Muito antes de Galvão Bueno dizer em suas transmissões esportivas “sai que é sua, Taffarel!”, o pequeno Cláudio André Mergen Taffarel enfrentaria as agruras de uma vida difícil.
Pertencente a uma família pobre de imigrantes italianos e alemães, o menino poderia ter se tornado levantador ou líbero, ponta-esquerda ou ponta-direita, central ou oposto, no voleibol que praticava nos finais de semana em Crissiumal-RS.
Mas o esporte jogado com as mãos não corria em suas veias. Tentou a sorte em um esporte jogado com os pés na cidade de Santa Rosa, sua terra natal: o futebol.
Neste município brasileiro conhecido como o ‘Berço Nacional da Soja’, vestiu por duas vezes a camisa do Tupi Futebol Clube e se aventurou em ser centroavante enfrentando zagueiros ríspidos tão tradicionais da escola gaúcha, assim como a dureza que era marcar gols e convencer os dirigentes do modesto clube de 71 anos que era ‘homem-gol’.
“A passagem pelo Tupi foi muito rápida, sendo não mais do que dois jogos, para ser mais exato. Eu joguei de centroavante, mas confesso que era uma coisa bem amadora e o clube bem modesto”, revela ao Museu da Pelada.
Mas o negócio de Cláudio – que ainda não era chamado Taffarel – não era usar uma camisa tão exigente no cenário nacional como a 9, arrancar o grito preso na garganta dos torcedores tupinenses ou buscar no gol, a essência do futebol, motivo para ser alguém na vida. Entretanto, Cláudio não veio ao mundo em vão naquele 8 de maio de 1966.
Destemido, usou as mãos do voleibol e os pés do futebol e sem sua indumentária Colorada foi tentar a sorte no arquirrival Grêmio, clube que o reprovou por duas vezes em 1983.
“Esses testes foram justamente com os goleiros que já estavam lá. Eram da categoria infantil e tinham uma técnica bem melhor que a minha. Aliás, eu não tinha técnica nenhuma, porque eu nunca havia feito nenhum tipo de treinamento específico de goleiro”, surpreende Taffarel com tal declaração.
Nesse cara ou coroa que é o início de carreira de quase todos os grandes jogadores, chegou ao Beira-Rio e bastou algumas defesas acrobáticas, reflexos, agilidade, pontes, espalmadas e encaixadas de bolas em um único teste para se tornar Taffarel, goleiro do Sport Club Internacional
Já consagrado, o filho de ‘Seu’ saudoso Ivair e de ‘Dona’ Lurdi, foi o camisa 1 titular na fracassada Copa do Mundo da Itália, em 1990, em que alguns jornalistas classificaram como ‘Era Dunga’ para apontar os dedos para um culpado.
“Sinceramente, é uma coisa que incomoda bastante. Ainda mais quando se conhece o ser humano que o Dunga é e o grande jogador que foi. Tem que haver respeito”, defende o amigo contemporâneo das categorias de base do Internacional.
Quatro anos depois, nos Estados Unidos, escreveu seu nome na história do futebol ao tornar-se tetracampeão mundial. Depois, outros títulos importantes no Atlético Mineiro e no Galatasaray, ao lado do brasileiro Jardel. Pelo time turco, Taffarel ajudou ao único clube otomano a ganhar competições europeias: UEFA League, atualmente, Europa Legue, e a Supercopa da Europa ao derrotar os Merengues.
O ‘Vozes da Bola’ da semana é com um dos heróis daquele time comandado por Carlos Alberto Parreira e que quebrou um jejum de 24 anos sem títulos de Copa do Mundo. Antes disso, também ajudou a seleção de Sebastião Lazaroni, em 1989, a quebrar o tabu de 40 anos sem título da Copa América pela seleção brasileira. O título mundial na Copa do Mundo dos Estados Unidos foi uma superação que demonstra a grandeza desta goleiro que apertava as balizas na hora das disputas de pênaltis. O gol ficava pequeno para o cobrador do tiro da marca da cal.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Aos 17 anos, você era titular do Tupi Futebol Clube de Crissiumal-RS, onde passou toda a infância. Quais as lembranças daquela época?
A passagem pelo Tupi de Crissiumal foi muito rápida, não mais do que dois jogos para ser mais exato. Eu estudava e morava em Santa Rosa, e meu esporte mesmo era o voleibol. Nos finais de semana quando eu costumava visitar meus pais, surgiu essa oportunidade de jogar no Tupi, e certa vez, lembro que joguei de centroavante. O clube era modesto e amador também e foi poucas ocasiões que eu joguei com a camisa do Tupi. Mas para o garoto Taffarel era uma coisa grandiosa poder estar jogando no amador naquela altura.
É verdade que você fez dois testes no Grêmio e foi reprovado antes de chegar no Internacional?
Sim, é verdade. Mas esses testes foram justamente com uns goleiros que já estavam lá. Eram da categoria infantil e tinham uma técnica bem melhor que a minha, aliás, eu não tinha técnica nenhuma (risos), porque eu nunca tinha feito nenhum treinamento específico de goleiro. Eu era acostumado a jogar vôlei. Jogava futebol, ocasionalmente, apenas nos fins de semana quando voltava para Crissiumal-RS. Já no Internacional, em 1984, fiz um teste diferente. Colocaram-me no gol e começaram a chutar. Sei que fui defendendo. Os avaliadores viram alguma capacidade e fui aprovado. Lembro que na época o treinador era o Homero Cavalheiro e foi assim o início no Sport Club Internacional.
Em 4 de junho de 1985, você estreava no Internacional contra o Aimoré, pelo Gauchão. Lembra dessa estreia com a camisa Colorada?
Da estreia não, mas lembro muito bem de alguns treinadores dessa época quando comeceu a carreira. Otacílio Gonçalves, nosso grande amigão e que era conhecido por Chapinha, era um deles. Ele tinha uma maneira muito legal de lidar com os jogadores, sabia como poucos se comunicar, e na época, era um treinador muito respeitado. Mas quem me lançou mesmo nos profissionais do Internacional e me deu a primeira oportunidade foi o Daltro Menezes a quem sou muito grato.
Manga, Benítez, Gato Fernandéz e Gilmar Rinaldi, foram grandes goleiros e marcaram seus nomes no clube com títulos. Você, apesar de ter sido um excepcional camisa 1 no clube, não levantou nenhuma taça. O que você acha disso, ou seja, não ter conquistado nenhum título com a camisa do Internacional e mesmo assim ter escrito seu nome no Beira-Rio?
O Internacional teve momentos de muitas alegrias com os títulos importantes em Campeonatos Brasileiros, Gaúchos e tudo mais. E teve grandes nomes no gol que honraram a camisa 1 do Colorado. Infelizmente, a minha geração ou a minha passagem no Beira-Rio, não teve o sucesso traduzido em títulos, mas para mim, o sucesso foi diferente. Foi uma formação muito boa, foi uma experiência grande que o clube me proporcionou. Dei sempre o meu máximo e o meu melhor, mas infelizmente, não foram suficientes para ganhar títulos. Confesso para vocês do Museu da Pelada, que é uma mágoa que eu tenho, uma tristeza grande em não poder ter dado ao nosso torcedor que confiou no meu trabalho e vibrava com as minhas atuações. Mas o futebol é incrível por isso! Nada é certo! Às vezes, você trabalha bem e com vontade, mas mesmo assim, tu não consegues alcançar o teu objetivo, e no meu caso, era um título. O que não deixa de ser uma pena. No entanto, ser reconhecido pelo torcedor Colorado como ídolo é muito gratificante. Mas tenho um carinho enorme por eles (torcedores), mas a mágoa e a tristeza sempre restam.
Você sempre foi um goleiro, frio, tranquilo e arrojado. Mas no Campeonato Brasileiro de 1986, você deixou essas qualidades de lado e agrediu o árbitro José de Assis Aragão, ficando suspenso por 60 dias. O que ocorreu de verdade nesse episódio?
Esse episódio aconteceu mesmo com José de Assis Aragão, um árbitro muito mal educado, de palavras fortes e deselegantes. Essa era a forma de comunicação dele com os jogadores. Vale o registro que ele me agrediu, verbalmente, e como era muito jovem, não gostava desse tipo de coisa, de falar palavrão. Lembro que o jogo foi contra o Cruzeiro, no Mineirão. Ele não estava apitando bem e numa falta inexistente marcada, todo mundo foi para cima dele para reclamar, inclusive eu. Aí, ele me escolheu. Ao me expulsar, ele veio falando um monte de palavrões e eu perdi a cabeça, tentei agredí-lo e mesmo não sendo uma agressão forte, mereci ser expulso. Reconheço o erro. Lógico que me arrependi, mas não fiquei com aquilo na cabeça, martelando. Quando está dentro de campo, o sangue é muito quente, entende? Pode acontecer qualquer coisa e o importante é saber que errou, reconhecer, se arrepender e seguir o jogo.
No Internacional, você conquistou os vice-campeonatos brasileiros em 1987 contra o Flamengo, e em 1988, contra o Bahia. O que faltou para ser campeão e porque passou em branco no Colorado?
Não acho que a minha passagem no Internacional tenha sido em branco. Eu acho que a gente sempre beliscou, sempre chegou nas finais em todos os ‘Gaúchões’ e teve essas duas finais consecutivas no Campeonato Brasileiro de 87 e 88. Contra o Flamengo, a gente tinha um time muito abaixo do nível deles, que era um excelente time, e nos venceu por méritos no Maracanã lotado naquela final. Mas apesar disso, tiveram que jogar muito para nos vencer e foi 1 a 0 apertado. Já contra o Bahia, sinceramente falando e sem falsa modéstia, eu acho que a gente poderia ter jogado um pouco melhor para vencer, pois nosso time era muito parelho com o time baiano. Era uma equipe certinha, bem entrosada, e infelizmente, faltou um detalhe, como sempre ocorre em derrotas e vitórias. Mas passados tantos anos, não estou aqui para culpar ninguém. Aconteceu. Foram detalhes que nos levaram as derrotas. É triste, mas esse é o futebol, esse é o esporte que eu pratiquei por tantos anos e estava ciente de que tudo isso poderia acontecer.
E nesses dois anos (1987 e 1988), recebeu a ‘Bola de Prata’, prêmio dado pela Revista Placar, não é mesmo?
Verdade. Eu recebi esses prêmios da Placar. Todo jogador gostava de receber, porque além de ser bonito aquele troféu, esteticamente falando, a ‘Bola de Ouro’, a ‘Bola de Prata’, mexia com o jogador. Esses anos foram importantes para mim. Vivia uma grande fase pessoal e profissional chegando quase na Seleção principal e foi um período muito bom. Posso te garantir que desde que eu comecei, em 1986, fazendo grandes partidas contra grandes equipes do futebol brasileiro. Lembro de uma, contra o São Paulo, no Morumbi. Peguei muito nesse jogo. Mas aquelas atuações me credenciaram para chegar na Seleção e aqueles prêmios concedidos pela revista Placar foram consequências desse trabalho contínuo que eu vinha fazendo.
Você fez parte da Seleção medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, em 1988, sendo destaque daquele time comandado por Carlos Alberto Silva. Foi sua maior decepção em Jogos Olímpicos?
Ter participado dos Jogos Olímpicos foi uma coisa fantástica, foi uma experiência muito boa. Quando eu cheguei à Seleção Olímpica foi porque nós havíamos feito um bom trabalho no ano anterior quando vencemos o Pan-Americano. Embalados, havia a expectativa de ganhar a Olimpíada, pois era um título inédito para o Brasil. No entanto, a vontade era muito grande e tínhamos feito uma grande semifinal contra a Alemanha. O time estava certinho, esquema tático bem montado e tudo mais. No entanto, na final, a gente perdeu o Geovani, que era o nosso melhor jogador na competição, um meio-campo que dava equilíbrio e ritmo para o time. Sua ausência foi muito sentida na decisão contra a União Soviética. Infelizmente, perdemos por 2 a 1 e essa medalha de prata foi mesmo assim muito comemorada.
Pela Seleção Brasileira você quebrou alguns tabus que perduravam anos, como a Copa América em 1989 e a Copa do Mundo em 1994. O que essas conquistas representaram para você?
Acho que não quebrei o tabu nenhum na Seleção Brasileira. A Seleção Brasileira sempre foi bem sucedida, e aquela camisa amarela é sinônimo de vitória. Posso te assegurar que, quando a gente veste ela, a obrigação é fazer o melhor e vencer. Sei que nem sempre se consegue, mas felizmente, a Copa América em 1989, foi importante para chegar em boas condições numa Copa do Mundo. Lembro que foi uma Copa América muito sofrida, os jogos aqui no Brasil foram desgastantes e uma pressão enorme. E assim foi em 1994, nos Estados Unidos, onde o Brasil mudou totalmente o seu modo de enfrentar as equipes, de se mostrar em campo no sentido de jogar de forma coletiva. A conquista foi fruto do nosso esforço. Hoje, passados 26 anos, chego à conclusão que foi muito merecido a nossa conquista em 94 e isso representou muito na minha carreira, na minha vida profissional. O reconhecimento por parte do torcedor brasileiro. Vencer uma Copa do Mundo, com a camisa do Brasil, não tem preço.
Qual derrota doeu mais no Taffarel: a de 1990, para a Argentina de Maradona ou a de 1998 para a França de Zidane?
Se fosse para escolher uma das derrotas mais dolorosas que foram citadas na pergunta, escolheria a de 1998. O grupo era bom, estava fechado com o mesmo propósito. Fomos para a final com a expectativa muito boa. Mas os episódios com o Ronaldo na concentração nos abalou. Afetou o espírito e o equilíbrio da nossa equipe. Já a França, que até então, não tinha praticado um grande futebol, fez dois gols provenientes de cobranças de escanteios. Zidane fez dois gols de cabeça, algo que ele não tinha realizado na carreira. Foi dolorido nós chegarmos naquela final do jeito que chegamos, enfrentar tantos problemas naquele jogo e sermos derrotados daquela forma. Já em 1990, como eu disse anteriormente, nós perdemos para nós mesmo. Aquela derrota, podemos dizer, que foi merecida.
Falando em dor na fracassada Copa do Mundo da Itália, você foi o único jogador que saiu com o prestígio intacto. Meses depois, se tornaria o primeiro goleiro brasileiro a jogar no futebol italiano defendendo o Parma e, depois, o Reggiana. Como foi isso?
A Copa do Mundo de 1990 foi um fracasso, tanto que nós, jogadores, reconhecemos isso. Aquele Mundial foi perdido para nós mesmos, pois era um grande grupo, com grandes jogadores, mas que não eram unidos, e isso nos levou à derrota. Eu lamento muito, porque olhando os outros adversários, tínhamos totais condições de chegar na final e vencer. Mas perdemos para a Argentina, que no meu entender, durante o jogo, fomos superiores e massacramos. Eles, numa oportunidade apenas, conseguiram nos eliminar. Mas te confesso, que foi uma experiência que a gente levou para 1994, e para mim, apesar do resultado ruim, foi uma Copa boa. Fiz bons jogos e tive boas atuações. Não excluo o meu nome de ser criticado, pois acho que uma derrota sempre se procura um culpado, e fui responsável também por aquele fracasso. E o Parma, mesmo assim, me contratou e minha vida seguiu, profissionalmente, a ponto de jogar um Campeonato Italiano sendo um goleiro brasileiro. Então, te digo com toda certeza, que foi uma coisa grandiosa.
Ainda sobre 1990. Na Copa do Mundo da Itália, a Argentina de Maradona venceu o Brasil por 1 a 0, gol de Caniggia. Você fez parte de um time que ficou marcado como a ‘Era Dunga’. Como encara isso?
Essa pergunta da ‘Era Dunga’, é uma coisa que me incomoda muito em responder toda vez que algum jornalista faz. Eu não acho justo atribuir uma ‘Era’ a um jogador como é sempre atribuído ao nosso grande capitão Dunga. Um cara que sempre vestiu a camisa da Seleção e dos clubes por onde passou com muita determinação, muita vontade e muito profissionalismo. Dunga sempre incentivou os demais jogadores para fazer o melhor em prol da Seleção e sempre foi um treinador dentro de campo. Sinceramente, é uma coisa que a mim, me incomoda demais ainda. Agora, imagine o quanto isso deve incomodá-lo? Ter seu nome sempre ligado a este revés, mesmo tendo conquistado uma Copa do Mundo em 1994, sendo capitão e levantado a taça? Eu acho que isso não tem nada a ver. O Dunga, nosso eterno capitão do tetracampeonato, merece mais respeito. Isso é uma pergunta que não deveria ter sido feita e nem gosto de responder.
Qual foi o maior goleiro que você viu no futebol?
Eu não gosto de dizer quem foi o maior goleiro que eu vi jogar. Acho que em cada momento surge um grande goleiro que chama a nossa atenção, mas eu gostava muito de ver o Rinat Dasayev jogar. A forma que ele costumava sair do gol, a sua frieza, sua colocação, sua saída de bola alta. Eu gostava muito de ver esse goleiro russo jogar. Então para mim, na época, foi o cara que me espelhou bastante.
E o treinador de goleiros?
Todos tiveram uma parcela de contribuição na minha carreira. Sempre me senti bem treinado por cada um deles, seja nos clubes que passei e na seleção. Difícil dizer o melhor, mas ratifico que todos foram importantes.
Titular absoluto da Seleção Brasileira, você chegou a ser questionado, em 1993, quando não vivia boa fase. As falhas no jogo contra a Bolívia, em La Paz, fizeram a pressão aumentar. Como foi esse período e como deu a volta por cima para ser tetracampeão um ano depois?
Esse ano de 1993 foi o período mais complicado que passei na Seleção Brasileira. Foi aquele ano em que não joguei no Parma, e justamente, porque a regra dos estrangeiros havia mudado. Atuei em apenas seis partidas no Campeonato Italiano. Lembro que eu ia para a tribuna dos estádios, pois o quarto estrangeiro nem podia ficar no banco de reservas. De repente, me apresento na Seleção totalmente fora de ritmo. Vale ressaltar que, ser posto na reserva, foi opção do Carlos Alberto Parreira, treinador à época, e prontamente aceita por mim. Na verdade, eu sabia que para reconquistar a posição de titular eu precisava me recuperar, pois o Zetti estava numa excelente fase, tanto que foi o titular daquela Copa América no Equador, em 1993, em que terminamos em sexto lugar. Entretanto, sei que foi um período muito difícil que vivi, mas ao mesmo tempo, importante para que eu entendesse que eu poderia voltar a jogar e superar tudo aquilo.
Em 1994, alguns jogadores deram a volta por cima e sagraram-se campeões mundiais, como você, Jorginho, Branco, Muller e Dunga. Como foi fazer parte dessa transição entre o fracasso e o sucesso em um hiato de quatro anos?
Essa volta por cima e essa transição do fracasso de 90, com o sucesso em 94, é bem fácil de explicar. Você citou na pergunta os nomes de Jorginho, Branco, Dunga e Muller, mas vou além: teve o Mazinho, Zinho, Raí, Ricardo Gomes, Ricardo Rocha, Aldair, Márcio Santos, Bebeto, Romário, e aí depois de tantos nomes, você vai ver que um dia você perde, porém, no outro, você vence. Então foi assim! Bastou ajustar certas coisas que erramos em 90, e juntando com esses grandes nomes que citei, não tive dúvida que o sucesso poderia chegar. E como de fato chegou.
Você tem um ídolo no futebol?
Eu nunca fui de ter ídolos no futebol, não! Quando era jovem eu tinha uma grande admiração pelo Zico e tive até a oportunidade de ter sido convidado e participado da despedida dele do futebol naquela noite maravilhosa no Maracanã. O (ex-goleiro) Benítez foi um cara que me ajudou, e foi, inclusive, o meu primeiro treinador de goleiro. Teve também o Schneider no profissional. Meus ídolos foram sempre pessoas próximas. Essas pessoas que eu citei para ti me ajudaram e contribuíram muito para o sucesso da minha carreira e a cada um deles eu devo muito.
E o melhor treinador com quem trabalhou?
Eu tive a sorte de trabalhar com grandes treinadores. O Carlos Alberto Parreira sempre foi um treinador que me impressionou bastante pela sua inteligência dentro e fora de campo, a maneira com que ele se comunicava com a gente. Sempre gostei muito, mas muito mesmo, do método de treinamento e de comportamento com os jogadores. Mas tive a oportunidade de trabalhar com outros grandes treinadores também, como o Carlos Alberto Silva, Procópio Cardoso, Levir Culpi, os que me treinaram no início da carreira no Beira-Rio. Tiveram os técnicos na Turquia, na Itália. São muitos. É até difícil ficar citando todos aqui porque foram treinadores com seus métodos de trabalho e que acrescentaram muito para mim.
Você enfrentou dois gênios do futebol mundial: em 1990, Maradona, que nos deixou recentemente, e em 1998, Zidane. Quem foi o mais difícil de enfrentar?
Realmente o Zidane era um jogador muito clássico, elegante, jogava o fino da bola, mas na minha opinião, ele não está no nível do Maradona. Indiscutívelmente, o Maradona era fora de série e o maior jogador que eu enfrentei em toda minha carreira. Um jogador excepcional, com grande técnica, pela força quando jogava, sua intensidade, um cara muito carismático, um cara de grupo, um companheiro que todo mundo falava bem na Seleção Argentina e nos clubes em que jogou. Recebi a notícia de sua morte com imensa tristeza. Acho que o futebol perde muito com sua partida, e para mim, foi simplesmente o maior de todos os tempos.
Taffarel, na sua opinião, qual era o ponto forte daquela Seleção campeã do mundo em 1994?
O ponto forte da Seleção de 1994 era o potencial dos jogadores, a união deles e o comando que nós tínhamos. Sem demagogia, tudo era perfeito naquele time, e a vitória, eu acredito, só vem quando quando tudo está nessa harmonia. O sucesso do Brasil na Copa do Mundo nos Estados Unidos foi um conjunto de fatores que nos levou à vitória. A gente jogava em conjunto, lógico, havia grandes jogadores individuais, mas tínhamos a força do coletivo, e foi isso que nos levou a conquistar aquele título tão importante para o nosso país.
No Atlético Mineiro, você foi campeão mineiro em 1995 e ganhou a Copa Centenário e a Copa Conmebol em 1997. Nas três temporadas e meia defendendo as cores do clube foram 191 partidas. O que o Galo representou na sua carreira?
A ida para o Atlético foi um acontecimento muito bom na minha vida e na minha carreira. Minha passagem nos três anos lá foram intensas, já que era um momento muito difícil do clube em termos financeiros. Lembro que eles fizeram um esforço muito grande para minha contratação e depois de seis meses da Copa do Mundo de 1994, eu tinha ficado sem clube. Recordo-me que quando me apresentei, foi uma festa muito bonita e tive logo um relacionamento muito bom com a torcida e uma identificação com o clube. Nesses três anos, tivemos grandes vitórias, conquistas importantes e sei que foi uma passagem que eu lembro com muito carinho. Em termos profissionais e até em termos famíliares, foi muito bom. Fomos bem recebidos, uma cidade maravilhosa e acolhedora, pessoas legais, e eu só tenho grandes recordações de Belo Horizonte e do Atlético Mineiro.
Exímio pegador de pênaltis, qual era o segredo para defender tantas cobranças?
Para te falar a verdade não me considerava um exímio pegador de pênalti. Eu acho que eu peguei pênaltis em momentos importantes e isso ficou marcado, mas eu não era um cara muito grande, não chegava com tanta facilidade na bola. Era um pouco de intuição, com muita sorte, apenas isso. Mas confesso que tive muitas oportunidades para defender penalidades porque elas foram acontecendo, mas nada além disso.
Muitos torcedores do Galatasaray lembram de você por ter parado o atacante francês Thierry Henry na final da Copa da UEFA de 2000. Na época, esse fora o primeiro título continental do clube turco que também também ganhou a Supercopa da Europa. Fale um pouco da experiência no futebol turco onde há muitos brasileiros.
O Galatasaray foi algo impressionante que aconteceu na minha vida. Nós estávamos na Copa da França de 1998 e havia um empresário me perguntando se eu queria jogar na Turquia. Eu nem imaginava que naquele país existia futebol. E aí, a minha esposa estava lá vendo a Copa e acabou indo para Istambul e foi recepcionada pelo pessoal do clube para mostrar a cidade, o clube, o centro de treinamento e ela ficou encantada com tudo o que viu. Depois disso, eu acabei aceitando e foi uma experiência muito boa em todos os aspectos, como padrão de vida, país totalmente diferente e que me recebeu de braços abertos. O clube, em si, tem uma ligação muito forte com seu torcedor e o seu torcedor com o clube. Mas se tratando de vitórias que marcaram bastante o futebol turco, e principalmente, o futebol do Galatasaray, foi aquela Copa UEFA de 2000, a Supercopa de 2001, mas aquela defesa na cabeçada do Henry ficou marcada. Até hoje quando o torcedor me vê na rua sempre lembra daquela defesa. Impressionante o quanto aquele lance marcou o torcedor do clube.
Em 2009, você tornou-se o 10º melhor goleiro da história do futebol – posição que ocupa desde 1987 – pela Federação Internacional de História e Estatística. Qual a sensação?
Você ver teu nome sempre numa estatísticas dos melhores ou que marcaram, é lógico, que te deixa feliz. Mas isso não é o determinante. Não é isso que vai me deixar mais feliz, te confesso. Eu acho que é importante para o futebol brasileiro e para a escola de goleiros brasileiros ter sempre um nome lembrado. Atualmente, temos o Alisson que concorreu como o melhor goleiro do mundo e isso é gratificante para todos nós. Penso dessa forma. A Seleção Brasileira sempre me deu essa oportunidade de fazer um bom trabalho, e eu aproveitei isso da melhor forma, assim como o Alisson e o Ederson estão fazendo também. Vale frisar que estão entre os três melhores goleiros do mundo. Pessoalmente, ser lembrado é porque o que você fez no passado é sempre motivo de orgulho.
Nada melhor do que um goleiro que entende do assunto para ser treinador de goleiros oficial da Seleção Brasileira, cargo em que você ocupa desde 2014. A pergunta é: estamos bem servidos de goleiros? Queria que falasse um pouco sobre os que estão em evidência em seu clubes e se você acredita que haverá um outro Taffarel?
Eu acho que o cara para ser um bom treinador de goleiros, não precisa ter sido um bom goleiro. Acho que você pode ser treinador de goleiros desde que tenha uma boa coordenação motora, um bom chute, um bom ritmo, porque o treinador de goleiros tem que ter um bom método de trabalho. O segredo é o trabalho, desenvolver os fundamentos básicos. O goleiro precisa estar confiante na sua metodologia de trabalho. É dessa forma que eu faço na Seleção Brasileira. Lógico que toda experiência que eu tive na carreira ajuda na hora de conversar com o goleiro que você treina, na hora de analisar um lance ou uma partida, sentir o rendimento do teu goleiro baseado naquilo que você pensa que é o melhor para ele. Então, tem esse lado da experiência que eu tive dentro de campo e isso me ajuda um pouco, é um diferencial. Estamos bem servidos de goleiros e vou além, acho que o Alisson está realmente mostrando que o Brasil tem essa escola boa de goleiros e revelando grandes nomes na posição. Acredito também, que daqui para frente, cada vez mais, surgirão novos goleiros para elevar o nome da escola brasileira.
Olhando para trás, seja sincero: faltou algo para você na carreira?
Se olhar para trás, eu acho que poderia fazer algo diferente sim, mas olhando agora, eu vejo que eu fiz tudo que poderia fazer. É lógico que a gente nunca está satisfeito como ser humano, sempre quer uma coisa diferente aqui ou ali, mas quando Deus controla tua vida, Ele sempre te dá o que você merece e o que você precisa. Acho que não tem nada não. Eu tenho que estar é satisfeito com tudo aquilo que aconteceu na minha carreira, na vida profissional e pessoal. As melhores coisas sempre aconteceram e continuam acontecendo, porque eu acho que temos de estar satisfeitos com aquilo que recebemos. Então, vindo de Deus, é sempre bem vindo.
Como é ser o único goleiro campeão mundial da história a defender um pênalti numa final de Copa do Mundo? E o único jogador da Seleção Brasileira a nunca ser substituído em três Copas do Mundo consecutivas: 1990, 1994 e 1998?
Olha, sabe que eu não sabia dessa coisa de ser o único goleiro a defender pênalti em uma final de Copa do Mundo, e o único jogador da Seleção a não ser substituído em três Copas do Mundo consecutivas (risos)? É interessante, mas a gente vê que isso aí não é o mais importante e não é essencial. Acho que aquelas passagens pela Seleção Brasileira nas Copas do Mundo foram marcantes pelo trabalho que eu fiz e a maneira como me doei nos jogos. Agora, essa coisa de você não ser substituído é porque o goleiro é muito difícil de ser substituído mesmo. Deus sempre abençoando, porque você ficar dez anos dentro de uma Seleção Brasileira, praticamente, como titular, é a mão de Deus ali agindo, guiando e te protegendo. Então, devo muito a Deus a carreira vitoriosa que tive na Seleção Brasileira e como disse, esse fatos curiosos, vamos classificá-los dessa forma, não me acrescentam em nada. Eu sempre pensei no coletivo.
Você teve uma empresa de assessoria esportiva, a Taffarel/Paulo Roberto Assessoria e Consultoria Esportiva, empresa em sociedade com o ex-lateral Paulo Roberto, campeão mundial pelo Grêmio em 1983. Como foi essa experiência?
Essa parceria com o Paulo Roberto acabou em 2010, um pouco antes de eu ir para a Copa do Mundo na África do Sul, como observador. Foi significativo exercer esse meu lado empresarial, e mesmo achando que não foi uma boa experiência, por outro lado, foi válido no sentido de ver o outro lado da moeda do futebol. Admito que não me adaptei e por isso desfiz a sociedade, no entanto, a amizade com o Paulo Roberto continua. É uma grande pessoa, ele continua com esse trabalho, sempre com aquela tranquilidade peculiar que ele tem ao fazer negócios. Sempre com muita honestidade e transparência.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido a onda do novo Coronavírus?
Esse isolamento social, se você souber encará-lo bem, pode até ser positivo em determinadas situações. Você fica mais em casa, convive mais com as pessoas que estão na tua casa, valoriza mais os teus espaços e acaba vendo as coisas diferentes. Não que isso vá te mudar! Nada disso! Que esse vírus traga para gente, e tem trazido muito, é em relação aos cuidados. Cada um de nós devemos tirar lições positivas deste momento inesperado e traumático para o mundo. Eu lamento que certas profissões ficam mais expostas e as dificuldades são mais nítidas. Mas é a vida e espero que isso passe logo.
Defina Taffarel em uma única palavra?
Talvez uma palavra que pudesse me definir seria carisma. Por onde eu passei sempre senti essa ligação forte com as pessoas, com os torcedores, os companheiros e os clubes em que joguei. Acho que essa carisma vem pelo meu modo de trabalhar e do meu caráter. É importante você transmitir o que você é, e em virtude disso, o pessoal sempre me achou um sujeito carismático (risos).