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HISTÓRIAS DO MARACANÃ: ADEG INFORMA

por Victor Kingma


Nos áureos e românticos tempos do futebol carioca, tempos dos geraldinos e arquibaldos, termos popularizados no rádio esportivo por Washington Rodrigues, o locutor oficial do estádio, Victorio Gutemberg Volpato, era uma atração à parte.

Com sua voz característica e o famoso bordão “ADEG informa” (posteriormente “SUDERJ informa”), fazia a alegria dos torcedores. Principalmente quando informava os gols das partidas paralelas que iam acontecendo na rodada em outros estádios.

Ele tinha uma característica peculiar: após dizer em qual estádio estava ocorrendo o jogo, sempre fazia uma pausa e criava um suspense antes de informar o autor do gol e em qual partida. 

No início dos anos sessenta, o Santos tinha aquele timaço e Pelé, no auge da carreira, fazia gols todo jogo. 

O locutor, então, nos jogos do time da Vila Belmiro, costumava fazer uma brincadeira com a torcida: fazia uma pausa maior, para informar o óbvio: gol do rei do futebol.

De uma delas me lembro bem. No Campeonato Carioca de 1964, Fluminense e Vasco se enfrentavam no Maracanã, enquanto, no mesmo horário, Santos x Corinthians disputavam uma partida decisiva no Campeonato Paulista.

Terminado o primeiro tempo, o clássico paulista estava empatado em 2 a 2. Pelé ainda não tinha feito gol, para frustração do locutor.

Entretanto, mal começou o segundo tempo em São Paulo e o saudoso locutor entra em cena com sua voz empostada:

ADEG informa: 

No Pacaembu… (e após longos segundos de pausa)

PELÉ!!! Terceiro gol do Santos. 

Santos três, Corinthians dois!

Delírio da torcida.

Poucos minutos depois ele retorna:

ADEG informa:

No Pacaembu… (longa pausa)

PELÉ!!! Quarto gol do Santos.

Santos quatro, Corinthians dois!

Nova vibração da torcida!

Cinco minutos depois e nova intervenção:

ADEG informa:

No Pacaembu…

Mas antes que ele criasse o suspense para dar a informação, os quase 70.000 torcedores tricolores e vascaínos presentes no estádio entoaram o coro:

“PELÉÉÉÉÉ!!!”

E o lendário locutor, entrando na onda dos torcedores, apenas completou a informação:

Quinto gol do Santos.

Santos Cinco, Corinthians dois. 

Até o final do jogo foi uma festa pois Pelé ainda faria mais um gol. O histórico jogo daquele 06/12/1964 terminou 7 a 4 para o Santos.

Saudosas histórias dos tempos românticos do Maracanã e do futebol.

ÍDOLO, ÀS VEZES O HERÓI IMPROVÁVEL

por Victor Kingma


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Todos que convivem comigo sabem que sou rubro-negro de carteirinha, paixão que vem de longe, desde quando eu era menino na fazenda, em Mantiqueira, lá pelo final dos anos 50.

A influência maior, como já relatei, foi da minha tia Luquinha, que contrariando o hábitos das moças da época, gostava muito de futebol.

Desde aquele tempo acompanho sempre os jogos do clube. Lembro-me bem que, no início dos anos 60, a linha de frente do Flamengo, como os narradores costumavam chamar, era formada por Joel, Gerson, Henrique, Dida e Babá.

A escalação dos times era assim, com cinco jogadores no ataque, embora o meia direita, o clássico camisa 8, no caso Gerson, na prática não era um atacante, mas o meia armador do time.

Apesar de os seus companheiros na dianteira do Flamengo naquele ano serem todos jogadores de seleção – Henrique e Gerson estavam convocados e Joel e  Dida fizeram parte do elenco que conquistou o primeiro título mundial para o Brasil, na Suécia, em 1958-, o ídolo da minha tia era o menos famoso de todos: o ponteiro esquerdo Babá.

Ela sempre costumava dizer: esse baixinho é infernal!


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Até colecionava revistas e jornais onde aparecia o seu ídolo.

O futebol sempre teve craques consagrados, de geração pra geração, jogadores idolatrados por uma legião de fãs.

Existem entretanto aqueles que, embora não tão famosos, ficam marcados para sempre na memória, às vezes de um único torcedor, devido a uma jogada, drible ou gol assinalado num jogo marcante da história do clube.

Nos tempos áureos das transmissões esportivas pelo rádio muitos ídolos eram até forjados no imaginário do torcedor através das narrações vibrantes de suas jogadas pelos locutores da época, como certamente foi o caso da minha saudosa tia Luquinha.

No mundo do futebol a idolatria despertada por esses heróis, às vezes improváveis, sempre será fundamental para a manutenção dessa paixão popular, independente da forma ou motivo que os tornaram ídolos.

Muitos, aliás, jamais vão saber dessa idolatria, como certamente Babá nunca soube.

A magia do jogo de bola tem dessas coisas.

O GESTO NOBRE DE UM CRAQUE APRESENTOU AO MUNDO UM GÊNIO DA BOLA

por Victor Kingma


Suécia, 1958. O Brasil chegou para a sexta Copa do Mundo com uma equipe totalmente renovada, após a tragédia de 1950 e a participação apagada em 1954, na Suíça.

No time que estreou contra a Áustria, na vitória por 3 x 0, apenas dois titulares da Copa anterior estavam em campo: o lateral esquerdo Nilton Santos e o meia Didi.

Outros remanescentes eram o goleiro Castilho, o lateral Djalma Santos, antigos titulares, e o zagueiro Mauro.

Outro jogador, que certamente seria titular absoluto, não estava no grupo que foi para a Suécia: o ponta direita Julinho Botelho.

O atacante da Portuguesa de Desportos tinha sido o melhor jogador da seleção na  Copa anterior, na qual o Brasil foi desclassificado nas quartas de final pela poderosa seleção da Hungria.    

Fez dois gols nas três partidas que o Brasil disputou, inclusive o segundo na famosa batalha contra os húngaros, quando a seleção perdeu por 4 x 2.  

Após se destacar no mundial, foi vendido para a Fiorentina, da Itália, onde brilhou intensamente, sendo considerado até hoje o melhor jogador da história do clube.

Naquele tempo não era comum convocar jogadores que não atuavam no Brasil mas, mesmo assim, o técnico Vicente Feola e a comissão técnica da seleção, impressionados com as notícias que vinham da Europa, o comunicou de que seria convocado.

Julinho, então, com a fidalguia que sempre o acompanhou por toda a carreira, declinou do convite para defender a seleção, argumentando que embora sentisse muito honrado pela lembrança, não serio justo tomar o lugar de um companheiro que  jogava no país.

Em seu lugar, então, foi chamado um jogador que, apesar de algumas limitações físicas, que causava certa preocupação em relação ao confronto contra os fortes marcadores europeus, vinha se destacando no Botafogo.

Assim, na relação final dos convocados para a Copa, na ponta direita, com a ausência de Júlio Botelho, astro da Fiorentina, estava escrito:

Joel Antônio Martins (Joel), do Flamengo, e Manoel Francisco dos Santos (Garrincha), do Botafogo.

Com o mundial em curso, o Brasil havia vencido a  Áustria,  por  3  x  0,   na estreia e empatado com a Inglaterra por 0 x 0 na segunda partida.

As atuações não empolgavam e o fantasma de nova desclassificação passou a preocupar os dirigentes.

Mudanças precisavam ser feitas na equipe, até porque na terceira e decisiva partida da fase de classificação a seleção ia enfrentar a União Soviética, conhecida pelos métodos científicos de preparação e com total estudo das características de cada jogador adversário.

Assim, naquele 15 de junho de 1958, na partida contra a URSS, o mundo do futebol foi apresentado oficialmente a um dos maiores fenômenos e o maior driblador que o futebol já teve.

Escalado na ponta direita, em substituição ao aplicado Joel, Garrincha fazia sua estreia na seleção.

Tinha a seu lado no ataque, o menino Pelé, então com 17 anos, que também estreava, Vavá e Zagallo.

Bastaram poucos minutos de jogo para o futebol estudado e cientifico dos soviéticos se desmoronar diante das diabruras que aquele desconhecido jogador, de pernas tortas, aprontava em cima dos seus atônicos marcadores.

Debaixo das traves, o lendário Lev Yashin, o melhor goleiro do mundo, incrédulo ao que estava assistindo, gritava desesperado para seus defensores: atenção, cuidado, não deixem passar!

Muitos estudiosos consideram que aquele início avassalador de jogo, protagonizado por Garrincha, foram os três minutos mais espetaculares da história do futebol.

O Brasil venceu por 2 x 0, gols de Vavá, e prosseguiu na campanha que o levaria a conquistar pela primeira vez o campeonato mundial de futebol.

O gesto nobre de Julinho ao abrir mão de sua convocação acabou por apresentar ao mundo um dos maiores gênios da bola.

MORCEGO NO GRAMADO

por Victor Kingma


Charge: Eklisleno Ximenes.

Naquele domingo estava prevista uma grande festa na pacata cidade de Jacutinga do Norte. Seria finalmente inaugurado o estádio local, antigo sonho dos moradores do lugar.

 Até a acirrada rivalidade entre os dois principais times locais, o Jacutinga e o Barro Preto foi esquecida.

Um selecionado com os melhores jogadores da região foi formado para enfrentar o time misto, de um grande clube da capital.  

Agustín, o Morcego, com 1,98m de altura e 130 kg de peso, era o torcedor mais conhecido do Jacutinga. Já se tornara uma figura folclórica do lugarejo.

Bandeira na mão, sempre era o primeiro a chegar para assistir aos jogos.

Entretanto, sua presença nos campos sempre foi motivo de preocupação.

Tudo por causa de uma particularidade: ficava possesso quando o chamavam ou insinuavam alguma coisa que lembrasse o apelido – que abominava.

Muitas  foram as confusões que se meteu com as torcidas adversárias, principalmente nos dias do famoso clássico  “Jacu Preto” ,  acirrado prélio entre  Jacutinga x Barro Preto.

 Nesses dias, para provocá-lo, a torcida rival costumava entoar bem alto o coro:  Morcego!  Morcego!

Ele, enfurecido, saia quebrando tudo.   Às vezes  nem  a  polícia conseguia detê-lo.

Agustín não batia bem das  bolas e só uma coisa o fazia esquecer um pouco do futebol: a paixão que tinha por revistas em quadrinhos.

 Com os gibis, desligava-se de tudo. Virava uma criança e ficava horas lendo, dócil e calmo.

E chega o grande dia! Com o palanque cheio de autoridades, tudo era só alegria.

Entretanto, a presença do problemático torcedor no novo estádio deixava apreensivos os organizadores, o prefeito e até o vigário local.

 Apesar de ser  uma partida festiva, e se algum agitador, de oposição ao prefeito, o chamasse pelo apelido? –  Seria o caos!

Um  desses puxa-sacos de palanque, resolve, então, agir: chama o filho e o manda dar uma revistinha qualquer para distrair e acalmar o bravo Agustin.

 Diz pra ele que é presente do prefeito!  –  Recomenda o bajulador.

 Tudo parecia resolvido.

Após os discursos e da cerimônia de inauguração, a bola rola em clima de festa…

 De repente um tremendo tumulto! 

Agustin Morcego, mais furibundo que nunca, salta o alambrado, invade a cancha e se dirige aos berros em direção ao palanque das  autoridades. E vai derrubando tudo pelo caminho…

Todos tentam segurá-lo. Balburdia geral! Corre-corre.

Ao ver o sorriso irônico do filho ao seu lado, desconfiado, o puxa-saco  pergunta:

–  Menino,  você fez o que lhe pedi?

–  Claro, pai! Dei um gibi pra ele e falei que era presente do prefeito…

–  Qual gibi?

E o Juquinha com um riso sacana:

– BAT MAN!!!

VOLTA NILTON, VOLTA!

por Victor Kingma


O futebol, essa paixão nacional, é feito de histórias, muitas delas fantasiosas, fruto da imaginação dos torcedores. 

Assim, através dos  tempos, cada gol ou lance  inusitado que tenha acontecido numa partida,  são contados pelos boleiros de forma diferente, onde são acrescentados novos detalhes e até outros personagens para o mesmo fato, quase sempre envolvendo figuras marcantes do futebol.

E essas histórias acabam entrando definitivamente para o folclore do velho esporte bretão.

Entretanto, existem aquelas que se tornam verdadeiras lendas e possuem registros oficiais que as comprovam, a despeito de pequenos detalhes que possam ter sido acrescentados pelo imaginário dos amantes da bola.

Uma dessas lendárias histórias foi a que  aconteceu na estreia do Brasil, na Copa de 1958, na Suécia.

Brasil e Áustria se enfrentavam. A seleção havia vencido o primeiro tempo por 1 x 0, gol do centroavante palmeirense Mazzola, e tinha  o jogo sobre controle.

Entretanto, logo que começou a segunda etapa, os austríacos iniciaram uma grande  pressão em busca do empate. O goleiro Gilmar já havia feito duas difíceis defesas.

Aos cinco minutos o time austríaco inicia novo ataque pela direita quando Nilton Santos desarma o arrisco ponteiro Horac e parte para o ataque, coisa rara nos laterais daquela época. 

No banco, o técnico Vicente Feola, temendo que ele pudesse perder a bola e propiciar um contra-ataque fatal, grita desesperado:

–  VOLTA, NILTON! VOLTA, NILTON!

O lateral, com a personalidade que sempre o acompanhou, não dá ouvidos ao treinador e prossegue na jogada.

– VOLTA, NILTON, VOLTA NILTON! – Insistia,  descontrolado, o treinador.

O craque botafoguense, então, avança com a bola dominada, tabela com Mazzola, recebe na frente e desloca o goleiro Rudolf Szanwald com um toque de classe: Brasil 2 x 0!  

– BOA, NILTON!  Valeu, meu craque! –  Teria gritado,  aliviado,  e quase sem voz,  o bonachão Feola!

A partir do gol, o primeiro marcado pela seleção por um defensor, com a bola rolando,   o Brasil voltou a tomar conta do jogo e ainda faria o terceiro, novamente através do avante  Mazzola.

Com a vitória por 3 x 0, e o lance marcante de Nilton Santos, a “Enciclopédia do Futebol”,  o Brasil iniciava a memorável campanha que o levaria a conquistar pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol.