por Idel Halfen
Quando alguém vai participar de algum evento, seja uma competição, uma entrevista de emprego, ou qualquer outra atividade na qual os resultados dependam de variáveis que fujam ao domínio do participante, é comum ouvir: “boa sorte”!
Por entender que existam inúmeros questionamentos quanto à efetiva necessidade de se ter sorte, aproveitaremos esse artigo para abordar o tema, ilustrando-o com um caso que consegue abordar tanto o lado do esporte como o de um “processo seletivo”: o início da carreira do técnico alemão Roger Schmidt, atual treinador do PSV Eindhoven da Holanda.
Em 2003, Schmidt jogava no futebol alemão pelo SC Padermon e foi por lazer assistir a um jogo do Delbrücker SC, clube vizinho que disputava a liga correspondente a uma espécie de 5ª divisão. No estádio, conversando com seus amigos, chamou a atenção do presidente e principal patrocinador da equipe – uma padaria – em função dos seus comentários inteligentes e simples. Foi o que bastou para que o presidente passasse a convidá-lo insistentemente para ser o técnico de sua equipe, até que um ano e meio depois Schmidt aceitou, ainda assim dividindo o tempo com sua profissão de engenheiro.
Sua atuação como treinador levou a equipe à conquista do campeonato e lá permaneceu por três anos, indo depois para equipes que disputavam ligas mais qualificadas, até que em 2012 passou a dirigir o Red Bull Salzburg, transferindo-se em 2014 para o Bayer Leverkusen, em 2017 para a China, até assumir o PSV Eindhoven em 2020.
Diante dessa evolução não há como negar sua capacidade, porém, se retrocedermos ao início, veremos que a sorte de estar no estádio perto do presidente/patrocinador de um time e conversando com seus amigos, foi fator fundamental para um novo direcionamento de carreira, a qual que ele sequer pretendia seguir.
É fato que o sucesso é um somatório de talento, trabalho árduo e sorte, pouco adianta ser extremamente competente e preparado se não houver uma posição/vaga em dado momento para o profissional, assim como também de nada adiantará estar no local certo, na hora certa, se faltar a competência. Vale salientar que o conceito “competência” é bastante subjetivo e volátil, o fato de ser “melhor” não significa ser o melhor para aquele cargo ou para aquela competição naquele momento.
Em ambientes altamente competitivos, então, a sorte tem uma importância ainda maior, corrobora para essa tese o conteúdo do livro Success and Luck, onde o economista Robert Frank se utiliza de estudos para mostrar que o melhor candidato em processos seletivos vence em um número reduzido de casos. Na mesma linha de raciocínio, dispõe que numa economia muito competitiva o “acaso” é determinante para o sucesso.
Conclusões que, no meu modo de ver, fazem total sentido, pois, na medida em que a preparação e o talento estejam praticamente equiparados, restará a sorte como um instrumento decisivo. Não se pode desprezar aqui a influência da autoconfiança como fator de atratividade para a sorte, ou seja, estar bem preparado costuma ajudar a ser mais confiante nos desafios e, dessa forma, aparentemente trazer a sorte como aliada.
Inúmeros eventos corroboram para as teses que reconhecem a influência da sorte, no entanto, há também os negacionistas, geralmente pessoas que obtiveram sucesso através de muito esforço e que preferem negligenciar a participação da sorte. Compreensível. Uma analogia oriunda do ciclismo e do atletismo nos mostra que é fácil perceber as situações em que o vento sopra contra, o mesmo não ocorre quando é a favor, assim a acontece com a sorte.
O tema é bastante rico, mas para sumarizá-lo finalizamos com uma frase do tricolor Nelson Rodrigues: “Sem sorte não se come nem um Chicabon. Você pode engasgar-se com o palito ou ser atropelado pela carrocinha.”