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Sergio Pugliese

HERÓIS DA RESISTÊNCIA

por Sergio Pugliese


CUBA – O general Fidel Castro Ruiz pode ser considerado um dos maiores símbolos de longevidade e resistência ideológica da história. Grande combatente e anti-imperialista até o último fio de barba não há como negar que El Comandante também enfrentou seus momentos de fraqueza e, ainda menino, rendeu-se aos encantos do beisebol, esporte originalmente criado pelos americanos. O fascínio aumentou ano a ano e ele praticamente transformou-se num garoto-propaganda da turma dos tacos. Viajando pelo interior da ilha de Fidel em busca de um campo de pelada, missão praticamente impossível, pois o futebol também perde em preferência para o vôlei, box, basquete, xadrez, pelota de mão etc etc etc, a equipe do A Pelada Como Ela É localizou, na histórica cidade de Santiago de Cuba, Raciel Sarmento, professor de uma escolinha e o verdadeiro líder da resistência cubana, pois jamais se dobrou aos encantos do yankee beisebol e diariamente, contra tudo e contra todos, reforça seu “exército” com mais e mais peladeiros-mirins-socialistas. Isso, sim, uma verdadeira revolução!

– Venceremos essa guerra e um dia Cuba se dobrará ao futebol – divertiu-se ele, funcionário da escola primária Clodomira Acosta.

A missão não é fácil. Pelas ruas e bares, os nomes mais falados são os de Industriales, Havana e Santiago de Cuba, times de beisebol que fazem a cabeça dos habitantes da ilha. E jogadores como Norgeluis Veras, Alex Ceibel, Quinderán, Pacheco, Contrera e Hermán Mesa sacodem o coração dos cubanos. O taxista Rogelio Evangelista Machado, que funcionou como guia de nossa equipe, demorou a encontrar um campinho de futebol e o primeiro foi no Centro Recreativo Ciroa, onde Raciel Sarmento treinava a garotada. Mesmo assim as melhores quadras do espaço eram usadas para basquete e pelota de mão. 

– O futebol vem se tornando um grande foco revolucionário dentro desse país de fortes ideologias esportivas – brincou Sarmento, enquanto posava com o time para o fotógrafo e documentarista Guillermo Planel. 


Num estalo, o motorista lembrou-se de outro campo e Fidel ganhou alguns pontos quando chegamos ao local, na verdade, o Quartel de Moncada, principal referência da revolução cubana. Moncada foi a primeira grande tentativa de Fidel Castro tomar o poder no país, em 26 de julho de 1953, junto com 165 homens. Fracassou e foi preso por dois anos. É neste cenário, um batalhão crivado de balas, que hoje abriga uma escola primária, onde a resistência revolucionária de nossa pelada encontra seu espaço máximo, num dos lugares mais visitados de Cuba. Mas, fora isso, campos de futebol são artigos raros por lá. De grama sintética, então, nem se fala. Algumas peladas que encontramos eram jogadas com bola de basquete e improvisadas em áreas destinadas ao beisebol. 

Voltamos ao campo de Raciel Sarmento. 

Quase no fim do treino uma bolinha de pelota perdida foi parar no campo de pelada. Antes de devolvê-la ao dono, o menino Bairon iniciou uma série de embaixadinhas e fez diversas firulas com maestria. Fez lembrar os malabarismos de nosso Robinho, mas declarou-se fã de Ronaldinho Gaúcho. No fim da exibição foi aplaudido pelas “galeras rivais” e encheu o professor de orgulho. Os pequenos revolucionários partiram e deixaram vazio o campinho careca. Frank, Rolando, Ricardo, Ernesto, Victor, Fran, William e Michel, apesar de dois nomes de origem norte-americana, são frutos dessa saudável resistência esportiva. São os pequenos heróis de uma luta continental, que tem Ronaldos, Romários e Zidanes, como ídolos universais, e o sonhador Raciel Sarmento, anônimo mas determinado professor de escolinha, como símbolo maior de persistência.

 

A ESTAGIÁRIA

por Sergio Pugliese


Rogerinho segura os saquinhos cheios de borracha

O primeiro mandamento do boleiro é jamais usar a pelada em álibis, afinal ela é sagrada, insubstituível. Mas tentações existem e alguns atletas inexperientes acabam sucumbindo ao canto da sereia. O problema é quando o tiro sai pela culatra e eles são obrigados a enfrentar a ira da Dona Encrenca. Rogerinho, centroavante matador, foi um desses…

Na volta do racha era certo Cristina reclamar daquela borrachinha preta sujando o banheiro. A borracha em questão é aquela usada para amaciar as quadras de grama sintética, realmente uma chatice porque entra na chuteira e gruda no corpo. De tanto as mulheres chiarem, a maioria dos craques dá uma geral no próprio campo e espanca o tênis no chão até sumirem todas. Rogerinho, não. Ele andava mal intencionado com Aninha, a estagiária do trabalho, e concluiu que as pretinhas poderiam ser suas aliadas. Um dia chegou ao campo com vários saquinhos plásticos, tipo sacolé, e encheu cada um deles com o pó de pneu. Alguns amigos estranharam, claro.

– Vai vender na feira como cocaína africana? – brincou Rômulo.

– Não! Lucas, meu filho, adora brincar com isso – disfarçou.

O assunto morreu, mas os melhores amigos sabiam dos bastidores. Uma relação em crise e o frescor da estagiária bastaram para as borrachinhas brotarem dia sim, e o outro também, no piso do banheiro. Ao invés da santa pelada ia namorar. Na volta, antes de entrar em casa, umedecia a camisa e o short na torneira da garagem para dar vida ao suor e, claro, enchia a chuteira com o resíduo. O problema foram as repetições e esse apetite voraz pela bola despertou a pulga há anos adormecida atrás da orelhinha de Cristina. E na festa de aniversário de Rogerinho, não teve jeito, o caldo entornou.

– Vamos cantar parabéns! – convocou Cristina.

Madrugada, caipirinha pulsando na mente e os peladeiros tortos, inclusive o desavisado Rômulo. No caminho para o salão, o goleiro resolveu elogiar o comportamento de Rogerinho para Cristina e arranjou um problemão.

– Rogerinho é mesmo um paizão, vai para o campo e fica enchendo saquinhos de borracha para dar ao filho.


Os saquinhos cheios de borracha que Rogerinho recolhia

Rogerinho vinha logo atrás com os cúmplices Stênio e Ribamar. Os três espantaram-se e tentaram frear a língua de Rômulo, mas era tarde.

– Como assim? – perguntou Cristina, desconfiadíssima.

– Ué, fica de quatro só enchendo saquinho…

Stênio puxou Rômulo pelo braço.

– Bebeu demais, maluco?

Rogerinho relembrou os tempos de Tablado e lançou no ar um olhar perplexo enquanto um “fud…” retumbava sua cabeça. Cristina sentiu o cheiro da traição e entrou no quarto. O parabéns foi suspenso. Quando o maridão ainda bolava uma saída, ela ressurgiu com Lucas, pijama de bolinhas, olhos fechados.

– Lucas, você gosta de brincar com borracha moída?

O menino cambaleava.

– Deixa ele dormir – apressou-se Rogerinho. E emendou: – Brincamos de pista de asfalto, rastilho de pólvora, chuva de carvão…

– Elementar, meu caro 171, já desconfiava, você espalha esse treco no tênis como se tivesse jogado!!! – desvendou a mãe, ao estilo Sherlock Holmes.

– O que é chuva de carvão? – perguntou Lucas.

– O menino tá zonzo, acha que é pesadelo. Amanhã tiramos isso a limpo – exigiu Rogerinho.

Cristina entrou e não voltou mais.

No silêncio da varanda, Ribamar provocou.

– A estagiária valia essa borrachada toda?

Quase teve briga.

Rogerinho não dormiu e cedinho acordou Lucas. Pegou os sacolés que ainda restavam no porta-luvas e começou a criar brincadeiras. O moleque não entendeu nada, mas divertiu-se com a companhia do pai. Cowboy na mão, Rogerinho falava: “Vamos Tom, encha esses barris de pólvora!”. Cristina passou pelo corredor e assistiu a cena, incrédula. De cara amarrada, esboçou um “cara de pau” e voltou a dormir.

Texto publicado originalmente na coluna a “A Pelada Como Ela É” no dia 02 de junho de 2012.

A PRIMEIRA

por Sergio Pugliese


Na foto, Sylvio Amaro, o homem que jogou o camarão para o alto

Eduardo perdeu a direção quando tentou uma manobra ousada e ficou entalado num canteiro. Foi ultrapassado pelo amigo e bufou quando ele seguiu rindo, e ainda deu tchauzinho pelo espelho interno. PC Bonfim saiu de uma festa com o sol raiando e para não arriscar foi direto ao Campo do Agrião. Dormiria no carro a uma hora e meia que faltava. Chegando lá, foi surpreendido por outros dois malucos com a mesma ideia. Mauro Maidantchik acorda todo sábado às cinco da matina para garantir a vaga, no Jamelão. Fernando Coimbra teve acesso de fúria quando viu a pelada iniciar sem ele e, inconformado, jogou duas dúzias de tangerina no campo do Country Clube de Niterói. A mesma atitude irada teve Sylvio Amaro, do Bate Boca, na Barra. Arremessou 10 quilos de camarão para os ares e melou o jogo. Quem é peladeiro sabe. Vale tudo para não ficar fora da primeira. 

– Se a pelada é mágica, a primeira exerce um fascínio inexplicável. Ganhar, então, é garantia de uma resenha paradisíaca! – define Tico, da Pelada do Surdos e Mudos, em Laranjeiras. 

A equipe do A Pelada Como Ela É sabia disso tudo mas se impressionou com certas atitudes, todas insanamente divertidas. Na Asbac, do Estácio, foi demais! 

– Faltam quantos para fechar? – perguntou Luiz Flávio, o DJ, pelo rádio, em tom de pânico, ao organizador Porquinho. 

– Um – respondeu, com a tranquilidade de quem tinha a vaga garantida. 

DJ é um cidadão pacato, do bem, excelente professor de Educação Física, amado pelas crianças, mas a resposta de Porquinho fez com que ele pisasse fundo, avançasse dois sinais, quase atropelasse uma velhinha e lembrasse seus tempos de campeão de kart. Minutos depois o pessoal da concentração ouviu o som de carro cantando pneu e, em seguida, freando bruscamente. 

– O que foi isso? – perguntou Fino, assustado. 

– DJ chegou – disse Porquinho, com a experiência dos monges budistas. 

Estava certo. DJ entrou tropeçando e respirou aliviado quando ouviu Porquinho gritar “fechou!”. Exultante, contou sobre suas manobras ousadas e contabilizou o valor das multas que deve receber por avanço de sinal, mas vibrava por estar na primeira. Dez segundos depois, Fabinho Surfista entrou como um raio querendo saber se estava dentro. 

– Fechou, otário! – disse Porquinho, vibrando de prazer. 

– Tá todo mundo em dia com a mensalidade? São todos efetivos? – apelou Fabinho, tentando uma última cartada. 

Só restava lamentar. 

– O que me quebrou foi aquele sinal da Presidente Vargas. 

A loucura para não perder a primeira chega a níveis tão elevados que Joãozinho, da Pelada do Clube dos Macacos, adquiriu uma técnica ninja de trocar de roupa dirigindo. Certa vez estava na Lagoa apenas de cueca quando foi parado por um motoqueiro da PM. Desceu o vidro apenas alguns centímetros e passou a habilitação. Desconfiado, o policial o mandou descer. Então, abriu totalmente o vidro e revelou suas condições. 

– Você sempre dirige assim? 

– Vou trocando de roupa para não perder a primeira pelada – confessou, constrangido. 

O PM se apoiou no carro para rir e mostrou-se totalmente solidário. 

– Nossas mulheres nunca nos entenderão! Também faço isso e olha que tirar a farda não é mole. E a bota? Tenho que aproveitar os sinais fechados. Amigo, vai em frente, não quero lhe atrasar. Mas cuidado com os radares! 

E Joãozinho partiu. Mas perdeu preciosos minutos. Na verdade, ganhou. Empresário renomado, achou divertido ele e um PM agirem da mesma forma. Mais cara de pelada, impossível! Pelo rádio, um amigo avisou que a primeira fechara. 

– Parei numa blitz – explicou. 

– PM querendo tomar grana? 

– Não, PM que dirige de cueca como eu. 

O amigo estranhou a resposta, mas preferiu não entrar em detalhes. Sem chances para a primeira, Joãozinho relaxou e foi a 20 quilômetros. A cena era melancólica. Terno amassado no banco do carona, um dos sapatos jogados no painel, vidro aberto, de cueca, meião, cotovelo para fora da janela e peito nu para sentir a brisa da noite. O PM estava certo. As mulheres nunca entenderão tanta poesia.


Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 18 de dezembro de 2010.

QUE BONITO É

texto: Sergio Pugliese | vídeo e edição: Rodrigo Cabral

Imaginem a musiquinha do Canal 100….tan-tan-tan-tan-tan…..que bonito é!!!! Agora imaginem a equipe do Museu da Pelada entoando-a em coro para comemorar seu primeiro aniversário e a oficialização da parceria com o maior acervo cinematográfico do futebol brasileiro, do amigo Alexandre Niemeyer!!!! É pura felicidade!!!

O Cinejornal Canal 100 ficará marcado para sempre na história do futebol e da cidade. Quantos não desmarcaram compromissos e saíram mais cedo do trabalho para assistir, no cinema, os melhores lances da partida do fim de semana? O craque Edu Coimbra, o Eduzinho, resume de forma perfeita!

– Mesmo com o avanço tecnológico, nada vai conseguir resgatar a emoção transmitida pelo Canal 100!

Umas das ideias é realizar eventos e produzir conteúdo. A parceria, aliás, já começou a render frutos, com o convite da Associação de Grandes Cruzeirenses (AGC) para documentarmos, em Minas Gerais, a comemoração dos 50 anos da conquista da Taça Brasil, atual Campeonato Brasileiro, e os 40 anos da Libertadores. O Canal 100 entra com o acervo e o Museu organiza a resenha e grava os depoimentos dos craques.  

Mas estamos só no primeiro minuto de jogo!!!!!

Espero que curtam o vídeo filmado e editado por Rodrigo Cabral.

“É PRA VOCÊ, MEU VELHO”

por Sergio Pugliese


Na estrada para Búzios, a notícia impiedosa, cruel, definitiva…o pai de Marcelo Grisalho morrera. O vazio foi imediato, o peito se esfacelou. Curvou-se na poltrona do ônibus e chorou amparado pelo filho Gabriel. Seu Isaltino estava doente há tempos, mas a família ainda acreditava numa recuperação milagrosa. Vascaíno roxo, prestigiava as peladas do filho e assistiu, no Grajaú Tênis Clube, alguns treinos do talentoso neto. 

– Força, pai! – incentivou o menino.

Na rodoviária, a mulher de Marcelo, os aguardava. Os três se abraçaram longamente e, juntos, voltaram ao Rio para regularizar a documentação e providenciar o enterro. No fim de tudo, Marcelo estava do avesso e resolveu acompanhar Jô até Macaé, onde ela venderia camisas esportivas. Lá tinha parentes e grandes amigos, e seria a chance de relaxar. À noite, saiu para caminhar. Estava mergulhado em lembranças do pai quando foi despertado pelo peladeiro Alex, na beira do campo.

– Marcelão, vai jogar? 

Totalmente desinformado da situação, Alex também enfrentava um problemão: completar a pelada. Marcelo foi pego de surpresa. Olhou para o campo e viu parceiros de muitos anos. Todos estavam próximos quando ele perdeu o emprego, o filho teve problemas na escola e o pai ficou doente. Foi correndo atrás da bola que exorcizou todos esses fantasmas. Os amigos da pelada, sempre eles! Marcelo estava confuso, o olhar ia longe e Marquinhos foi direto ao assunto.

– O que houve? Parece que viu um fantasma!

Marcelo balançou a cabeça como se fosse bobagem.

– Não foi nada. Vou pegar o material.

A mulher Jô, crítica ferrenha da pelada semanal, na verdade tri-semanal, não se surpreendeu com a decisão. Marcelo e Jô perderam a conta das brigas feias por conta da bola. Dessa vez, ela ficou em silêncio enquanto o maridão lentamente calçava a chuteira. Na porta, pela primeira vez o incentivou.

– Boa pelada, amor!

Ele saiu de casa com várias pulgas atrás da orelha. Seria pecado jogar pelada no dia do enterro do pai? Decidiu ir em frente!

Jogou chorando. Correu por todas as partes do campo, gritou com os companheiros, chutou de todas as distâncias, extravazou como pôde e no final ainda marcou um golaço. Comemorou ajoelhado, apontando para o céu.

– É para você, meu velho!

O filho invadiu o campo e os dois choraram abraçados. Só naquele momento os amigos souberam da morte de Seu Isaltino. E como não podia deixar de ser, o incentivaram. Da forma deles.

– Vamos pro jogo! Vamos pro jogo! – gritou Alex.

Marcelo foi, afinal, a pelada não pode parar!