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Vinicius Júnior

NEGUEBA

por Zé Roberto Padilha


Difícil mesmo foi para Evaristo Macedo jogar no Barcelona e no Real Madrid. Do Rio de Janeiro para a Espanha, era preciso se exibir por lá em amistosos, convencer os diretores dos mais ricos clubes de futebol do mundo de que o jogador que estava embarcando da Gávea não era uma promessa, mas uma realidade. Foi demorado, dezenas de reuniões e contatos foram feitas, propostas e contrapropostas eram acompanhadas pelos jornais, mas Evaristo chegou lá, venceu e se tornou uma lenda no futebol espanhol.

Fácil foi para Vinícius Júnior ser vendido para lá. Com tanta carência de novos craques, mal esperaram sua maturidade. Fizeram um vídeo bonito cheio de boas jogadas, postaram no Whatsapp para chegar mais rápido por causa da janela europeia e alcançaram um valor indecente pelo o que apresentou em campo até agora. Como uma manga bonita que desponta na árvore de uma Copinha, é cobiçada em um mundial Sub-17 em que poucos são testemunhas, tratam longo de embrulhá-la num jornal a forçar seu desabrochar. E quando realizam as primeiras jogadas, valendo três pontos e se posta à mesa, o sabor passa longe daquela cobiçada fruta colhida no pé e degustada no tempo certo de maturação.


Com 17 anos, pela primeira vez em sua história, um Vasco x Flamengo apostou nos pés de seus dois meninos, o outro foi o Paulinho, a responsabilidade de decidirem o primeiro clássico do futebol carioca. Imaturos, afoitos diante dos goleiros, sem a confiança em si mesmo, dos companheiros e da torcida, poderiam até serem coadjuvantes em meio às estrelas dos seus times. Jamais a atração principal. E o 0 x 0, em uma tarde nublada, foi a justa nota final de quem não se preparou o suficiente para se impor e decidir o clássico.

17 anos. Como Vinícius Junior, Negueba, um bom jogador, surgiu assim. E Berico, desapareceu assim. Fio Maravilha, pelo menos, virou hino, mas nenhum deles foi trabalhado, treinado e cultuado para se perpetuar um Zico. Arthur Antunes Coimbra chegou à Gávea aos 16 anos, estreou aos 19, se firmou no time titular aos 22 e foi convocado para a seleção brasileira, pela primeira vez, aos 23. E atingiu seu auge aos 28, quando levou o Flamengo a ser campeão mundial de clubes, em Tóquio. Aos 29 anos, então, alcançou a plena sabedoria ao fazer parte da lendária seleção de 82, comandada por Telê Santana. Tudo ao seu tempo e a espera do seu melhor momento.


Nossas divisões de base, no entanto, continuam com sua mangueiras frutíferas pelos terrenos de suas diversidades, a produzir a mais saborosa das nossas matérias primas. O problema é que os empresários, ávidos por dinheiro e apaixonados pelo Poker, vivem a blefar com novas cartas, craques e mangas. E quanto a você, pagaria para ver as jogadas que este menino colocará no feltro do Maracanã e do Santiago Bernabéu? Ou ele vai acabar jogando no Sport e depois será dispensado pelo Coritiba?

A JOIA ESTÁ PRONTA

por Serginho 5Bocas


Entendo quando escuto gente do ramo, com seus ternos bem cortados, falando para muitos na televisão, que ele ainda é um menino, que podem queimar uma carreira promissora, que é  muita pressão sobre os seus ombros e que talvez nem seja essa coca-cola toda, é  compreensível. Ou estão sendo corporativistas e querem defender o prodígio colega de profissão de um insucesso futuro, mais certo de ocorrer do que o sucesso, ou são míopes e não enxergam a meio palmo de seus narizes. É uma savana de pensamentos!

Do treinador atual, coitado, tão acostumado aos Copetes e Berríos de sua vida futebolística, de seu país tradicional mediano no cenário internacional do futebol, dos esquemas altamente defensivos, baseado na retranca e contra ataques, que carrega colado nos imãs de sua surrada prancheta que leva para onde quer que vá, também entendo.

Também é razoável ouvir, dos torcedores dos clubes rivais, as críticas antecipadas, de quem torce para não dar certo, último suspiro de uma tragédia anunciada que deve ocorrer no próximo estadual, quando o enfrentarão, provavelmente já como titular e certamente vão  sofrer com suas arrancadas fulminantes.


O que não posso aceitar é ouvir dos próprios rubro negros, tão carentes de ídolos, se curvar aos laticínios transloucados e desesperados, derrotistas quanto ao futuro desse menino.

Já foi! Já é, mermão!

O menino Vinicius é diferente, pois então vejam só quando ele entra no decorrer dos jogos, como o clima muda.

Se dê conta de como você já torce para que a bola chegue logo aos seus pés.

Repare na velocidade já superior aos adultos, na verticalidade incomum nesse monte de Armandinho de toquinhos para o lado, na facilidade de antever jogadas e de construí-las mentalmente para servir aos companheiros e de se servir.

Reparem na ginga de corpo e na habilidade, olhem como mesmo sendo tão jovem, já é tão superior aos outros atacantes de seu time.


Quarta à noite, um cego ao meu lado, tomando uma cerveja e escutando o jogo pela voz alta do narrador, roía suas unhas rubro negras de tensão pelo placar adverso que ainda seria igualado, mas também de esperança, pela certeza mediúnica de que, com o menino que acabara de entrar, as coisas iriam melhorar e o melhor ainda estava por vir.

No Real Madrid não tem bobo, aqui temos, muitos!

Aqui acham que os 61 milhões de euros foram muito, então tá.

Tite! Leva ele ano que vem, o futebol agradece e Telê, seu ídolo, o abençoará.

Eu torço, pois o menino estará mais do que pronto, o tempo dirá.

Valeu, Vinícius!

A REDENTORA

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Está provado: não foi a Princesa Isabel a verdadeira redentora. A História, sempre implacável nos rastros que deixa pelas cavernas, nos escritos e nos fósseis, agora confirma: ela assinou contrariada a abolição porque nada mais justificava a existência de uma monarquia isolada em meio a tantas republicas pela América. E manter a escravidão em meio aos ventos de liberdade, fraternidade e igualdade que dominavam o mundo. Com a contratação de Vinícius Junior pelo mais rico clube de futebol do mundo, realizando de jatinho, na primeira classe, a viagem de volta que seus ancestrais fizeram em navios negreiros, está mais que provado: a redentora, quem libertou mesmo a escravidão no Brasil, foi uma bola de futebol.

Foi a Inglaterra que impôs ao Brasil o fim do tráfico negreiro, em 1807, e como D. Pedro I não cumpriu o acordo, em 1845 o Parlamento inglês promulgou uma lei, A Bill Aberdeen, que lhes conferia o direito de busca e apreensão de embarcações suspeitas de transportar africanos escravizados por aqui. Apesar deste esforço, pouca coisa adiantou. A escravidão se enraizou de tal forma no Brasil que costumes e palavras ficaram por elas marcados. Se a casa-grande delimitava a fronteira entre a área social e a de serviços, a mesma arquitetura simbólica permaneceria presente nas casas e edifícios onde elevador de serviço não é só para carga, mas também para os empregados que guardam a marca do passado africano na cor. Como ultimo recurso, os ingleses enviaram para cá um emissário, Charles Miller, e um instrumento de liberdade na bagagem que nem o mais racista dos fiscais alfandegários percebeu: uma bola de futebol.


Um dos primeiros times do Fluminense

Como tudo vindo da Europa, logo a elite se apossou daquele instrumento. Só os brancos a tocavam nos clubes sociais, como o Fluminense FC, em gramados bem cuidados, bolas de couro, calções de brim e meias grossas de algodão. Se divertiram e propagaram o novo esporte, mas não era esta a missão daquela redentora. Para realizar a libertação definitiva foi preciso que ela rolasse nas periferias, nos campos de terra batida para o deleite, como único presente, do pobre menino descalço e sem camisa. E foi ali, num duelo de destreza e habilidade, onde ela quicou feliz em lugares inusitados e os meninos ampliavam os recursos para entender seus rumos, que nasceram os gênios da nação. Um rei, Pelé, um príncipe, Ivair, e tantos outros que mudaram a vida das suas proles. Sem exceção, no primeiro contrato, compraram uma casa para mãe. E seguiram pelos gramados a encantar o mundo.


Boa viagem, Vinícius. Quando seu jatinho rumo a Madrid sobrevoar o continente africano, de onde retiramos o melhor da nossa mestiçagem, dê um aceno para o seu berço. E agradeça sempre aquela esfera sintética, que já foi de pano, couro, por ter assinado, com a tinta da dignidade, com o papel da igualdade, a verdadeira abolição da nossa escravatura.

CALMA, GENTE!

por Zé Roberto Padilha

A final do estadual carioca de 1973 também foi entre Flamengo x Fluminense. No dia 22 de agosto, quarta-feira à noite, com 74 mil pagantes e arbitragem de José Faville Neto, chovia muito. Havia disputado a Taça Guanabara ao lado do Rubens Galaxe, Abel, Marinho, Nielsen Elias e Marco Aurélio porque naquele tempo o Fluminense cedia jogadores à seleção brasileira, como Lula e Marco Antonio. O jogo foi 4×2 para o Fluminense e o Manfrini marcou dois gols e foi o destaque daquela decisão.


Zico

Estava no banco de reservas quando o treinador rubro-negro, Zagallo, lançou o Zico no meio campo ao lado do Paulo César e do Liminha. Aos 42 do segundo tempo, descobri que poderia ser tudo na vida, menos profeta. Porque o galinho foi tentar buscar no desespero uma bola que saíra pela lateral, escorregou na poça, caiu perto do nosso banco e a massa rubro-negra, impaciente e já derrotada, não perdoou sua queda. E lhe deu uma tremenda vaia. Quando levantou, ainda magro e sem o trabalho de reforço da massa muscular que José Roberto Francalazzi lhe faria mais tarde, virei para o lado e comentei com o Rubens:

– Coitado deste menino. Não deve ir muito longe!

Zico tinha apenas 20 anos. Não era fácil, nem mesmo para quem despontava Zico, ser titular com esta idade em qualquer grande time do Brasil. Tanto que ele só foi convocado para a seleção brasileira três anos depois e se tornou campeão mundial de clubes aos 29 anos. Havia ciclos, do Zizinho, do Dida, Silva, o Batuta, e eles duravam alguns anos, nada deste troca troca intermitente que mal dá tempo para a Panini organizar seu álbum de figurinhas. Quando ela tira a foto e o jogador vai para o pacotinho, há um grande risco do garoto comprar a figurinha nas bancas e o atleta já estar em outro clube.


Agora, no afã de vender sua maior promessa das divisões de base, porque Vinícius Júnior é apenas uma promessa (quantos não ficaram presos no elevador da subida com síndrome de pânico diante das responsabilidades e contusões?), Zé Ricardo abre mão de tentar ganhar do Atlético Mineiro, no ultimo sábado, e deixa de colocar em campo um jogador com mais bagagem, entrosado com o elenco e que fez parte do grupo que vencera o estadual, para antecipar seu ciclo. A ordem que veio de cima pouco combina com a maturidade administrativa da gestão Bandeira de Melo:

– Precisamos logo colocar este menino na vitrine!

Só que a roupa que vai vestir o modelo a ser exposto no Santiago Bernabeu para o mundo da bola deve ser moda de hoje. A que está sendo exposta é a do futuro, e para alcançá-lo este menino precisará de uma carteira de motorista para dirigir o seu destino – e sua idade só permite que conduza uma moto de 125cc de casa até o Ninho do Urubu. Jogar após às 22 no horário global? Melhor esquecer, menores de 18 anos são proibidos de trabalhar no horário noturno e a legislação brasileira os proíbe de serem expostos em condições perigosas e insalubres como, por exemplo, enfrentar o Rodrigo, do Vasco.

Para fechar, tem coisa pior e mais constrangedora: se quiser viajar para Madrid com sua Marquezine vai precisar de autorização do papai e da mamãe. Que tal esperar madurar este menino? E chamar o Professor Francalazzi para encorpar?