A maior parte dos gloriosos 123 anos Vascaínos, foi e é vivida de perto pelo querido amigo Ulisses Lopes. Debutou no estádio em 1936 e nunca mais se afastou do clube amado.
A primeira vez que Flamengo e Vasco se enfrentaram em terra foi em 1922, e dos 411 jogos realizados até então, Seu Ulisses perdera apenas 30. Quando alguém com esse currículo diz que o maior Vasco X Flamengo em sua opinião foi o de 1949, quem sou é para discordar?
Uma noite felicíssima ao Vasco e muito triste para o Flamengo, menos pela derrota e mais pela injustiça ao super craque Jair da Rosa Pinto.
O texto que segue é carregado de amor ao Vasco e pimenta ao Mengo. Aos torcedores do Flamengo como eu, se preparem são cenas fortes. Aos torcedores do Gigante da Colina, desfrutem! (novamente…)
por Ulisses Lopes
1949
Vasco 5 x 2 Flamengo
“É a única desgraça que levo
porque fui campeão de tudo.
Só faltou uma Copa do Mundo.”
Jair da Rosa Pinto
(Falando da Copa de 50)
O Vasco é que aniversariava naquele 21 de agosto de 1949 e eu é que fui presenteado. Nos meus oitenta e tantos anos de torcedor a Cruz de Malta me proporcionou muitas alegrias, mas nunca como naquela tarde.
Não havíamos conquistado nenhum título, apenas tínhamos aplicado mais uma goleada no Flamengo. O que então acontecera de especial, se eles não nos venciam há cinco anos e o chocolate já se tornara rotina? É que, cansados de perder, a Gávea inteira se mobilizara para quebrar a escrita.
Durante toda a semana, a imprensa esportiva vestira vermelho e preto conferindo ao Flamengo a condição de favorito. A euforia era tanta que o técnico Kanela, numa entrevista, chegou a garantir que venceriam ainda no primeiro tempo. Delirava!
Time para vencer ele tinha, mas para garantir a vitória, e ainda de véspera, não. Além de Jair da Rosa Pinto, que havia levado do Vasco, Kanela contava com um grande goleiro o paraguaio Garcia, tinha o fantástico Zizinho, Jaime, Modesto Bria e o bom ponteiro Esquerdinha (meu antigo colega de colégio).
Assim que a bola rolou parecia que o sonho de Kanela iria se realizar. Com menos de um minuto Augusto marcou contra e nove minutos depois levamos o segundo. Logo em seguida, num lance inacreditável, Jair perdeu o que seria o terceiro gol, com o qual acreditavam matar o jogo.
Porém, ao término do primeiro tempo o placar já apontava dois a dois e com três gols na segunda etapa, o Vasco fechou mais uma goleada. Para empulhar a torcida, diante de toda a papagaiada que haviam feito durante a semana, escolheram Jair pra Judas. Queimaram sua camisa e mandaram-no embora da Gávea.
Jair não merecia tamanha injustiça. Vencer o Vasco de 1949 era coisa admissível só na teoria. Campeão invicto naquele ano, cedeu apenas dois empates em vinte jogos. Ganhou dezoito. Marcou oitenta e quatro gols, uma média superior a quatro por partida e teve em Ademir o artilheiro do campeonato com trinta e um gols marcados.
Contra um time desses, como acreditar que aquele gol perdido na metade do primeiro tempo, se convertido, pudesse selar a sorte da partida? Quando o inglês Mc Pherson deu o apito final, o gramado foi tomado pelos torcedores e permaneceria assim por muito tempo.
Foi a única vez que pisei a grama de São Januário. Mal contendo a emoção de estar ali, pus-me a esquadrinhar o campo, palmo a palmo. Revivendo um lance em cada pedacinho do gramado, insinuei-me num replay de fantasia.
Sob uma das traves me vejo Barbosa saltando para tirar a bola do cantinho da coruja. Na entrada da área gozo com a cara do atacante Gringo, boquiaberto com o chapéu aplicado por Ipojucan. Paro no grande círculo e revivo os passes açucarados com que o Príncipe Danilo punha Maneca, Nestor e Ademir na cara do gol a todo instante.
Nem dou conta do tempo que passa. A noite desce. Apagam-se os refletores. Vôo na canção de Orestes ao ver a lua iluminando o gramado, chão das estrelas da colina histórica. Retiro-me feliz.
Banido da Gávea, Jair foi para São Paulo onde iria brilhar, conquistando nada menos que oito títulos (no Santos, Palmeiras e Seleção Brasileira). A camisa queimada na inesquecível tarde de 1949 não fez falta alguma ao bom Jajá. Nem a camisa, nem o Flamengo…
Ficha Técnica – Vasco 5 x 2 Flamengo.
Campeonato Carioca de 1949 – Primeiro Turno.
Data: 21/08/1949.
Local: São Januário.
Vasco: Barbosa; Augusto e Sampaio; Eli, Danilo e Jorge; Nestor, Maneca, Ademir, Ipojucan e Mário. Técnico: Flávio Costa.
Flamengo: Garcia; Juvenal e Job; Valdir, Bria e Jaime; Luisinho, Gringo, Zizinho, Jair e Esquerdinha. Técnico: Togo Renan Soares (o Kanela).
Árbitro: MacPherson Dundas.
Gols: Augusto (contra) 3′, Gringo 6′, Danilo 17′ e Maneca 27′ do 1º tempo; Maneca 8′, Nestor 16′ e Ipojucan 32′ do 2º tempo.
Expulsão: Esquerdinha.