por Paulo Escobar
Foi em Belém que brotou um dos jogadores mais lindos que o futebol viu nascer. Em Ribeirão Preto foram vistos seus primeiros passos,num misto de genialidade e criatividade. De um talento e de uma vida intensa, de um olhar penetrante e de uma inteligência rara dentro dos gramados.
Não há como não dizer que o Magrão foi único, nasceu na época e lugar certo. Podemos dizer que não sentou em cima dos muros que a vida coloca. O trem da história que passou pela vida de Sócrates não foi em vão, ele subiu e participou.
Talentoso e jogador de lances inesperados, inteligente, utilizou do seu calcanhar para surpreender, não sendo apenas um lance de beleza a ser vista, mas eficiente. Fazedor de belos gols, como me disse Paulinho, volante daquela Democracia Corintiana, numa resenha:
– O Magrão dizia: “coloca a bola em mim que eu resolvo” e resolvia de maneira fria.
Sócrates participou de dois belos times, a Democracia Corintiana e a seleção de 82, dois times que eram bonitos de se ver jogar. Mas foi sem dúvida no Corinthians que fez parte daquilo que viria ser mais do que um time.
Fiz resenha para o Museu da Pelada com alguns dos jogadores daquela Democracia, entre eles Paulinho, Biro-Biro, Ataliba, Zé Maria e Zenon e todos eles me falaram a mesma coisa quando o assunto era o Magrão: um cara humano e gente boa, genial e mentor daquela ideia que o time carregava.
Nos dias de hoje seria utópico você entrar num vestiário de futebol e encontrar os roupeiros do time decidindo os rumos da equipe dentro e fora dos campos. Sim, Sócrates ajudou a montar uma verdadeira utopia, por isso não cansamos de lembrar e desejar aquilo que é fantástico de ser vivido.
Sabia no lugar que estava, reconhecia na torcida que defendia uma grande massa de pessoas pobres e sofridas, era para estes que Sócrates jogava. E foi naquela torcida que influenciou também os pensamentos daqueles que gritavam e protestavam além dos estádios de futebol.
A cada gol o punho fechado e uma faixa na cabeça com mensagens de luta, a cada comemoração um protesto. O Magrão dos gramados aos comícios, da genialidade aos gritos pela liberdade, foi intenso a exemplo do que foi sua vida.
Nos dias cinzas que vivemos e que insistem em nos reprimir os desejos de liberdade, onde os preconceitos, o ódio às diferenças, sei muito bem de qual lado Sócrates teria ficado. Sei que nos tempos em que vivemos, mais saudades sentiremos deste tipo de jogadores, que pensem com os pés no chão e que sejam o chão que o povo mais sofrido pisa.
Sócrates viveu a vida que quis viver, e morreu a morte que quis também, escolheu seu jeito de morrer e não aceitou as limitações que a doença quis lhe impor. Morreu num domingo com o seu Corinthians campeão, no meio ao choro dos seus órfãos do povão, o Magrão deixou de maneira intensa este mundo.
Este texto foi uma pequena homenagem àquele que jamais seria um herói pelos conceitos morais, ou pelo bom mocismo desejado. Uma homenagem aquele que pensou o futebol como um instrumento de luta pela liberdade, e uma reverência aquele que me faz usar o numero oito nas tardes de várzea.