Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

victor kingma

DOENÇAS DA MINHA GERAÇÃO

por Victor Kingma


Outro dia estava lendo o artigo de um pediatra que mostrava a sua preocupação com o aumento alarmante do índice de obesidade na infância e adolescência nas últimas décadas, conseqüência da inatividade física.

O médico demonstrava ainda a sua apreensão com o aparecimento precoce de várias doenças, como hipertensão e stress, oriundas da era dos computadores, celulares e afins. Então pensei:

– Que doenças atormentavam a infância e a adolescência da minha geração, nos anos 60 e 70,  e de tantas outras do passado?

Talvez uma inflamação no rosto, causada por uma espinha espremida ou, quem sabe, uma passageira verminose, fruto da alimentação com as mãos mal lavadas – prontamente curada por um bom vermífugo caseiro.

Hipertensão precoce, com tantas e saudáveis opções de divertimento, com certeza, não existia.


Obesidade, devido à falta de atividade física, também não. Afinal, gastávamos toda nossa energia correndo atrás da bola, carregando o carrinho de rolimã ladeira acima, após a “perigosa” descida, ou fugindo do pegador, nos piques de rua. Aliás, naqueles tempos, a preocupação de nossos pais quase sempre era outra:

– Menino, como você está magro! Larga um pouco essa bola e vem comer alguma coisa! Tem tomado direito o seu Biotônico Fontoura?

Stress na infância e adolescência daquela época era coisa que nem se ouvia falar. Aliás, nem conhecíamos essa palavra americanizada.

O que de pior podia acontecer e nos deixar emburrados, e não estressados, como a criançada de hoje quando a conexão sai do ar, era ficar de fora das peladas com a molecada do bairro.

Isso quase sempre acontecia quando arrancávamos a tampa do dedão do pé em alguma topada. Nada que não pudesse ser resolvido com a ajuda do providencial mercúrio cromo e um pedaço de pano para cobrir o ferimento. Pelo menos até a próxima e dolorida topada dos pés descalços em alguma pedra ou toco, nos irregulares “estádios” de terra batida.

OS AMIGOS DA JUVENTUDE

por Victor Kingma

Nunca perca de vista os seus amigos de juventude. Vai chegar uma época da vida em que você vai viver muito de contar histórias. E ninguem como eles vai dar mais atenção a cada uma delas que você contar. Até porque fizeram parte desse enredo, muitas vezes fantasioso.


Os amigos da juventude de Victor Kingma, em Juiz de Fora, nos anos 70

Nunca perca de vista os seus amigos de juventude. Alguns vão até ser cúmplices de suas bravatas e, com os olhos marejados de saudades, testemunhar a seu favor, quando alguém duvidar de suas “façanhas”, contadas com tanto orgulho para os filhos, sobrinhos ou netos. Tem até aquele que vai se vangloriar por ter participado do jogo no qual você fez aquele fantástico gol. Gol que você narra com tantos detalhes, e que talvez jamais tenha marcado.

Nunca perca de vista os seus amigos de juventude. Eles, com certeza, não terão mais os cabelos compridos, como nas desbotadas fotografias, nem a mesma  disposição pra correratrás da bola, ou até fugir dos vizinhos que os pegaram roubando frutos no quintal. Algum deles, que certamente não é mais o galã da turma, pode mesmo ter se casado com a disputada morena do bairro. E outros, talvez, nem curtam mais tanto assim os Beatles. Nem devem ter mais os LP´s do mágico quateto de Liverpool, formado por Ringo, George, Paul e John. Só devem torcer ainda pelo mesmo clube,  porque boleiro que se presa jamais muda de time. Bem, mas nada disso tem tanta importância.

Independente do lugar para onde a vida levou ou direcionou cada um deles, levou junto um pouco de sua história. E somente eles saberão contá-la, ou relembrá-la, junto com você, como testemunhas oculares e personagens inesquecíveis, nos importantes capítulos em que participaram, no livro de sua vida…

Por isso, nunca perca de vista os seus amigos de juventude.

 

TÉCNICO DA ROÇA

por Victor Kingma

Nunca em sua história a modesta equipe do Barreirão tinha ido tão longe numa competição: estava na final da liga regional. Todos os habitantes da pequena cidade de Barreira se orgulhavam do feito e não se falava em outra coisa por toda a redondeza. Tudo sob a batuta do folclórico técnico Modesto do Carmo, com seus métodos nada convencionais de transmitir suas orientações, muitas vezes com palavras impublicáveis.


Costumava dizer: “meu nome é Modesto do Carmo! Modesto eu posso até ser, mas Carmo não! Se não seguirem minhas orde, fico nervoso mesmo… e sorto as cachorras!”

E este linguajar do seu técnico estava deixando sem sono toda a diretoria do Barreirão e até o prefeito local, pois, afinal, a partida seria transmitida pelo rádio para toda a região. Zelosos pela imagem da cidade e preocupados com o que poderia falar nas entrevistas, resolvem substitui-lo, logo na grande decisão. E contratam para seu lugar, um famoso técnico da capital, daqueles de paletó, gravata e fala empolada… 

E chega o grande dia. Terminado o primeiro tempo, o Barreirão parece irreconhecível: 3×0 para os visitantes. Atordoados, os jogadores não conseguem assimilar as orientações técnicas e variações táticas propostas pelo novo treinador.                            

Atendendo ao apelo desesperado da torcida que urrava pelo velho Modesto, o presidente do clube tenta a última cartada:

– Busca o homem!

E pela primeira vez na historia do futebol, um técnico foi substituído no intervalo.

E nosso herói, que assistia ao jogo da arquibancada, volta à cena, irrompendo pelo vestiário, já disparando suas máximas a torto e a direito:

– O time tá muito manso. Parece pardal de igreja!

– E o capitão, muito calado! Precisa bancar o cabrito entrando na faca: berrar o tempo todo!   

– Zagueiro tem que jogar quiném pé de milho: plantado!

– E tem mais: atacante inimigo é feito cabeça de prego: tem que levar pancada, até sumir da sua frente!

– Meio de campo não pode enrolar, tem que distribuir a bola igual a rabo de vaca: prum lado e pro outro!   

– A linha tá paradona! Esqueceu da tática do “tatu com porco?”: É cavar e fuçar o tempo todo!

E arremata furibundo:

– Quando nóis tiver sendo atacado, arrecúa todo o time! E na hora do ataque, é quiném enterro de Coronel: vai todo mundo!

Final do jogo: Em memorável virada, o Barreirão vence o jogo por 4×3, com o nosso bravo Modesto do Carmo sendo carregado em triunfo, nos braços pela torcida…

Um pouco menos “Modesto” e mais “Carmo” que nunca!

COMO SURGIU O TERMO GANDULA?

por Victor Kingma


O futebol é o esporte mais praticado no mundo. No Brasil, especialmente, tornou-se uma paixão nacional, que mexe com a vida e os costumes dos brasileiros.

No início, assim que Charles Muller o trouxe da Inglaterra para o nosso país, em 1894, bastavam uma bola, um campo, onze jogadores de cada lado, um juiz e um apito para que fosse disputada uma partida oficial.

Entretanto, através dos tempos e com a sua crescente profissionalização, várias atividades e profissões foram aparecendo no lastro do nosso velho e bom esporte bretão.

Daí surgiram o narrador, comentarista, repórter de campo, massagista, bandeirinha, roupeiro etc. Todos muito importantes e fundamentais para o brilho desse grande espetáculo que é uma partida de futebol.

Entre tantos personagens ligados ao futebol, um dos mais importantes e populares é, com certeza, o gandula. Aquele a quem cabe a tarefa de devolver a bola ao campo quando ela sai pela lateral ou linha de fundo. Seu trabalho torna a partida mais dinâmica e com mais tempo de bola em jogo.

Mas como teria surgido o termo gandula?

Reza a lenda do futebol que tudo começou em 1939, quando o Vasco da Gama trouxe da Argentina um atacante chamado Bernardo Gandulla. Com problema de documentação, o jogador, assim que chegou, não podia ser escalado para jogar. Entretanto, nos dias de jogos, ficava na beira do gramado assistindo as partidas e, quando a boa saía, ele corria e a devolvia rapidamente para o campo. Sua atitude ganhou a simpatia da torcida que sempre o aplaudia nessas ocasiões.

Com o passar dos anos, essa atividade passou a ser uma constante nas partidas. Sempre que a bola saía alguém perguntava:

– Quem vai dar uma de Gandulla?

Bernardo Gandulla logo retornou para a Argentina, mas os garotos responsáveis para devolver as bolas ao jogo, naquela época, passaram a ser chamados carinhosamente pelas torcidas de “gandulas”. O termo foi, então, se popularizando e se incorporou definitivamente ao vocabulário do futebol.

BAIXINHO TINHOSO

por Victor Kingma


Mario Vianna apitando a final do Campeonato Pernambucano de 1954, entre Nautico e Sport.

Nos anos cinquenta, Mario Vianna, com dois “enes”, como sempre frisava, era um dos melhores e mais severos árbitros do Brasil.

Certa vez, escolhido a dedo para apitar uma problemática decisão no interior mineiro, levava o jogo com a costumeira autoridade. Entretanto, após marcar uma falta perigosa para os visitantes, foi cercado por vários jogadores locais que ameaçavam agredi-lo.  

Destemido, e forte como um touro, Mário Vianna encara todo mundo e, de peito estufado, esparrama o bolo de jogadores que se formava.

Todos acabam afinando perante à enérgica reação do truculento árbitro e vão se afastando do local da cobrança. Porém, Tampinha, o veloz ponta direita do time, de apenas 1,55 m de altura, o mais revoltado com a marcação, parte ferozmente em sua direção.

Mário Vianna, então, o recebe com uma tremenda peitada que o joga lá no alambrado do pequeno estádio.


Mario Vianna, Evaristo e Puskas antes da partida Flamengo x Honved da Hungria, em 1957.

Enquanto Tampinha, atordoado, era socorrido na lateral do campo, o experiente juiz ordena que a partida fosse reiniciada e a cobrança da falta realizada.

Cinco minutos depois, ao ver o jogador recuperado do knockdown, Mário Vianna se dirige à beira do campo e, como se fosse um juiz de boxe, faz sinal para ele voltar à luta, ou melhor, ao jogo.

– Não vai expulsa-lo seu Mário, tentou agredí-lo? – pergunta o bandeirinha.

–  Vou não! Este pontinha é dos meus. Provou que é valente. É baixinho, mas é tinhoso!

E conclui:

–  Além do mais, não fiz grande esforço para acalma-lo. Com certeza ele não vai me perturbar mais. Pode deixar ele voltar pro jogo.