Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Vozes da Bola

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA RENATO PÉ MURCHO


Nas peladas no campo do Buenópolis Futebol Clube ou na rua ao lado da Paróquia Imaculada Conceição de Morungaba, era comum o pequeno Nato fechar os olhos, e em seu imaginário, ouvir o locutor Fiori Gigliotti (1928-2006), da Rádio Bandeirantes, narrar um gol seu.

Carlos Renato Frederico nasceu na cidade de Morungaba, região metropolitana de Campinas, situada sopé da Serra das Cabras. Era um adolescente de 16 anos que amava Os The Beatles e o Palmeiras, clube de coração em que tentou a sorte nas peneiras. Aprovado na Academia, desistiu em virtude da distância e esforço do seu pai, José Frederico, falecido em 2018, que sempre o acompanhava nos treinos perto da Rodovia Anhanguera. Mas foi a 26 quilometros da pacada Morungaba que Renato, em Campinas, que Renato chegou ao futebol profissional. Chegou ao Estádio Brinco de Ouro da Princesa em outubro de 1974. Passados 11 meses, Renato vestiu a camisa verde, não do Palmeiras, mas do Bugre, pela primeira vez.

Mas, se a primeira vez é inesquecível, o que dizer do primeiro (e único) título brasileiro conquistado três anos depois, em 1978, ao lado de Neneca, Mauro, Gomes, Édson e Miranda; Capitão, Zenon; Careca e Bozó? Era um time que jogava por música, e Renato, com a camisa 8, ao lado de Zenon, ambos eram os responsáveis pela jogadas de criação. No time dirigido por Carlos Alberto Silva, Renato não acanhou-se por causa da pouca idade e foi o terceiro jogador a mais fazer gols naquela campanha memorável do título do Guarani.

Inteligente e com uma visão de jogo privilegiada, Renato unia elegância à incansabilidade dentro de campo, pilares de sustentação para ir longe na carreira e poder assim chegar à seleção brasileira. Seus dribles insinuantes e seus passes certeiros, levavam artilheiros a consagração. Foi assim com Careca no Guarani, e dois anos depois, com Serginho Chulapa quando o centroavante detonou o Santos após aproveitar o passe do ‘Pé Murcho’.

Mesmo com motivos de sobra para ser o camisa 10 de Telê Santana (1931-2006), foi à Copa do Mundo de 1982, na Espanha, como síntese de um grande jogador. Qualidades para jogar aquela Copa do Mundo na terra de Salvador Dali (1904-1989) e Pablo Picasso (1881-1973), gênios da pintura, ele tinha à sua frente, nada mais, nada menos que Zico, seu companheiro de quarto no Hotel Parador de Carmona, na capital da Andaluzía. Sócrates era outro jogador que Renato tinha companhia nas resenhas mais particulares na concentração.


E Renato, o menino que fechava os olhos nas peladas, pode enfim, realizar algo muito maior que seu sonho de menino que era escutar no rádio o conceituado locutor esportivo Gigliotti narrar seus gols com seu bordão marcante: “é gol, é gol, é gol! Goooooooooool, Renato, o moooooooço de Morungaba”.

O Vozes da Bola desta semana é com aquele apelidado por Juninho Fonseca como ‘Pé Murcho’, mas que nos momentos decisivos, não murchava. Renato jogou também no Japão defendendo as cores do Yokohama Marinos e Kashiwa Reisol. No Brasil, destacou-se no Guarani, São Paulo e Atlético-MG. No Rio de Janeiro, vestiu a camisa do Botafogo em 1985 e fez parte de um time que arrastava um jejum longo sem títulos que teria um fim em 1989. Jogou na Ponte Preta e Taubaté. Na seleção brasileira, esteve presente entre 1979 e 1987.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Você é um ex-jogador que não teve a base ou os fundamentos aperfeiçoados no futsal, e aos 16 anos, foi treinar no seu time de coração. Como foi a experiência e o motivo, se é que existe, do não aproveitamento?

Joguei algumas partidas de futebol de salão, mas no fundo sempre gostei mesmo era jogar futebol de campo. Mas essa história da dispensa não procede. Na verdade, eu nunca fui dispensado do Palmeiras. Eu treinava às terças e quintas, levado por meu pai. Treinava, mas não tive oportunidade nos três meses que estive neste processo. Nem amistosos eu era aproveitado. Surgiu a oportunidade de fazer um teste no Guarani. Foi convidado pelo senhor Adaílton Ladeira e não pensei duas vezes. Fui para Campinas, mostrei meu futebol e fui aprovado. Graças a Deus, eu não tive essa decepção da dispensa.

Em 1978, sob o comando de Carlos Alberto Silva, e ao lado de Zé Carlos e Zenon, você era peça de um meio de campo de respeito mesmo tão jovem. Quais as melhores recordações de ser campeão brasileiro por um time fora da capital?

Falar daquela equipe de 1978 é muito gostoso. Tive a honra de jogar com Zé Carlos e Zenon e acho que tivemos um bom desempenho que acabou ajudando o Guarani a conquistar grandes vitórias. Claro, que o Careca foi importante também, mas essa façanha de conquistar um título importante, como era o Campeonato Brasileiro, ajudou profissionalmente a todos daquele grupo. Eu acho que todos tiveram a oportunidade de sair e fazer sua vida no futebol. Ser um time do interior e conquistar como a gente conquistou me dá um orgulho imenso, cara! Eu fui o único jogador daquele timaço que jogou todas as partidas e isso eu guardo com muito carinho no meu coração.


No primeiro semestre de 1980, você chegou ao Morumbi e viveu sua melhor fase na carreira ganhando um Brasileiro e um bicampeonato paulista que o credenciaram a fazer parte do elenco da Copa do Mundo de 1982 e jogar a Copa América no ano seguinte como titular. Mesmo no auge você saiu do São Paulo e veio para o Botafogo? Qual o mistério desta saída mesmo estando em alta no São Paulo?

O São Paulo Futebol Clube teve um momento importante na minha vida profissional. Já era um jogador amadurecido e comecei a fazer partidas boas. Não demorou muito para ser convocado novamente por Telê Santana para as Eliminatórias. No fundo, a saída do São Paulo para o Botafogo foi devido ao Cilinho tentar fazer uma reformulação naquele grupo no final de 1984. E eu fui um dos escolhidos. Mas demonstrei dentro do campo que eu tinha condições, sim, de permanecer no time e até como titular com ele. Mas o tempo foi passando e quando me apresentei no começo de 1985, o Cilinho me colocou para treinar, em separado, e isso é até bom contar para que os torcedores do São Paulo saibam. Insatisfeito, fui ao presidente do clube e perguntei se ele poderia me emprestar para o Corinthians, Santos ou Palmeiras, mas sua resposta foi um sonoro não. Foi nesse período que chegou o Botafogo, me ofereceu uma condição boa, o time possuia excelentes jogadores em seu plantel. Chegar ao Rio de Janeiro, em 1985, jogar em um grande time e tentar ir à Copa do Mundo de 86 era o meu objetivo. Mas infelizmente não foi bom para mim.

Revelação e decisivo no Guarani, ídolo e decisivo no São Paulo e grande articulador e quase decisivo no Atlético Mineiro, e reserva de luxo de Zico na Copa do Mundo de 1982. Você havia chegado à Espanha com dois títulos brasileiros. Deu água na boca estar no grupo, mas não ter jogado nenhuma das partidas?

Eu me preparei tecnicamente e fisicamente para quando surgisse a oportunidade em ficar no banco de reservas, tivesse alguma oportunidade de jogar um pouco a Copa do Mundo. Eu sei que o nível era muito alto com jogadores do meio de campo da seleção de 1982, como Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. E por coincidência, eu fui companheiro de quarto na primeira fase em Sevilha, com o Zico. Lembro que depois do segundo jogo contra a Escócia, eu perguntei para o Zico se ele poderia me deixar jogar uns 10 minutos eu entrar um pouco em um jogo daquela Copa do Mundo. A resposta dele foi que ele não ia pedir para sair em nenhum jogo pois o seu objetivo era ser artilheiro da Copa e campeão do mundo. Foi então que caiu a ficha e eu fiquei sabendo que dificilmente eu jogaria, pois era reserva dele. Mas todos ali tinham em mente ser campeões e tinham também objetivos pessoais. Não culpo o Zico por isso, até porque, eu era seu reserva e só poderia entrar em seu lugar caso o treinador optasse. Mas que eu queria estar em campo naquela Copa do Mundo, eu queria (risos).


Na Copa, seus companheiros de quartos foram Zico e Sócrates. Como foi a convivência? Pode nos contar alguma história?

História eu não lembro. Na primeira fase, ficamos na cidade de Sevilla e fiquei no quarto com o Zico, um cara sensacional e um grande jogador, um dos melhores que vi. Depois, na segunda fase, em Barcelona, fiquei com o Sócrates. Lembro que os quartos do hotel eram grandes e havia uma antessala, onde, às vezes, o “Magrão” se reunia com o Pedrinho, Juninho e a galera que gostava de jogar um baralho e conversar. Eu participei algumas vezes e sempre quieto, gostava de dormir cedo. Não era muito de ficar junto com ele. Mas o Sócrates foi uma pessoa muito inteligente, cracaço de bola, era nosso capitão e a gente tinha por ele um enorme carinho e respeito.

Há uma história que diz que o ‘Pé Murcho’, foi um apelido dado por Sócrates e não por Juninho Fonseca, como muitos dizem. Embora o apelido não lhe agradasse, você reconheceu a deficiência. Foi então que passou a treinar finalizações?

Tenho que defender o Sócrates nessa, pois quem me deu esse apelido foi o Juninho Fonseca. O motivo? Até hoje não sei. Talvez seja pela rivalidade entre Guarani e Ponte Preta, mas acho que foi uma brincadeira. Mas a revista Placar fez uma matéria com os apelidos de todos os 22 jogadores do Brasil na Copa do Mundo e eu não tinha apelido nenhum. Aí, o Juninho resolveu me apelidar. Mas o negócio foi pegando porque eu era um jogador que fazia poucos gols de fora da área e eu comecei a trabalhar mais finalizações. Mas esse ‘Pé Murcho’ em alguns momentos me atrapalhou na carreira, pois não é fácil ser jogador de futebol com um apelido desses. Mas graças a Deus melhorei muito na época do São Paulo, e hoje, quando alguém me chama de ‘Pé Murcho’, aceito numa boa.

Voltando à Seleção de 82, na sua opinião, o Brasil não ganhou aquela Copa do Mundo por quê?

O Brasil não ganhou aquela Copa do Mundo porque errou três vezes e isso é crucial numa competição de tiro curto. Vale frisar que antes de assistir pela segunda vez a partida contra a Itália, eu sempre falava que havia sido uma fatalidade do futebol, mas analisando friamente, não foi. O Brasil não chegou às semifinais porque no jogo contra os italianos a nossa seleção errou três vezes que originaram os gols. E isso foi fundamental para que o Brasil perdesse aquele jogo. A Itália fez 1 a 0 e o Brasil foi lá e empatou com um gol do Sócrates, em uma linda jogada do Zico. Tomou o segundo, depois de um erro do Cerezo, e em seguida, empatou também, em uma linda jogada de ultrapassagem do Cerezo que levou a marcação de três italianos e o Falcão teve o gol para bater bem na bola e fazer o 2 a 2. E no terceiro gol deles houve erro também, pois todos os jogadores do Brasil estavam dentro da área, o que era coisa rara até então. Foram esses os erros que acabaram sendo fatais para que o Brasil fosse desclassificado na Copa do Mundo de 1982.


E falando em Botafogo-RJ, por que não deu certo?

Eu tinha certeza que na minha chegada ao Botafogo a gente ia fazer uma boa campanha na Campeonato Brasileiro e conquistar o Carioca. No primeiro trimestre as coisas funcionaram bem, estrutura de clube grande, como era no Guarani e São Paulo, mas depois disso o negócio ficou esquisito. Comecei a perceber graves sinais de uma total crise financeira no clube. Os treinamentos Marechal Hermes num total abandono, uma inadequada estrutura nos juniores, uma relação conflituosa no elenco com sintomas evidentes de desunião dos jogadores e essa experiência me abalou bastante. Acabei desfocando minha parte física e técnica e isso me prejudicou no Botafogo. Era 1985, o Telê (Santana) começou a convocar para as eliminatórias e nesse período que não pude ser o Renato de antes acabei não sendo aproveitado. Tanto que eu fiquei no Botafogo um ano apenas e cheguei, em janeiro de 1986, ao Atlético Mineiro.

Seu renascimento começou a partir de 1986, negociado com o Atlético Mineiro, onde conquistou três títulos estaduais. Como foi jogar no Galo?

A minha ida para o Atlético Mineiro se deu na volta das minhas férias quando estava concentrado com o Botafogo em Três Rios. Um diretor de futebol chegou para mim e falou que eu deveria sair do Rio de Janeiro, pois as coisas ficariam difíceis no Glorioso e se eu gostaria de jogar no Galo. Eu disse sim, e acabei indo. Essa ida para Minas Gerais acabou sendo importantíssima para mim, porque ao chegar no clube eu revi alguns jogadores de seleção brasileira, e era uma outra estrutura, sem querer desmerecer o Botafogo. No entanto, era só cuidar da parte física que eu ia voltar a jogar e ser o Renato do Guarani, da Seleção e do São Paulo. Mas o Atlético Mineiro era um grande clube, e realmente, foram três anos e meio bons. Tão bons que acabei voltando em dois amistosos para a Seleção Brasileira. Por pouco, bem pouco mesmo, não fizemos duas finais de Campeonato Brasileiro, já que tínhamos time para isso. Até hoje, guardo no coração esse clube muito importante na minha vida profissional.

É verdade que teve um Atlético Mineiro x Minas, em que você fez três gols em três minutos?

É verdade. Esse jogo do Campeonato Mineiro foi, se não estou enganado, em 8 de maio de 1988, em Boa Esperança. Consegui fazer três gols em menos de três minutos, mas o que vale é a súmula do árbitro. Foi um jogo bom e uma coisa marcante na minha vida. Lembro que vencíamos o jogo por 4 a 1 e, de repente, fiz três gols. E teve uma curiosidade nesse jogo que foi a tentativa de fazer uma jogada plástica sobre o zagueiro adversário, um sujeito muito forte que virou e falou para mim: “Ué, não está contente não, quer fazer mais gol? Na próxima, se vier de gracinha, vou te dar uma porrada”, disse enfezado (risos). Fiquei na minha, era final de jogo, mas esse feito foi uma marca que acho que ninguém bateu até hoje. Será que alguém que for ler essa entrevista vai saber responder essa pergunta: algum jogador de futebol, seja daqui do Brasil ou lá de fora, conseguiu a façanha de fazer três gols em três minutos? Tá lançado o desafio (risos).


Em 1989, você levou o Nissan Motors, atual Yokohama F. Marinos, ao título do Campeonato Japonês, sendo artilheiro e eleito para a seleção do torneio. Permaneceu lá até 1992, disputando a temporada inaugural da J-League pelo Kashiwa Reysol. Como foi jogar na terra do Sol Nascente?

Eu tive a oportunidade de jogar no Japão em 1989, na Nissan Motors, por meio do Oscar, zagueiro, que havia ido para lá em 1987, como jogador e virou treinador em seguida. Lembro que ele acabou me levando e foi importante para minha vida profissional e para minha família. Enfrentamos dificuldades de adaptação, a língua, os costumes, e não foi fácil, mas em relação a jogar fui muito bem. Fui campeão e duas vezes artilheiro do Campeonato Japonês. Em quatro anos e meio que passei no Japão, disputei quatro finais, ganhei três e uma perdi nos pênaltis. Foi uma passagem maravilhosa em um país totalmente diferente do nossos costumes. Tive uma passagem de seis meses no Kashiwa Reysol tendo uma contusão no joelho e joguei muito pouco. Voltei ao Brasil para me recuperar e terminar minha carreira com dignidade. E graças a Deus isso aconteceu.

Veteraníssimo, defendeu ainda a Ponte Preta e o Taubaté, onde se aposentou. Que balanço você faz da carreira?

Voltei para o Brasil por causa de problemas no joelho e minha recuperação foi feita na clínica do Dr. Nivaldo Baldo, em Campinas. O Oscar havia acabado de acertar para ser treinador do Guarani, coincidentemente, na clínica do Dr. Nivaldo Baldo. Ele aproveitou para falar com o Beto Zini sobre a possibilidade de me autorizar fazer alguns coletivos para adquirir ritmo de jogo, visto que eu estava fazendo a recuperação física em sua clínica há três meses. Como ele não autorizou, o Dr. Nivaldo ligou para a Ponte Preta, explicou a situação e eu pude fazer esse coletivo. Porque é importante falar disso? A Ponte Preta abriu as portas para que eu pudesse voltar a jogar futebol e provar para o médico japonês que disse que eu estava acabado para o futebol e andaria de muletas. Mesmo aos 36 anos voltei a jogar futebol e agradeço muito a Ponte Preta em duas passagens por lá, em 1994 e 1996. Já o Taubaté surgiu por meio do jornalista Sérgio Baklanos, falecido em 1999, que pediu para eu auxiliar o treinador que era novo, e assim eu fiz por um tempo, tanto que o meu último gol como profissional foi contra o Atlético de Sorocaba. O balanço que faço da minha carreira é de realização de um sonho. Foi o máximo para mim jogar em grandes clubes do futebol brasileiro, no exterior, ganhar títulos e ser reconhecido como ídolo.

Quem foi seu ídolo no futebol?

Leivinha. Primeiro por ser de família palmeirense, e segundo, por ter um estilo bonito de jogar com a camisa 8. Tive apenas uma oportunidade de conversar com ele quando eu estava chegando no São Paulo e ele saindo. Eu disse o quanto gostava dele. E lembro que comentei que gostaria de vencer no futebol assim como ele.

Quem foram seus melhores treinadores?

Adaílton Ladeira, Carlos Alberto Silva e Telê Santana. Foram três treinadores excepcionais e que foram importantíssimos na minha carreira. O Ladeira me ensinou muito na base e nos profissionais quando tinha apenas 17 anos. O Carlos Alberto Silva, no Guarani, no título inesquecível de 1978 e depois no São Paulo, clubes em que me dirigiu e extraiu o melhor de mim a ponto de ter me levado as duas últimas vezes para a seleção brasileira quando também jogava pelo Atlético Mineiro. E o Telê que, além de convocar-me para participar das Eliminatórias da Copa do Mundo de 1982, ajudou-me a conquistar uma Bola de Prata em 1987, jogando como centroavante numa posição que não era a minha no Atlético Mineiro.


Você jogou numa época em que cada clube tinha um camisa 10 que causava medo nos adversários. Quem foi o maior camisa 10 do futebol?

O maior camisa 10 na seleção brasileira que eu vi foi o Zico. Sem duvidas. Já em clubes, principalmente, nos que joguei como Guarani e Atlético Mineiro foi o Zenon. Foi um privilégio jogar ao seu lado, me dei muito bem com o estilo de jogo dele e com uma facilidade impressionante de jogar futebol. Para mim esses dois camisas 10 foram os melhores que vi jogar.

O que o futebol significou para o Renato ‘Pé Murcho’?

A realização de um sonho de criança e uma profissão na vida. Nada melhor do que você fazer o que gosta, e em cima disso, treinar, se profissionalizar e conquistar as coisas em etapas.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

O início do isolamento social foi difícil para todos. Eu e a Jane, minha mulher, procuramos ajudar um ao outro caminhando juntos. Já no trabalho, as coisas melhoraram e estamos tomando todos os cuidados para não sermos surpreendidos com esse vírus. Seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde e evitando toques ou abraços aqui em Morungaba, onde coordeno o sub-11 e sub-13, e em Campinas, onde coordeno o sub-17 e sub-20. Esperamos ansiosos pela normalização do convívio social.

Defina Renato ‘Pé Murcho’ em uma única palavra?

Um sonhador realizado na profissão.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ACÁCIO


Nascido na cidade de Sobral, no Ceará, Antônio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes já era o consagrado Belchior (1946-2017) quando compôs os versos de Divina Comédia Humana, em 1991, e logo na introdução da canção cita um goleiro:

“Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol

Quando você entrou em mim como um Sol no quintal

Aí um analista, amigo meu, disse que desse jeito

Não vou ser feliz direito”… ou seja, essa música é capaz de captar a realidade de uma forma logopathos (emoções+lógica), segundo o filósofo grego Aristóteles.

Mas se ouvir as músicas de Belchior é como o ato de retirar o ‘capuz mágico’ que nos impede de captar a realidade em prosa e verso de suas canções, o que dizer de Acácio Cordeiro Barreto desnudo de dúvidas botou na cabeça que seria goleiro de futebol?

Convenhamos, não existe ingratidão maior do que vestir a camisa número 1, usar as mãos para defender e não os pés para atacar, calçar luvas e ficar parado numa determinada faixa do campo (a grande área) esperando a bola chegar para participar do jogo.

Mas explica isso para Acácio, que se tornou profissional dos 17 anos no gol do Americano e pensa que ser goleiro é ser herói e vilão numa bola vadia. É querer evitar o inevitável sempre achando, lá no fundo, que dava pra defender o mais indefensável dos chutes.

Para ele que vestiu com maestria a camisa 1 do Vasco da Gama, ser goleiro é jogar um jogo coletivo de forma quase individual e depois de uma grande defesa, ainda que não te agradeçam, saiba que você é tão importante quanto o atacante.

Que os digam os 915 minutos sem tomar gol no campeonato brasileiro de 1988, tornando-se o quarto arqueiro a ficar tanto tempo sem ver suas redes desvirginadas pelo ímpeto das bolas salientes e libidinosas.

Mas Acácio soube reconhecer suas falhas em momentos inconvenientes e sabe melhor do que ninguém, que falhas fazem parte, pois só quem joga lá sob as traves sabe o quanto defesas que parecem fáceis podem ser bem mais difíceis do que se espera.

Enfim, ser goleiro como Acácio foi é ser o coração do time, mesmo num jogo onde o principal objetivo você deve evitar: o gol!

O Museu da Pelada traz Acácio, um dos maiores goleiros do Vasco, do futebol brasileiro e que bateu um papo descontraído para a série Vozes da Bola.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como foi a infância do pequeno Acácio Cordeiro Barreto em Campos dos Goytacazes?

Minha infância foi cercada de cuidados porque eu venho de uma família de sete irmãos e sou o caçula. Minha infância resumiu-se ao colégio e jogar futebol. Eu jogava em um time chamado São Cristóvão, que ficava próximo à minha casa, e ali a coisa mais ou menos começou. Eu tinha um amigo com bom relacionamento com pessoas do Americano e acabei indo jogar lá. Na época era dente de leite e foi nesse momento que iniciei no futebol.

Acácio, como foi o começo de sua carreira em 1978?

Foi no Americano. Vale frisar que em Campos sempre existiu uma rivalidade muito grande entre três clubes: Americano, Goytacaz e Rio Branco. Lembro que fomos campeões invictos no dente de leite, e eu como goleiro menos vazado do que o rival, que era do Goytacaz, time que torcia na minha infância. Coisas do destino e do futebol. Após ter sido campeão pelo Americano no dente de leite, preferi ir para um outro clube de menor potencial que era o Municipal Futebol Clube. Lembro que essa escolha teve um peso ainda maior porque amigos meus estavam jogando no Municipal e o treinador era um ex-goleiro chamado Paulo. Na minha concepção, eu tinha certeza que eu sendo treinado por um ex goleiro eu iria melhorar muito a minha condição técnica e foi por esse motivo a minha opção de mudança do Americano para o Municipal.


Antes de chegar ao Vasco, em 1982, você foi o camisa 1 do Rio Branco-RJ, clube em que foi titular com apenas 17 anos. Como foi essa experiência?

Eu estava jogando pelo Municipal Futebol Clube aos 17 anos e aconteceu uma história curiosa, pois pouca gente sabe e vai ser legal os leitores do Museu da Pelada ficarem sabendo. Eu estava no colégio assistindo aula quando a diretora pediu licença, entrou e dirigiu-se em minha direção dizendo que tinha alguns senhores lá na sala dela que queriam falar comigo. A professora me liberou e acabei indo lá para falar com aqueles homens. Conversamos e eles falaram que tinham passado na minha casa e conversado com meu pai e que ele havia assinado um contrato, e que se eu assinasse, seria profissionalizado com 17 anos pelo Rio Branco de Campos. A gente sabe que, quando o pai assina, é uma obrigação nossa respeitar essa assinatura. O que eu fiz foi respeitar a assinatura do meu pai e assinei com o Rio Branco aos 17 anos, me tornando profissional. Basicamente, eu me tornei titular no Rio Branco e joguei por dois anos. Em seguida, fui emprestado para o Comercial-MT, onde treinei por um tempo, mas não quis ficar, pois era muito novo e estava longe dos amigos e familiares. Retornei ao Rio Branco, fui emprestado para o Goytacaz e retornei seis meses depois. Entre idas e vindas de empréstimos, em 1978, meu pai faleceu e a pessoa que me dava a maior estrutura no futebol, além dos meus irmãos. Depois disso eu pensei em abandonar o futebol. Prestei vestibular de Direito em Campos e fui aprovado. Minha ideia era essa, ou seja, largar o futebol e fazer a faculdade. Certa vez, era início de janeiro, estava em casa, e o Ronaldo Soares Bastos, supervisor do Serrano de Petrópolis, que já havia trabalhado comigo no Goytacaz, me convidou para fazer um teste no Serrano. Eu disse que não iria porque não queria mais saber de futebol e faria minha faculdade de Direito. Ele entrou em contato com o Ricardo Batata, um amigo meu, sem eu saber, para ele me convencer a treinar lá no Serrano. O Ricardo foi na minha casa, conversou comigo e me convenceu a conhecer a cidade. Como estava de férias mesmo eu fui. Era época de muitas chuvas no Rio, em 1980. Lembro-me como se fosse hoje a serra de Petrópolis quase fechada, árvores caídas, muito frio. Numa sexta-feira o Ronaldo foi me buscar na rodoviária com um casaco e tremendo de frio. Passei um fim de semana lá. Na segunda-feira, fui ao treinamento, descemos a Serra Velha e fomos em Pau Grande, Magé, cidade do Garrincha, onde o Serrano fazia alguns treinamentos para poder preservar a condição do gramado do seu estádio. Logo no meu primeiro coletivo, cujo treinador era o Denílson, ex-atleta do Fluminense, conhecido como o Denílson Rei Zulu, acabei voltando para Petrópolis onde fui selecionado para ir a Campos e que era para tentar um acordo com Rio Branco para ser contratado pelo Serrano.

Destaque no Serrano, de Petrópolis, e no Campeonato Carioca de 1980, você fechou o gol contra o Flamengo de Zico & Cia. Pode nos contar um pouco dessa partida histórica para o time petropolitano?

Em 1980, pelo Serrano, tivemos um jogo histórico que marcou todos os atletas do Serrano Futebol Clube. Foi a célebre partida contra o Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Tita, e Cia. Nós ganha por 1 a 0. De vez em quando as pessoas me perguntam qual a maior partida que eu fiz na minha carreira? É lógico, que fica sempre aquela que você conquista títulos, porque isso é o que marca na carreira de um jogador de futebol. E aí, as pessoas logo lembram do jogo contra o São Paulo, no Morumbi, em 1989, onde fui campeão brasileiro pelo Vasco. Mas de todas as partidas que joguei em toda carreira, sem sombra de dúvidas, a maior delas foi contra o Flamengo, em Petrópolis, vitória nossa com gol do Anapolina. E pouca gente sabe que eu estava nessa partida, porque, infelizmente, no futebol, só fica marcado quem faz o gol. Quando se fala de Serrano x Flamengo, as pessoas citam muito mais o Anapolina do que eu, e poucos sabem que eu estava nesse jogo. Mas pouquíssimas pessoas têm ciência disso. Mas reafirmo que foi a maior partida que eu fiz em toda minha carreira. Depois desse jogo contra o Flamengo, começaram a me olhar de uma outra forma. Muitas equipes se interessaram na minha contratação mas nada concreto. Fiquei mais um ano no Serrano, até 1981, e nesse período o Guarani despertou interesse em mim, mas já estávamos conversando com o Vasco e fui contratado fazendo minha estreia em 1982.

Sua chegada ao Vasco foi marcada por uma missão árdua: assumir o lugar de Mazaropi. Na reta final do campeonato de 1982, o então técnico do Vasco Antônio Lopes, modificou cinco posições do time, a começar pelo goleiro, e assim você passou a titular no lugar do Mazaropi. Como encarou o desafio?


Assinei meu primeiro contrato em janeiro de 1982 no Vasco e saí em 1991. Foram nove anos e meio como jogador do Vasco da Gama. Confesso que não foi fácil! Meu início foi muito difícil porque eu lutava pela posição de titular contra um goleiro que tinha uma história linda no clube, cria do Vasco chamado Mazaropi, goleiro este com títulos incontestáveis. Mas em 1982, ano de Copa do Mundo, no início do segundo semestre, houve a Copa dos Campeões e o Mazaropi estava sem contrato. Recordo-me que joguei essa competição e fui muito bem. Depois veio o Campeonato Estadual que o Vasco não ganhou turno nenhum, porém, somou mais pontos que os campeões do turno e returno, e se não me falha a memória, foram o Flamengo e o América. Mas houve um Flamengo e Vasco em que o nosso treinador Antônio Lopes, mesclou a equipe e um desses jogadores fui eu. Jogamos bem e ganhamos por 3 a 1 do Flamengo. Eu fiz uma partida muito boa. Na semana da decisão, estávamos sentado no gramado e alí mesmo o Antônio Lopes já começou a falar que ia fazer algumas alterações para o primeiro jogo da decisão, que seria entre América e Vasco. Uma delas seria eu entrar nesse jogo decisivo no lugar do Mazaropi. Ganhamos de 1 a 0 com gol do zagueiro Ivan e fiz uma partida espetacular. Em seguida o Flamengo vence o América, e a final fica entre Flamengo e Vasco, ano em que conquistei meu primeiro título em cima do Flamengo. Vale ressaltar que foi o mesmo Flamengo que havia perdido dois anos antes para o Serrano, quando eu era goleiro lá. Mas esse título foi especial por ser contra um grande time do Flamengo, campeão Brasileiro, campeão da Libertadores, do Mundial.

Durante nove anos seguidos, você se tornou o dono absoluto da camisa 1 vascaína, com exceção apenas no ano de 1984, quando fez revezamento com outro grande goleiro. Como era a convivência de vocês e o que aprendeu com ele?

Em 1983, o Vasco contratou um goleiro chamado Roberto Costa, que havia feito uma campanha excepcional pelo Atlético Paranaense naquele ano. A partir dali, eu tinha uma sombra, já que é muito bom para que a gente não se sinta titular absoluto e se acomode. Isso foi muito importante para mim, pois ficamos fazendo um revezamento com ele em que joguei algumas partidas e ele permaneceu titular por alguns jogos em 84 chegando a ser convocado para a seleção brasileira quando o treinador era o Edu, irmão do Zico. Mas depois eu retornei e com muito trabalho retomei a titularidade para nunca mais sair da equipe do Vasco.

Em 1987 e 1988, o Vasco conquistou o bicampeonato Carioca em cima do Flamengo que tinha um super time, campeão da Copa União.

O Flamengo sempre foi nosso maior rival, no entanto, sempre encarei qualquer jogo com seriedade e profissionalismo. Não existe jogo motivacional, pois penso que jogo é jogo, e sempre entrei nos jogos concentrados para vencer. O bicampeonato de 87 e 88, foi contra o Flamengo. Em 87, o gol do Tita, e em 88, o gol do Cocada, acabaram ficando na história porque o Cocada era reserva, entrou aos 42 minutos, fez o gol aos 43 e foi expulso dos 44. Mas foi o que ficou na história e é como eu sempre digo, é uma pena, mas o goleiro às vezes, faz uma partida espetacular, garante o resultado e não é muito comentado nem em partidas como essas duas. É bom ressaltar que estou comentando isso não porque fico triste, muito pelo contrário, me dá satisfação imensa lembrar dessas conquistas, mas parece que os gols tanto do Tita como do Cocada, parecem ter mais valor e é mais falado que a minha atuação junto com meus companheiros de defesa que foram brilhantes também nesses títulos.

Na Copa União de 1987, Flamengo e Vasco se enfrentaram em um jogo marcado pela polêmica e violência. No entanto, o segundo gol da vitória rubro-negra, em cobrança de pênalti, você abraçou o Zico e deu uma força para ele que um ano antes havia perdido um pênalti na Copa do Mundo do México em 1986. Lembra dessa partida em que o Vasco perdeu por 2 a 1? O que você disse para o camisa 10 do Flamengo?

O campeonato brasileiro de 1987 foi muito difícil para todos, pois existia uma briga pelo poder entre clubes e CBF. Tanto que o nome daquela competição foi Copa União, exatamente porque o futebol brasileiro naquele ano precisava de união. Entretanto um ano antes, em 1986, na Copa do Mundo do México, o Brasil foi eliminado nos pênaltis pela França e durante o jogo o Zico perdeu um pênalti que poderia ter levado o Brasil para próxima fase (semifinal). No retorno do Zico ao Brasil, um ano depois daquela eliminação, Flamengo e Vasco se enfrentaram pela Copa União. Lembro que nós perdemos para o Flamengo por 2 a 1 e o gol da vitória deles foi um pênalti cobrado pelo Zico, em que ele bate, eu vou na bola e ela passa próxima da minha mão. Depois do gol, eu me levanto e abraço o Zico em respeito pelo profissional, pelo ser humano, independente de ser adversário, tem que reconhecer o ser humano que ele é, a pessoa e o atleta exemplar. E eu o abracei em reconhecimento a tudo isso e também por ter, além disso, cobrado bem aquele pênalti. Mas vale frisar que durante toda semana a torcida do Vasco comentou que eu tinha deixado o gol do Zico com “peninha” dele e essas bobagens todas. Foi tanta coisa que eu ouvi do torcedor do Vasco, sabe? Jamais eu me sujeitaria a uma coisa dessa. Sempre fui profissional e se tivesse que pegar o pênalti do Zico eu pegaria, pois fui na bola para defendê-la, apesar de achar que o Zico merecia sim, fazer aquele gol e provar que todo jogador de futebol é passivo de erro. Mas por respeito aos torcedores vascaínos e pela lisura do futebol, eu sempre tive esse cuidado em respeitar as coisas e sempre fui honesto com meus princípios. Mas essa história acabou marcando porque os torcedores do Vasco acharam que eu deixei aquele pênalti entrar.

Na história do campeonato brasileiro, você é o quarto goleiro que ficou mais tempo sem tomar gols, feito de 1988, com impressionantes 915 minutos, sendo superado por Rogério Ceni do São Paulo em 2007 com 988 minutos; Leão do Palmeiras em 1973 com 1.057 minutos; e Jairo do Corinthians em 1978 com 1.132 minutos. O que esses números representam na sua carreira e o que você acredita ter sido fundamental para ficar tanto tempo sem tomar gol?

Eu joguei nove anos e meio pelo Vasco e foram nove anos e meio maravilhosos. Mas eu tive três anos importantes com a camisa do Vasco que foram em 1987, 1988 e 1989. No entanto muito mais marcante do que os outros anos foi o ano de 1988, já que que eu fiquei 915 minutos sem tomar gols e sendo superado dezenove anos depois por Rogério Ceni, em 2007. O motivo desse recorde é o goleiro reconhecer que o mérito não é só dele, e sim, de toda equipe, pois a marcação começa lá na frente com os atacantes. Então, nada mais justo do que dividir com meus companheiros essa importante marca que é um recorde que me orgulha muito. Esse período em que fiquei no Vasco me ajudou muito, principalmente, o ano de 1988, pois pude jogar a Copa América de 1989 e a Copa do Mundo da Itália em 1990. Essa longevidade sem tomar gols contribuiu para isso.

Você foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira em 1989 e participou da conquista da Copa América daquele ano como reserva. Como foi conquistar um título tão aguardado e como era a disputar a titularidade com Taffarel?

Vivi quatro anos consecutivos maravilhosos em São Januário. Conquistei os bicampeonatos contra o Flamengo, depois o Brasileiro de 89 contra o São Paulo e meu caminho para a seleção brasileira foi se tornando acimentado. Fui convocado pelo Sebastião Lazaroni, treinador no Vasco em 87 e 88, e em alguns momentos, até briguei com o Taffarel pela camisa 1. Mas era indiscutível que o Taffarel seria o titular, jogador que iniciou sua carreira no Internacional muito novo e já disputando títulos. Foi muito cedo para Europa jogar na Itália, então, isso tudo isso ajuda na escolha do treinador. Mas o Taffarel nem se discute, dispensa comentários e fomos campeões juntos na Copa América. Ele, titular, e eu, seu reserva, o que não me inferioriza em nada. Pelo contrário, foi uma conquista importante na carreira.

No ano de 1989, além de levantar o caneco do tricampeonato do Troféu Ramón de Carranza (em 87 e 88 os títulos foram vascaínos), você contribuiu de forma efetiva fechando o gol no segundo título nacional do Vasco, na decisão contra o São Paulo, em pleno Morumbi. Como foi aquele título?

Depois de ganhar a Copa América no Brasil, em 89, eu conquistei dois troféus Ramón de Carranza, torneio importantíssimo disputado na Espanha. Se você for visitar São Januário e entrar nasala de troféus, você vai ver três taças Ramón de Carranza, dos quais duas eu ajudei a conquistar. São os três troféus mais bonitos de São Januário, não os mais importantes, mas os mais bonitos que têm lá dentro. Para fechar com chave de ouro esses três anos espetaculares que tive no Vasco em 87, 88 e 89, vem o Brasileiro e a decisão contra o São Paulo no Morumbi. Foi um título inesquecível com a vitória por 1 a 0, gol do Sorato Fiz uma partida para ficar guardada no coração do torcedor vascaíno. Lembro de duas defesas extremamente difíceis que garantiram o título. Uma delas foi especial, milagrosa em que o jogador do São Paulo dá uma cabeçada para o chão e eu vou lá buscar. Mas graças a Deus deu tudo certo, quebramos um jejum de 15 anos sem título brasileiro e essa conquista foi muito importante para minha carreira.

Ainda em 1989, você quase barrou Taffarel às vésperas do Mundial de 1990, no entanto, após levar quatro gols em uma partida amistosa contra a Dinamarca, em uma tarde de sol em Copenhagen. Porque Acácio não repetiu as boas atuações naquele jogo? O que houve ali?

Neste jogo contra a Dinamarca só jogaram atletas que atuavam no Brasil. Infelizmente, por obra do destino, acabamos perdendo por 4 a 0 da Dinamarca. Me lembro bem desse jogo. Não tive uma boa perfomance, mas o time todo não esteve bem. Não tive culpa nos gols sofridos sendo um deles de penalti. A seleção dinamarquesa era espetacular e regida pelo grande Michael Laudrup, um grande jogador à época. Mas mesmo com essa atuação nesse jogo e bem próximo da Copa do Mundo da Itália, quase houve uma indecisão do nosso treinador sobre o goleiro que começaria jogando, porque os problemas com a premiação com o patrocinador afetaram a parte psicológica do Taffarel. Mas ele contornou a situação, foi titular daquele mundial e acabou escrevendo uma bonita história na seleção brasileira.

Na Copa do Mundo de 1990 na Itália, na condição de segundo goleiro, como foi fazer parte daquele Brasil, que até hoje, é chamado por parte da imprensa ‘Era Dunga’?

A seleção brasileira de 1990 tinha todas as condições de conquistar a Copa do Mundo da Itália. Mas ela saiu daqui com muitos problemas e isso começou quando, nós jogadores, descobrimos que o valor da premiação que nos apresentaram não era verdadeira. Isso gerou um desconforto enorme no grupo e decidimos que os jogadores e comissão técnica iriam tapar na foto oficial o patrocinador master que vocês sabem quem era. Ficou também decidido que membros da comissão técnica como roupeiros, massagistas e outros, não fariam isso, ou seja, não tapariam o patrocinador na foto oficial, para não serem prejudicados. Quando chegamos na Itália o valor total do dinheiro em dois envelopes, um sendo divididos apenas pelos jogadores, e o outro com toda comissão técnica que não taparam o patrocinador, um problema seríssimo. Este fato rachou o grupo totalmente. E aí você vai para uma Copa do Mundo com esses problemas internos que acabam interferindo no desempenho dentro de campo. E deu no que deu, fomos eliminado pela Argentina numa partida em que o Maradona fez uma única jogada e o gol do Caniggia nos eliminou. Mas depois o Brasil perdeu gols incríveis. Foi melhor na partida e acabou sendo eliminado da Copa do Mundo precocemente. Infelizmente, ficou marcado pela “Era Dunga’ injustamente, porque o Dunga foi um jogador com uma breve passagem pelo Vasco em 1987, ano em que jogou a Taça Guanabara. Foi um atleta exemplar, de um caráter irretocável e personalidade acima da média, que ficou marcado. Mas ainda bem que depois ele conseguiu reverter toda aquela situação e se tornou campeão e nosso capitão na Copa do Mundo seguinte.

Qual goleiro foi fonte de inspiração para você?

O melhor que eu vi jogar foi o Manga. Ele, na época que jogava no Botafogo, eu lembro que fui emprestado pelo Rio Branco de Mato Grosso, e na oportunidade, fui ver um jogo entre Operário x São Paulo em que o Manga teve uma atuação simplesmente espetacular. Depois desse dia eu me inspirei nele e quis ser goleiro profissional.

E o melhor preparador de goleiros com quem trabalhou?

Eu não poderia citar o melhor preparador de goleiros porque seria uma injustiça da minha parte. Na minha carreira, graças a Deus, tive bons preparadores. Alguns iniciaram a carreira comigo e se tornaram grandes profissionais. Por exemplo, eu poderia citar o Nielsen, que foi meu treinador quando iniciei a carreira no Vasco, e anos depois, chegou à seleção brasileira, treinando-me, assim como o Taffarel e o falecido Zé Carlos. Tive também um grande treinador chamado Jair e que era do Rio Grande do Sul. Ele muito importante na minha vida. Tive o Jair Bragança, ex-goleiro do Vasco na época do Andrada e do Mazaropi, campeão brasileiro em 1989 com a gente e meu amigo até hoje. Então seria muito injusto em citar o melhor, mas te afirmo que esses citados foram os melhores que passaram enquanto fui goleiro.

Ano passado o Maracanã completou 70 anos. Quais as suas recordações do estádio?

O ano de 2020 foi difícil para todos nós, mas tenho algumas lembranças boas e positivas. Uma delas foi o aniversário do Maracanã, que comemorou seus 70 anos. Foi mais que um simples estádio de futebol, pois um palco em que tive a oportunidade em ter conquistado três títulos estaduais e onde fiz grandes jogos. Costumo dizer que o Maracanã, assim como São Januário, eu conheço na palma da minha mão.

Qual foi o melhor Vasco que você viu jogar?

O melhor time que foi Acácio, Paulo Roberto, Fernando, Donato e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani, Tita e Bismarck; Roberto e Romário.


Ao longo de sua história, o Vasco teve grandes goleiros como Nelson da Conceição, Jaguaré, Barbosa, Andrada, Mazaropi, Roberto Costa, você, Carlos Germano, Fábio e tantos outros. Na sua opinião, porque – com exceção de Barbosa em 1950 – nenhum foi titular numa Copa do Mundo?

A história do Vasco da Gama sempre foi recheada por grandes goleiros, como Nelson da Conceição, e Jaguaré. Esses eu não os vi jogar, assim como Barbosa. Depois tivemos Andrada, Mazaropi, aí vem a minha geração no início da década de 1980 e na década seguinte a do Carlos Germano, em 1990. Depois tivemos Hélton, Fábio e muitos outros que eram crias das categorias de base do clube. No meu caso, especificamente, cheguei aos 21 anos, muito jovem, me sinto como se tivesse começado ali em São Januário. Agora sobre os grandes goleiros do clube não terem sido titulares na seleção brasileira, com exceção do Barbosa, é questão de momento a explicação para isso, né? Eu acho que o futebol é momento, e quando fui convocado, lembro bem que chegamos a fazer um revezamento com o Taffarel, mas são coisas que acontecem na vida profissional do goleiro. Eu era o goleiro titular na derrota para a Dinamarca por 4 a 0 no amistoso em 89 e, em seguida, entra o Taffarel no jogo seguinte e a seleção ganha. Independente da atuação, ele permanece como titular. Assim é o futebol. E teve também a geração do Carlos Germano que escreveu uma história linda no Vasco com vários títulos conquistados e o mais importante: foi o goleiro do centenário em 1998 na Copa Libertadores, que é o título mais importante da linda história do Vasco. No entanto, ele é convocado em seguida para a seleção, mas tem que encarar o Taffarel, campeão do Mundo em 1994, para brigar pela camisa 1. É complicado, né? O mais importante na minha opinião é o Vasco ter jogadores convocados para fazerem parte do grupo na seleção, coisa que aliás, há muito tempo isso não acontece.

E como foi o “Jogador de jogo grande”, apelido popularizado por Romário na época do Vasco?

Às vezes minhas atuações em competições eram razoáveis, sem cometer falhas, no entanto eu crescia quando chegava em jogos importantes ou decisivos. E o Romário me deu esse apelido, porque ele viu as minhas atuações em grandes jogos e com toda humildade do mundo, reconheço isso (risos). Então, a gente tem que falar a verdade e eu fui um goleiro de jogos decisivos pelo Vasco da Gama. Isso não tenho dúvidas!

Como tem enfrentado esse isolamento social?

Em relação a esse momento que nós atravessamos, minha vida é como a de todos que têm consciência do momento. Tenho me preservado muito, saindo pouco, torcendo para que essa vacina venha logo e que a gente consiga passar dessa situação o mais rápido possível. Infelizmente, tem muitas pessoas que não têm a consciência do grave momento que estamos atravessando. Rezo muito a Deus que ilumine a todos e, principalmente, os governantes, que consigam liberar essa vacina e que a gente possa passar por isso com mais tranquilidade.

Como definiria Acácio em uma palavra?

Eu me definiria como uma pessoa amiga.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA PC CAJU


Ícone do movimento Black Power no futebol brasileiro, Paulo Cézar Lima ou PC Caju, como ficou conhecido ao longo da carreira, soube conquistar seu espaço sempre com posicionamentos firmes e atitudes irreverentes.

Com a autoridade de quem simbolizou o futebol habilidoso e provocador, PC Caju quebrou as correntes da pobreza que aprisionavam seus desejos e seu talento, e liberto, deixou de ser escravo do próprio sonho que um dia tornaria-se realidade: ser jogador de futebol!

Preso ao Glorioso, que tem como escudo uma Estrela Solitária, reluzente em seu peito em tantas e tantas partidas, PC Caju encobre seu coração alvinegro nas doces lembranças que vai contando por aí.

Versátil, saía-se bem no meio e na ponta. Jogou na seleção do Tri, no melhor Botafogo de todos os tempos, foi peça luxuosa na engrenagem da ‘Máquina Tricolor’ e bicampeão pelo Flamengo.

“No Vasco, fui vice”, diverte-se.

PC Caju nasceu no Rio de Janeiro, em 1949. Meia-armador de estilo elegante e ponta-esquerda driblador. Na infância, ia para General Severiano admirar seus ídolos. Adolescente, já treinando entre eles, encantou nada mais, nada menos do que Gérson, Canhotinha de Ouro, que convenceu o treinador Admildo Chirol a selecioná-lo entre os profissionais para uma excursão que o Botafogo faria a Europa.

Foi bem e sendo sucesso para gringo ver. Na volta, estreou no Maracanã com três gols na vitória por 3 a 2 contra o América, no Maracanã, na decisão da Taça Guanabara. Ficou conhecido nacionalmente como jogador do Botafogo, sendo várias vezes campeão e inclusive da Taça Brasil de 1968.

Na Copa do Mundo do México, em 1970, no auge de sua forma física e técnica, entrou no lugar de Gérson, contundido – o mesmo Gérson que apostou todas as suas fichas no garoto – em duas ocasiões: contra a Romênia e Inglaterra, partida em que fez sua melhor exibição. O Brasil venceu por 1 a 0, gol de Jairzinho e Zagallo ainda ouviu do perplexo Alf Ramsey, treinador inglês: “How is such a player a reserve on your team? (Como um jogador desse é reserva em seu time?). O Velho Lobo engoliu a seco e uivou em silêncio.

Nascido e criado no Morro dos Tabajaras em Botafogo, PC Caju conheceu países na palma das mãos, ou melhor, na sola dos pés.

Sem condições financeiras de comprar uma bola de futebol, torcia para que as meias-calças de dona Esmeralda, sua mãe, rasgassem para serem jogadas fora. E do lixo, nasceu um sonho. As meias eram recheadas com jornal e transformavam-se em bolas, o início de tudo, o nascimento de um gênio.

O Museu da Pelada traz PC Caju em corpo e alma para mais uma entrevista da série Vozes da Bola, nessa primeira semana do Ano Novo que se inicia.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda


Nascido em uma favela carioca, você tinha o sonho de fazer sucesso no futebol e sair da miséria. Como se deu o início da sua carreira?

Eu nasci na Favela dos Tabajaras, em Botafogo. Não conheci meu pai biológico, fui criado por Dona Esmeralda, minha mãe, e tive uma vida pobre. Desde moleque, pegava no lixo as meias-calças que minha mãe usava como touca e as transformava em bolas de meia para jogar na rua com meus amigos. O futebol esteve comigo desde a minha infância. Eu sempre quis ser jogador, mas não imaginava que fosse ter a carreira que eu tive. Mas sempre sonhei e sabia que tinha condições para isso. Comecei a jogar futebol de salão no Flamengo, aos 10 anos de idade, e foi aí que a vida começou a mudar. Havia um menino que jogava lá comigo chamado Fred e a gente se identificou muito. Eu sempre ia para a casa dele e numa dessas idas ele sugeriu ao seu pai, o senhor Marinho Oliveira, treinador do Flamengo, à época, que me adotasse. E foi o que ele fez. E dos 10 aos 12 anos, comecei a viajar com ele, pois ele era treinador e teve uma carreira respeitável no Equador e Honduras, onde dirigiu a seleção local. Lembro que Dona Esmeralda, minha mãe, entendeu que essa mudança seria o melhor para mim e fui morar com eles sem me afastar dela. Passamos a morar em Tegucigalpa, capital de Honduras. Eu treinava com os jogadores hondurenhos que iam servir à seleção. Isso foi por dois anos e meio. Aos 15 anos de idade, chegamos na Colômbia e comecei a jogar profissionalmente, primeiro no União Magdalena, de Santa Marta, cidade natal do Valderrama, e depois no Junior Barranquilla. Em minha estreia, ao lado de Dida e Escurinho, vencemos o Millionarios por 5 a 2 e fiz três gols.

Como surgiu o apelido Caju, que tornou-se quase um sobrenome?

Surgiu na volta de uma excursão com o Botafogo para o Estados Unidos. Fiquei encantado com o movimento negro. Gostei do estilo, de como se posicionavam e se vestiam, com calça boca de sino, cabelos black power coloridos. Antes de pegarmos o voo de volta decidi entrar em um salão e pedi para pintar o meu cabelo de um tom alaranjado. Quando desembarcamos em São Paulo, alguns torcedores gritaram “Caju” e o apelido pegou. Eu devo ter sido o jogador mais perseguido pela imprensa. Vaiavam-me muito porque eu falava o que pensava, agia da forma que eu achava que tinha que agir, não abaixava a cabeça nunca e tive confrontos seríssimos com a imprensa, principalmente a paulista. Hoje eu não me importo tanto, mas não gosto. Sou Paulo Cézar Lima e o Caju, não é que me incomode, mas eu prefiro ser chamado de Paulo Cézar Lima.

Aos 17 anos, você tornou-se jogador do time principal do Botafogo e participou de sua primeira temporada no Glorioso. Era a realização de um sonho?

Claro que era a realização de um sonho jogar no time que eu admirava. Recordo-me que eu ia para General Severiano assistir os treinamentos e ficava pegando bolas atrás do gol. Realmente, era o time dos sonhos, e logo em seguida, eu pude estar ali participando junto a eles, formando o ataque com Roberto Miranda, Jairzinho e Rogério. Realmente, foi a realização de um sonho. Estreei no Botafogo aos 17 anos a pedido do Gérson. Eu já jogava profissionalmente em excursões e ele sabia disso. Eu não passei pelas categorias de base, de onde Zagallo era o treinador Não sei qual seria o meu futuro com Zagallo e, por isso, meu pai sugeriu ao presidente do clube que eu fosse testado no time de cima, comandado por Admildo Chirol. No primeiro treino meti três e no dia seguinte mais três. O Gerson praticamente intimou o Chirol a me levar na excursão que os profissionais fariam. Eu fui e me saí muito bem ao lado de feras como o próprio Gérson, Sebastião Leônidas, Carlos Roberto e Jairzinho, entre outros. Voltamos e minha estreia, no Maracanã, foi na decisão da Taça Guanabara, na vitória por 3 a 2 contra o América, em que marquei os três gols da vitória.

Você era reserva na Copa do Mundo de 1970, no México, e segundo o técnico Zagallo, em princípio, tentou encaixá-lo no time, mas depois percebeu que, com o esquema que pretendia usar, você e Pelé não poderiam jogar juntos. Isso é verdade mesmo? Na sua opinião, você não poderia jogar com ele?

Isso não é verdade. Na verdade, o João Saldanha vinha com um time que tinha o Edu como titular. Tanto que o Edu nunca se conformou e não perdoa o Zagallo até hoje por ter sido barrado, pois ele vinha voando nas eliminatórias e fazendo gols. O Zagallo entrou e fez algumas mexidas, construiu seu próprio quebra-cabeça. O Zagallo gostava muito de mim, pois me conhecia do Botafogo. Acreditava em mim, mas na verdade, ele tinha que dar um jeito de colocar vários camisas 10 em um time só e cortar outros. Isso aconteceu com o Dirceu Lopes, o Edu, o Ademir da Guia, o Silva Batuta, o Toninho Guerreiro e o Natal. Era uma missão difícil ter que cortar, barrar e escalar apenas 11 titulares com tanta gente boa. De cara, recuou o Piazza para a zaga. Piazza era um líder em campo, querido pelo grupo. Depois, decidiu tirar o Marco Antônio, que era muito mais técnico do que o Everaldo, mas avançava demais. Everaldo dava mais segurança ao time, que era muito ofensivo. Eu fiquei na reserva, mas naquele grupo, na verdade, não tinha muito isso de reserva ou titular, pois todos tinham que estar muito preparados para jogar. O Rivellino foi deslocado para a esquerda e o Edu, sacado. O Tostão funcionou como centroavante e o Rogério machucou-se entrando o Jairzinho. Mas tive a primeira oportunidade como titular no jogo contra a Inglaterra, pois Gerson se machucou. Essa foi considerada a partida mais importante daquela campanha e ganhamos com um gol do Jairzinho. Naquele dia, joguei muita bola, mas muita bola mesmo. Inclusive, Alf Ramsey, técnico da Inglaterra, questionou Zagallo, perguntou como um jogador como eu poderia ser reserva. Mas essa resposta era fácil: bastava ele olhar para o time titular. Muitas pessoas não lembram, mas entrei no lugar do Gérson novamente, dessa vez contra a Romênia. Nesse jogo, Piazza jogou de volante, sua posição original. Respondendo a sua pergunta, eu poderia jogar com Pelé e com qualquer outro. A dificuldade era o Zagallo conseguir encaixar todo mundo.


Você foi responsabilizado pela perda do título carioca para o Fluminense em 1971 e teve que deixar o Botafogo. O que aconteceu de fato nesse episódio?

O Botafogo ganhou facilmente os dois primeiros turnos e não teria um terceiro. Então o Otávio Pinto Guimarães, que era presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) cismou de inventar um terceiro turno. Muitos jogadores reclamaram, consideraram essa decisão um absurdo. Como o regulamento poderia ser modificado? Mas, foi. Mas o Botafogo tinha um timaço e estava indo super bem até essa final contra o Fluminense. Na época, eu estava tão confiante em nossa vitória que posei para a capa da Placar com a faixa de campeão. Errei, claro. Mas tudo teria se concretizado se não fosse aquele lance em que o Marco Antônio empurra o Ubirajara e o Lula faz o gol do Fluminense. Foi um erro grosseiro da arbitragem, tanto que o José Marçal Filho, árbitro da partida, foi colocado na geladeira. Foi uma injustiça esse jogo e se tivesse VAR na época o gol seria facilmente anulado. O Botafogo era muito mais time que o Fluminense e o gol foi roubado, basta reverem o lance. Mas por conta dessa minha atitude fui afastado do clube. Fui jogar no Flamengo e me sagrei bicampeão.

Em 1972, você transferiu-se para o Flamengo, time pelo qual jogou até 1974. Como foi vestir a camisa rubro-negra?

Jogar no Flamengo, time do meu irmão Fred, foi especial. Fomos bicampeões. Joguei com Fio Maravilha, Caio Cambalhota e o próprio Rogério, meu parceiro de Botafogo e seleção. Era um time bom, competitivo. Adorei ter jogado no rubro-negro e a minha ida para o time da Gávea foi por meio de uma grande mobilização que envolveu o Carlinhos Niemeyer, do Canal 100, e alguns empresários da cidade para comprar o meu passe. Eu lembro que o Zico estava começando. Foi um uma fase muito boa e que não vejo problema nenhum nessa história de rivalidade envolvendo Botafogo e Flamengo. Isso é saudável. Mas na verdade, todo mundo sabe que sou Botafogo assumidamente. No entanto, jogar no Flamengo foi um capítulo especial no livro da minha vida como jogador de futebol.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

Eu vivi momentos maravilhosos, tanto como torcedor, quando ia, criança, levado por meu pai adotivo, para ver jogos sensacionais, e como jogador. O Santos usava demais o Maracanã, então assisti muitos jogos do Peixe. Aplaudi ídolos que logo depois me juntaria a eles. Mas o Maracanã foi um templo e hoje transformou-se em uma arena, infelizmente. Essa mudança foi um crime contra o patrimônio cultural, contra a memória afetiva da cidade, contra tudo e, principalmente, contra os torcedores. Hoje, perdemos a pureza e a alegria dos torcedores, pois sumiram com a Geral e com ela os torcedores fantasiados. O Maracanã tornou-se um estádio para ricos. As baterias foram proibidas, assim como os bandeirões. O Maracanã está desfigurado, é uma caricatura. Mas, ali, vivi momentos maravilhosos, fui campeão pelo Botafogo, pelo Fluminense com a ‘Máquina Tricolor’. Não há como esquecer quando o Francisco Horta foi me buscar na Europa, no Olympique de Marseille, e meu jogo de estreia foi 1 a 0 contra o Bayern de Munique, base da seleção alemã, em uma partida que o Cafuringa e o Mário Sérgio comeram a bola. Essa foi mais uma passagem inesquecível minha no Maracanã. Pelo Flamengo, joguei o Torneio de Verão, que reuniu o Benfica, de Eusébio, o Santos, de Pelé e nós fomos campeões. No Vasco, fui vice, e apesar da ausência de títulos, como esquecer do meio de campo com Dudu, Pintinho e Guina tendo o Roberto Dinamite na frente? Meu Deus, que time gostoso de jogar. O Maracanã era isso, esse encanto, essa magia. Muitas vezes, minhas namoradas iam assistir os jogos e costumava prometer gols para elas. Corria, mandava beijinhos e os torcedores da Geral me xingando! Lembro que eu colocava as mãos na cintura e os torcedores ficavam irritados (risos). Mas o Maracanã me proporcionou viver momentos inesquecíveis que não existem mais.

Como você avalia sua titularidade na seleção na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha?

Acho que a minha participação na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, foi boa. Eu tive uma chance muito grande ali e a gente podia ter sido campeão, mas paramos na Holanda. É um jogo que sempre vem na recordação, pois eu tive uma chance clara de gol, que eliminaria a vice campeã mundial. A Holanda era a grande novidade, com o famoso e surpreendente ‘Carrossel Holandês’, com o Johan Cruijff. Nosso jogo foi técnico, mas muito pegado. A gente teve a chance de ganhar nos meus pés, mas não fiz o gol e isso me atormenta até hoje. Lembro que vivia uma fase excepcional e havia fechado o meu contrato para ir para o Olympique de Marseille. Então a imprensa falava que eu já estava vendido e que não estava nem aí! A imprensa sempre pegava no meu pé. Dei uma entrevista revoltado com a situação. Nosso grupo teve uma relação péssima com a imprensa que viajou para cobrir a Copa do Mundo. Eram mais de 100 jornalistas. Tinha muita fofoca, muita divisão no grupo, tinha os paulistas, os cariocas, os mineiros, os gaúchos, e cada um sentava em uma mesa separada. Realmente, foi uma chance de ouro desperdiçada. Mas considero que meu auge seria em 1978 quando fui cortado pelo Almirante Heleno, presidente da Confederação Brasileira de Desportos. Essa foi minha grande frustração no futebol. Em virtude de uma desavença interna, o técnico Cláudio Coutinho também não chamou o Falcão. Acho que nós poderíamos ter feito a diferença nessa Mundial.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Minha inspiração foi meu pai. Ele era um excelente técnico, jogou muita bola também, e o vi comandar grandes gênios do futebol, no início da década de 60. Posso citar os goleiros Manga e Cao, Moreira, Dirceu Lopes, Tostão, Eusébio. Eram jogadores geniais. Tirando meu pai, que foi a grande alavancada que tive no futebol, eu acho que o Didi simbolizou tudo que eu penso de futebol. Ele carregava a essência, a beleza, a leveza, e a poesia desse esporte. Hoje, você não vê mais jogadores fazendo lindos lançamentos, dominando uma bola no peito com aquela categoria, driblando e indo a linha de fundo. Acho que o Didi é o retrato de um futebol que não existe mais.

“Sempre troquei de time por interesses profissionais”, disse à revista Placar em 1979, e completou: “E acho que deve ser assim mesmo, pois a carreira é curta. Hoje, minha situação financeira é apenas razoável, ao contrário do que muitos podem pensar. Contrato excepcional mesmo só fiz com o Olympique de Marseille. Os outros foram apenas bons”. Como foi jogar na França?

Obviamente, você tem que jogar por amor ao clube. Mas é uma profissão, e em muitos casos, o clube não nos trata com o devido respeito. Aí, você tem que sair de um clube por conta de desavenças. Se você me perguntar se eu queria sair do Botafogo, eu digo que não, que não queria ter saído. Assim como acredito que o Gérson não queria ter saído do Fluminense e ido para São Paulo. Às vezes ocorre muito disso. Mas se você conseguir um contrato melhor e mais rentável, você tem que ir e levar isso em consideração. Quando fiz 18 anos, por conta de meu primeiro contrato assinado, comprei um apartamento e dei para minha mãe, pois havia feito a promessa de tirá-la da favela. Todos os contratos que eu fiz ao longo da carreira foram dessa forma. Mas se você me perguntar o motivo de ter retornado ao Brasil para jogar no Fluminense eu respondo: seleção brasileira. Foi o grande erro na minha carreira. Passado tanto tempo, acho que não devia ter saído do Olympique de Marseille, pois havia feito uma temporada maravilhosa no campeonato francês sendo o primeiro jogador campeão do mundo a jogar naquele país. Depois foi o Jairzinho. Lembro com grata felicidade que o Stade Vélodrome, estádio do Olympique de Marseille, teve que ampliar a capacidade, pois o número de torcedores dobrou. Mas resolvi voltar. Financeiramente foi bom, mas para minha carreira, não. Por isso, acho que todo jogador tem que defender seus interesses com bons contratos. Se der para conciliar com um clube que você ama, melhor ainda.


Você fez parte da lendária equipe que ficou conhecida como Máquina Tricolor que foi bicampeão carioca em 1975 e 1976. Como foi ter jogado nessa equipe?

A ‘Máquina Tricolor’ foi realmente uma equipe maravilhosa. Na verdade, o Didi começou a treiná-la e depois ela foi tendo uma transformação. O Francisco Horta era um dirigente visionário e para ele o marketing era muito importante. O pensamento dele era para que uma competição fosse atrativa era importante todos os clubes fortes. Acreditava que a concorrência proporcionava mais torcida nos estádios. Por esse motivo, acredito que ele brincava, provocava, fazia troca-troca, sempre com o intuito de movimentar o mercado. Eu participei da ‘Máquina’ com Rivellino, Carlos Alberto Torres, Marinho Chagas, Edinho, Pintinho, Doval, e fomos campeões cariocas. Ficou um gostinho de quero mais. Eu não joguei, estava machucado, mas podíamos ter sido campeões brasileiros. Teve aquele jogo contra o Internacional… Tivemos duas oportunidades. Mas havia uma fórmula de campeonato que não nos favorecia. Nós acabamos sendo um pouco prejudicado com isso. Como a ‘Máquina Tricolor’, não foi campeã brasileira? Isso mostra como era nivelado a competição. Nessas duas ocasiões que citei, poderíamos ter uma sorte melhor, pois o Internacional era um timaço, mas o Corinthians eu discordo. Ganharíamos fácil se não tivesse chovendo. Deu tudo errado, essa é a verdade! O próprio Francisco Horta provocou muito isso e fez o Maracanã lotar. Foi a São Paulo, vendeu milhares de ingressos para o Vicente Matheus com a finalidade de promover o jogo, e o Fluminense se prejudicou. Mas a ‘Máquina’ está na memória dos tricolores até hoje, mesmo não tendo sido um papa títulos. Isso comprova que o torcedor gosta de equipes que marcam. Sendo campeão é melhor, mas algumas equipes não ganharam e marcaram, como a seleção brasileira de 1982. A ‘Máquina Tricolor’ será lembrada para o resto da vida.

O que o futebol representou para você?

O futebol é a minha vida até hoje. Eu jogava com bola de meia nas ruas de Botafogo e o futebol me fez crescer como ser humano, me ajudou a quebrar algumas barreiras. O racismo foi uma delas. Eu fechava os olhos para as segregações racial e social e as enfrentava de peito aberto. Troquei a favela por uma família de classe média, minhas relações mudaram. Minha ligação com a bola começou jogando futebol de salão e futebol de praia. Aos 20 anos, campeão do mundo, desfilava pelo Leblon, com meu Fiat Spider abóbora, que importei da Itália. Só andava com belas mulheres, namorava o Rio de Janeiro inteiro, frequentava as boates e era normal o torcedor reclamar de minhas atuações, na praia ou nas festas do Morro da Urca. O futebol me deu isso. Mas me deu também amigos que carrego comigo. Ainda me irrito com o futebol, desde a Copa do Mundo de 1994 quando o Brasil foi campeão. No entanto, é bom que fique claro, que após ter perdido em 1982, na Espanha, e 1986 no México, ambas com Telê Santana, nossa essência foi enterrada ali. Passamos a viver de resultado. Nesse momento, a chave girou para o lado errado. O futebol é a minha vida e por ele me entrego de corpo e alma.

Você passou pelo Vasco da Gama e Corinthians, antes de se sagrar campeão da Copa Intercontinental em 1983. Como foi jogar nesses clubes?

O Vasco foi um momento muito bom na minha carreira. Joguei com Roberto Dinamite e formamos uma dupla interessante. Não joguei aquela final do Brasileiro de 1984 contra o Fluminense, suspenso. Mas fizemos excursões pela Europa toda, jogamos partidas maravilhosas em torneios internacionais, na Espanha, no Tereza Herrera, e enfrentamos o River Plate, base da seleção argentina na Copa do Mundo de 1982. Gosto muito de ter tido a oportunidade de jogar com Dudu, Guina, Pintinho, Paulinho Pereira, meu amigo até hoje. Já no Corinthians não foi diferente. Fui jogar lá, em seguida tive que enfrentar um problema sério de família e precisei encerrar meu contrato. Rasguei o cheque que eles haviam me dado. Mas, apesar de gostar muito de Sócrates, não me adaptaria à Democracia Corintiana, pois os cariocas ficavam de lado, era uma tremenda panelinha. Tanto que Rondinelli, o ‘Deus da Raça’, foi para lá e também não se deu bem. Havia muita panela no clube e voltei.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Sem dúvidas que foi o meu pai Marinho. Ele olhou para mim e viu que eu tinha condições. Aos 15 anos, por suas mãos, já estava jogando como profissional. Então, não tem como apontar outra pessoa que não seja o meu pai. Obviamente que o Didi foi um excelente técnico, o João Saldanha, maravilhoso, e Zagallo, espetacular, mas o Marinho não tenho o que falar dele (emocionado).

Certa vez você disse que esperava mais do Pelé em relação ao preconceito racial. E o que você acha que o Pelé poderia fazer para ajudar no combate ao racismo no futebol?

Eu falei sobre isso. Eu acho que o Pelé deve se posicionar mais. Não que ele tenha obrigação disso, no entanto, acho que os negros devem aproveitar essa chance quando atingem um certo status. É diferente um negro anônimo falar, dar um grito e ser ouvido. Um negro desempregado tem que penar para falar sobre o racismo e ter eco na sociedade. Mas se a gente chega a um nível de reconhecimento mundial e a nossa voz é ouvida, a gente tem que se aproveitar disso. Confesso que nunca vi o Pelé ser contundente com esses temas ditos polêmicos. Vi o Muhammad Ali e recentemente os jogadores de basquete, nos Estados Unidos. Acho que o jogador de futebol tem e deve se posicionar sim, de todas as formas, fazendo campanha publicitária, indo para a TV, se mobilizando, dando a cara. O Pelé é uma pessoa maravilhosa, o nosso Rei do futebol, sei de quantas pessoas ele ajuda, mas acho que nesse quesito ele poderia ser mais contundente.

Em 2016, o presidente da França, à época, François Hollande, entregou-lhe, no Rio de Janeiro, a medalha da Legion d’Honneur. Queria que nos contasse o que isso representou na sua vida?

Eu acho que essa entrega da Legion d’Honneur, pelo presidente François Hollande, foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. São essas homenagens que a gente passa a entender que, às vezes, você é mais reconhecido em outro país do que no nosso. Mas isso já aconteceu comigo algumas vezes. Certa vez, estava com o Jairzinho, no Maracanã, e passou o Sérgio Cabral, na época governador. Sequer nos cumprimentou, e nesse mesmo evento o príncipe Albert de Monaco nos convidou para dividirmos uma mesa com ele. Ou seja, essa é a forma como os ídolos aqui são tratados. E isso diz muito, conta muito para história de um país e a gente vê hoje onde está o Sérgio Cabral e todos os outros que vieram atrás dele. Na França, sempre me posicionei, sempre falei o que eu pensava, sempre briguei pelos direitos dos jogadores e não deixava de fazer minhas coisas todas como ir nas minhas festas e tudo mais. Mas sempre com profissionalismo. Mas receber essa comenda ao lado de queridos amigos e ouvir o belo discurso do presidente foi inesquecível. O governo francês me enxerga como um porta-voz, um garoto propaganda de seu país. A França é um país que eu adoro e estará sempre no meu coração.

No meio desse ano, você falou para um veículo esportivo do Rio sobre Jorge Jesus: “Não deixa de ser um técnico mediano”. Por que você acha isso do português?

Eu falei que o Jorge Jesus é mediano, sim. No Brasil, ser mediano é estar acima de praticamente todos os outros técnicos que são abaixo. É aquele ditado que diz que em terra de cego quem tem um olho é rei. É bem por aí. Jorge Jesus não fez absolutamente nada demais no Flamengo a não ser escalar os jogadores em suas reais posições. Intensificou os treinamentos, cortou mordomias e passou emoção à beira do campo. Ah, e ele colocou o time para jogar ofensivamente enquanto hoje o futebol brasileiro é dominado por retranqueiros que fazem um gol e se defendem para garantir o resultado e consequentemente o emprego. Sem falar que pegou um elenco milionário. Vejam o destino de seu conterrâneo Ricardo Sá Pinto, no Vasco. Falsos heróis não me fisgam.


Você teve a oportunidade de defender os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Mas o Museu da Pelada quer saber: Paulo Cézar Caju, qual é o seu time?

Sou Botafogo. Mas este time Botafogo me irrita e talvez seja o pior de sua história! Para se ter uma ideia como são as coisas, uma eleição para definir o novo presidente do clube com 500 pessoas votando mostra bem o interesse dos torcedores. Eu acho que a diretoria deve investir mesmo em sua memória, em seus ídolos, tratá-los com o devido respeito, preservar essa história, porque são os jogadores do passado que mantém vivo e forte o Botafogo. Enquanto o clube não se organizar, administrativamente é crucial que as as novas gerações saibam quem foi o Botafogo e sua relevância na história do futebol brasileiro. Mas do jeito que está aqui, me desculpem, não dá para torcer.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Tenho me cuidado muito. Saio cedinho de manhã para poder caminhar e fazer as compras. Quando viajo é sempre com um casal de amigos para Angra dos Reis. E sem largar a máscara. Estou torcendo que essa vacina chegue logo, mas me sentindo muito triste com o que estamos passando, pois a pandemia virou uma guerra política sem nenhum sentido. Mas esse isolamento social, tenho enfrentado de forma tranquila. Sempre gostei de concentração, ou seja, ficar isolado não é complicado para mim. Mas, claro, por esse tempo todo é um suplício. Mas tenho aproveitado esse momento para ler, ver jogos das primeira, segunda e terceira divisões de todos os países possíveis. Tenho acompanhado tudo, vorazmente. Mas esse ano de 2020 foi difícil não só pela pandemia, mas pelos amigos que perdi como o ator Eduardo Galvão, Nicette Bruno e, claro, o Maradona, que foi uma perda irreparável para quem jogou bola como eu. Sobre o trabalho, o home office que todos falam, suspendi provisoriamente minha participação na rádio Tupi porque estúdio fechado é um problema e fazendo de casa não estava rendendo o que eu acho que poderia.

Defina Paulo Cézar Caju em uma única palavra?

Determinação. Passei minha vida toda sendo atacado pela imprensa e se não fosse a minha determinação eu teria desistido no meio do caminho. Mas te confesso, nunca abaixei a cabeça para os críticos, para a torcida, principalmente a paulista. Era impressionante, bastava tocar na bola pela Seleção Brasileira e era vaiado o jogo inteiro. Os próprios jogadores da seleção não entendiam como eu aturava aquilo. E ainda teve a história de meu vício, que me afetou assim que parei de jogar. No entanto, muita gente acha até hoje que eu me drogava no período em que era profissional, o que não é verdade. Já estava na Europa, jogando em um time da terceira divisão da França chamado Aix-en-Provence. Certa vez, participando de um cruzeiro promovido por um amigo, experimentei cocaína. Gostei e fiquei quase 20 anos mergulhado nela. Mas graças a Deus tive a ajuda de amigos como o jornalista Elso Venâncio, o dirigente tricolor Francisco Horta, o advogado Nélio Machado e Cláudio Adão e a sua mulher Paula, casal que me abrigou em sua casa por um ano até que me sentisse seguro para seguir sozinho. Graças a Deus, me livrei sem precisar ser internado, sem ajuda psiquiátrica e sem utilizar nenhuma medicação, apenas pela minha determinação. Na verdade, eu não tinha escolha: viver ou morrer. Então, acho que a determinação é a minha palavra, pois ela pavimentou a história de minha vida.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA TAFFAREL


Muito antes de Galvão Bueno dizer em suas transmissões esportivas “sai que é sua, Taffarel!”, o pequeno Cláudio André Mergen Taffarel enfrentaria as agruras de uma vida difícil. 

Pertencente a uma família pobre de imigrantes italianos e alemães, o menino poderia ter se tornado levantador ou líbero, ponta-esquerda ou ponta-direita, central ou oposto, no voleibol que praticava nos finais de semana em Crissiumal-RS. 

Mas o esporte jogado com as mãos não corria em suas veias. Tentou a sorte em um esporte jogado com os pés na cidade de Santa Rosa, sua terra natal: o futebol. 

Neste município brasileiro conhecido como o ‘Berço Nacional da Soja’, vestiu por duas vezes a camisa do Tupi Futebol Clube e se aventurou em ser centroavante enfrentando zagueiros ríspidos tão tradicionais da escola gaúcha, assim como a dureza que era marcar gols e convencer os dirigentes do modesto clube de 71 anos que era ‘homem-gol’.

“A passagem pelo Tupi foi muito rápida, sendo não mais do que dois jogos, para ser mais exato. Eu joguei de centroavante, mas confesso que era uma coisa bem amadora e o clube bem modesto”, revela ao Museu da Pelada.

Mas o negócio de Cláudio – que ainda não era chamado Taffarel – não era usar uma camisa tão exigente no cenário nacional como a 9, arrancar o grito preso na garganta dos torcedores tupinenses ou buscar no gol, a essência do futebol, motivo para ser alguém na vida. Entretanto, Cláudio não veio ao mundo em vão naquele 8 de maio de 1966. 

Destemido, usou as mãos do voleibol e os pés do futebol e sem sua indumentária Colorada foi tentar a sorte no arquirrival Grêmio, clube que o reprovou por duas vezes em 1983.

“Esses testes foram justamente com os goleiros que já estavam lá. Eram da categoria infantil e tinham uma técnica bem melhor que a minha. Aliás, eu não tinha técnica nenhuma, porque eu nunca havia feito nenhum tipo de treinamento específico de goleiro”, surpreende Taffarel com tal declaração.

Nesse cara ou coroa que é o início de carreira de quase todos os grandes jogadores, chegou ao Beira-Rio e bastou algumas defesas acrobáticas, reflexos, agilidade, pontes, espalmadas e encaixadas de bolas em um único teste para se tornar Taffarel, goleiro do Sport Club Internacional 

Já consagrado, o filho de ‘Seu’ saudoso Ivair e de ‘Dona’ Lurdi, foi o camisa 1 titular na fracassada Copa do Mundo da Itália, em 1990, em que alguns jornalistas classificaram como ‘Era Dunga’ para apontar os dedos para um culpado. 

“Sinceramente, é uma coisa que incomoda bastante. Ainda mais quando se conhece o ser humano que o Dunga é e o grande jogador que foi. Tem que haver respeito”, defende o amigo contemporâneo das categorias de base do Internacional.

Quatro anos depois, nos Estados Unidos, escreveu seu nome na história do futebol ao tornar-se tetracampeão mundial. Depois, outros títulos importantes no Atlético Mineiro e no Galatasaray, ao lado do brasileiro Jardel. Pelo time turco, Taffarel ajudou ao único clube otomano a ganhar competições europeias: UEFA League, atualmente, Europa Legue, e a Supercopa da Europa ao derrotar os Merengues. 

O ‘Vozes da Bola’ da semana é com um dos heróis daquele time comandado por Carlos Alberto Parreira e que quebrou um jejum de 24 anos sem títulos de Copa do Mundo. Antes disso, também ajudou a seleção de Sebastião Lazaroni, em 1989, a quebrar o tabu de 40 anos sem título da Copa América pela seleção brasileira. O título mundial na Copa do Mundo dos Estados Unidos foi uma superação que demonstra a grandeza desta goleiro que apertava as balizas na hora das disputas de pênaltis. O gol ficava pequeno para o cobrador do tiro da marca da cal.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda


Aos 17 anos, você era titular do Tupi Futebol Clube de Crissiumal-RS, onde passou toda a infância. Quais as lembranças daquela época?

A passagem pelo Tupi de Crissiumal foi muito rápida, não mais do que dois jogos para ser mais exato. Eu estudava e morava em Santa Rosa, e meu esporte mesmo era o voleibol. Nos finais de semana quando eu costumava visitar meus pais, surgiu essa oportunidade de jogar no Tupi, e certa vez, lembro que joguei de centroavante. O clube era modesto e amador também e foi poucas ocasiões que eu joguei com a camisa do Tupi. Mas para o garoto Taffarel era uma coisa grandiosa poder estar jogando no amador naquela altura.

É verdade que você fez dois testes no Grêmio e foi reprovado antes de chegar no Internacional?

Sim, é verdade. Mas esses testes foram justamente com uns goleiros que já estavam lá. Eram da categoria infantil e tinham uma técnica bem melhor que a minha, aliás, eu não tinha técnica nenhuma (risos), porque eu nunca tinha feito nenhum treinamento específico de goleiro. Eu era acostumado a jogar vôlei. Jogava futebol, ocasionalmente, apenas nos fins de semana quando voltava para Crissiumal-RS. Já no Internacional, em 1984, fiz um teste diferente. Colocaram-me no gol e começaram a chutar. Sei que fui defendendo. Os avaliadores viram alguma capacidade e fui aprovado. Lembro que na época o treinador era o Homero Cavalheiro e foi assim o início no Sport Club Internacional.

Em 4 de junho de 1985, você estreava no Internacional contra o Aimoré, pelo Gauchão. Lembra dessa estreia com a camisa Colorada?

Da estreia não, mas lembro muito bem de alguns treinadores dessa época quando comeceu a carreira. Otacílio Gonçalves, nosso grande amigão e que era conhecido por Chapinha, era um deles. Ele tinha uma maneira muito legal de lidar com os jogadores, sabia como poucos se comunicar, e na época, era um treinador muito respeitado. Mas quem me lançou mesmo nos profissionais do Internacional e me deu a primeira oportunidade foi o Daltro Menezes a quem sou muito grato.

Manga, Benítez, Gato Fernandéz e Gilmar Rinaldi, foram grandes goleiros e marcaram seus nomes no clube com títulos. Você, apesar de ter sido um excepcional camisa 1 no clube, não levantou nenhuma taça. O que você acha disso, ou seja, não ter conquistado nenhum título com a camisa do Internacional e mesmo assim ter escrito seu nome no Beira-Rio?

O Internacional teve momentos de muitas alegrias com os títulos importantes em Campeonatos Brasileiros, Gaúchos e tudo mais. E teve grandes nomes no gol que honraram a camisa 1 do Colorado. Infelizmente, a minha geração ou a minha passagem no Beira-Rio, não teve o sucesso traduzido em títulos, mas para mim, o sucesso foi diferente. Foi uma formação muito boa, foi uma experiência grande que o clube me proporcionou. Dei sempre o meu máximo e o meu melhor, mas infelizmente, não foram suficientes para ganhar títulos. Confesso para vocês do Museu da Pelada, que é uma mágoa que eu tenho, uma tristeza grande em não poder ter dado ao nosso torcedor que confiou no meu trabalho e vibrava com as minhas atuações. Mas o futebol é incrível por isso! Nada é certo! Às vezes, você trabalha bem e com vontade, mas mesmo assim, tu não consegues alcançar o teu objetivo, e no meu caso, era um título. O que não deixa de ser uma pena. No entanto, ser reconhecido pelo torcedor Colorado como ídolo é muito gratificante. Mas tenho um carinho enorme por eles (torcedores), mas a mágoa e a tristeza sempre restam.

Você sempre foi um goleiro, frio, tranquilo e arrojado. Mas no Campeonato Brasileiro de 1986, você deixou essas qualidades de lado e agrediu o árbitro José de Assis Aragão, ficando suspenso por 60 dias. O que ocorreu de verdade nesse episódio?

Esse episódio aconteceu mesmo com José de Assis Aragão, um árbitro muito mal educado, de palavras fortes e deselegantes. Essa era a forma de comunicação dele com os jogadores. Vale o registro que ele me agrediu, verbalmente, e como era muito jovem, não gostava desse tipo de coisa, de falar palavrão. Lembro que o jogo foi contra o Cruzeiro, no Mineirão. Ele não estava apitando bem e numa falta inexistente marcada, todo mundo foi para cima dele para reclamar, inclusive eu. Aí, ele me escolheu. Ao me expulsar, ele veio falando um monte de palavrões e eu perdi a cabeça, tentei agredí-lo e mesmo não sendo uma agressão forte, mereci ser expulso. Reconheço o erro. Lógico que me arrependi, mas não fiquei com aquilo na cabeça, martelando. Quando está dentro de campo, o sangue é muito quente, entende? Pode acontecer qualquer coisa e o importante é saber que errou, reconhecer, se arrepender e seguir o jogo.

No Internacional, você conquistou os vice-campeonatos brasileiros em 1987 contra o Flamengo, e em 1988, contra o Bahia. O que faltou para ser campeão e porque passou em branco no Colorado?

Não acho que a minha passagem no Internacional tenha sido em branco. Eu acho que a gente sempre beliscou, sempre chegou nas finais em todos os ‘Gaúchões’ e teve essas duas finais consecutivas no Campeonato Brasileiro de 87 e 88. Contra o Flamengo, a gente tinha um time muito abaixo do nível deles, que era um excelente time, e nos venceu por méritos no Maracanã lotado naquela final. Mas apesar disso, tiveram que jogar muito para nos vencer e foi 1 a 0 apertado. Já contra o Bahia, sinceramente falando e sem falsa modéstia, eu acho que a gente poderia ter jogado um pouco melhor para vencer, pois nosso time era muito parelho com o time baiano. Era uma equipe certinha, bem entrosada, e infelizmente, faltou um detalhe, como sempre ocorre em derrotas e vitórias. Mas passados tantos anos, não estou aqui para culpar ninguém. Aconteceu. Foram detalhes que nos levaram as derrotas. É triste, mas esse é o futebol, esse é o esporte que eu pratiquei por tantos anos e estava ciente de que tudo isso poderia acontecer.


E nesses dois anos (1987 e 1988), recebeu a ‘Bola de Prata’, prêmio dado pela Revista Placar, não é mesmo?

Verdade. Eu recebi esses prêmios da Placar. Todo jogador gostava de receber, porque além de ser bonito aquele troféu, esteticamente falando, a ‘Bola de Ouro’, a ‘Bola de Prata’, mexia com o jogador. Esses anos foram importantes para mim. Vivia uma grande fase pessoal e profissional chegando quase na Seleção principal e foi um período muito bom. Posso te garantir que desde que eu comecei, em 1986, fazendo grandes partidas contra grandes equipes do futebol brasileiro. Lembro de uma, contra o São Paulo, no Morumbi. Peguei muito nesse jogo. Mas aquelas atuações me credenciaram para chegar na Seleção e aqueles prêmios concedidos pela revista Placar foram consequências desse trabalho contínuo que eu vinha fazendo.

Você fez parte da Seleção medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, em 1988, sendo destaque daquele time comandado por Carlos Alberto Silva. Foi sua maior decepção em Jogos Olímpicos?

Ter participado dos Jogos Olímpicos foi uma coisa fantástica, foi uma experiência muito boa. Quando eu cheguei à Seleção Olímpica foi porque nós havíamos feito um bom trabalho no ano anterior quando vencemos o Pan-Americano. Embalados, havia a expectativa de ganhar a Olimpíada, pois era um título inédito para o Brasil. No entanto, a vontade era muito grande e tínhamos feito uma grande semifinal contra a Alemanha. O time estava certinho, esquema tático bem montado e tudo mais. No entanto, na final, a gente perdeu o Geovani, que era o nosso melhor jogador na competição, um meio-campo que dava equilíbrio e ritmo para o time. Sua ausência foi muito sentida na decisão contra a União Soviética. Infelizmente, perdemos por 2 a 1 e essa medalha de prata foi mesmo assim muito comemorada.

Pela Seleção Brasileira você quebrou alguns tabus que perduravam anos, como a Copa América em 1989 e a Copa do Mundo em 1994. O que essas conquistas representaram para você?

Acho que não quebrei o tabu nenhum na Seleção Brasileira. A Seleção Brasileira sempre foi bem sucedida, e aquela camisa amarela é sinônimo de vitória. Posso te assegurar que, quando a gente veste ela, a obrigação é fazer o melhor e vencer. Sei que nem sempre se consegue, mas felizmente, a Copa América em 1989, foi importante para chegar em boas condições numa Copa do Mundo. Lembro que foi uma Copa América muito sofrida, os jogos aqui no Brasil foram desgastantes e uma pressão enorme. E assim foi em 1994, nos Estados Unidos, onde o Brasil mudou totalmente o seu modo de enfrentar as equipes, de se mostrar em campo no sentido de jogar de forma coletiva. A conquista foi fruto do nosso esforço. Hoje, passados 26 anos, chego à conclusão que foi muito merecido a nossa conquista em 94 e isso representou muito na minha carreira, na minha vida profissional. O reconhecimento por parte do torcedor brasileiro. Vencer uma Copa do Mundo, com a camisa do Brasil, não tem preço.

Qual derrota doeu mais no Taffarel: a de 1990, para a Argentina de Maradona ou a de 1998 para a França de Zidane?

Se fosse para escolher uma das derrotas mais dolorosas que foram citadas na pergunta, escolheria a de 1998. O grupo era bom, estava fechado com o mesmo propósito. Fomos para a final com a expectativa muito boa. Mas os episódios com o Ronaldo na concentração nos abalou. Afetou o espírito e o equilíbrio da nossa equipe. Já a França, que até então, não tinha praticado um grande futebol, fez dois gols provenientes de cobranças de escanteios. Zidane fez dois gols de cabeça, algo que ele não tinha realizado na carreira. Foi dolorido nós chegarmos naquela final do jeito que chegamos, enfrentar tantos problemas naquele jogo e sermos derrotados daquela forma. Já em 1990, como eu disse anteriormente, nós perdemos para nós mesmo. Aquela derrota, podemos dizer, que foi merecida. 

Falando em dor na fracassada Copa do Mundo da Itália, você foi o único jogador que saiu com o prestígio intacto. Meses depois, se tornaria o primeiro goleiro brasileiro a jogar no futebol italiano defendendo o Parma e, depois, o Reggiana. Como foi isso?

A Copa do Mundo de 1990 foi um fracasso, tanto que nós, jogadores, reconhecemos isso. Aquele Mundial foi perdido para nós mesmos, pois era um grande grupo, com grandes jogadores, mas que não eram unidos, e isso nos levou à derrota. Eu lamento muito, porque olhando os outros adversários, tínhamos totais condições de chegar na final e vencer. Mas perdemos para a Argentina, que no meu entender, durante o jogo, fomos superiores e massacramos. Eles, numa oportunidade apenas, conseguiram nos eliminar. Mas te confesso, que foi uma experiência que a gente levou para 1994, e para mim, apesar do resultado ruim, foi uma Copa boa. Fiz bons jogos e tive boas atuações. Não excluo o meu nome de ser criticado, pois acho que uma derrota sempre se procura um culpado, e fui responsável também por aquele fracasso. E o Parma, mesmo assim, me contratou e minha vida seguiu, profissionalmente, a ponto de jogar um Campeonato Italiano sendo um goleiro brasileiro. Então, te digo com toda certeza, que foi uma coisa grandiosa.

Ainda sobre 1990. Na Copa do Mundo da Itália, a Argentina de Maradona venceu o Brasil por 1 a 0, gol de Caniggia. Você fez parte de um time que ficou marcado como a ‘Era Dunga’. Como encara isso?

Essa pergunta da ‘Era Dunga’, é uma coisa que me incomoda muito em responder toda vez que algum jornalista faz. Eu não acho justo atribuir uma ‘Era’ a um jogador como é sempre atribuído ao nosso grande capitão Dunga. Um cara que sempre vestiu a camisa da Seleção e dos clubes por onde passou com muita determinação, muita vontade e muito profissionalismo. Dunga sempre incentivou os demais jogadores para fazer o melhor em prol da Seleção e sempre foi um treinador dentro de campo. Sinceramente, é uma coisa que a mim, me incomoda demais ainda. Agora, imagine o quanto isso deve incomodá-lo? Ter seu nome sempre ligado a este revés, mesmo tendo conquistado uma Copa do Mundo em 1994, sendo capitão e levantado a taça? Eu acho que isso não tem nada a ver. O Dunga, nosso eterno capitão do tetracampeonato, merece mais respeito. Isso é uma pergunta que não deveria ter sido feita e nem gosto de responder.

Qual foi o maior goleiro que você viu no futebol?

Eu não gosto de dizer quem foi o maior goleiro que eu vi jogar. Acho que em cada momento surge um grande goleiro que chama a nossa atenção, mas eu gostava muito de ver o Rinat Dasayev jogar. A forma que ele costumava sair do gol, a sua frieza, sua colocação, sua saída de bola alta. Eu gostava muito de ver esse goleiro russo jogar. Então para mim, na época, foi o cara que me espelhou bastante.

E o treinador de goleiros?

Todos tiveram uma parcela de contribuição na minha carreira. Sempre me senti bem treinado por cada um deles, seja nos clubes que passei e na seleção. Difícil dizer o melhor, mas ratifico que todos foram importantes.


Titular absoluto da Seleção Brasileira, você chegou a ser questionado, em 1993, quando não vivia boa fase. As falhas no jogo contra a Bolívia, em La Paz, fizeram a pressão aumentar. Como foi esse período e como deu a volta por cima para ser tetracampeão um ano depois?

Esse ano de 1993 foi o período mais complicado que passei na Seleção Brasileira. Foi aquele ano em que não joguei no Parma, e justamente, porque a regra dos estrangeiros havia mudado. Atuei em apenas seis partidas no Campeonato Italiano. Lembro que eu ia para a tribuna dos estádios, pois o quarto estrangeiro nem podia ficar no banco de reservas. De repente, me apresento na Seleção totalmente fora de ritmo. Vale ressaltar que, ser posto na reserva, foi opção do Carlos Alberto Parreira, treinador à época, e prontamente aceita por mim. Na verdade, eu sabia que para reconquistar a posição de titular eu precisava me recuperar, pois o Zetti estava numa excelente fase, tanto que foi o titular daquela Copa América no Equador, em 1993, em que terminamos em sexto lugar. Entretanto, sei que foi um período muito difícil que vivi, mas ao mesmo tempo, importante para que eu entendesse que eu poderia voltar a jogar e superar tudo aquilo.

Em 1994, alguns jogadores deram a volta por cima e sagraram-se campeões mundiais, como você, Jorginho, Branco, Muller e Dunga. Como foi fazer parte dessa transição entre o fracasso e o sucesso em um hiato de quatro anos?

Essa volta por cima e essa transição do fracasso de 90, com o sucesso em 94, é bem fácil de explicar. Você citou na pergunta os nomes de Jorginho, Branco, Dunga e Muller, mas vou além: teve o Mazinho, Zinho, Raí, Ricardo Gomes, Ricardo Rocha, Aldair, Márcio Santos, Bebeto, Romário, e aí depois de tantos nomes, você vai ver que um dia você perde, porém, no outro, você vence. Então foi assim! Bastou ajustar certas coisas que erramos em 90, e juntando com esses grandes nomes que citei, não tive dúvida que o sucesso poderia chegar. E como de fato chegou.

Você tem um ídolo no futebol?

Eu nunca fui de ter ídolos no futebol, não! Quando era jovem eu tinha uma grande admiração pelo Zico e tive até a oportunidade de ter sido convidado e participado da despedida dele do futebol naquela noite maravilhosa no Maracanã. O (ex-goleiro) Benítez foi um cara que me ajudou, e foi, inclusive, o meu primeiro treinador de goleiro. Teve também o Schneider no profissional. Meus ídolos foram sempre pessoas próximas. Essas pessoas que eu citei para ti me ajudaram e contribuíram muito para o sucesso da minha carreira e a cada um deles eu devo muito.

E o melhor treinador com quem trabalhou?

Eu tive a sorte de trabalhar com grandes treinadores. O Carlos Alberto Parreira sempre foi um treinador que me impressionou bastante pela sua inteligência dentro e fora de campo, a maneira com que ele se comunicava com a gente. Sempre gostei muito, mas muito mesmo, do método de treinamento e de comportamento com os jogadores. Mas tive a oportunidade de trabalhar com outros grandes treinadores também, como o Carlos Alberto Silva, Procópio Cardoso, Levir Culpi, os que me treinaram no início da carreira no Beira-Rio. Tiveram os técnicos na Turquia, na Itália. São muitos. É até difícil ficar citando todos aqui porque foram treinadores com seus métodos de trabalho e que acrescentaram muito para mim.

Você enfrentou dois gênios do futebol mundial: em 1990, Maradona, que nos deixou recentemente, e em 1998, Zidane. Quem foi o mais difícil de enfrentar?

Realmente o Zidane era um jogador muito clássico, elegante, jogava o fino da bola, mas na minha opinião, ele não está no nível do Maradona. Indiscutívelmente, o Maradona era fora de série e o maior jogador que eu enfrentei em toda minha carreira. Um jogador excepcional, com grande técnica, pela força quando jogava, sua intensidade, um cara muito carismático, um cara de grupo, um companheiro que todo mundo falava bem na Seleção Argentina e nos clubes em que jogou. Recebi a notícia de sua morte com imensa tristeza. Acho que o futebol perde muito com sua partida, e para mim, foi simplesmente o maior de todos os tempos.

Taffarel, na sua opinião, qual era o ponto forte daquela Seleção campeã do mundo em 1994?

O ponto forte da Seleção de 1994 era o potencial dos jogadores, a união deles e o comando que nós tínhamos. Sem demagogia, tudo era perfeito naquele time, e a vitória, eu acredito, só vem quando quando tudo está nessa harmonia. O sucesso do Brasil na Copa do Mundo nos Estados Unidos foi um conjunto de fatores que nos levou à vitória. A gente jogava em conjunto, lógico, havia grandes jogadores individuais, mas tínhamos a força do coletivo, e foi isso que nos levou a conquistar aquele título tão importante para o nosso país.

No Atlético Mineiro, você foi campeão mineiro em 1995 e ganhou a Copa Centenário e a Copa Conmebol em 1997. Nas três temporadas e meia defendendo as cores do clube foram 191 partidas. O que o Galo representou na sua carreira?

A ida para o Atlético foi um acontecimento muito bom na minha vida e na minha carreira. Minha passagem nos três anos lá foram intensas, já que era um momento muito difícil do clube em termos financeiros. Lembro que eles fizeram um esforço muito grande para minha contratação e depois de seis meses da Copa do Mundo de 1994, eu tinha ficado sem clube. Recordo-me que quando me apresentei, foi uma festa muito bonita e tive logo um relacionamento muito bom com a torcida e uma identificação com o clube. Nesses três anos, tivemos grandes vitórias, conquistas importantes e sei que foi uma passagem que eu lembro com muito carinho. Em termos profissionais e até em termos famíliares, foi muito bom. Fomos bem recebidos, uma cidade maravilhosa e acolhedora, pessoas legais, e eu só tenho grandes recordações de Belo Horizonte e do Atlético Mineiro.

Exímio pegador de pênaltis, qual era o segredo para defender tantas cobranças?

Para te falar a verdade não me considerava um exímio pegador de pênalti. Eu acho que eu peguei pênaltis em momentos importantes e isso ficou marcado, mas eu não era um cara muito grande, não chegava com tanta facilidade na bola. Era um pouco de intuição, com muita sorte, apenas isso. Mas confesso que tive muitas oportunidades para defender penalidades porque elas foram acontecendo, mas nada além disso.

Muitos torcedores do Galatasaray lembram de você por ter parado o atacante francês Thierry Henry na final da Copa da UEFA de 2000. Na época, esse fora o primeiro título continental do clube turco que também também ganhou a Supercopa da Europa. Fale um pouco da experiência no futebol turco onde há muitos brasileiros.


O Galatasaray foi algo impressionante que aconteceu na minha vida. Nós estávamos na Copa da França de 1998 e havia um empresário me perguntando se eu queria jogar na Turquia. Eu nem imaginava que naquele país existia futebol. E aí, a minha esposa estava lá vendo a Copa e acabou indo para Istambul e foi recepcionada pelo pessoal do clube para mostrar a cidade, o clube, o centro de treinamento e ela ficou encantada com tudo o que viu. Depois disso, eu acabei aceitando e foi uma experiência muito boa em todos os aspectos, como padrão de vida, país totalmente diferente e que me recebeu de braços abertos. O clube, em si, tem uma ligação muito forte com seu torcedor e o seu torcedor com o clube. Mas se tratando de vitórias que marcaram bastante o futebol turco, e principalmente, o futebol do Galatasaray, foi aquela Copa UEFA de 2000, a Supercopa de 2001, mas aquela defesa na cabeçada do Henry ficou marcada. Até hoje quando o torcedor me vê na rua sempre lembra daquela defesa. Impressionante o quanto aquele lance marcou o torcedor do clube.

Em 2009, você tornou-se o 10º melhor goleiro da história do futebol – posição que ocupa desde 1987 – pela Federação Internacional de História e Estatística. Qual a sensação?

Você ver teu nome sempre numa estatísticas dos melhores ou que marcaram, é lógico, que te deixa feliz. Mas isso não é o determinante. Não é isso que vai me deixar mais feliz, te confesso. Eu acho que é importante para o futebol brasileiro e para a escola de goleiros brasileiros ter sempre um nome lembrado. Atualmente, temos o Alisson que concorreu como o melhor goleiro do mundo e isso é gratificante para todos nós. Penso dessa forma. A Seleção Brasileira sempre me deu essa oportunidade de fazer um bom trabalho, e eu aproveitei isso da melhor forma, assim como o Alisson e o Ederson estão fazendo também. Vale frisar que estão entre os três melhores goleiros do mundo. Pessoalmente, ser lembrado é porque o que você fez no passado é sempre motivo de orgulho.

Nada melhor do que um goleiro que entende do assunto para ser treinador de goleiros oficial da Seleção Brasileira, cargo em que você ocupa desde 2014. A pergunta é: estamos bem servidos de goleiros? Queria que falasse um pouco sobre os que estão em evidência em seu clubes e se você acredita que haverá um outro Taffarel?

Eu acho que o cara para ser um bom treinador de goleiros, não precisa ter sido um bom goleiro. Acho que você pode ser treinador de goleiros desde que tenha uma boa coordenação motora, um bom chute, um bom ritmo, porque o treinador de goleiros tem que ter um bom método de trabalho. O segredo é o trabalho, desenvolver os fundamentos básicos. O goleiro precisa estar confiante na sua metodologia de trabalho. É dessa forma que eu faço na Seleção Brasileira. Lógico que toda experiência que eu tive na carreira ajuda na hora de conversar com o goleiro que você treina, na hora de analisar um lance ou uma partida, sentir o rendimento do teu goleiro baseado naquilo que você pensa que é o melhor para ele. Então, tem esse lado da experiência que eu tive dentro de campo e isso me ajuda um pouco, é um diferencial. Estamos bem servidos de goleiros e vou além, acho que o Alisson está realmente mostrando que o Brasil tem essa escola boa de goleiros e revelando grandes nomes na posição. Acredito também, que daqui para frente, cada vez mais, surgirão novos goleiros para elevar o nome da escola brasileira.

Olhando para trás, seja sincero: faltou algo para você na carreira?

Se olhar para trás, eu acho que poderia fazer algo diferente sim, mas olhando agora, eu vejo que eu fiz tudo que poderia fazer. É lógico que a gente nunca está satisfeito como ser humano, sempre quer uma coisa diferente aqui ou ali, mas quando Deus controla tua vida, Ele sempre te dá o que você merece e o que você precisa. Acho que não tem nada não. Eu tenho que estar é satisfeito com tudo aquilo que aconteceu na minha carreira, na vida profissional e pessoal. As melhores coisas sempre aconteceram e continuam acontecendo, porque eu acho que temos de estar satisfeitos com aquilo que recebemos. Então, vindo de Deus, é sempre bem vindo.

Como é ser o único goleiro campeão mundial da história a defender um pênalti numa final de Copa do Mundo? E o único jogador da Seleção Brasileira a nunca ser substituído em três Copas do Mundo consecutivas: 1990, 1994 e 1998?

Olha, sabe que eu não sabia dessa coisa de ser o único goleiro a defender pênalti em uma final de Copa do Mundo, e o único jogador da Seleção a não ser substituído em três Copas do Mundo consecutivas (risos)? É interessante, mas a gente vê que isso aí não é o mais importante e não é essencial. Acho que aquelas passagens pela Seleção Brasileira nas Copas do Mundo foram marcantes pelo trabalho que eu fiz e a maneira como me doei nos jogos. Agora, essa coisa de você não ser substituído é porque o goleiro é muito difícil de ser substituído mesmo. Deus sempre abençoando, porque você ficar dez anos dentro de uma Seleção Brasileira, praticamente, como titular, é a mão de Deus ali agindo, guiando e te protegendo. Então, devo muito a Deus a carreira vitoriosa que tive na Seleção Brasileira e como disse, esse fatos curiosos, vamos classificá-los dessa forma, não me acrescentam em nada. Eu sempre pensei no coletivo. 

Você teve uma empresa de assessoria esportiva, a Taffarel/Paulo Roberto Assessoria e Consultoria Esportiva, empresa em sociedade com o ex-lateral Paulo Roberto, campeão mundial pelo Grêmio em 1983. Como foi essa experiência?

Essa parceria com o Paulo Roberto acabou em 2010, um pouco antes de eu ir para a Copa do Mundo na África do Sul, como observador. Foi significativo exercer esse meu lado empresarial, e mesmo achando que não foi uma boa experiência, por outro lado, foi válido no sentido de ver o outro lado da moeda do futebol. Admito que não me adaptei e por isso desfiz a sociedade, no entanto, a amizade com o Paulo Roberto continua. É uma grande pessoa, ele continua com esse trabalho, sempre com aquela tranquilidade peculiar que ele tem ao fazer negócios. Sempre com muita honestidade e transparência.


Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido a onda do novo Coronavírus?

Esse isolamento social, se você souber encará-lo bem, pode até ser positivo em determinadas situações. Você fica mais em casa, convive mais com as pessoas que estão na tua casa, valoriza mais os teus espaços e acaba vendo as coisas diferentes. Não que isso vá te mudar! Nada disso! Que esse vírus traga para gente, e tem trazido muito, é em relação aos cuidados. Cada um de nós devemos tirar lições positivas deste momento inesperado e traumático para o mundo. Eu lamento que certas profissões ficam mais expostas e as dificuldades são mais nítidas. Mas é a vida e espero que isso passe logo.

Defina Taffarel em uma única palavra?

Talvez uma palavra que pudesse me definir seria carisma. Por onde eu passei sempre senti essa ligação forte com as pessoas, com os torcedores, os companheiros e os clubes em que joguei. Acho que essa carisma vem pelo meu modo de trabalhar e do meu caráter. É importante você transmitir o que você é, e em virtude disso, o pessoal sempre me achou um sujeito carismático (risos).

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA BALTAZAR


“Deus está reservando algo melhor para o Grêmio”, disse Baltazar, centroavante da equipe portoalegrense ao ser questionado por ter chutado para fora uma cobrança de pênalti no primeiro duelo da final do Campeonato Brasileiro de 1981 contra o São Paulo, em pleno estádio Olímpico.

A partida era para os amantes do futebol um confronto épico entre tricolores, para a imprensa apenas uma decisão de título das duas melhores equipes daquele ano e para a revista Placar a religiosidade de Baltazar contra a malandragem de Serginho Chulapa, estampada em sua capa com o título: ‘Deus contra o Diabo’.

Uma semana depois, no dia 3 de maio, aos 19 do segundo tempo, o lateral-direito Paulo Roberto cruza, Renato Sá escora de cabeça para Baltazar, que domina no peito na entrada da área e sem deixar a bola cair, bate de primeira no ângulo esquerdo de Waldir Peres e marca o gol do título.

A profecia dita uma semana antes da grande decisão se cumpria. Assim, no jogo de volta, o Imortal se sagrou campeão do torneio e, claro, com gol do ‘Artilheiro de Deus’, apelido dado sabe-se lá por quem mas que serve para reverenciar o El-Shadday.

“E eu queria tanto fazer um gol em uma final, que o Deus Todo-Poderoso me agraciou com isto”, conta o centroavante que marcou 131 gols na história do Grêmio, mas o chutaço no ângulo do arqueiro são-paulino vale por todos. Duvida? Pergunte a qualquer gremista.

Contudo, Deus sempre esteve ligado à vida de Baltazar Maria de Moraes Júnior, atualmente com 61 anos, desde os seus 18, quando entrou em seu quarto, fechou a porta e buscou na Bíblia respostas para as suas aflições.

Filho caçula de seu Baltazar Maria de Morais e de dona Conceição de Faria Chaves, Baltazar se apaixonou por futebol muito cedo, pois os fundos da sua casa davam para o estádio Antônio Accioly, conhecido como Castelo do Dragão, localizado na região Centro-Oeste, de Goiânia.

Nascido Baltazar Maria de Morais Júnior, em 27 de julho de 1959, por conta dos gols e do sucesso em campo, abandonou o curso de Matemática, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), porém, dentro das quatro linhas, não precisou se graduar, pois somava gols, diminuia derrotas, multiplicava alegrias e dividia títulos com os companheiros e torcedores dos clubes em que jogou.

Assim foi gritando gol, ação que evidenciava o número 9 de sua camisa e exorcizava as defesas adversárias sendo centroavante do Atlético Goianiense, Grêmio, Palmeiras por duas vezes, Flamengo, Botafogo, Celta de Vigo-ESP, Atlético de Madrid-ESP, Porto-POR, Rennes-FRA, Goiás e Kyoto Sanga-JAP.

Atualmente, o ‘Artilheiro de Deus’ e um dos criadores do movimento ‘Atletas de Cristo’, ao lado de João Leite, goleiro do Atlético Mineiro, mora em São Carlos, interior de São Paulo, é pregador da palavra do Senhor e evangelista na Igreja Presbiteriana da Vila Prado, além é claro, se ser o nosso vigésimo segundo personagem do Vozes da Bola.

texto: Marcos Vinicius Cabral

edição: Fabio Lacerda

Baltazar, como foi o início de carreira?

Foi no Atlético Clube Goianiense, onde eu joguei desde as categorias de base até me tornar profissional. O interessante é que a minha casa era vizinha ao campo do clube e bastava pular o muro que eu já estava no terreno do Atlético Goianiense. Posso te afirmar que o Dragão foi a extensão da minha casa, era como se fosse o quintal do lugar onde morava.

Como foi jogar no profissional, em 1978, atuando pelo Atlético-GO, e mostrando fato de gol e sendo o artilheiro do Campeonato Goiano?

Jogar no Atlético Goianiense foi uma grande alegria, pois era o time da minha cidade e o que eu torcia. Era o clube que estava ao lado da minha casa, e em 1978, no meu primeiro ano como profissional, já experimentei a artilharia do Campeonato Goiano com 31 gols marcados. Isso me fez aparecer para o futebol nacional, e consequentemente, ser transferido para o Grêmio. 

Seus primeiros títulos no Grêmio foram o bicampeonato Gaúcho de 1979 e 1980, no qual ficou confirmado nos 28 gols em 1980, e 20 em 1981. De onde veio essa facilidade de fazer gols?

Eu sempre fui obstinado a buscar o gol. Era incessante nisso e trabalhava muito para ser artilheiro. Sabia das minhas limitações técnicas, não era um craque de bola, e por esse motivo, para sobressair no meio de tantos grandes jogadores, era preciso treinar. E treinar muito. E foi o que fiz. Sempre treinei as conclusões de perna direita, perna esquerda, cabeceio, chutes de pequena, média e longa distâncias. Então, se eu fiz muitos gols nos clubes por onde passei deve-se muito ao fato de ter me aprimorado nos fundamentos importantes para se destacar como centroavante. Lembro que, ao chegar no Grêmio, fiz muitos gols no primeiro ano, em 1979 e depois em 1980. Tornei-me artilheiro também no Campeonato Gaúcho. 

Ainda em 1981, o gol do primeiro título brasileiro do Grêmio na final contra o São Paulo, no Morumbi, foi seu. Quais as lembranças desse gol e desse título?

Boas lembranças! Em 1981, na final do Campeonato Brasileiro, no estádio do Morumbi, vencemos por 1 a 0. Foi o gol mais marcante da minha carreira. Lembro, perfeitamente, que, no primeiro jogo da decisão, eu havia perdido um pênalti, batendo para fora. Mas no segundo jogo, consegui me redimir e fazer o gol mais importante da minha carreira. O lance não sai da minha cabeça. Foi uma jogada muito bonita em que o Paulo Roberto cruzou, o Renato Sá ajeitou de cabeça, e eu dominei no peito, na entrada da área e sem deixar cair, bati no canto esquerdo de Waldir Peres. Gol bonito e que deu ao Grêmio o título.

Por seus feitos com a camisa do Tricolor Gaúcho, você se transformou em um ídolo da torcida e está entre os dez maiores artilheiros do clube com 131 gols marcados. Fale um pouco do Imortal?

É uma alegria enorme ter marcado 131 gols e figurar entre os dez maiores artilheiros da história do Grêmio. Isso, sem dúvida, representa muito para mim, e sou muito grato ao Grêmio, que foi o clube de futebol que eu tive a maior identificação na minha carreira, além de ter sido a equipe que me projetou nacional e internacionalmente. Foi vestindo a camisa do Tricolor Gaúcho que cheguei à seleção, e por tudo isso, sou eternamente grato. Até hoje, tenho um carinho especial pelo Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

Você jogou no Flamengo, em 1983, e sagrou-se campeão Brasileiro. Como surgiu o convite para jogar no clube?

Ter jogado no Flamengo para mim foi a realização de um sonho, porque desde garoto era torcedor do Atlético Goianiense e do Flamengo. Na verdade, foi um sonho realizado, no entanto, é bom frisar, que eu tive oportunidade de ser campeão e jogar todos os jogos do Campeonato Brasileiro de 1983 como titular. Título muito importante para minha carreira e para minha vida.

Do Flamengo você foi para o Palmeiras e depois voltou ao Rio para defender o Botafogo. Como foi jogar nesses dois clubes?

O Palmeiras foi a única equipe em que eu pude jogar por ela em duas ocasiões: emprestado em 1982, e na outra eu fui vendido em 1984. Mas isso foi bom, pois foi sinal de que fui bem recebido, bem aceito, gostaram do meu trabalho e fiquei satisfeito e muito contente. No Botafogo foi o clube que me deu condições de ser artilheiro do Campeonato Carioca de 1985, e que tínhamos um ambiente muito bom. O Botafogo abriu as portas do mundo ao me transferir para a Espanha. Fui jogar no Celta de Vigo no mesmo ano. Posso te afirmar que tive bons momentos nesses dois clubes e com um ambiente maravilhoso em cada um deles.

No Celta de Vigo-ESP, em um jogo válido pela segunda divisão espanhola, você chocou-se com o goleiro Gallardo, do Málaga, que sofreu uma comoção cerebral e morreu 18 dias após ficar internado em coma. O que aconteceu de fato?

Posso dizer que o que aconteceu foi um acidente. Lembro, perfeitamente do lance, pois mesmo passado tantos anos, ficou marcado na minha vida esse trágico acontecimento. Foi uma bola lançada, em que consegui chegar e chutá-la antes do choque com o goleiro Gallardo. Quando eu chutei, ele já vinha com toda velocidade se atirando aos meus pés tentando segurar a bola e não conseguiu. Houve o choque e foi inevitável, mas foi um acidente de trabalho. Infelizmente, a gente fica bastante consternado, foi um momento dramático no qual passei alguns dias absorvidos com aquilo Triste mesmo, mas pude superar porque Deus pode trazer consolo ao meu coração.


Na Espanha, você jogou no Atlético de Madrid-ESP, conquistando o Troféu Pichichi como artilheiro na temporada 1988/89, ao fazer 35 gols. Como foi essa passagem e essa experiência?

O Atlético de Madrid me proporcionou isso e é uma das grandes equipes do futebol europeu. Na Espanha, talvez seja atrás do Barcelona e do Real Madrid, a terceira força do futebol. Eu tive esse privilégio que foi receber esse troféu jogando nessa grande equipe, onde fui artilheiro logo no meu primeiro ano marcando 35 gols. Foi algo que eu jamais pensei que pudesse acontecer, fazer parte de um grupo seleto com Messi, Cristiano Ronaldo, Romário, Ronaldo, e tantos jogadores que já passaram por ali e que foram artilheiros. Agradeço a Deus por estar entre esses grandes jogadores do futebol mundial.

Ao conquistar o tradicional Troféu Pichichi (prêmio entregue ao final de cada temporada da La Liga pelo jornal espanhol Marca ao artilheiro do campeonato), você entrou para o seleto grupo de Cristiano Ronaldo, Romário, Ronaldo, Raúl, Diego Forlán, Ruud van Nistelrooy, Alfredo di Stéfano, Samuel Eto’o e, recentemente, Lionel Messi, aliás, o maior vencedor do prêmio. Qual a sensação de ganhar tal honraria e ser colocado ao lado desses jogadores?

Ter alcançado o sucesso que tantos jogadores também alcançaram como Cristiano Ronaldo, Messi, Ronaldo e Romário, e todos outros craques citados na pergunta, e que foram artilheiros, me deixa muito feliz de verdade. Eu sendo formado na base do Atlético Goianiense, fico vendo que este clube proporcionou ao futebol mundial um dos grandes artilheiros. E não nos resta dúvidas de que a base é importante na carreira do atleta e a minha especificamente foi muito boa para mim a ponto de ter me profissionalizado pelo clube. Passados tantos anos, sou muito grato ao Atlético Goianiense por ter me dado essa oportunidade para que eu pudesse desenvolver meu trabalho e meu futebol. Me sinto muito honrado em ter vestido a camisa de uma grande equipe como o Atlético de Madrid e ser lembrado na história do futebol espanhol como sou agora.

Uma breve passagem pela Seleção Brasileira conquistando o título da Copa América de 1989 e totalizando três gols em sete jogos. Por que o Baltazar não fez tanto sucesso com a amarelinha como fez nos clubes?

A Seleção Brasileira é sempre uma realização de um sonho. Pude vestir a amarelinha por sete vezes, disputei a Copa América de 1989, fiz três gols jogando pelo Brasil, mas não é fácil se manter na Seleção. O que eu posso dizer é que existem muitos fatores internos e externos, é uma concorrência muito grande, são poucas chances, muitos bons jogadores, tem a questão do entrosamento com os companheiros e isso dificulta muito para que a gente possa fazer um fazer um bom trabalho. Mas eu sou feliz em ter participado da Seleção e foi uma experiência maravilhosa.

Você foi um dos primeiros jogadores a declarar-se ‘Atleta de Cristo’. Como foi a sua conversão?

Fui um dos primeiros ‘Atletas de Cristo’, juntamente, com João Leite, goleiro do Atlético Mineiro. A minha conversão ocorreu no ano de 1978. Eu estava com 18 anos e chegou uma noite que não consegui dormir de tanta inquietação e angústia no meu coração pelas coisas que eu fazia, lugares que frequentava, os namoros e as conversas que eu tinha com as meninas. Confesso, eu não estava bem, não estava feliz, estava angustiado e naquela noite eu fiz o que a Bíblia diz para a gente fazer em 1 João 1:9: “Se confessarmos os nossos pecados Ele é fiel e justo para nos perdoar de todos os pecados e nos purificar de toda injustiça”. Nesse momento, me ajoelhei, pedi a Deus perdão pelos meus pecados e ele me perdoou, transformando a minha vida e me fez uma nova criatura. A partir dali, foi algo tremendo e maravilhoso o que o Senhor fez na minha vida.


O que representou a conquista da Bola de Prata concedida pela Revista Placar em 1980?

A Bola de Prata era um prêmio que todo jogador gostaria de ganhar, era o Oscar do futebol brasileiro, além de ser um dos mais valorizados no Brasil. Ser eleito o melhor atacante do ano pela revista Placar, um veículo muito respeitado, era o máximo na carreira de todo jogador. Particularmente, foi uma honra, uma alegria e uma satisfação enormes ver a carreira se firmar e se fortalecer naquele momento.

Seu sonho era ser engenheiro, mas acabou estudando sem terminar o curso de matemática. Entretanto, o talento com a bola parecia seduzir-lhe mais que os números e equações. Se arrepende em ter optado pelo futebol?

É verdade. Eu realmente tinha um sonho que era em ser engenheiro civil. Inclusive, já havia feito um curso técnico de edificações e já podia fazer construções e tudo, além de, também, ter ingressado na faculdade de matemática sem concluir. Contudo, não foi o que Deus reservou para mim. Pude me realizar não foi sendo engenheiro ou matemático, mas tive a oportunidade de construir muitas casas ao longo dos anos e isso me trouxe uma satisfação muito grande. Por isso eu nunca me arrependi de ter seguido a carreira de jogador de futebol, porque ela era muito mais promissora. Sei que o futebol traria mais resultados e me trouxe muito mais alegria também. No entanto, creio que fui muito feliz nas escolhas que eu fiz na vida.

Seus 34 gols ajudaram o Celta de Vigo-ESP a retornar à primeira divisão, um recorde da segundona espanhola, que perdurava desde 1969. Você chegou a ser chamado de “El Rei” pelos fanáticos torcedores. Como lidava com esse fanatismo todo?

Outro lugar que eu gostei muito de ter jogado foi no Celta de Vigo na Espanha, onde me tornei artilheiro com 34 gols jogando na segunda divisão. O time havia caído e com muito trabalho e profissionalismo, conseguimos voltar à primeira divisão. Sempre fui muito bem tratado, respeitado por dirigentes e torcedores, e o Celta foi um dos clubes que mais tempo joguei. Uma experiência muito boa.

Você trocou a Espanha por Portugal, e no Porto, onde jogou em 1991, não se adaptou e foi para o Rennes-FRA, onde permaneceu até 1993. Como foi jogar nesses três países?

Muito complicado. Depois que saí do Atlético de Madrid, na Espanha, fui jogar em Portugal, defendendo o Porto. Cheguei e peguei o campeonato em andamento. Tive muitas dificuldades na adaptação, pois era um futebol diferente do praticado na Espanha. Nesse caso, a adaptação não se fez tão rápida e eu senti muitas dificuldades. Não fui bem, e em seguida, na França, vesti a camisa do Rennes, que era outro local completamente diferente da Espanha e de Portugal. A dificuldade foi ainda maior, pois era um time considerado pequeno que não atacava muito e se limitava em se defender. Imagine ser centroavante de uma equipe com esse esquema tático? Foi muito complicado para mim essas passagens nesses países.

Como surgiu esse apelido ‘Artilheiro de Deus’?

Normalmente a gente não gosta muito de apelidos, seja na infância, na fase adulta ou no meio do futebol. Mas confesso para vocês do Museu da Pelada, que esse apelido foi especial e me marcou muito. Recordo-me que foi no Rio Grande do Sul que começaram a me chamar de ‘Artilheiro de Deus’ e eu gostei e muito! Imagina, ser chamado de ‘Artilheiro’, coisa maravilhosa e de suma importância para quem vive do ofício de marcar gols e ‘de Deus’, mais importante ainda. Esse apelido é curioso, pois surgiu no Grêmio e até hoje não sei exatamente quem foi a pessoa abençoada que o profetizou pela primeira vez. Eu sei que todas às vezes que eu ia conceder uma entrevista, eu sempre queria agradecer a Deus, falar do amor de D’Ele para as pessoas, do que Ele podia fazer por nós, e com isso se associou o que eu dizia de Deus. Eu tenho muita gratidão a quem me deu o apelido que ficou marcante para mim e até hoje marcado na história do futebol brasileiro.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Orlando Fantoni. Foi um grande treinador que passou na minha carreira, tanto no Grêmio, clube que me deu oportunidade e passou muita confiança, e depois no Botafogo. No início da carreira, quando eu precisei de mais apoio e confiança, “Seu” Orlando acreditou em mim e no meu futebol. Foi um treinador com muita experiência.

Defina Baltazar em uma única palavra?

Gratidão. Essa é a palavra que eu posso me definir. Gratidão a quem? A Deus. Porque ele mudou a minha vida, as circunstâncias no meu trabalho no futebol, meus relacionamentos. Eu olho para trás e vejo que não merecia nada, mas Deus pode me abençoar muito. Devo tudo ao Senhor e sou eternamente grato por tudo que ele fez na minha vida.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?

Esse isolamento social não tem sido fácil. Estamos isolados, eu, meus dois filhos e minha esposa, mas uma coisa importante na nossa vida é a presença de Deus. Apenas a sua presença nos traz paz mesmo no momento turbulento como esse. Estamos aqui como família buscando a Deus a todo momento. O Senhor tem trazido esperança, alegria e paz para o nosso coração. No mais, espero que em breve tudo possa voltar ao normal, mas estamos bem, graças a Deus.