Lançado por Zagallo, no início dos anos 1970, o ex-ponta rubro-negro Vicentinho recorda, nesta entrevista, o convívio com Zico e a alegria do Maracanã raiz; e diz que teria vaga no Flamengo atual
por Jonas Coelho
Jogador do Flamengo entre 1971 e 1974, Vicente de Paula Santos de Figueiredo Júnior, mais conhecido como Vicentinho, foi um dos antecessores do icônico time da década de 80. Chegou a deixar Zico no banco. Ponta direita veloz e habilidoso, atuou em 67 jogos pela equipe rubro-negra, mas também colecionou passagens por Fluminense de Feira (BA), Ceará, Moto Clube, Campo Grande, Olaria, Volta Redonda, Ponte Preta, Itabuna, Serrano e Tiradentes.
Apesar de pouco conhecido pela atual geração de torcedores do Fla, Vicentinho é reverenciado por lendas da Gávea, como Adílio. Ele enalteceu a trajetória do ex-atacante em depoimento no Instagram: “A história do nosso time vitorioso começou com Vicentinho, Doval, Rogério, Silva Batuta, essa turma toda”.
Os bons tempos do ex-ponta, hoje analista de desempenho, passeiam nesta entrevista. Vicentinho relembra o início da carreira, quando o Vasco o deu bandeja à Gávea, e a convivência com Zicos e demais bambas daquela época dourada. Confessa que tem saudade do Maracanã raiz, da energia emanada da geral, e do maior espaço à habilidade. Por outro lado, reconhece os avanços táticos e compara o futebol de hoje a um jogo de xadrez.
Como foi atuar ao lado de Zico? Era possível observar a singularidade dele desde jovem?
O Zico sempre foi um garoto que despontava pela habilidade, pelo talento. Quando a gente ia assistir a alguns jogos da base, via que ele já era diferenciado. Mas era muito magrinho no começo, e teve altos e baixos na transição para o profissional. O Zagallo estava tentando encaixá-lo no time. Às vezes, ele entrava no meu lugar, na ponta direita. Eu até brinco que ele sentou no banco para mim. Aí ele fala que só tinha 17 anos. Quando estou com o ele e o Adílio, a gente sempre brinca que, por mais que só tivesse 17 anos, já era o Zico. Brincadeiras à parte, não tem comparação. O Zico jogava muito. E sempre foi leal a todos, educado. Gostava muito dele. Hoje temos uma relação mais distante, nos encontramos apenas em alguns eventos. Ele é uma pessoa fantástica.
Como iniciou a sua trajetória no Flamengo?
No meu começo, acabei emprestado ao Campo Grande para a disputa do Campeonato Carioca. Logo depois o Zagallo assumiu o Flamengo. Eu estava indo bem no Campo Grande, dava trabalho para laterais da seleção, como Marinho, do Botafogo, e Marco Antônio, do Fluminense. Aí comecei a virar destaque na competição. Quando joguei contra o Flamengo, eu fui eleito um dos melhores jogadores. O Zagallo, então, perguntou sobre mim, me elogiou bastante, e pediu que eu voltasse para a Gávea. Eles já tinham um ponta direita chamado Rogério, mas só de fazer parte do plantel já estava ótimo para mim. Ainda estava com 19 anos. Jogava alguns jogos. O Rogério, outros. E assim fomos campeões cariocas em 1972 com o Zagallo. Depois fomos bicampeões da Taça Guanabara, em 1973. Voltamos a conquistar o Carioca em 1974.
Você sempre torceu para o Flamengo ou desenvolveu carinho pelo clube a partir da relação profissional?
Comecei a carreira na base do futsal do Vasco. Joguei no infantil de campo do Vasco, depois pulei para o juvenil e, com 17 para 18 anos, joguei pela seleção carioca. Mas, na volta da seleção, o Vasco tinha feito uma mudança política no clube e me dispensaram. A partir daí, eu não quis mais ver a camisa do Vasco na minha frente. Mas não desisti do meu sonho, até porque eu sabia que tinha qualidade. Pela rivalidade do Vasco com o Flamengo, eu passei a me ver jogando pelo time rubro-negro, com o Maracanã cheio. Então, liguei para o massagista da seleção carioca, que trabalhava no Flamengo, e ele me apresentou à diretoria do clube. Na época, não havia juniores. Ou eu ficava no profissional ou um abraço. Quando cheguei lá, já sabiam mais ou menos a minha história e me colocaram para treinar com a equipe profissional. Joguei muito. Dei uma correria para os caras. Então, quiseram me manter e fizeram um contrato de gaveta. Ali começou a crescer a chama da paixão pelo Flamengo, porque os caras me atenderam bem para caramba.
Você teria vaga no atual time do Flamengo? Se sim, no lugar de qual jogador?
Acho que faria parte desse plantel, sim. Mas hoje o futebol é diferente. Agora estamos voltando com os homens de lado de campo, que não são mais chamados de ponta. O time do Flamengo vem sendo tão mexido, que não sei na vaga de quem eu entraria. Acho que teria chance de brigar por uma vaga ali no lado direito, com Everton Ribeiro e Marinho.
Na sua opinião, o Flamengo presta um reconhecimento ideal aos ex-jogadores do clube?
O Flamengo tem um departamento de patrimônio muito bom em relação a isso. Eu já participei de algumas homenagens no Maracanã. No mês do meu aniversário, sempre me convocam, a cada ano, para receber homenagens no Maracanã e na Gávea. Mas só isso mesmo.
Com a valorização do mercado do futebol e o advento da internet, você acredita que teria um reconhecimento maior hoje, principalmente das gerações mais novas de rubro-negros?
Sim. Se na época em que eu jogava nós tivéssemos todo esse aparato, seríamos mais reconhecidos, inclusive pelas gerações mais novas de torcedores.
Como era atuar no antigo Maracanã? Você considera positiva a modernização do estádio ou sente falta de algum aspecto, digamos, mais raiz?
É o sonho de todos os jogadores jogar no Maracanã. Mas, para a gente que jogou no antigo, muitas vezes com 150 mil pessoas, era diferente. Muitas pessoas acham saudosismo. Mas era diferente. Hoje o futebol se tornou um negócio, né? Isso acabou elitizando um pouco o futebol, os estádios. Na minha época, era mais popular. A energia da geral no Maracanã era incrível. O novo Maracanã ficou muito bonito, mas eu tenho saudade do modelo antigo. Hoje em dia, também está até perigoso, com tantas brigas de torcida, diferente da minha época, em que as famílias frequentavam o estádio.
Quais as principais diferenças entre o futebol jogado na sua época de profissional e o atual?
Na minha época, o jogador tinha muito espaço em campo. Você mostrava a sua arte com mais tranquilidade, vamos dizer assim. Hoje os espaços diminuíram bastante e as regras também mudaram. Com as regras de impedimento, os times jogam com a linha de defesa alta. A individualidade se perdeu um pouco. E o coletivo sempre prevalece, sobretudo na marcação. A parte tática evoluiu demais. Sou apaixonado pela parte tática. Trabalho com isso hoje, mais especificamente com análise de desempenho. Acho que ainda temos muito a evoluir no futebol brasileiro, mas estamos no caminho. A vinda dos europeus para cá, nesse sentido, foi ótima. Já devia ter acontecido antes. Costumo dizer que o futebol atual é um jogo de xadrez. Para ir a campo, o time deve estar muito bem preparado