaxamento. É aquele caso que todo jogador de futebol passa, a famosa mosca azul e quando ela pica, você acha que é o melhor jogador do mundo, aí você acaba treinando pouco, se dedicando menos, achando que sabe demais e coisas do tipo. O futebol é a única profissão no mundo onde você não pode se achar e quando isso ocorre é sinal que você já se perdeu e aí é que você cai do cavalo, erra tudo, até debaixo do gol você chuta para fora ou por cima do travessão. No futebol isso é normal de acontecer e é tido como a tradicional marra, onde você se torna um jogador mascarado. Eu acho que nesse caso específico da Copa do México, a culpa foi totalmente minha de não ter seguido na seleção. O curioso é que fui convocado em 85, onde poderia ter seguido e disputado a Copa do Mundo de 1986, mas eu relaxei muito, tanto que depois desse meu start inicial pós Copa de 86, eu comecei a subir de produção e voltei a vestir a amarelinha de novo. Só não disputei a Copa de 1990, que foi outro caso, mas aí depois de 86 em que eu fiquei de fora da Copa, pode ver que 87 foi um ano brilhante, assim como foram os anos de 88 e 89, quando fui jogar na Itália.

Até hoje, pouco se sabe o que aconteceu naquele Flamengo e Vasco, na Copa União de 1987, onde você desferiu socos no rosto do zagueiro Edinho. O Museu da Pelada quer saber de fato o que aconteceu?

O que aconteceu no episódio de 87 com o Edinho, foi que ele me deu várias cotoveladas sem eu fazer nada com ele. Lembro perfeitamente do lance como se fosse hoje, eu fiquei atrás dele dando o combate, ele protegeu a bola e me desferiu uma cotovelada que acabou quebrando dois dentes. Naquela época quebrar dois dentes na raiz era complicado e eu ia ficar sem dente, né? E aí acabou o primeiro tempo, nervoso, eu fui para o vestiário e na saída do campo numa entrevista com Deni Menezes, da Rádio Globo, eu falei que o Edinho havia quebrado dois dentes meus e que pegaria ele no segundo tempo. Aí o Deni, que era um repórter esportivo maravilhoso, repercutiu isso na transmissão do jogo e voltamos para o segundo tempo, já com a cabeça fria, ânimos controlados, havia conversado com Sebastião Lazaroni, nosso treinador à época, e até esquecido da agressão sofrida. No primeiro lance que nos encontramos, ele me deu outra cotovelada, lá pelos 20 minutos de jogo, aí o sangue subiu e não resisti. Mas é bom afirmar, pois não tive até hoje a oportunidade de explicar o lance, já que você mesmo ressaltou na pergunta que se passaram 33 anos desse episódio, onde eu não dei vários socos, eu dei um soco só, porque ele havia me dado uma cotovelada no primeiro tempo que arrebentou meus dentes e no segundo deu outra cotovelada, aí, confesso que fiquei nervoso e revidei. No lance, ninguém havia visto, só um repórter da (extinta) Rede Manchete que viu e falou para o bandeirinha e ele sem ver, levantou a bandeira, chamou o árbitro e este se prevalecendo de sua autoridade me expulsou. Lamento que ele (Edinho) tenha saído com afundamento de maxilar, mas poxa, eu não ia agredir um cara se ele não tivesse feito algo. Desde o começo do jogo até o segundo tempo eu vinha sofrendo com o jogo duro dos jogadores do Flamengo e foi a maneira que encontrei para me defender.

Passados 33 anos, vocês fizeram as pazes? Já se reencontraram alguma vez depois disso?

Sim, nos reencontramos algumas vezes. Já tive com o Edinho depois disso, conversamos, falei para ele que eu errei e ele sabe que também errou e por isso está tudo tranquilo entre a gente. Mas nesse episódio o que mais me irritou nem foi os dentes quebrados, mas sim o fato de saber que o Edinho não precisava fazer aquilo, pois ele está, na minha opinião, incluído entre os melhores zagueiros do mundo e não apenas do Brasil. Mas foi isso, ele não precisava usar da violência para me intimidar naquele jogo, e isso me deixou triste. Mas graças a Deus, hoje não tem nada e está tudo tranquilo entre a gente.


Sua ausência na final das Olimpíadas de 1988 é sinalizada como um fator determinante para a derrota para a antiga URSS. O que o Brasil deveria ter feito em Seul para ter conquistado a medalha de ouro que veio acontecer 28 anos depois no Rio?

Eu estava numa fase muito boa e era até capitão da seleção brasileira, e fiquei fora da final porque tomei um cartão amarelo contra Alemanha. Eu acho que a gente fica chateado por não ter jogado essa final, mas a gente estava em um time incerto, tipo: “Ah, foi porque eu não joguei mas o Ademir, que era bom jogador, também não jogou, entende?”. O time mudou muito, praticamente quase toda sua estrutura e aí quando muda a estrutura, queira ou não queira, tem uma queda e infelizmente essa queda ocorreu na final. Eu lembro que acabei ficando de fora e o Brasil perdeu, mas eu acho que se tivesse em campo jogando poderia ter perdido também. Isso é muito relativo. Mas isso a gente sabe, né? Mas te confesso que fiquei muito triste em não ter jogado a final da Olimpíada, onde ficamos com a medalha de prata.

Você acha que poderia ter tido mais oportunidades na seleção brasileira?

Eu acho até que joguei bastante na seleção, não sei o número exato, mas eu participei de vários jogos. O que faltou de fato foi ter jogado a Copa do Mundo de 1990, a de 1986, eu também poderia ter ido se tivesse me dedicado um pouco mais, mas tive um relaxamento, e eu poderia ter disputado, pois vários jogadores que foram, eram da minha faixa etária. Mas com exceção de 1990, não faltou não, foi o suficiente.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou encarando esse desafio como todos os outros já enfrentados na vida. Esse vírus nos mostra que ninguém é melhor do que ninguém e todos estão sujeitos a pegá-lo. Portanto, mais uma vez a humanidade está aprendendo a se reeducar, tornar-se mais humilde e esquecer um pouco a arrogância em se achar o máximo porque tem um pouco mais do que o outro. Nessas horas, ou melhor, nesse momento que enfrentamos o covid-19, não tem quem tem mais ou quem tem menos, ou seja, todo mundo tá sujeito a ser infectado. Por isso, espero que todos se cuidem e redobrem o álcool em gel, o uso das máscaras, e os itens necessários de acordo com que nos é recomendado pelos órgãos de saúde do país.

Geovani, você se notabilizou pela habilidade, técnica, e pelas cobranças de pênaltis. Como era ser o cobrador oficial do time quando seus companheiros eram exímios craques e ótimos cobradores também?

Eu já havia jogado no profissional em 82 no Vasco, onde fui campeão carioca e em 83, no Mundial de juniores no México, nós conquistamos o título que veio a ser inédito até então. Inclusive nessa competição, eu posso afirmar sem arrogância alguma, joguei muita bola, tanto que fui eleito o melhor jogador, marquei seis gols, coisa que eu não era muito de fazer e acabei me tornando cobrador de pênaltis em virtude do Gilmar Popoca não ter jogado contra os Países Baixos (atual Holanda), de Van Basten. Me tornei cobrador do time e tive a felicidade de ir batendo e marcando os gols. Mas na minha visão, não existe isso do craque do time ter que ser o cobrador de pênaltis, e sim o que treina melhor, às vezes o cara é craque numa coisa e não treina algum fundamento do futebol, com faltas e pênaltis, por exemplo. Eu tive a felicidade de jogar com grandes jogadores, que Inclusive eram excelentes cobradores de falta e pênaltis, mas não tinham a tranquilidade para cobrar. Eu treinei muito para ser cobrador de pênalti e falta, eu treinava demais. O que eu quero dizer é que nesses dois fundamentos, eu era muito bem trabalhado. Por isso, te digo com muita tranquilidade e serenidade que não existe ser o melhor ou o pior, mas sim o que treina mais e o treinador está vendo isso no dia a dia do clube. Já vi jogadores menos habilidosos baterem pênaltis melhor do que os que tinham mais habilidade, que eram os mais famosos do time ou eram os melhores.


Sua saída para o Bologna-ITA não permitiu que você ficasse no plantel que disputou o Campeonato Brasileiro de 1989. Se pudesse voltar no tempo, você deixaria de ir para a Itália para ser campeão Brasileiro em 1989?

Eu saí no momento que acabou a Copa América e as eliminatórias. Eu já havia sido vendido, então, tinha que ir, mas se você olhar e ver o que que o Vasco fez com o dinheiro da minha venda? Não é bom nem falar de dinheiro sobre isso pois o Vasco me vendeu muito caro na época. Depois disso, o clube contratou vários jogadores e se não me engano a contratação do Bebeto tá incluído na minha venda para Itália. Eu acredito que alguma coisa sobrou para contratar jogador, e não tinha como eu não ir, pois atravessava uma grande fase e estava indo jogar na Itália, que era o mercador em ascensão e todo mundo indo para lá, a ponto de ter dois estrangeiros e depois abriu para três em cada time, onde cheguei como o segundo estrangeiro. Depois disso, todos os times conseguiram contratar três estrangeiros, pois o futebol italiano era tão valorizado que todo jogador queria ir para lá e para você ter uma ideia de como era o negócio, a TV passava um jogo para cada final de semana, esse era o futebol italiano que todo mundo queria jogar. Eu tive propostas até da Espanha, mas o objetivo era jogar na Itália. Atualmente, o campeonato inglês e o espanhol cresceram muito, mas naquela época o campeonato italiano era o principal. É uma pena ter saído no ano do título do Vasco, mas a proposta era irrecusável.

Como foi a experiência na Alemanha em 1991, quando jogou com Oliver Kahn, no Karlsruher-ALE?

Quando fala do Karlsruher-ALE que eu joguei e que jogava o Oliver Kahn, as pessoas pensam que era um time pequeno. Mas afirmo: não era! O Karlsruher-ALE era um time fortíssimo e, para vocês do Museu da Pelada terem noção, o Oliver Kahn era reserva nesse time. Se você olhar na história do futebol alemão, procure saber quem é Mehmet Scholl, que era Karlsruher-ALE e foi comprado pelo Bayern de Munique-ALE, porque a maioria dos jogadores que era do Karlsruher-ALE ia parar no Bayern de Munique. O meu objetivo era esse, conhecer o futebol alemão e a minha saída do Bologna-ITA foi por não ter chances de jogar, pois o treinador que chegou ia trazer outros estrangeiros. No Bologna-ITA, fomos à Copa dos Campeões. Percebi que havia chegado um novo treinador e com a chegada de outros estrangeiros, o nosso técnico acabou indo para o Juventus-ITA e levou vários jogadores. Em virtude disso, ou seja, da saída do nosso treinador, com a chegada de um outro e com vários estrangeiros, não restou outra coisa fazer. Aí, fui jogar na Alemanha, onde o grande Oliver Kahn era reserva.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Todo jogador sente falta de alguma coisa depois que para de jogar profissionalmente. Mas o que mais eu sinto saudades, seja no futebol profissional ou amador, são aquelas conversas antes no jogo, a resenha de chegar no vestiário depois do jogo ganhando ou perdendo, dá saudades. Eu confesso, que sinto uma falta enorme disso, das conversas, das brincadeiras, da relação com meus companheiros de time, esse é o ambiente que me dá um enorme saudade.

Em 1994, você saiu do Vasco e deixou de fazer parte do histórico time Tricampeão Carioca. O que houve à época para sua saída já que vinha de um bicampeonato, assim como foi em 1987/88?

A saída foi porque eu tinha 50% do meu passe e o lado financeiro falou alto nessa hora. Verdade, eu poderia ter sido tricampeão, pois eu estava nesse time e aí acabei indo jogar no Tigres-MEX, mas fiz um bom contrato, no qual eu passei a ter direito do valor dos 15% também na minha venda. Neste caso, nessa transação toda, fui jogar no time mexicano e admito que valeu muito a pena, não só pelo lado financeiro mas também pela experiência de jogar em um país maravilhoso como o México.

Geovani, como todo craque, há sempre uma frustração na carreira. Qual foi a sua?

Tive poucas tristezas na carreira, mas frustração mesmo, só a de não ter ido à Copa do Mundo da Itália, em 1990, pois era o meu grande momento na carreira. Se eu falar para você que não, estaria mentindo se faltou alguma coisa na minha carreira, eu posso dizer para você que não, mas de repente no meu íntimo não vou achar isso. Eu achei, e não é apenas o Geovani que acha isso, mas vários jornalistas, treinadores, que eu poderia muito bem jogar a Copa de 90. Seria titular? Não sei. Mas sei que poderia ter ido, sem dúvida, esse é a única coisa que eu acho que eu poderia ter participado. Mas de qualquer forma, mesmo assim agradeço a Deus, eu fui além do que eu até merecia, não sei, mas Deus sabe de todas as coisas.

Defina Geovani em uma única palavra?

Abençoado por Deus. Mas se você me permite eu vou me alongar e explicar o porquê sou abençoado. Na infância, eu tive um problema nas pernas e me recuperei, por isso já é um milagre. Costumo dizer que sou abençoado, pois eu nasci com as pernas muito tortas, andava de maneira bem arcada e com os dois joelhos para fora, foi aí que tiveram que quebrar minhas pernas com alguns meses de vida, quase um aninho de idade, e engessar com uma bota para eu poder andar novamente. O pediatra falou para os meus pais que se eu andasse já estaria bom. Aí você volta andar, tem uma vida normal, não tem mais problema algum e chega a jogar futebol em um grande clube como o Vasco da Gama, e chega à seleção brasileira, que é o sonho de todo jogador, então, já é um milagre de Deus. Por isso, sou abençoado.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA AMARAL


Nascido em fevereiro de 1973 em São Paulo, na cidade do interior de Capivari – a mesma da pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973) – Alexandre da Silva Mariano escondeu por trás do sorriso a vida difícil que teve na infância.

Conhecido pelo riso solto, pelas anedotas e pela ptose – enfermidade muscular mais conhecida como pálpebra caída – ganhou rapidamente o apelido de Amaral, dado pelo avô Ditinho e ‘coveiro’, embora fosse agente funerário antes de virar jogador de futebol.

Operário em campo como se define e era definido pelos técnicos, o volante de marcação obstinada, muito fôlego e velocidade, começou a morder tornozelos nas categorias de base do Palmeiras e, a partir de 1991, ganhou espaço entre os profissionais.

Incansável dentro das quatro linhas e querido pelos companheiros de time por seu jeito bondoso, ingênuo e engraçado, o camisa 8 se tornou figura importantíssima de um dos Palmeiras mais fortes de toda a história, onde sagrou-se campeão paulista em 1993, 1994 e 1996 e bicampeão brasileiro no mesmo período.

Mesmo com suas limitações técnicas foi convocado para a seleção brasileira – com a qual ganhou uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996 – e se transferiu para o Parma, enfrentando um desafio tão grande quanto e de enterrar seu pai quando era agente funerário.

Multicampeão pelas andanças mundo afora, enfrentou o racismo com bom humor na Polônia, onde atuou pelo Pogoń Szczecin, entre 2006 e 2007.

“Jogar na Polônia foi complicado. Certa vez fomos disputar um jogo e a torcida jogou mais de 30 bananas na gente. Eu não ligo porque acho que a melhor resposta para um ignorante é o silêncio. Peguei a banana, comi, e falei que ela estava aguada e eles jogaram uma banana mais doce. Acabou o jogo, fomos para a delegacia para depor. Tínhamos um tradutor, e como eu levo tudo na esportiva, falava: pô, jogaram a banana e não era banana nanica, não era banana maçã, era uma banana estranha, amarga, que amargava nossa boca”, lembrou.

Passou ainda por Corinthians e Vasco, antes de voltar à Europa mais maduro, com 27 anos e assinou com a Fiorentina, que vinha com problemas financeiros e montava um time mais modesto que em anos anteriores.

Rodou ainda por outros clubes em diferentes países e veio a encerrar a carreira no Capivariano Futebol Clube, em sua cidade natal, no ano de 2015.

O Museu da Pelada conversou por telefone com Amaral, nosso décimo terceiro personagem da série Vozes da Bola.

por Marcos Vinicius Cabral

Você teve um começo de vida difícil. Quais as lembranças que têm dessa época?


Eu nasci na cidade de Capivari, sou capivarano e tenho muito orgulho disso. Em qualquer lugar que eu vou carregar, faço questão de carregar a bandeira da minha cidade. Realmente, meu início foi muito triste, com muita dificuldade e vou falar para você a verdade, eu nunca pensei em ser jogador de futebol, por incrível que possa parecer. Mas Deus falou assim:”Se você sofreu muito na barriga da sua mãe, agora vai sofrer mais um pouco na Terra, para depois, aí sim, eu te exaltar”. Foi um início muito triste, infância difícil, onde cheguei a passar fome. No entanto, resumindo para não prolongar essa triste lembrança na entrevista, tive essa experiência, ou melhor, um fato que marcou muito a minha vida que foi enterrar meu próprio pai, já que eu trabalhava na funerária. Foi um choque muito grande para mim e acho que tudo que eu passei na minha vida e principalmente na infância, acho que Deus permitiu que eu fosse criando um alicerce para quando chegar os baques da vida eu estivesse preparado para não esmurecer. Acho que tudo que aconteceu na minha vida foi um aprendizado.

Nascido Alexandre da Silva Mariano, como surgiu o apelido de Amaral?

Hoje sou palmeirense em São Paulo e vascaíno no Rio de Janeiro, mas na infância, quando era corintiano e muito escurinho, seu Ditinho, meu avô, me chamava de Amaral por causa do Amaral que era zagueiro e jogou na seleção brasileira em 1978. No futebol, eu cheguei como Amaral mas na verdade, queria ter chegado como Alexandre, e aí, quando eu falava para o pessoal, eles falavam para mim:”Pô, Alexandre é nome muito forte, pois Alexandre, o Grande, era um jovem príncipe que sucedeu a seu pai, o Rei Filipe II, no trono com vinte anos de idade”, e eu, era todo pequeninho, então, fiquei como Amaral mesmo. Hoje algumas pessoas me chamam de Amaral, outras de Amaralzinho e ficou registrado como Amaral. Depois surgiu outros ‘Amarais’ por causa de mim e eu surgi em razão do Amaral da  seleção brasileira.

Como surgiu o Palmeiras na sua vida?

Por meio de um primo meu chamado Osnir, pois ele tinha amizade com o ex-presidente Carlos Facchina, (presidiu o Palmeiras no triênio de 1989 a 1992). Segundo esse meu primo, ele fez um favor para o ex-presidente e pediu em troca um teste para eu fazer no clube, onde o Dr. Facchina me indicou por meio de uma carta escrita de próprio punho. Fui lá, apresentei a manuscrito dele, fiz o teste em 1992, fui aprovado e me tornei jogador profissional pela Sociedade Esportiva Palmeiras.

O Amaral sempre foi um jogador operário e que todo treinador gostaria de ter em seu time. Mas de todos eles, na sua opinião, qual foi o melhor com quem você trabalhou?

É verdade, eu sempre me dei bem com os treinadores, porque segundo eles, eu era operário mesmo. Mas teve um que eu gostei muito de ter trabalhado e que me ajudou bastante quando estava no Benfica-POR, onde ele fez eu resgatar o meu trabalho, e chama-se Paulo Autuori. Eu lembro que cheguei do Parma-ITA desacreditado no Benfica-POR, fiz um campeonato magnífico e os torcedores queriam que eu ficasse, mas o clube não tinha dinheiro para me comprar. Então, reafirmo que adorei ter trabalhado com ele, era um treinador sereno, manso, que sabia se expressar na hora certa, deixava o jogador à vontade e dava confiança, o que é o mais importante na carreira de um atleta.

O Amaral teve ou tem algum ídolo no futebol?

Eu vou na contramão daqueles que dizem ter esse ou aquele jogador como ídolo, me desculpe. Sempre fui um cara que nunca tive um ídolo, minto, tenho um sim: Jesus! Esse é o meu verdadeiro ídolo. Mas no futebol eu nunca admirei ninguém e sempre olhei para dentro de mim mesmo e acho que o meu ídolo é Jesus. Mas se for para escolher um jogador, por tudo que passou, pelos obstáculos que enfrentou para chegar onde chegou, esse jogador seria Amaral, ou seja, eu mesmo. Não sou um craque, sei disso, sou um jogador normal como tantos outros e graças a minha simplicidade e humildade, sempre joguei com os melhores e em muitos jogos, no fim das partidas, fui considerado o melhor entre os melhores pela minha vontade de vencer e aplicação.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Triste como todo mundo. Nesses dias estranhos e tão difíceis, não só para mim mas para todo mundo, a gente não queria estar nessa situação, mas Deus sabe de todas as coisas. O importante é ter arroz e feijão em nossas mesas e sabemos que existem pessoas que não têm condições de ter isso. Mas hoje, minha renda vem dos eventos e todos foram cancelados. Mas o mais importante é estar vivo, com saúde e esperar o tempo determinado por Deus para as coisas voltarem ao normal, pois isso ocorrendo, voltaremos a alegrar as pessoas com nosso trabalho.

Qual o momento inesquecível para você na carreira?

Tenho alguns e gosto de lembrar deles, mas os especiais foram quando assinei meu primeiro contrato no Palmeiras, o primeiro título de juniores em 1989, conquista que o clube não ganhava desde 1963, ou seja, há 26 anos, e o campeonato paulista de 1993, já no profissional, o Verdão não conquistava desde 1976. Esses foram os melhores momentos que passei na minha vida de jogador no Palmeiras.

E o momento a ser esquecido?

Difícil cara. Mas os Jogos Olímpicos de 96, em Atlanta. É, foi o momento mais triste, pois tínhamos condições de ganhar uma medalha de ouro e ficamos com a de bronze, onde muitos jogadores falam:”Pô, você ganhar uma medalha numa Olimpíada é gratificante”, mas não temos costume de ganhar o terceiro lugar e sim o primeiro. Mas foi um momento que marcou de verdade e todo mundo fala da Nigéria, a campeã, uma equipe magnífica e que se a gente ganhasse deles, a final seria histórica contra a Argentina. Vale relembrar que havíamos conquistado o Torneio Pré-Olímpico sul-americano de futebol, ao empatar em 2 a 2 com a Argentina, em Mar del Plata, e se o ouro fosse nosso ali, ia ser uma coisa muito legal, já que a seleção de 96, seria a base do Brasil na Copa do Mundo da França, em 98. Mas como não fomos campeões em 96, alguns jogadores como Roberto Carlos, Rivaldo, Bebeto e Ronaldo permaneceram, e os demais, acabaram sendo trocados.


Sabemos que no meio do futebol existe muita trairagem. Mas quem é o seu melhor amigo?

Sinceramente falando, eu não tenho um inimigo no futebol e até os jogadores com quem eu não joguei, se tornaram meus melhores amigos. Por isso, é difícil falar um nome e todos os jogadores brasileiros com quem eu joguei na minha época são os melhores amigos. Tenho por todos uma grande amizade. Mas não vou falar um e sim alguns, como Marcos Assunção e o Éverton, que eu joguei pouco com ele, são dois caras que me ajudaram muito. Teve o Edmilson, Denílson, Neto, Rivaldo, Marcelinho Carioca, Edmundo, Roberto Carlos, Ronaldo Fenômeno, Romário, Flávio Conceição, Sérgio, Marcos, Veloso, Odvan, Paulo Miranda, Tinga… e por aí vai.

O Dia Nacional do Futebol foi comemorado no dia 19 de julho. O que esse esporte representou na sua vida?

Eu nem sabia que o 19 de julho foi o Dia Nacional do Futebol, mas esse esporte representou muitas coisas na minha vida. Por causa do futebol, graças a Deus não passo fome, estou podendo dar essa entrevista para vocês do Museu da Pelada, sou convidado a ir em vários programas de televisão, fui convidado para fazer A Fazenda 8 em 2015, fazer o filme Os Parças 2, em 2017 e fazer o Dancing Brasil, reality show comandado por Xuxa na Record, em 2018. Então, agradeço a Deus em primeiro lugar, depois a dona Rosária, minha mãe, hoje com 66 anos, por ter me colocado no mundo e ao futebol que abriu as portas para eu conhecer o mundo.

Você acha que aquele drible que o Romário deu em você em um Corinthians x Flamengo, no Pacaembu, te marcou e o fez ser reconhecido?

Não, muito pelo contrário. Eu acho que fiquei famoso no futebol pela minha garra, minha aplicação em campo, minha vontade de vencer… mas é claro que você levar um drible te deixa marcado. Quando eu levei o elástico do Romário, eu já era conhecido, e fiquei mais conhecido ainda (risos), mas já havia chegado à seleção brasileira, era campeão brasileiro e paulista e com uma bagagem na Europa. Mas esse lance ficou marcado onde as pessoas lembram bastante do Romário pelo elástico que ele deu em cima de mim sim, sem dúvida. E na boa, te confesso: sou grato ao baixinho por ter me dado esse drible, porque os anos passam e as pessoas não esquecem, além é claro, de tomar um drible marcante de um gênio como Romário, para mim é, do fundo do meu coração, motivo de orgulho.

O racismo machuca e é um assunto recorrente no esporte. Você viveu episódios marcantes, não foi?

Já sofri muito por causa disso. No Pogoń Szczecin, time da Polônia onde joguei entre 2006 e 2007, era frequente, mas passei também em Porto Alegre. Mas antigamente, nós jogadores, ignorávamos muito. Tem uma frase de um autor desconhecido que ilustra muito isso que é “O silêncio é a única resposta que deves dar aos tolos. Porque onde a ignorância fala, a inteligência não dá palpites”, então, eu nunca me importei com as pessoas me chamando de macaco e nem jogando banana no campo, pois quando jogavam, eu ia pegando as bananas e comendo e quando estava aguada eu reclamava que poderiam jogar uma banana mais doce. Essa era a forma que eu encontrava para essas situações e sempre ignorei isso aí. Nunca dei muito valor aos ignorantes que se acham no direito de nos comparar com um macaco.

Quem foi o jogador mais difícil que você marcou?

Na verdade foram dois, que tive muita dificuldade em marcar: o Zidane e o falecido Denner. Com o craque da França, tem um fato até engraçado que em um jogo beneficente, o Amigos do Ronaldo x Amigos do Zidane, na Arena do Grêmio, em 2012, na primeira bola que o Zizou pegou, já dei uma ajuntada nele e ele virou para mim e disse: “Pô, Ama (como era chamado na Itália) isso aqui é um amistoso, não é Fiorentina-ITA e Juventus-ITA” (risos). Aí eu disse:”Vai que tem alguém aqui vendo o jogo na arquibancada e me vê te marcar, já saio daqui contratado?”, (risos). Mas brincadeiras à parte, o Zidane era um grande jogador, um cara que tenho uma enorme admiração por suas conquistas como jogador e treinador. Mas sempre foi muito difícil marcá-lo. Já o Dener foi outro jogador difícil que eu marquei no futebol. Eu tinha muita dificuldade em marcá-lo, e lembro que era minha primeira partida como profissional e me levaram para ver a fita-cassete dele. Eu vi e percebi que não seria fácil. Mas graças a Deus me sai muito bem, mas ele foi o jogador mais difícil de se marcar e o que mais me deu pesadelo na hora de dormir quando eu ia enfrentá-lo. Mais do que o Zidane. O Dener tinha as pernas fininhas e tortas e você não sabia se ele ia cortar para a esquerda ou para a direita e do nada ele ia pelo meio, além de ser muito rápido. Portanto, Zidane e Dener foram os mais difíceis que eu marquei, mas garanto: o Dener foi o mais difícil que eu marquei.

Você vestiu a camisa do Palmeiras em 244 partidas e marcou apenas um gol contra o Grêmio em um jogo na Libertadores. O que acha disso?

Eu fui um jogador que nunca fiz muitos gols na minha carreira, não me preocupava em fazer gols. Meu negócio era marcar e fazer os meias e atacantes jogarem. Às vezes saia um gol e eu ia comemorar e os companheiros falavam:”Pô, Amaral, volta correndo que você não pode nem comemorar, recupera o fôlego indo para o meio de campo”, (risos). E quando eu fiz o gol, não deu para comemorar direito porque os caras me falaram que eu veria esse gol em casa. Eu fiquei muito feliz com esse gol com a camisa do Palmeiras, e foi uma pena a gente não ter conseguido classificar naquele jogo histórico contra o Grêmio, nas quartas de final das Libertadores, em 1995. E foi engraçado que quando cheguei em casa para ver o gol, o Galvão Bueno errou meu nome na narração e me chamou de Paulo Isidoro. Ou seja, Galvão Bueno confundiu, falou Paulo Isidoro (risos).O Galvão Bueno corrigiu a narração do meu gol de Amaral, e eu vibrei no Bem, Amigos. A produção do programa então separou as imagens do lance, que foi narrado corretamente por ele 23 anos depois. Mas brincadeiras à parte, foi um momento magnífico na minha vida e depois daquele gol os times começaram a me enxergar e acabei rodando o mundo.


Você não foi bem em sua primeira passagem na Itália, mas mesmo atuando poucas vezes no Parma, sagrou-se campeão da Copa da UEFA, jogando ao lado de craques como Gianluigi Buffon, Lilian Thuram, Hernán Crespo e Tomas Brolin. Já na segunda…

Minha primeira passagem na Itália foi muito difícil, porque eu nunca tinha saído da minha cidade Capivari e fui para uma cidade totalmente diferente, uma língua que não entendia, comia macarrão todo dia, enquanto no Brasil se come apenas aos domingos, mas o bom foi que fiz várias amizades. Inclusive joguei algumas partidas da Copa UEFA e é legal, como você mencionou na pergunta, que fui campeão da Copa UEFA e como joguei algumas partidas, me considero campeão mesmo e nem sabia que eu tinha esse título (risos). Lembro da amizade com o Canavarro, encontrei um treinador que me ajudou muito que foi o Carlo Ancelotti, só que eu não tive paciência de esperar a minha chance na Itália e como estava no mercado, queria jogar,  não aceitava ficar no banco e acabei pedindo para ir embora do Parma-ITA. Então,  primeira passagem minha não foi muito boa, mas a segunda já foi melhor onde me consagrei campeão da Copa Itália, que é um título que eu carrego com muito orgulho e os italianos até hoje falam comigo, me mandam mensagens pela marca que eu deixei lá na Fiorentina-ITA. Para mim frente foi muito especial, já que eu joguei duas partidas finais, pois não joguei no decorrer do campeonato porque estava me recuperando de uma lesão no ligamento cruzado do joelho, e na hora de partir o bolo, eu joguei e para você ver, Deus às vezes, tem aquela palavra que os humilhados serão exaltados. Passei pela mesma humilhação no Parma-ITA, mas faltou um pouco de paciência comigo em me espera um pouco mais, para eu me adaptar e ao não me adaptar, acabei sendo emprestado, e depois não quis voltar. Mas Deus escreveu certo em linhas tortas e preparou minha volta em ser campeão em cima do Parma-ITA, onde consegui provar o meu valor.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

A minha lembrança como jogador no Maracanã, o palco onde todo atleta sonha um dia jogar, foi a final da Taça Guanabara de 2000, entre Flamengo e Vasco, e o clube vascaíno goleou por 5 a 1 o rubro-negro, onde nesse jogo eu quase fiz um gol de cobertura no Clemer e a bola bateu na trave. Se aquela bola entrasse, seria 6 a 1 e um momento marcante da minha vida.

Nós do Museu da Pelada e seus leitores gostaríamos de saber alguma história engraçada. Pode nos contar?

Infelizmente não. Eu não posso contar mais histórias, pois eu faço shows de stand-up comedy e sou contratado por uma empresa que está me  patrocinando. Mas basta procurar no Google as histórias do Amaralzinho, que vocês do Museu da Pelada e seus leitores  irão ler muita coisa engraçada a meu respeito. Me desculpem, mas vou ficar devendo essa.

Defina Amaral em uma palavra?

Iluminado.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA FALCÃO


Pegar dois ônibus para chegar no treino não era problema para o filho de seu Bento e de dona Azise, que vendia garrafas vazias para pagar suas passagens. 

Quando não conseguia dinheiro, seu Jofre Funchal, treinador da base do Internacional, financiava.

Certo dia, o pai, um caminhoneiro experiente, e a mãe, uma costureira dedicada, quebraram o ‘porquinho’, pegaram as economias guardadas, e compraram sapatos novos para o filho ir para o treino.

Naquele dia, cerca de trezentos meninos aproximadamente passaram pelo vestiário antes e depois do treino para tentar convencer seu Jofre, de que eram craques.

Na ocasião, um deles surrupiou os sapatos do menino, que ao não encontrá-los começou a chorar.

Ao ver as lágrimas do menino, seu Jofre foi numa loja perto do estádio e comprou um par de tênis brancos, para que ele não voltasse descalço para casa. 

Feliz com o presente, mas temeroso ao chegar em casa com medo de levar uma coça, seu Bento e dona Azise perceberam que os tênis eram maiores que os pés do filho, começaram a rir e o menino, acabou rindo junto.

Mas se o menino franzino e bom de bola deu alegria aos pais na infância, Falcão, jogador consagrado, deu ao Internacional três campeonatos brasileiros, em 1975, 1976 e 1979.

Mas o fim se aproximava de forma lenta, porém, suave como a elegância de um cisne de pernas compridas que caminhava no solo verdejante dos campos no Brasil e mundo afora.

Até o dia em que disse: “Chegou a hora de ir!”.

A frase saiu certeira como flecha da boca de Paulo Roberto Falcão, na sala de José Asmuz (1927-2016), presidente do Internacional, e acertou seu peito.

Durante anos, o dirigente colorado  engoliu a seco por ter vendido o maior craque da história do clube em seus 111 anos.

“Chegou a hora dele ir”, dizia à época, sem revelar a razão do negócio.

No entanto, as cinco palavras que construíram a frase que saiu da boca do maior jogador do Sport Clube Internacional, mudou a sua história e o destino do futebol brasileiro.

Sua coragem em meter a mão na maçaneta da porta de entrada para a Europa e abri-la, foi o suficiente para outros jogadores fazerem o mesmo.

Com um futebol elegante, conquistou o campeonato italiano de 1982/83, as copas da Itália nos anos de 1980/81, 1981/82 e 1983/84, e assim como Nero Cláudio César Augusto Germânico, imperador romano, que acendeu fogo em Roma, ele, Falcão, acendeu a paixão no coração do torcedor romanista e pôs fogo no Estádio Olímpico, na cidade que leva o nome do clube que defendeu e onde se tornou Rei.

Fogo intenso que seria apagado com três baldes de água fria jogados pela Itália em 1982, na Copa do Mundo da Espanha, onde foi destaque da equipe de Telê Santana que encantou o planeta.

O craque que fez história com a camisa 5 do Internacional e do Roma, porém, antes de avisar ao presidente José Asmuz que queria sim, se transferir para a Europa, pediu a opinião de Dona Azise, sua mãe. 

“Vai, meu filho! Vai conquistar o mundo”, ouviu como resposta.

Obediente, ele foi.

O Museu da Pelada entrevistou Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma, que contou um pouco da carreira e do desejo em voltar a ser treinador de futebol, na série Vozes da Bola.

por Marcos Vinicius Cabral

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Sinceramente, eu não lembro em ter uma grande inspiração, mas talvez o Pelé, pela qualidade como atleta de futebol, pela relação que ele tinha com seus fãs e a forma com que ele tratava essas pessoas, então, seguramente, tenha sido ele a minha inspiração.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que ele representou para o Falcão?

Eu acho que na realidade o futebol acontece todos os dias, não só profissionalmente, mas tem futebol todo dia nas escolas, nas escolinhas de futebol, no meio da rua, futebol está para a gente todos os dias do ano. Então, o Dia Nacional do Futebol é sim, os 365 dias do ano.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?


Em casa e lendo, normalmente coisas do futebol, vendo jogos, analisando alguma coisa interessante que possa ter acontecido no jogo, tipo uma falta ensaiada, procurando prestar atenção em jogadores, fazendo isso basicamente, enfim, pois é o que podemos fazer, né?

Quem foi seu melhor treinador?

Quem foi meu melhor treinador? Olha, eu tive vários treinadores, como por exemplo seu Jofre Funchal, na escolinha do Internacional, que me deu muita força; depois o Ernesto Guedes, que me colocou de segundo jogador de meio-campo de meia esquerda para centro médio; depois Dino Sani, que me tirou das categorias de base faltando um ano para chegar ao profissional e me colocou no time principal do Internacional; o Rubens Minelli, que me ajudou muito quando fui para ser segundo homem no meio-campo, além de sua competência; o Ênio Andrade, três vezes campeão brasileiro, pelo Internacional, Grêmio e Coritiba, uma grande figura e com uma capacidade de leitura de jogo impressionante; tive o Nils Liedholm, na Roma-ITA, me ajudou demais, era sueco e como veio antes para Itália, passou pelo mesmo processo que eu de adaptação. Vale ressaltar que o  Nils Liedholm, além de ser uma figura extraordinária e com um carisma enorme, a nível de conhecimento, para os leitores saberem, jogou na seleção sueca e fez o primeiro gol da Suécia contra o Brasil, na Copa do Mundo de 1958 e a seleção brasileira acabou vencendo por 5 a 2. Portanto, esses foram os meus melhores treinadores.

Podemos dizer que você foi pioneiro em ir jogar no mercado italiano. Depois Zico, Toninho Cerezo, Júnior, Casagrande, Renato Gaúcho e outros craques brasileiros da década de 1980 tiveram passagens, mais ou menos vitoriosas, pelo país. Tudo porque um catarinense de Abelardo Cruz resolveu seguir o conselho da mãe e foi para a Europa tentar conquistar o mundo. Na sua opinião, o que você atribui tamanho sucesso?

Realmente, fui o primeiro a ir para a Itália, o mercado estava fechado, e ao abrir, eu fui. Eu sabia que eu tinha que ir bem, eu me preocupava com isso, embora desde no início a saudade fosse forte, mas eu sabia que estava ali com a responsabilidade de abrir mercado para outros brasileiros. O começo sempre é difícil, mas eu fui muito bem recebido pelos jogadores, pelo próprio treinador Nils Liedholm, e isso me ajudou muito na minha adaptação, até porque na época era um estrangeiro só por clube, então era muito mais difícil a adaptação. Na verdade, eu fui para lá sabendo que as coisas não seriam fáceis, e é bom frisar que eu não fui com o corpo e deixei a cabeça no Brasil, como alguns jogadores fazem, ou seja, eu fui inteiro para lá. E tenha certeza, que só assim, do jeito que te falei, eu poderia me adaptar rapidamente, como aconteceu. Mas minha ida para a Itália, tem muito a ver também com a minha idade, tinha 26 para 27 anos, havia feito muita coisa no Brasil, estava com a cabeça feita, e sempre tive uma boa base familiar. Não cheguei na Itália deslumbrado e isso ajudou bastante. As dificuldade que passei na infância, sempre tive o apoio de meus pais e meus irmãos.

Em 30 de agosto de 1980, você estreou pela Roma, em um amistoso contra o Internacional, jogo disputado no Estádio Olímpico de Roma. O jogo terminou empatado em 2 a 2 e quais as lembranças dessa estreia exatamente contra o clube do seu coração?

Foi um jogo festivo e estava dentro do contrato que ocorreria esse jogo. Foi isso, foi uma festividade apenas.

A Roma foi campeã em 1982/83, com duas rodadas de antecedência e quebrou o jejum de 41 anos sem títulos. Para os torcedores romanos, você sucedeu Tarquínio, o Soberbo, comoa oitavo Rei de Roma. É o título mais importante da sua carreira?

Foi uma grande conquista sim, ser campeão com ap Roma-ITA, depois de tanto tempo, 41 anos. Foi um título fantástico, porque era muito difícil ser campeão jogando no contra os times do Juventus, Internacional, Milan, embora o Milan vivesse uma grande dificuldade naquela época, mas havia a Fiorentina que atravessava um bom momento, mas na realidade foram quatro anos maravilhosos, sendo que no primeiro ano, nós já merecíamos ganhar o campeonato. No campeonato de 1980/81, realmente foi um escândalo o gol que anularam, que era o gol praticamente do campeonato. Se você der uma pesquisada aí, você vai ver que faltando três jogos, um ponto atrás do Juventus, na época se jogava por dois pontos e não três como hoje, e com aquela vitória nós passaríamos à frente deles e com dois jogos teoricamente mais tranquilos: um em casa e um outro fora. Então, certamente aquele gol anulado escandalosamente, nós daria o título, já no primeiro ano, em 1980/81. Aquilo ficou em nós, jogadores, um gosto amargo e dez dias depois, no mesmo ano, ganhamos a semifinal da própria Juventus, na Copa da Itália, e depois vencemos o Torino, e fomos campeões.


Você formou um meio de campo memorável na Seleção Brasileira ao lado de Toninho Cerezzo, Sócrates e Zico na Copa do Mundo de 1982. Foi um pecado aquele time não ter conquistado o título?

É, eu joguei com um meio-campo forte, com Cerezo, Sócrates, Zico, era uma seleção muito forte mesmo. Foi um pecado a gente não ter conquistado, não conquistamos o título sabe, mas seguramente conquistamos o título de encantamento, onde o mundo seleção se encantou com aquela seleção. Até hoje, todo mundo pergunta dessa seleção, quer saber dessa time, até mesmo vocês do Museu da Pelada estão me perguntando sobre essa seleção de 1982. Por quê? Porque 82, estamos falando de 38 anos atrás e que ainda se se fala dessa seleção, significa dizer, que essa equipe jogou bem e emocionou. Não ganhou, é verdade,  mas jogar bem e emocionar, mesmo você não ganhando, você fica na história, que é o caso dessa seleção.

Antes de assumir como treinador a Seleção Brasileira em 1991, você comentou, ao lado de João Saldanha, a Copa do Mundo da Itália pela extinta Rede Manchete. Como foi essa experiência?

Minha convivência foi muito boa, infelizmente o João (Saldanha) acabou falecendo lá na Itália, em 1990, e era uma grande figura, muito divertido, uma pessoa que ficou marcado no futebol brasileiro nessa época de comentarista e no período em que foi técnico da seleção brasileira. Mas foi uma experiência muito boa trabalhar na Manchete, e antes da Copa, eu apresentei o programa chamado ‘Itália de Falcão’, onde eu mostrava para as pessoas de modo geral, em especial para os brasileiros que fossem viajar para a Itália, o que eles poderiam fazer além dos jogos da Copa. Então, foi uma experiência muito importante, inclusive ganhando até prêmio esse programa com o (diretor) Nilton Travesso, uma grande série e que me deixou muito realizado em termos de televisão. Mas foi ali que o (ex-presidente da CBF) Ricardo Teixeira pensou em mim como treinador e depois acabei assumindo a seleção brasileira. Acabei não ficando por enes motivos que nem vale citar no caso, pois faz muito tempo.

Você viveu um hiato de 17 anos, entre 1994 e 2011, sem dirigir uma equipe no futebol. Por que ficou longe da bola esse tempo todo?

Na realidade eu resolvi ficar um pouco mais em Porto Alegre, comecei a pensar em voltar para a televisão e fiz televisão na RBS do Rio Grande do Sul e em seguida fui contratado pela Rede Globo, onde fiquei até 2011. Aí, comecei a pensar em voltar a treinar, dirigir uma equipe, me deu saudades da adrenalina, dos treinamentos, dos coletivos, das jogadas ensaiadas, do papo com os jogadores. Foi quando o Internacional me fez o convite e eu acabei aceitando e voltei aos gramados.

O início de sua carreira como treinador, foi após o fiasco na Copa do Mundo de 1990. Na ocasião, você sofreu uma pressão enorme, decorrente de resultados inexpressivos, combinada a uma forte cobrança por parte da imprensa. O que você atribui o fato de não ter permanecido nem um ano à frente da Seleção?

Eu assumi a seleção em 1990, com o objetivo de nos primeiros quatro meses, observar o que o futebol brasileiro tinha para oferecer em termos de jogadores. Felizmente, deu a possibilidade de surgir Cafu, Leonardo, Mauro Silva, Márcio Santos, que acabaram se tornando importantes na conquista da Copa de 1994, nos Estados Unidos. Isso sem falar dos jogadores que não foram usados na seleção, mas que se destacaram muito em seus clubes, como os casos de Cléber, que saiu do Atlético Mineiro para ser multicampeão no Palmeiras, o Adilson Batista, o Luís Henrique, que era do Bahia e foi jogar na Europa, o Mazinho Oliveira, que saiu do Bragantino e foi para a Europa também, ou seja, muitos jogadores se destacaram porque foi dado a eles a oportunidade de vestirem a camisa da seleção brasileira. Ali, eu como treinador, não pensava muito em resultado e não tinha como pensar nisso, para se ter uma ideia no primeiro jogo contra a Espanha, que vinha de uma Copa do Mundo dois meses antes, e no nosso time, ninguém havia viajado para a Europa. Então, nosso objetivo era esse, dar experiência e conhecer os jogadores para que a gente pudesse utilizar depois na Copa do Mundo de 1994, que foi o que o Parreira fez. E inclusive, lembro até que ele disse em uma entrevista quando reconheceu a importância desse nosso trabalho e que o ajudou muito para ele já saber com quais jogadores poderia contar nesse Mundial, que acabou nos dando o título.


Como treinador do América do México, conquistou a Copa Interamericana em 1991 e a Copa dos Campeões da CONCACAF no ano seguinte. Como foram esses dois títulos como treinador?

Como treinador do América-MEX, eu cheguei à final da Concacaf, campeonato que leva para disputar o Mundial de Clubes, mas não fiz a final, saí antes. Lembro que ganhamos a semifinal, aí saí, depois o América-MEX conseguiu ganhar e ser campeão. Foi fantástico, esse título é difícil, como se fosse ganhar uma Libertadores por aqui. Então, foi uma conquista extremamente relevante.

No comando da Seleção Japonesa entre 1994 e 1995, em 9 jogos, você teve 3 vitórias, 4 empates e 2 derrotas. Por que saiu?

Quando eu fui para a seleção japonesa, era um contrato de oito meses e o objetivo de renovação. Lembro que o Japão não havia se classificado para a Copa dos Estados Unidos de 1994 e vivia um grande momento de desilusão. No entanto, nós fomos para lá, eu, Gilberto Tim, preparador físico, o Abelha, treinador de goleiros que já estava lá e fizemos um ótimo trabalho com esse objetivo. Mas existia lá no Japão, uma necessidade de trocar treinador a cada ano e eu nunca entendia o porquê, pois sempre trocava, trocava e trocava, sem razão de ser. Eu, como treinador, cumpri rigorosamente o meu contrato. Deu para lançar alguns jogadores que depois acabaram de destacando na seleção principal.

Você fez um intercâmbio na Fiorentina-ITA e foi um dos fundadores da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol (FBTF). Como foi a experiência no clube italiano e qual o propósito da Federação? Ela ainda existe?

Fui um dos que participei da FBTF (Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol) sim. Achei que poderia se ter um pouco mais de força mas não está tendo a força que eu imaginava, pois existem muitos bloqueios e não se consegue fazer aquilo que seria o ideal para o futebol brasileiro em termos de treinadores, assim como para os clubes também. A entidade surgiu com o intuito de representar os interesses da categoria no Brasil, na busca por profissionalizar, regularizar e organizar a categoria no País.O objetivo da FBTF é que a gente tivesse um respeito maior só profissional e que se pudesse estabelecer algumas regras importantes, evitar essa troca-troca dos treinadores em clubes, por exemplo. Às vezes, um clube demite quatro, cinco técnicos por ano e às vezes algum deles ficam sem receber desse determinado clube. Quando você caracteriza que não pode mexer em mais do que dois treinadores no ano, você dá ao clube a opção dele escolher melhor o seu profissional. Isso tem que ser uma relação saudável, de federação, clube e os próprios CEO’s, que são os gestores do futebol. Bom, sobre o intercâmbio, eu sempre fiz essas viagens para conversar com treinadores, tive na Fiorentina-ITA, tive no Centro Técnico de Coverciano, na Itália, e isso é bom, pois você conversa com profissionais de outros países, para se ter esse intercâmbio de diálogos, onde se troca ideias e eles gostam muito do futebol o. Nessas viagens, falei com Vincenzo Montella, treinador da Fiorentina-ITA, com Luciano Spalletti, treinador da Roma-ITA, José Mourinho, atualmente treinador do Tottenham-ING, Carlo Ancelloti, ex-treinador da seleção italiana, Cesare Prandelli, atual treinador do Genoa-ITA… enfim, com vários profissionais do futebol e isso sempre nos enriquece também.

Desde novembro do ano passado, as marcas de seus pés estão na calçada em Mônaco, após ser eleito como Lenda do Esporte Mundial durante a 17ª edição do Prêmio Golden Foot. Você imaginou que o filho de Dona Azise, chegaria tão longe?

Foi um outro grande momento ser colocado como lenda do esporte em sua 17ª edição do Prêmio Golden Foot. Para ser sincero, nunca havia pensado nisso e já haviam me convidado algumas vezes, por meio do Antônio Calino, que é o organizador disso lá em Monte Carlo, em Mônaco, na França, mas nunca dava para ir, ou estava treinando, e a impossibidade por outros motivos e tal, mas resolvi ir nesse e fui muito legal. Na ocasião, o Luka Modrić, jogador do Real Madrid estava lá, e foi muito legal, sem falar que o prêmio é muito importante, pois colocar o pé nessa ‘Calçada da Fama’, foi inesquecível.


Você virou tema de uma exposição na Embaixada do Brasil na capital italiana, ano passado. Amostra “Falcão, Ottavo Re” (em português, “Falcão, Oitavo Rei”), exibiu uniformes históricos usados por você, como um par de chuteiras e mais de 50 fotos e um painel biográfico. Você tem a dimensão do que Paulo Roberto Falcão representa para a Roma?

Foi muito legal, muito legal mesmo, foi mais um momento de satisfação profissional e de muita felicidade. Mas fiquei mesmo impressionado com o número de visitantes em que a exposição ficou lá em Roma. Essas homenagens são mais importantes que um título, que um gol, sabe. O fato do reconhecimento em vida é uma coisa que deveria ser feita com todos os profissionais que assim merecem. Já sobre ser Rei, não sei, eu acho que, ser considerado o Rei é uma brincadeira (risos) que eles fazem, mas eu nunca me considerei Rei, longe disso, apenas é uma maneira muito, muito, vamos dizer muito graciosa que os romanos tinham para dar carinho aos seus jogadores, nesse caso específico, dar carinho ao Falcão.

 Faltou algo na sua carreira?

Sempre falta alguma coisa, mas como treinador, eu posso te assegurar que gostaria de montar um time para poder trabalhar. Eu sempre lembro de uma entrevista do Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, que disse: “Sinceramente, eu não entendo como os treinadores brasileiros conseguem montar times, porque são demitidos a cada dois ou três meses, por causa de dois ou três resultados negativos, quando eu, em um ano de trabalho, não consigo montar”, então,  você tem que ter paciência, tem que ter um bom grupo de jogadores com qualidade e enfim… montar um time não é fácil mas também não é muito difícil se você tiver as condições para isso.

Defina Falcão em uma única palavra?

Essa definição eu deixo para você, para os leitores do Museu da Pelada, e para quem for ler a entrevista.