por Rubens Lemos
Fantasmas me metem medo. Evito andar sozinho em cemitérios, igrejas e teatros antigos, abrigo das almas penadas. Medo eu também tenho do que é vivo. Sobretudo de gente. Gente falsa, dissimulada e puxa-saco.
Sou vascaíno desde 1977, quando Roberto Dinamite bateu o pênalti decisivo certeiro e deu o título carioca ao cruzmaltino, após sete anos de jejum. O Vasco fora campeão em 1970, ano em que nasci e começava a padecer com a geração de Zico!
Mesmo nos meus primeiros tempos amando o Vasco, jogávamos com o esquadrão muito superior do Flamengo. Se eles tinham Andrade, Adílio e Zico, das melhores meiúcas da história da bola, apresentávamos Zandonaide, Peribaldo, Ticão, Paulo Roberto Brasinha e Toninho Vanusa, homens terríveis e incapazes até do brilho efêmero.
Roberto, o artilheiro do sorriso triste, era nossa esperança. Roberto Dinamite sozinho, arrancando de fora da área, fez gols heroicos, assegurando, memória seletiva, uma vitória de 4×2 sobre o Flamengo. Vencemos várias com o timbre de Dinamite.
Tínhamos três jogadores de seleção: Leão no gol, Marco Antônio na lateral-esquerda e Roberto Dinamite. O Flamengo tinha o time todo.
Nos anos 1980, quebramos o tabu de vice em 1982 ganhando deles e apresentando ao país um dos seus estupendos goleiros, Acácio, que defendeu bolas impossíveis em chutes de Zico, fruto de tabelinhas com Adílio ou Tita.
O Vasco recuperou-se quando a diretoria, com o presidente Antônio Soares Calçada e o diretor Eurico Miranda, passou a contratar craques e a promover juvenis talentosos. Geovani, Mazinho, Romário, Bismarck e William ganharam mais títulos que o Flamengo. O Vasco venceu em 1982/87/88 e eles ganharam em 1981 e 1986.
O Vasco transformou-se em timeco no século 2000, com dois rebaixamentos à Série B e glórias de gozo precoce. Deixou de ser tratado como grande para se tornar depósito de pernas de pau.
Quem é o craque do Vasco? A referência? O cara que diz “joga a bola em mim que eu resolvo”? Ninguém. O Vasco está falido financeiramente e perdeu o princípio da honra e do orgulho dos seus milhões de torcedores.
Hoje, quarta-feira, tem Vasco x Flamengo pelo Campeonato Brasileiro. O Vasco, na bacia das almas, chegou a 42 pontos. Revolucionário neste futebol sadomasô do Brasil, o Flamengo vem atropelando quem se apresenta e soma 77 pontos, uma humilhação na vascainada.
No primeiro turno, foi 4×1 para o Flamengo, fora o baile. Agora, engrenado, o rubro-negro é um raro prazer para quem gosta de futebol bonito. No seu meio-campo, um meia extraordinário que faz jus ao nome: Gerson. Sabe tudo.
O Flamengo, se quisesse, venceria a seleção de Tite. É bem superior. Por isso que hoje, macaco velho passado na casca do alho, vou ler e dormir na hora da partida. O fantasma me atormenta e pode botar o Vasco na roda. Eu tenho medo do Flamengo. Do Vasco eu tenho piedade. Sacrifício, sofrimento. É o que espera o Almirante, Heroico Português.