por Paulo Escobar
Num dia 6 de março de 1954, na cidade de Duren (Alemanha), nascia um dos maiores porteiros da história do Futebol. Harald Anton Schumacher, que com o tempo viria a ser conhecido como Toni Schumacher, sendo o Toni em homenagem a seu ídolo, um outro goleiro, Toni Turek que foi o primeiro arqueiro da seleção da Alemanha.
Schumacher começou a jogar no time local da sua cidade, mas não era só de futebol que conseguia viver, até porque ele não vinha de uma boa condição. Alternava suas pontes nos gols com seu serviço de Ferreiro, inclusive chega na seleção Juvenil alemã sendo ferreiro também. Somente em 1972 chega ao Colônia, onde por muitos anos foi seu porteiro e neste período conquistou títulos e glórias.
Toni queria ser o melhor da história, ficava inquieto debaixo das traves, pois se sentia preso. Imponente e sério, não aceitava as derrotas e treinava demais em busca de entrar para a história.
Claro que você que está lendo e viu aquela Copa de 1982 vai dizer que Schumacher foi aquele que acabou com os dentes de Battiston da França naquela dividida. Lance que o mesmo Toni ficou como se nada tivesse acontecido, mas que anos depois revelou que carregava uma culpa por aquela entrada. O que muitos não lembram é que, anos depois, num jogo amistoso, os dois se encontram e trocam camisas nos vestiários, mas tiveram que realizar um encontro público com a mídia em cima para o mundo acreditar.
A Copa de 1986 foi a última deste mítico goleiro alemão, mas última por ter sido expulso da seleção por conta do livro que escreveu em 1987, que no espanhol leva o titulo de “Tarjeta Roja” que seria “Cartão Vermelho”. Ali Schumacher traz a luz os dopings no futebol e as orgias nas cidades onde os times passavam, traz à tona o problema dos patrocinadores e os horários estipulados pela televisão nos jogos.
Na própria Copa de 1986, após reclamação de Valdano e Maradona, Schumacher protesta contra os horários dos jogos no México ao meio dia em pleno sol. Devido à transmissão das TVs europeias, no entanto, não teve jeito. As marcas exigiam, creio que não é diferente hoje, que os atletas aparecessem e cumprissem seus contratos a qualquer custo.
Toni destampa a panela e conta os inúmeros casos de doping, inclusive assume seu uso com drogas anabolizantes e estimulantes, em prol do alto nível e para se manter ativo, cumprindo os contratos. Os casos de companheiros de seleção ou de times que pediam para um jogador de nome não divulgado de apelido “farmácia ambulante”, que tinha certo conhecimento em medicina, receitar e trazer as drogas.
Schumacher traz à tona aquilo que deve acontecer até hoje em nome do alto nível, coloca a luz nos problemas de ter que se manter num nível exigido em nome do espetáculo. Além da capacidade humana ou do talento, as marcas pedem que seus produtos estejam ativos mesmo em meio a contusões, acelerando os processos de melhoras ou então sacrificando a níveis extremos.
Na Eurocopa da Itália em 1980, Toni teve que jogar com um dos dedos arrebentados e a sua marca de luvas fabricou uma com um suporte de gesso para que ele jogasse. Comprimidos para jogar, comprimidos para viver, comprimidos para dormir e assim era a rotina de muitos jogadores, segundo Schumacher.
O que não pode ser deixado de lado é que Schumacher foi um grande goleiro, um exímio pegador de pênaltis e de uma segurança dentro da área impressionante. Que do lado de fora apontou para a relação do nacionalismo, a politica e o futebol e as interferências externas que muitas vezes determinam os resultados do lado de dentro.
Jamais condenarei Schumacher por ter falado o óbvio ou por ter dito aquilo que até hoje deve acontecer, pois em prol do espetáculo, da vitória a qualquer custo, dos patrocinadores e mídias imporem seus horários e rotinas, Toni não teve medo de falar e trazer à tona as mazelas do chamado alto nível.
O futebol, a exemplo do mundo e das pressões e opressões sofridas, leva ao uso de substâncias variadas para encarar e conseguir satisfazer os resultados esperados. Alguns se utilizam das chamadas drogas “ilícitas” e outros das chamadas “lícitas”, mas ambas nos excessos arrebentam qualquer ser humano.
Sem hipocrisia, há mais do que um gramado com 22 correndo atrás de uma bola, há muita coisa rolando em prol do chamado espetáculo e há a vida daqueles que jogam e a opressão que sofrem aqueles que falam e pensam o futebol além das quatro linhas. Há situações a serem conversadas de forma mais humana, e Toni não teve medo de trazer à tona problemas reais mesmo que isso lhe custasse a expulsão da seleção alemã.
Futebol não é só um jogo e se mistura com muitas coisas externas a ele, e querer moralizar a sociedade através do futebol continua sendo um erro. As drogas são uma realidade no mundo do esporte e por uma série de motivos. Schumacher trouxe alguns dos motivos, não está na hora de discutir esta realidade de uma outra forma?