por Ricardo Dias
A torcida do Santos chorou lágrimas de sangue pela perda de Soteldo. Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que não tenho nada contra o rapaz, muito pelo contrário. Mas choro as mesmas lágrimas de sangue não por ele, mas pelo futebol brasileiro.
Todo saudosista começa dizendo que não é saudosista. Bem, eu sou, e muito. Assistir a uma partida de futebol hoje, por aqui, é uma tortura. Como disse o colega de Museu PC Caju – chique, ser colega do PC –, antigamente lateral treinava cruzamento. Hoje treina bater lateral, com a mão. O incensado time do Flamengo, que sobra na turma, não seria tão espetacular meros 10 anos atrás, é que não tem rival. Empobrecemos demais. Quem viu no mesmo time o citado PC, mais Rivelino, Carlos Alberto, Edinho, Dirceu, Gil, não se impressiona com nenhum time europeu.
– Ah, mas antigamente era mais fácil, ninguém corria!
Não? Pena que há poucos vídeos do meu outro colega de Museu (meu Deus, cada dia eu sou mais chique), o Zé Roberto Padilha, que tinha um preparo físico absurdo – e que sabia MUITO BEM o que fazer com a bola. Já disse antes, a única posição que hoje é superior, é a de goleiro. Os métodos de treinamento mudaram muito.
Mas voltemos ao bom Soteldo. Nos anos 70 (quando comecei a gostar de futebol), eu assistia a todos os jogos que podia. Morava perto do Maracanã, ia a pé, e todo começo de ano ficávamos esperando as novidades dos times pequenos. Os que se destacassem seriam comprados, fatalmente, pelos clubes grandes no ano seguinte. Hoje nós somos o Olaria do mundo. Mas os times pequenos do Rio tinham uma característica: todo ano aparecia um ou dois pontinhas, jogadores rápidos, dribladores e baixinhos. QUALQUER UM deles muito melhores que o saudoso Soteldo.
A falta de dinheiro não é a única culpada pelos nossos problemas. A decadência dos clubes pequenos vai acabar matando o pouco que sobra de nosso futebol. Se antes revelavam craques, hoje vivem de contratar veteranos em fim de carreira – igualzinho ao Brasil. Sem pensar nem pesquisar muito, Romário veio do Olaria; Ronaldo Fenômeno, do São Cristóvão. Isso no Rio; no resto do país, o quadro era exatamente o mesmo. Hoje o jogador pertence a um empresário, que quer colocar a mercadoria na vitrine correndo – e ELE lucrar. O clube que se dane.
Quando vejo passar uma criança com a camisa do Barcelona, lembro que o ídolo de Maradona era Rivelino; quando Seedorf veio ao Brasil jogar uma pelada, ligou para o pai, emocionado, para contar que ia jogar ao lado de Zico. O Bayern Munique, campeão europeu, ficou querendo descobrir de onde havia saído Cafuringa, que destruiu sua defesa no Maracanã num amistoso em 75.
Então, o maior símbolo de nosso fundodopocismo é o querido Soteldo. Um jogador que seria reserva do Bonsucesso nos anos 70 hoje entristece a torcida que viu jogar o Rei, o maior de todos os tempos.
A hora é de organizar tudo. Enquanto os empresários mandarem, enquanto cobrarem vitórias nas divisões de base, enquanto não revitalizarem os campos de várzea, enquanto não profissionalizarem de verdade a arbitragem, nada disso vai mudar.