por Sergio Pugliese
Marcelo Grisalho é peladeiro diplomado, cria do Grajaú, e durante três vezes por semana bate sua bolinha para manter mente e corpo saudáveis. Meio campo estiloso, passes precisos e chute certeiro, tem vaga garantida em qualquer time da cidade. Mas há algum tempo sentiu uma fisgada no joelho, precisou operar e sentiu o amargo gosto do estaleiro. Se soldado no quartel quer serviço, maridão em casa não escapa das funções domésticas.
– Amor, depois dá uma descidinha e compra o sal que acabou – pediu Jô, da cozinha.
Marcelo acabara de esticar-se no sofazão e o que menos desejava na vida era comprar sal.
– Mas você não acabou de voltar do mercado?
– Esqueci do sal e dos ovos, e os amigos do Gabriel vêm almoçar aqui. Vai rapidinho, é até bom para exercitar.
Marcelo contou até dez e desceu antes que Jô aumentasse a lista, mas quando estava pagando ela ligou lembrando do sorvete da garotada.
– Taí, agora deixa eu descansar um pouco – disse enquanto se atirava no sofá, com o controle remoto na mão.
– Descansar, engraçado….nesse horário estaria correndo atrás da bola e duvido que estivesse cansado.
A campainha toca.
– Marceloooo, abre porque estou temperando o feijão!!!
Marcelo bufou e levantou-se. Era o filho Marcelo Gabriel, cracaço do sub 15 da Portuguesa.
– Caraca, por que não levou a chave?
– Esqueci. Pai, tem como chegar o seu carro um pouquinho pra frente pro meu amigo estacionar aqui na porta do prédio?
– Mas a rua está cheia de vagas…….
– Marceloooo, deixa de ser reclamão e faz o que o seu filho está pedindo!!! – gritou Jô.
– Devia ter ido assistir a pelada – resmungou ele.
Gabriel riu. Conhecia bem a fomeagem do pai. Missão cumprida, Marcelão voltou e novamente esticou-se no sofá, mas antes avisou:
– Jô, faz de conta que estou na pelada e me esquece!!!!!
Jô riu sozinha na cozinha. Ficou até sem jeito de avisar que a torneira não estava fechando direito. Mas com a escassez de água, não teve jeito, precisou pedir ajuda ao amado.
– Marceloooo, a torneira deu ruim e não fecha de jeito nenhum!!!!
Marcelo aumentou o som da tevê e começou a massagear o joelho, mesmo sem nenhuma dor, só para impressionar, comover. Mas Jô chegou na sala batendo palmas mostrando que não estava para brincadeira.
– Vamos, a água da casa vai acabar! Deve ser a carrapeta.
– Se já sabe o que é, melhor você mesma consertar – respondeu, irritado.
Mas ele foi. Caixa de ferramentas na mão, mostrou a mesma habilidade dos campos e resolveu o problema com maestria. Um pouco molhado, voltou para o sofá, ajeitou-se entre as almofadas e arrepiou-se ao ouvir novamente “Marceloooo!!!”. Imaginou lâmpada queimada, geladeira descongelando, forno pifado, barata na área, mais uma das infinitas funções que Jô lista quando ele está contundido em casa. Mas era apenas farra dela e do filho Gabriel com o fominha que sofre de abstinência longe da bola. Sorrisão no rosto, Marcelo rendeu-se ao carinho da família, abriu os braços e os três embolaram-se no sofá.