por Elso Venâncio, o “Repórter Elso”
Você concorda que o treinador, por sua responsabilidade, comando e a pressão que sofre, deve receber mais do que o da estrela do time?
Telê Santana, que tinha moral e credibilidade para isso, exigia, sim, ganhar mais do que o ídolo:
– O responsável sou eu – dizia.
Quem decide o jogo é o atleta em campo. Técnico, às vezes, perde – quando escala ou mexe mal. Mas a posição sobre o valor do seu trabalho não era de qualquer um, e sim, do Mestre Telê.
A seleção brasileira de 1982, que encantou o mundo mesmo perdendo para a Itália, na ‘Tragédia do Sarriá’, é mais lembrada, por exemplo, do que os tetracampeões de 1994. A imprensa invadia o campo nos treinos e jogos. Telê deu um basta nisso. Chegava cedo, trocava de roupa e já conferia a grama:
– Nem diretor pisa aqui! – autoridade não lhe faltava para agir assim.
Nas coletivas, nada de frases de efeito, termos decorados ou inventados. Cercado por um batalhão de repórteres, respondia a três perguntas, no máximo, sendo que na primeira resposta costumava dizer tudo o que o torcedor desejava ouvir.
Simples, quando procurado pela imprensa, Telê gostava de falar da vida, trocar experiências, mas se alguém tentasse arrancar uma informação dele, pedia licença e ia embora.
Nos anos 90, foi eleito pela revista Placar, numa enquete realizada com jornalistas, jogadores e ex-jogadores, como o maior técnico da história do país, mesmo não tendo conquistado o título em duas Copas do Mundo (1982 e 1986). A revista France Football, uma das mais respeitadas publicações do futebol mundial, em 2019 o condecorou como o 35º melhor treinador de todos os tempos em todo o planeta. Foi o único brasileiro lembrado.
Ídolo no Fluminense, seu clube de coração, onde começou como jogador e depois virou treinador, no São Paulo terá dentro em breve uma estátua no Morumbi. Afinal, levou o time às conquistas de duas Libertadores e dois Mundiais: venceu o Barcelona em 1992 e o Milan no ano seguinte. No Atlético Mineiro, foi quem mais dirigiu o Galo, superando a marca de 400 jogos à frente do time.
Muricy Ramalho, que tinha Telê como guru, lembra que ele fazia o jogador devolver o carrão recém-comprado para investir melhor, comprando um imóvel. O técnico gostava de comandar coletivos em dois tempos de 45 minutos, igual a jogo. Apitava para corrigir posicionamentos e treinar novas jogadas. Colocava seus titulares contra os juniores, para poder observar melhor a garotada que vinha subindo.
O ‘maestro’ Junior me perguntou certa vez na Gávea:
– Você conhece a principal jogada do Telê?
Era o treino de bola parada. Escanteios e faltas laterais, onde o jogador, no primeiro pau, roçava de cabeça confundindo o goleiro e a zaga, o que facilitava a conclusão dos que vinham de frente.
Assim como Telê, Zagallo e Didi foram outros dois monstros sagrados como jogadores e treinadores. Dos três, apenas Zagallo segue vivo. Telê faleceu em Belo Horizonte, no dia 21 de abril de 2006, após complicações originadas por uma infecção intestinal. Seguiu os ensinamentos e conselhos de Zezé Moreyra, por quem tinha verdadeira adoração. Exigente e perfeccionista, não abria mão do futebol-arte, que é, na realidade, o verdadeiro e vitorioso futebol brasileiro.