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valdir appel

1º DE MAIO DE 1976

por Valdir Appel


Dia do Trabalho. 

O estádio Raulino de Oliveira é inaugurado oficialmente, com a presença do presidente da republica Ernesto Geisel nas tribunas de honra. 

É registrado o público histórico de 30 mil pessoas, recorde porque o novo Raulino, o Estádio da Cidadania, tem capacidade para 21 mil espectadores.

O povão se acotovela pelas arquibancadas e os mais corajosos se penduram nas torres de iluminação, buscando um jeito de assistir o espetáculo que iriam proporcionar Flamengo e Voltaço.

Um dia de sol maravilhoso contribui para a festa. Enquanto Zico homenageia o presidente os dois times se perfilam no gramado para ouvir o hino Nacional.

O jogo começa e é empolgante, com os times se revezando em ataques e lances de grande emoção.

Antes da partida, Paulinho de Almeida fez a sua tradicional palestra nos vestiários. Passou a limpo o esquema tático do time, orientou e numerou os homens que comporiam as barreiras nas faltas, geralmente cobradas pelo galinho Zico e pediu muito empenho para o grupo buscar uma vitória.

Um atleta recebeu uma recomendação toda especial do Paulinho.

– Paulão! Quero ver você colado no Zico. Se ele for ao banheiro você vai junto. Ele não pode passar por você.  

O jogo estava lá e cá quando Aluisio gritou para o Paulão:

– Segura o homem!

– Segurem vocês aí atrás porque aqui ele já passou.

E em todos os demais jogos contra o Flamengo, Paulão evitou que Zico fizesse mais estragos do que geralmente fazia contra os seus adversários. 

Era um marcador implacável e determinado.

O CANHÃO DA ILHA

por Valdir Appel


Eu tive a oportunidade de jogar contra alguns dos principais batedores de faltas do Brasil, entre eles Rivellino, Zico, Paulo Cezar Caju, e treinar contra aquele que tinha o chute mais potente que eu já vi no futebol brasileiro. Ele veio do Recife onde fora apelidado de “Canhão da Ilha” pela torcida do Sport, para o América do Edu.

Foi precedido no Rio pelo seu irmão mais famoso, o Manga, goleiro do Botafogo. 
Foi contra o Fluminense, num jogo realizado nas Laranjeiras que eu presenciei o estrago que a perna direita do zagueiro era capaz de fazer. Em três oportunidades, Jairo, goleiro tricolor, ajeitou a barreira do lado direito da sua meta. 

Alemão que tomava uma distância quilométrica para chutar, nas duas primeiras tentativas, mirou e acertou o mesmo homem na barreira, colocando-o a nocaute.

Na terceira cobrança Jairo só escutou o barulhinho que a bola faz ao estufar as redes. 

A bola passou no meio da barreira.  

O homem da barreira que levou as duas primeiras porradas se agachou permitindo passagem para o pombo sem asas. 

Afinal, era louco, ma non tropo. 

Posteriormente esta arma mortal foi anulada pela esperteza do jogador Almir, que inventou a barreira antes da bola. 

Sabendo que a coordenação e a precisão do chute do pernambucano dependiam exatamente da distância que ele tomava, Almir posicionou-se nove passos antes da bola, obrigando o zagueiro a desviar do obstáculo antes de chegar para o arremate, perdendo assim a sua eficiência e potência. 
Esta prática passou a ser adotada por todos os adversários do Mequinha e os chutes do Alemão nunca mais foram os mesmos. 
Mas, ainda haveria uma mostra da potência do seu chute. 

O Torneio Início carioca de 1966 foi decidido em cobranças de pênaltis pelo Fluminense e América. 

Na época, cada cobrador batia uma série de três penalidades máximas. 

Assim, Gilson Nunes, pelo Fluminense, e Alemão iniciaram a disputa. 

Gilson, habilidosíssimo na perna esquerda, batia firme e colocado longe do alcance do goleiro Ari. 

Bola num canto, goleiro no outro. 
Alemão, se colocava antes da meia lua da grande área. Partia em velocidade e disparava um bólido no meio do gol.

Edson Borracha não esboçava sequer a defesa. A bola simplesmente o atravessava. 

O público, no Maracanã, delirava. 

Não me lembro quantas séries cada um cobrou. O único pênalti perdido pelo Alemão e que determinou a vitória do time das Laranjeiras, foi no mínimo extraordinário. 

A bola chutada subiu alguns centímetros e chocou-se violentamente contra o travessão, indo parar no meio de campo.

FECHA AS PERNAS, CORAÇÃO

por Valdir Appel


Sérgio, Major, Valdir, Jorge Luiz, Paulo Dias e Oldair; Nado, Paulo Mata, Adilson, Almir e Bené. (ultimo Torneio início, campeonato carioca de 1967)

Almir, extraordinário jogador, notabilizado como um craque raçudo, tinha um espírito brigão – que lhe ceifou a vida numa briga de bar.

Adilson, apesar de franzino e magro, herdou do irmão a mesma disposição para encarar os adversários.

Tinha uma habilidade incrível, e seus dribles sutis eram um deleite para os torcedores vascaínos.

Garrincha era capaz de dar a mão para levantar um lateral caído aos seus pés, para driblá-lo novamente. Adilson driblava o oponente para frente e voltava-lhe a mesma bola entre as canetas com sutileza rara e precisão milimétrica que paralisavam o adversário.

Denílson, do Fluminense, era a vítima preferida do Caveirinha, como os colegas costumavam chamar Adilson. Havia um prazer quase mórbido do meia vascaíno em atrair o tricolor para enfiar-lhe a bola por entre as pernas. 

Num destes clássicos Vasco versus Fluminense, Denílson não suportou a humilhação da paralisia e o desconforto do vai-e-vem da bola por entre as pernas acrescido do alerta: “Fecha as pernas coração!” (que Adilson soprou nos seus ouvidos), e partiu para a porrada. 

Apesar da diferença descomunal de físicos, Adilson encarou o rival, envolvendo os demais jogadores numa das maiores brigas campais já presenciadas no Maracanã, que culminou com a expulsão de 17 jogadores, interrompendo o jogo aos 35 minutos do segundo tempo.

(Maracanã, 19 de novembro de 1967)

A ÁGUA MINERAL

por Valdir Appel


Batista, Tim, Buglê, Luiz Carlos Tatu, Valdir e a Embaixatriz de Portugal.

A fama de gostar de uns aperitivos só era menor do que a sua competência para conquistar títulos, o que contribuía para tornar suas passagens pelos clubes que dirigia bastante curta, apesar de vencedoras. 

Preocupados com as aparências, os dirigentes contrataram Elba de Pádua Lima, o Tim, para comandar o Vasco em 1970, com a seguinte condição: Não poderia ser visto bebendo em público.

Os treinamentos físicos da semana em São Januário ficavam a cargo do Hélio Vigio e Tim comandava apenas os coletivos e o recreativo de sábado. 

El Peón, como era conhecido, entrava em campo de tênis, calção e jaqueta de nylon escura para suar um pouco, fumando e ostentando sua inseparável piteira. 

Orientava, definia a equipe, corrigia posicionamentos, dava uns chutinhos a gol e pronto. 

Os botões de futebol de mesa, nos dias de jogos, mostravam como o Vasco e o adversário iriam jogar e a tática a ser aplicada para conseguir a vitória. 

Tudo muito simples para quem conhecia muito.

Nos demais dias, permanecia no restaurante do clube onde era atendido pelo garçom Jacaré (com sua inseparável toalhinha quase branca pendurada no pulso esquerdo). 

Sobre a mesa, uma água mineral para português ver; embaixo da mesa, o inseparável uísque do grande estrategista.

 (Tim levou O Vasco à conquista do título de campeão carioca em 1970)

 

Elba de Pádua Lima – Wikipédia, a enciclopédia livre

https://pt.wikipedia.org/wiki/Elba_de_Pádua_Lima

Elba de Pádua Lima, mais conhecido como Tim (Rifaina, 20 de fevereiro de 1916 — Rio de Janeiro, 7 de julho de 1984), foi um treinador e futebolista brasileiro, que atuou como atacante. Como jogador, Tim era conhecido por seus dribles — “drible fácil e insinuante, só comparável a Garrincha”, de acordo com a Folha de S.Paulo — e bom posicionamento.

O MILÉSIMO GOL

por Valdir Appel


A previsão

gringo Andrada não aguentava mais as sacanagens do Moacir e do Buglê, e à medida em que se aproximava o jogo contra o Santos pelo Campeonato Brasileiro (na época, Roberto Gomes Pedrosa), o coro que agourava a marcação do milésimo gol do Pelé em cima do Vasco engrossava. 

Na concentração, nas viagens e após os jogos do “Peixe”, sempre alguém chegava com um jornal para mostrar a evolução dos gols de Pelé.

Na verdade, esta “previsão” da boleirada não tinha respaldo. O Santos enfrentaria ao longo do campeonato e em confrontos amistosos, equipes teoricamente frágeis, e já chegaria no jogo contra o Vasco com a fatura liquidada. 

Era o que imaginávamos.

Mas o tempo foi passando, e com a proximidade de novembro, o goleiro argentino naturalizado brasileiro começou a ficar preocupado.

Pelé chegou à marca dos 999, num amistoso contra o Botafogo de João Pessoa, na Paraíba e jogou parte do segundo tempo substituindo o goleiro Agnaldo, que simulou uma providencial contusão, impedindo assim que novas oportunidades de gol surgissem para o Rei. 

Palco pequeno, poucos holofotes…

O gol poderia ter acontecido contra o Bahia, no estádio da Fonte Nova, mas um carrinho milagroso de um zagueiro do tricolor de aço impediu que a marca histórica fosse alcançada na boa terra. 

Curiosamente, a providencial intervenção do jogador foi contemplada com uma estrepitosa vaia da sua torcida, que estava a fim de fazer a festa do Rei em Salvador.

No mesmo dia, jogamos em São Paulo. 

No retorno, no avião da ponte aérea, Moacir falou pro Andrada:

– Eu não falei que você levaria o milésimo? Tu achas que ele ia perder a oportunidade de fazê-lo no Maracanã? Tá tudo arranjado, Milongueiro!

Curtimos uma folga e nos reapresentamos em São Januário na terça-feira, quando realizamos leves preparativos rotineiros para o embate de quarta-feira.

A contusão.


A colina já estava às escuras quando Andrada, inexplicavelmente, caiu no gramado sentindo dores no tornozelo.

Perplexidade total. Minha e dos demais colegas. Pensei: vai sobrar para mim esta encrenca.

Na concentração da Lagoa, à noite, na ponta de uma longa mesa de jantar, os jogadores iniciaram as provocações pra cima do Andrada.

Toda hora alguém chamava o massagista Chico, pra renovar o gelo colocado no tornozelo do goleiro. Beneti insinuava que ele estava pipocando.

Adilson ia mais longe:

– Hei, gringo! Tá com medo? Não tem problema: o Valdir joga, já entrou pra história mesmo com aquele gol contra. Este não vai fazer diferença!

O jogo.

Quarta-feira à noite, nos vestiários do Maracanã, Andrada submeteu-se a um teste, supervisionado pelo doutor Arnaldo Santiago. Era evidente o seu nervosismo.

Falou mais alto o profissionalismo; ele decidiu jogar. 

E como jogou! 

O clima no maior estádio do mundo era de festa: quase 70 mil pagantes, devia ter uns 30 mil a mais, entre autoridades e caronas

Os dois times entraram em campo lado a lado, liderados pelos seus capitães, empunhando a bandeira brasileira.

Perfilados, ouviram o hino nacional.

No banco de reservas, ficamos admirados ao ver o diretor Iraci Brandão disfarçar, embaixo dos braços, uma camisa branca do Vasco com o numero 1.000. 

Era mais um que torcia pelo milésimo acontecer naquela noite.

O jogo teve início e desde cedo ficou visível a falta de colaboração dos jogadores vascaínos: primeiro Beneti, abrindo o placar na primeira etapa; e principalmente o goleiro Andrada, que pegou tudo e fez a maior defesa que eu já presenciei no Maracanã. 

Pelé limpou a jogada pelo lado direito da grande área do Vasco. Andrada deu dois passos à frente, posicionando-se para defender um possível chute forte. O gênio meteu uma curva de fora para dentro, com o lado externo da chuteira, em direção ao ângulo superior direito da meta do arqueiro. Com um salto fantástico, Andrada saiu do solo para espalmar de mão trocada a bola que parecia inapelável.

No segundo tempo, o zagueiro René, para impedir o gol de Pelé, não teve dúvidas: antecipou-se ao atacante e fez contra (e de cabeça!) o gol de empate do Santos. 

Aqui não!

Jogo que segue.

O pênalti.

O Vasco pressionou e o árbitro deixou de marcar um pênalti a nosso favor, gerando protestos de todo o time. Manoel Amaro mandou seguir a jogada e, no contra ataque, não titubeou em marcar uma penalidade máxima aos 32 minutos, extremamente duvidosa, de Fernando em Pelé.

Afinal, o pernambucano Manoel Amaro também estava louquinho para entrar para a historia e se imortalizar, às custas do Rei. 


Bola na marca fatal. 

O público emudeceu.

Os jogadores do Santos se posicionaram no centro do gramado.

Pelé deu apenas três passos… e fuzilou, com perfeição, o arco do Andrada, que saltou como um felino para o canto esquerdo e passou roçando os dedos da luva na bola, que foi se aninhar no fundo do barbante, da baliza à esquerda da tribuna de honra do Maracanã. 

Seus punhos socaram o chão, inconformado por levar o gol que o colocaria para sempre na história do futebol mundial.

Logo ele, cujo maior desejo era entrar para o hall da fama como o melhor goleiro a vestir a camisa número 1 vascaína.

Pelé buscou a bola no fundo do arco e a beijou.

O jogo parou. O gramado foi invadido por uma legião de repórteres. Pelé dedicou seu gol às criancinhas, e foi carregado nos ombros dos companheiros. Chico vestiu a camisa do Vasco em Pelé que, com ela, deu a volta olímpica no gramado do Maracanã.

Após uma longa pausa para as comemorações, o jogo chegou ao final com poucas emoções. 

Aliás, tivéramos muitas para apenas uma noite.

Conseqüências

Assim, naquela quarta feira, entraram para a história: o milésimo gol de Pelé; e Andrada, que ganhou o título de O Arqueiro do Rei.

O atacante Acilino, do Vasco, mesmo derrotado, comemorou o seu aniversário. 

O Dia da Bandeira passou em branco. E poucos deram importância a Apollo 12, que (dizem!) pousou no Mar das Tempestades, quando dois americanos (Paul e Ringo, quem sabe?) pisaram o solo lunar.

O árbitro Manoel Amaro declarou que já podia encerrar a carreira porque apitara o jogo mais importante do Século XX.

Chico conseguiu uma das três bolas usadas no jogo (a do milésimo gol, Pelé guardou!) e uma camisa 10 do Santos dadas pelo Rei, devidamente autografadas.

Hoje, o próprio Pelé ignora onde foi parar a camisa 10 do Vasco com o numero 1.000.

O filho


Na comemoração dos 30 anos do milésimo gol, Pelé e Andrada reviveram no Maracanã aquele duelo. Pelé teve que repetir a cobrança do pênalti porque, na primeira, Andrada pegou.

Pelé se queixou:

– Pô, gringo! É para repetirmos o lance!

Andrada, muito sacana, emendou:

– Tá difícil, amigo… Agora, eu já sei o canto que você vai chutar!

Naquele mesmo dia, falei pro Andrada, no Rio:

– Gringo, tu devias agradecer todos os dias: não por ter levado o milésimo gol, mas porque tu quase defendeste aquele pênalti!

– Como assim, Valdir?

– Tchê, aquele gol passa toda hora na televisão… Imagina o teu filho, em casa, lamentando:

Carajo, papá! No saliste en la película… Saltaste para el otro lado, mientras la pelota se fué para el lado opuesto”.

  

Ficha técnica

Santos 2 x 1 Vasco

Data: 19 de novembro de 1969

Local: Estádio do Maracanã

Árbitro: Manoel Amaro de Lima

Gols: Santos – Pelé (pênalti) e Renê (contra); Vasco – Benetti

Santos: Aguinaldo; Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Djalma Dias (Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo, Lima, Manoel Maria e Edu; Pelé (Jair Bala) e Abel.

Vasco: Andrada; Fidélis, Moacir, Fernando e Eberval; Bougleaux, Renê, Acelino (Raimundinho) e Adílson; Benetti e Danilo Menezes (Silvinho).