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Vasco da Gama

BONS TEMPOS DE CARIOCA

por Marco Antonio Rocha


O Chevette marrom 1982 cruza a Avenida Brasil, enquanto o barulho da bandeira do Vasco, tremulando do lado de fora, invade o carro. É preciso aumentar o som do rádio para ouvir os repórteres dando as informações sobre o jogo que começará em algumas horas. Geovani, Dinamite e Romário confirmados!

O caminho entre a Ilha do Governador e Olaria é curto o bastante para o menino registrar cada cena em sua memória: carros cobertos por bandeirões, torcedores uniformizados nos pontos esperando o ônibus.

Doalcey Bueno de Camargo anuncia que o pequeno estádio já está apinhado de gente. Não demora para as palavras do velho locutor ganharem vida (e cores) na forma de Fuscas laranjas, Brasílias verdes, 147 azuis, Opalas vermelhos… Todos tentam encontrar uma nesga de vaga que seja para estacionar.

Por anos minhas tardes de domingo foram assim. Na Rua Bariri, em Moça Bonita, no Ítalo del Cima ou no quintal de casa, no Luso-Brasileiro. Não foram poucas as vezes que vi de perto (e bota perto nisso!), no acanhado estádio da Portuguesa, o Flamengo de Zico; o Fluminense de Romerito; o Botafogo de Mendonça; e, claro, o Vasco! Foi ali que Ronaldo Theobald fez a foto ”Deus de calção e chuteira”, que ganhou o Prêmio Esso em 1977 pelo Jornal do Brasil: no túnel que levava ao gramado, fiéis tentam encostar em Dinamite.

Cenas assim ficaram no passado, em um preto e branco cada vez mais desbotado. Vejo a tabela do Carioca e me surpreendo que as partidas entre Bangu x Fluminense e Madureira x Botafogo tenham sido marcadas para Moça Bonita e Conselheiro Galvão. Pequenos que enfrentam grandes em suas casas, com charanga, papel picado e faixas com declarações de amor são exceção de uma regra que privilegia (com perdão da palavra) arenas.

O Chevette marrom 1982 segue cruzando uma Avenida Brasil que só existe na cabeça do menino. Shhhh… Doalcey já vai anunciar as escalações!

VASCO

por Rubens Lemos


Ser vascaíno é desfrutar do privilégio da ansiedade. O Vasco é sedutor. Seja pela história, pela torcida, pelos timaços, pelas conquistas, pelas derrotas roubadas contra o Flamengo. O Vasco é tão fascinante que seu maior ídolo sorri triste. Roberto Dinamite exibe uma face de Quixote. Disparava petardos de granadeiro.

O Vasco é o time de quem ama sofrido, quem é apaixonado crônico ou vibra em jogo de segunda divisão. Eis o Vasco que superlotou o Maracanã Falsificado com 67 mil pessoas e estragou uma festa empatando com a rebaixada Chapecoense. O Vasco é o improvável, é o imprevisível, é o sentimento e o sofrimento.

Quando foi rebaixado duas vezes, o Vasco ostentava um time menos patético do que o atual. Quem salvou a raça cruzmaltina agora foi Vanderlei Luxemburgo. Ele mostrou o que um técnico é capaz de fazer com uma caricatura de equipe. Foi pinçando, pinçando, burilando, esmerando, até juntar 11 menos ruins para enfrentar uma batalha de anúncio perdido.

Os novos vascaínos, coitados, sofrem a falta de ídolos. Pikachu é esdrúxulo até no nome. O goleiro Sidão é para futebol de botão. Ribamar é um lastimar. Rossi é raça pura. Jamais jogaria nos escretes dos anos 1980 e 90.

Para que me faça compreender, é preciso dizer que vi jogar em 1987: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Dunga, Geovani (foto) e Tita; Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário.


Vi também em 1993, Carlos Germano; Pimentel, Torres, Jorge Luís e Cássio; Leandro, Luisinho, Geovani e Carlos Alberto Dias; Valdir e Bismarck. Esse foi o time bicampeão. O do Tri alinhava Carlos Germano; Pimentel, Ricardo Rocha (um dos melhores zagueiros do mundo), Torres e Cássio; Leandro, Luisinho, Yan e Cafuné, apelido de Denner, a mistura de Garrincha com Pelé; Valdir e Jardel.

Denner morreu sufocado pelo cinto de segurança e a torcida do Flamengo ultrapassou a torpeza no clássico seguinte: “Ô Vascaíno por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu, foi o Denner que bateu no carro, quebrou o pescoço e depois morreu”.

Desde esse dia de 1994, perdi o respeito que não havia pelos flamenguistas. Eles são diferentes. São inconsequentes. Agora há pouco tempo, morreram os garotos da Gávea e o Vasco demonstrou irrestrita solidariedade. Pode ser a diferença. A média do caráter vascaíno é íntegra.

O Vasco venceu os últimos títulos de respeito em 2000. Ganhou a Mercosul e o Brasileiro. Romário, Juninho Paulista e Euller jogaram demais. E acabou. Os times do Vasco pareciam Itaperunas disfarçados, sem referências, tanto que Romário jogou até os 41 anos e com bola para titular da seleção brasileira.

Terminando em 12º lugar, o Vasco festejou. Precisa de um time de verdade no próximo ano, senão corre risco, deve expurgar a mentalidade tacanha, pequena, distante de suas tradições. Pensar grande e trazer dois ou três jogadores razoáveis, embora jogadores razoáveis sejam exceção no Brasil.

Olhaí de novo Pikachu com pose de Geovani. Não tira uma lasca. O Vasco continua na Série A. Para quem sofreu o que a massa passou, é mesmo para rogar aos céus. E agradecer a Luxemburgo. Ser Vasco emociona. Comove. Instiga. Basta escrever que a gente chora.

NOEL ROSA, SAMBA COMO TESTEMUNHA E VASCO NO CORAÇÃO

por André Felipe de Lima


Quando o craque José Monteiro, talvez o maior da história do Andarahy e tão elogiado por Mario Filho no livro “O negro no futebol brasileiro”, morreu em 1919, o menino Noel Rosa, nascido em Vila Isabel, bairro vizinho ao do charmoso clube alviverde, era apenas um menino de nove anos. Certamente ouvia o pai e muitos outros falarem das bravuras do Monteiro. Sem dúvida, Noel Rosa cresceu com uma quedinha pelo Andarahy, um clube que encarava sem temor os adversários endinheirados da zonal sul. Falo de Fluminense, Botafogo e Flamengo, além do tijucano América, o então mais forte e rico da zona norte. O Vasco viria somente na década seguinte. Não deu tempo do Monteiro enfrentar aquele timaço com feras vindas do Bangu, e a lista era recheada delas. Havia Bolão, Itália e, sobretudo, Fausto dos Santos, que cresceu bem pertinho do Noel Rosa, na Aldeia Campista, um pedaço de chão que cobre parte da Tijuca e de Vila Isabel.

Não há, contudo, registros se os dois se conheceram ainda adolescentes. Mas é bem possível, afinal Noel Rosa e Fausto eram assíduos frequentadores de rodas de samba em Vila Isabel e dos empolgantes botequins nas concorridas esquinas do Boulevard 28 de Setembro e adjacências. Esbarrarem-se neles era pule de dez. Tornaram-se amigos, de fato.

Noel Rosa, no começo dos anos de 1930, já se revelava como um dos principais nomes do samba na cidade. Fausto simplesmente era o “Maravilha negra”, melhor jogador do país e único a se salvar do “naufrágio” da seleção brasileira na primeira edição de uma Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai.

“Noel Rosa gosta de passear na chuva sem qualquer agasalho e chapéu. É torcedor de futebol, assistindo os jogos noturnos e preferindo, como jogador, Fausto.”

Essa simples nota jornalística perdida em uma página de uma edição da revista Carioca, de 1936, pode ser (acredite) o registro mais assertivo de que Noel Rosa gostava de futebol e era vascaíno de — recorrendo à tradicionalíssima expressão portuguesa — quatro costados. A aparentemente inexpressiva nota pode ter dito muito mais do que se imagina sobre o que poderia acontecer com Noel Rosa no ano seguinte.

Tanto ele quanto Fausto tiveram destinos idênticos. As trajetórias, idem. Além de crescerem na mesma região, ambos amavam o samba. Enquanto um, o Fausto — diziam —, era um “pé de valsa” e bamba de bola inconteste, falavam de Noel que no violão e nas linhas musicais, entre pandeiros e surdos, era um sem igual. Mas os dois eram amigos, o que, lamentavelmente, poucos (ou praticamente nenhum) registros podem confirmar. Mas os indícios nos induzem a crer que eram parceiros nas etílicas rodas de samba da Vila, e sempre abraçados a muitas mulheres. Mas apenas uma parecia ser a companheira de ambos: a lua, a mais genuína “dama da noite”. Os três eram indefectíveis notívagos. Portanto o ocaso das duas legendas culturais daquela década só poderia ser mesmo traduzido por noites enluaradas e românticas sob o fundo musical do samba. A tuberculose acometeu os dois vascaínos. Noel morreria em maio de 1937. Fausto, no ano seguinte.

O Vasco foi — ao menos uma vez — cantado por Noel Rosa. O curioso é que o jogador citado na letra do samba “Quem dá mais?” não foi o amigo Fausto e sim o Russinho, o artilheiro das madeixas louras e olhos claros que começou a carreira (olhe ele aí de novo…) no Andarahy:

“Ninguém dá mais de um conto de réis?/ O Vasco paga o lote na batata/ E em vez de barata/ Oferece ao Russinho uma mulata.”

A “barata” citada no samba era um carro Chrysler que Russinho ganhou após vencer um concurso de jogador mais popular do país promovido pelos cigarros Veado.

Será que depois dessa despretensiosa crônica há ainda alguma dúvida da paixão de Noel Rosa pelo Vasco? O rubro-negro e também genial sambista Wilson Baptista, rival eterno do velho “Queixinho”, que o diga. O “Clássico dos milhões” entre ambos parece mesmo eternizado.

ACORDA, GIGANTE!

por Marco Antônio Rocha


A semana passada tinha tudo para ser melancólica pra torcida do Vasco. Meio de tabela, o único ídolo machucado, nem a Sul-Americana garantida…

Enquanto isso, o maior rival havia acabado de conquistar de forma tão épica quanto incontestável a Libertadores. No Brasileiro, nem se o Sport inventasse um terceiro turno o Flamengo perderia a taça. E acredito sinceramente que o Mundial é um sonho rubro-negro bem possível. O Rio virou um mar em vermelho e preto, o melhor lugar para qualquer vascaíno parecia ser o escuro embaixo da cama.

Mas a torcida do Vasco decidiu sair das sombras, gritou presente a plenos pulmões. E, assim, em pouco mais de sete dias o número de sócios-torcedores saltou de 30 mil para mais de 140 mil. Vi carteirinhas de crianças com 24h de vida e idosos com mais de 90 anos. O clube passou a ser o primeiro no ranking nacional.

Já a campanha de financiamento coletivo para a construção do CT bateu os R$ 3 milhões. Pela primeira vez em anos vejo a torcida do Vasco deixando de lado as brigas políticas. Pela primeira vez em anos a reconstrução parece real.

Acorda, Gigante!

GUINA, A JOIA QUE NÃO FOI LAPIDADA

por Luis Filipe Chateaubriand


Aguinaldo Roberto Gallon, o Guina, era um meia armador que tinha tudo para ser craque, porém não chegou a atingir esse patamar.

No ano de 1976, começou a se destacar, no Comercial de Ribeirão Preto. Não tardou para que o Vasco da Gama adquirisse seu passe, e a promessa se transferiu ao cruz maltino em 1977.

Ainda em 1977, jogou o Mundial sub-20, onde a Seleção Brasileira obteve a terceira colocação. Foi um dos destaques do time, tendo sido artilheiro do certame e, assim, conquistado a Chuteira de Ouro.

Este escriba lembra que, ainda garoto, apreciava o futebol de Guina. Jogador técnico, passava a bola muito bem. Tanto sabia chegar próximo à área, para tabelar com os atacantes e ajudar a fazer gols, como também sabia recuar e fazer lançamentos precisos aos homens de frente.

Sem ser a estrela da companhia, que atendia pelo nome de Roberto Dinamite, sabia ser um excelente coadjuvante, que fazia o time produzir e ajudava os companheiros, estrelas ou não, a brilhar.

No jogo da volta de Roberto Dinamite ao Maracanã jogando pelo Vasco da Gama, depois de uma frustrante passagem pelo Barcelona, o artilheiro fez cinco gols no Corinthians. Foi bastante ajudado por Guina, que, com passes e lançamentos preciosos, criou oportunidades de todos os tipos para o consagrado centroavante concluir.


Em 1980, com 22 anos, Guina se transferiu para o pequeno Real Murcia, da Espanha. E, a posteriori, perambulou por modestos clubes de futebol na Espanha e em Portugal. Ficou, assim, relegado ao ostracismo.

Assim, Guina é um exemplo do que vemos várias vezes no futebol: um jogador com grande potencial, mas que não chega a exercê-lo na plenitude, e sequer em patamares próximos a isso.

Temos um exemplo mais recente e cristalino da mesma situação no futebol brasileiro, o de Paulo Henrique Ganso, com a diferença que este retornou ao futebol brasileiro – mas, ao que parece, apenas para proferir patéticos xingamentos a treinadores, quando é substituído…

No caso de Guina, poderia ficar mais alguns anos em um clube de porte, camisa e repercussão, como era o Vasco da Gama e, mais à frente, poderia sair para o estrangeiro, quem sabe para um clube mais consolidado, onde seu futebol continuaria sendo alvo de atenção.

Hoje, Guina é secretário particular do ex-lateral da Seleção Brasileira Roberto Carlos. Poucos lembram que jogava muita bola. Seu exemplo mostra como é importante jogadores saberem gerenciar suas carreiras, para seu próprio bem.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.