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Sergio Pugliese

Original e Obrahma

Original e obrahma

texto: Sergio Pugliese | vídeos: Guillermo Planel | fotos: Marcelo Tabach

 

Os dois Obamas nasceram no dia 4, o original em agosto e o genérico em junho, “um mês antes da Independência dos Estados Unidos”, como gosta de frisar o sósia Rinaldo Gaudêncio Américo (quase América!!!). Os dois Obamas tiveram pais negros e mães brancas. Os dois Obamas não são muito íntimos de uma bola de futebol, o original prefere basquete e o genérico, atletismo. Mas no Museu não existe concorrência e tudo acaba em cerveja. Se um é Original o outro é Obrahma e fica tudo em casa!!!

– Esse é último ano “nosso” no poder, mas ainda temos um futuro brilhante pela frente – afirmou Rinaldo, motorista da Rádio Globo.

Cria de Campo Grande, Rinaldo Barack, como assina no perfil do Facebook, é constantemente chamado para eventos e até desfilou de sunga na Parada Gay. É ultra profissional e acompanha a mudança de guarda-roupa do presidente. Sabe quando mudou a gravata, os cortes de terno e cabelo. Quando sua participação é mais profissional chega a pintar o cabelo de grisalho. Virou folclore na Geral do Maracanã quando ia aos jogos de seu Mengão, de terno e com dois guarda-costas, de óculos escuros e elegantemente vestidos.

– Se tivesse o poder de um presidente ordenava que trouxessem a Geral de volta. Não custava nada criarem um espaço para esses personagens que davam vida ao Maracanã.     

 

QUEM SEGURA BETINHO?

por Sergio Pugliese


BRASÍLIA, da esquerda para a direita, em pé: Vanderlei (torcedor), Odamyl, Deda, Paraíba, Tarcis, Abílio, Alemão, Moeda, Lair (massagista) e Gama (presidente). Agachados: Alfredinho, Cascão, Bafora, Deca, Betinho Carqueija, Sergio e Pedrinho.Brasíli…

BRASÍLIA, da esquerda para a direita, em pé: Vanderlei (torcedor), Odamyl, Deda, Paraíba, Tarcis, Abílio, Alemão, Moeda, Lair (massagista) e Gama (presidente). Agachados: Alfredinho, Cascão, Bafora, Deca, Betinho Carqueija, Sergio e Pedrinho.

Brasília 4 x 0 Matias Barbosa (Juiz de Fora)

Com a elegância de sempre Betinho Carqueja, zagueiro ao estilo Mauro Galvão, se antecipou ao centroavante e saiu jogando de cabeça erguida. Nesse momento, a pelada foi interrompida por um baixinho gorducho, que invadiu o campo. Betinho custou a acreditar mas o homem em questão era seu médico particular tentando salvar sua vida. Não há dúvida, Betinho é um paciente-bomba! Carrega no peito três pontes de safena e há alguns anos enfrentou uma delicada cirurgia para desentupir uma artéria, que o deixou 12 dias internado. Betinho é assim, vive driblando o cruel momento de pendurar as chuteiras. 

– Betinho, você está brincando com a verdade – gritou o doutor. 

– Acordei bem disposto e achei que dava – desdenhou. 


Betinho Carqueija, Tião Búfalo, o saudoso Zeca Diabo, Evaristo de Macedo e Marinho Picorelli (Foto: Guilherme Careca)

Betinho Carqueija, Tião Búfalo, o saudoso Zeca Diabo, Evaristo de Macedo e Marinho Picorelli (Foto: Guilherme Careca)

Os amigos pressionaram pelo reinicio do jogo. Sabiam que Betinho era tinhoso e não seria dobrado facilmente. Mas dessa vez ele cedeu e assistiu o resto da partida na beira do campo, emburrado como poucas vezes se viu. Betinho conhece seu corpo e seus limites como ninguém. Seu currículo médico se compara a um catálogo telefônico, mas ele continua amando a bola mesmo ela já tendo lhe causado alguns prejuízos. Com 13 anos, jogava bola debaixo de um temporal quando um galho caiu e rachou sua cabeça. Ao todo foram três cabeças quebradas. Dias depois, ainda enfaixado, pulou o muro do vizinho para pegar sua bola e foi atacado por um vira-latas. Doze pontos. Estiramentos, distensões e torções, não contabiliza. Mas dentro de campo já quebrou uma perna, um braço, o dedo mindinho, o nariz e a clavícula. Os dedões do pé não conhecem unha há tempos e tem astigmatismo por conta de uma bolada. Fora isso, sua respiração é falha, é diabético, tem hepatite crônica e a labirintite lhe faz perder o equilíbrio nos jogos. Ah, ainda teve duas pneumonias fortes. 

Mas quem segura Betinho? Setenta quilos, 74 anos e um amor pela bola indomável! 

– Ele quer morrer em campo. Deixa! – resume o filho Marcelo, zagueiro de responsa, que segue o caminho do pai, não pelo futebol, dez degraus abaixo, mas pelos problemas médicos: sofre com uma artrose no quadril e uma fratura de tornozelo. A neta Marcela, de 17 anos, não perde um jogo e a mulher Edite desistiu de dar conselhos até por já ter sentido na pele o poder da concorrência com a bola. Há alguns anos, no momento em que ela operava hérnia de disco, Betinho Carqueja corria atrás dos atacantes no campo do Curupaiti, um de seus palcos preferidos. 


PALMEIRAS, da esquerda para a direita, em pé: Jorge (torcedor), Roberto, Betinho Carqueija, Jorginho, Delmo, Maurílio (Atlético MG), Jorge Luiz, Joaquim (presidente) e Nilo (técnico).Agachados: Dequinha (ex-Desportiva ES), Joel e Paulinho (tricampeõ…

PALMEIRAS, da esquerda para a direita, em pé: Jorge (torcedor), Roberto, Betinho Carqueija, Jorginho, Delmo, Maurílio (Atlético MG), Jorge Luiz, Joaquim (presidente) e Nilo (técnico).

Agachados: Dequinha (ex-Desportiva ES), Joel e Paulinho (tricampeões pelo Flamengo 53/54/55 e 58), Paulinho (Fluminense) e Mauro.

Palmeiras 7 x 1 Frigorífico (Campo do Confiança), 1965.

– Para ele, a bola está em primeiro lugar. Em segundo e terceiro também – reconhece, resignada. 

A fragilidade de Betinho é superada por sua teimosia. 

– É isso que me deixa vivo – resume. 

A pelada realmente exerce uma força maior sobre ele. Quando a bola começa a rolar suas articulações ganham vida própria, é como se bebesse da fonte da juventude, voltasse a ser criança. Na verdade, quando menino Betinho repetia as mesmas artes de agora. Não tinha sarampo, catapora ou coqueluche que o prendessem em casa. A bola guardada debaixo da cama era sua grande companheira e fugia com ele para onde fosse. Mesmo debilitado, ele marcava presença e voltava mais bem disposto para casa. 

– Não morri por causa disso. A pelada me faz sentir vivo! Me deixem correr!!!! 

Ninguém segura Betinho!


PALMEIRAS, da esquerda para a direita, em pé: Chocolate II, Otaziano (Bangu), Delmo, Joelson, Roberto, Jorginho e Dadinho (mascote).Agachados: Fernando, Chocolate I, Joel (tricampeão pelo Flamengo 53/54/55 e 58), Betinho Carqueija e Mauro.Palmeiras …

PALMEIRAS, da esquerda para a direita, em pé: Chocolate II, Otaziano (Bangu), Delmo, Joelson, Roberto, Jorginho e Dadinho (mascote).

Agachados: Fernando, Chocolate I, Joel (tricampeão pelo Flamengo 53/54/55 e 58), Betinho Carqueija e Mauro.

Palmeiras 1 x 0 Industrial (Paracambi)

DEFENSORES DA COLINA DO ALTO DA VISTA ALEGRE: O VELHO JOGADOR

por Mauricio Marzano

O texto “Adeus às Armas”, publicado na coluna “A Pelada como ela é” em março de 2012 no O Globo, em que Chiquinho do Galo Branco era personagem de destaque, ganha agora uma sequência emocionada. Maurício Marzano nos informou sobre o falecimento de seu tio em 12/6/15 e enviou esse texto em sua homenagem.

Era meu tio. O mais novo entre oito irmãos e o único que ainda vivia. Já passara dos oitenta e as vicissitudes da idade já lhe pesavam sobre o corpo e a saúde, mas não sobre a mente, sempre lúcida e dotada de uma inteligência afiada e um senso crítico incomum.

Mal havia iniciado o ano de 1928 e as comadres já diziam para a minha avó que o bebê nasceria lá pelo final do mês de fevereiro. Talvez não esperasse o Carnaval, diziam umas. Talvez nascesse na Quaresma, replicavam outras. Se fosse homem, dizia ela, seria Francisco igual ao pai. Melhor, Francisco José idêntico ao pai. Este desejo de ter um filho chamado Francisco vinha desde sempre. Por uma circunstância ou outra, não conseguia realizar aquela vontade. Ou porque um filho nasceu no dia de um santo importante. Ou porque um fato maior a obrigou a escolher outro nome.  E os filhos mais velhos vieram a se chamar Benedito, Cosme, Sebastião e Antônio. E nenhum era Francisco. Como Francisco de Assis, o santo, ou como Francisco José, o pai, conhecido nas redondezas como o Chico do Jota de Itaverava.

Carnaval passou, chegou a Quaresma e, exatamente na primeira quarta-feira depois das Cinzas, Francisco José veio ao mundo enquanto a folhinha de Mariana dependurada na parede da Casa Grande do Prado em Lafaiete, ou melhor, Queluz de Minas indicava o dia 29 de fevereiro. O inusitado da data causou uma mal explicada angústia em Chico do Jota, mas minha avó, mulher de uma fé inquebrantável em Deus, via aquela coincidência como um bom augúrio, um sinal da Divina Providência sobre o menino Chiquinho, como veio a ser conhecido para se diferenciar do outro Francisco, o pai Chico do Jota .

A angústia de Chico do Jota provou ter fundamento. Meu avô era um homem de ação e acreditava na força e no valor do trabalho. Ele via o trabalho com o fervor de um calvinista, se calvinistas houvesse no interior das Minas Gerais. E os frutos do seu trabalho já apareciam e lhe mostravam um rumo seguro e promissor para o futuro. Mas a fatalidade o atingiu antes dos quarenta anos, interrompendo sua luta e seus sonhos. Uma reles infecção, um tempo sem antibióticos e uma medicina empírica com médicos semi-curandeiros se juntaram e conspiraram para tirar-lhe a vida em poucos dias. Mal seu corpo baixou à terra, minha avó compreendeu que era dela a missão de criar os oito filhos, o maior com treze anos e o menor com dois meses, e que só contaria com o seu trabalho e esforço próprio para esta tarefa quase inimaginável. Não que não houvesse recebido apoio dos familiares, todos lá do distante distrito de Itaverava, todos homens do campo, acostumados à dura faina de cuidar do gado e da terra para produzir o pão nosso de cada dia. Mas a ideia de todos eles era levar os meninos para as fazendas para se instruírem na lida bruta de tratar a terra. Minha avó, com a firmeza bíblica da mulher forte, recusou: “Eu não quero que meus filhos vivam para candiar boi dos outros”. E minha avó, viúva de um empresário bem sucedido, viu-se, da noite para o dia, transformada em costureira, profissão que abraçou com o mesmo fervor, crendo firmemente na força e no valor do trabalho.

Os próximos dez anos seriam de luta incansável. As meninas ajudavam nos afazeres domésticos e os meninos, à medida que cresciam, começavam a trabalhar. Um foi ser caixeiro num armazém. Outro foi ser chauffeur. Um terceiro fez concurso para a Central do Brasil. Chiquinho só viria a compreender as dificuldades daqueles anos já na idade da razão, quando o esforço conjunto já começava a atingir os resultados esperados. Mas carregou por toda a vida a sina e a tristeza de não ter conhecido, de fato, o outro Francisco, o Chico do Jota, seu pai.


Festa de aniversário do Guarany

Festa de aniversário do Guarany

Queluz na época era uma típica cidade mineira que orbitava entre algumas instituições. A principal era a Igreja de São Sebastião. Não falei Igreja Católica, prestem atenção, falei Igreja de São Sebastião. Isto porque não havia lá maior autoridade eclesiástica e nem mais devoto seguidor dos ensinamentos de Jesus Cristo do que o Padre Antônio, o seu pároco. Nem Suas Santidades, Pio IX e depois Pio XII, em suas cátedras na distante Roma, foram mais respeitados, amados ou, eventualmente, temidos do que o querido cura.  Outra instituição era a Estrada de Ferro Central do Brasil, inaugurada no Século XIX, por ninguém menos que Sua Majestade Imperial D. Pedro II. Todos queriam ser ferroviários e todos lutavam por um lugar ao sol, ou melhor, um lugar ao lado dos trilhos. A terceira instituição, talvez, exagerando um pouco, em igualdade com as outras duas, era o Guarany Sport Club. Isto mesmo, um time de futebol, aquele estranhíssimo esporte trazido pelos igualmente estranhos ingleses da ferrovia no princípio do Século XX e que, por um destes mistérios imponderáveis e insondáveis da natureza, foi aceito pela comunidade local com direito a todos aqueles nomes exóticos: back, half, foul, corner, penalty, referee…

E o Guarany, time dos ferroviários da Central do Brasil, era o time de toda a família. Dos irmãos, é claro. Mas também das irmãs e da mãe, como fora o time de um de seus fundadores no distante 7 de setembro de 1910, o pai Chico do Jota. E eram todos torcedores, jogadores, dirigentes do time do coração. Criança ainda, Chiquinho se candidatou a uma vaga no infantil. Era fácil conseguir a vaga. Os irmãos mandavam no clube. Um era secretário, outro era jogador, outro era isto, outro era aquilo. Embora haja desmentidos inflamados dos primos, os outros quatro irmãos mais velhos eram ruins de bola. Se não chegavam a ser pernas-de-pau, estavam bem perto. O dirigente de plantão, quando via um dos irmãos furando uma bola ou deixando passar um atacante adversário, ia com muito tato e convidava o perna-de-pau a virar cartola. Começava dando-lhe uma representação qualquer. Podia ser uma cerimônia na prefeitura, podia ser um casamento, um enterro, qualquer coisa. Depois era eleito segundo secretário ou segundo tesoureiro e, para alívio de todos torcedores, este irmão deixava o gramado, pendurava as chuteiras e passava a usar uma reluzente cartola. Quando deixaram Chiquinho entrar no infantil, pensava-se que ele seguiria o caminho dos irmãos, todos grandalhões fortes e meio – ou muito – grossos. Mas Chiquinho tinha um amor pela bola e sabia tratá-la bem. Estava muito distante dos irmãos. Era um craque. Alçou-se às divisões superiores e chegou à equipe principal ainda quase adolescente.

É importante ressaltar que estas atividades esportivas eram todas amadorísticas e que isto tudo era feito mantendo-se o trabalho regular para o sustento do dia-a-dia. Chiquinho não podia ser jogador de futebol em tempo integral. Tinha que ganhar o pão de cada dia, como na sentença bíblica, com o suor do rosto. Ganho o pão, o suor remanescente molharia com um esforço adicional a camisa tricolor do Guarany no Alto da Vista Alegre, poético nome do campo e, depois, do estádio do nosso time amado por todos. Entre uma partida e outra, um campeonato e outro, uma grande vitória e uma triste derrota, Chiquinho trabalhou na mineração de ferro da Siderúrgica Nacional quando de sua implantação na Segunda Guerra, foi motorista da mineração de manganês da subsidiária local da US Steel – que, por uma destas ironias da vida, dava o nome e patrocinava o Meridional,  o grande, o maior adversário do Guarany –   e foi comerciante, sendo proprietário e gerente do famoso e inolvidável Bar Galo Branco que, ao longo dos anos, dia após dia, era o foro especializado, era a arena, e algumas vezes até o ringue,  para as mais acaloradas discussões sobre futebol, entre churrasquinhos no espeto, sanduíches de “bauru” e cervejas, muitas cervejas,  entrecortadas sempre por algumas – ou muitas – palavras de calão, naturalmente impublicáveis.  O trânsito não era intenso naqueles anos, mas a multidão que lá comparecia ao anoitecer ocupava grande parte da Rua Marechal Floriano quase fechando a travessia da Central do Brasil, obrigando um outro carro desavisado a abrir caminho cuidadosamente entre os grupos em discussão.

A carreira de Chiquinho no Guarany foi brilhante. Infantil, juvenil, equipe principal, equipe de veteranos.  Já veterano, com a calvície acentuada, herança direta dos Costa Carvalho, família de Vó Miquita, e marca indelével dos tios e primos, jogava ao lado de sobrinhos. Mesmo assim, nunca aceitou a cartola, por mais honorífica que fosse. No dia em que alguém lhe pediu para representar o Guarany em uma solenidade, ele, irônico, respondeu: “Represento sempre o Guarany. Mas só dentro das quatrolinhas.”

Finalmente, chegou a hora de pendurar as chuteiras. Já era um senhor maduro e sabia que a hora de sair tinha chegado. Mas não abandonou o esporte. Jogava suas peladas em timinhos amadores. Iniciou-se no vôlei, futsal, basquete, etc. Era o técnico que parecia entender tudo de futebol. Era o comentarista com opiniões duras e firmes. Uma vez, num time de sobrinhos, ele decidiu entrar. Foi uma decisão unilateral.  Comunicou à irmã, mãe dos líderes do time, que queria ser parte da equipe e pronto. O sobrinho técnico anuiu – como contrariar a mãe e magoar o tio bom de bola? –  mudou seus esquemas estratégicos e sugeriu, cuidadosamente, que o Tio Chiquinho ficasse no banco para ser substituído segundo planos táticos deste primo-professor. Ele na mosca: “Não fico no banco. Começo jogando. Se cansar vou embora.” E citando Nelson Rodrigues finalizou: “Craque e mulher bonita não tem idade. Júlio César nunca quis saber a idade de Cleópatra e nem Salomão a idade da Rainha de Sabá”.  Em outra ocasião, o técnico era ele e barrou dois sobrinhos ruinzinhos de bola, com a desculpa que eram muito jovens. Os meninos reclamaram: “Mas, tio, o Feola convocou o Pelé com 17 anos”. Resposta fulminante: “Eu não sou o Feola. E vocês não são o Pelé”. Não preciso dizer que os dois primos ruins de bola não abandonaram o futebol, é claro, mas aceitaram de bom grado a cartola honorária e acabaram ambos assentando-se na diretoria do Guarany, tendo ambos, posteriormente, presidido em grandes momentos o clube do coração da família..


Chiquinho e o goleiro Véio Sarará

Chiquinho e o goleiro Véio Sarará

Chiquinho, com seu amor ao esporte, adquiriu um notável conhecimento de futebol. Sabia tudo e tinha uma opinião forte sobre tudo, muitas vezes, ou na maioria das vezes, uma opinião heterodoxa: “Em 50, o Campeão do Mundo tinha nome, sobrenome e endereço conhecido, Obdúlio Varela. Os outros dez foram meros coadjuvantes para tirar a foto da vitória”, ou então, “Pelé é bom, mas em certos jogos ele se parece mais com o Pão Velho, jogador lá de Gagé”, e sobre um goleiro que ele admirava pouco, “Se tivessem levado um goleiro, um goleiro qualquer, por exemplo, o Véio Sarará da Cachoeira, o Brasil teria sido campeão.”

Para ser justo com Chiquinho, estas opiniões heterodoxas não eram exclusividade dele. Meu pai, Zé Cosme, irmão dele, levou um sobrinho, o Tonho da Lica, para treinar no Cruzeiro de BH. Voltou decepcionado: “Tonho jogou muito mal. Parecia o Gerson no meio do campo”. Um primo não entendeu: “Que Gerson, padrinho?”. A resposta: “o Gerson da seleção.” Meu pai comparava o sobrinho que tinha jogado “mal” ao tricampeão Gerson, o canhotinha de ouro. Vá lá entender estes Nascimentos…

O tempo passou. O Brasil deixou de ser o país do futebol. Não havia mais Gersons e nem Pelés, por pior que pudesse ser o conceito que faziam deles os irmãos de opiniões heterodoxas e axiomáticas. O Guarany, pouco a pouco, foi sendo abandonado. Os dois sobrinhos, aqueles mesmos meninos que tinham sido barrados pelo técnico Chiquinho e que tinham presidido o time até pouco tempo antes, ambos médicos conceituados em Lafaiete, partiram precocemente para a eternidade, deixando órfãos, além de seus filhos, parentes, amigos e pacientes,  o Guarany Sport Club, clube que julgavam, erroneamente, imortal…

No centenário do clube, em 2010, Chiquinho, convidado de honra, chegou a ir ao Alto da Vista Alegre. Por fora dava para ver que o tempo corroía as estruturas do estádio que, de relance, parecia uma ruína de tempos pretéritos. Recusou-se, definitivamente, a entrar. Não disse, mas nós subtendemos que ele não queria ver o Guarany agonizando. Não queria ver o Guarany morrer aos poucos de inanição.

Veio o golpe final para Chiquinho. Um grupo de financistas, negocistas, arrivistas, oportunistas e outros istas conseguiu tomar de assalto a direção do clube, àquela altura a deriva, e, com isto, controlar seu patrimônio para poder demolir, antes do Natal de 2013, o estádio do time fundado pelo pai Chico do Jota, presidido pelo irmão Zé Cosme e pelos sobrinhos Altair e Dimas e em cujo gramado brilhou a sua estrela de craque, a estrela de Chiquinho do Nascimento. Por que isto? Perguntavam todos. Ora, porque é hoje uma área nobre. Pode ser um supermercado, pode ser um shopping, pode ser isto, pode ser aquilo, pode ser aquilo outro. Pode ser o que for, mas jamais será de novo o campo do Guarany Sport Club. Jamais voltarão a se ouvir os aplausos e vaias imortais. Jamais voltará a se ouvir a torcida em coro aos gritos contra o juiz, os bandeirinhas e os atacantes adversários. Um silêncio sepulcral se abateu para sempre no Alto da Vista Alegre, que visivelmente perdera a alegria de sua vista.

Chiquinho sabia que a história do futebol brasileiro tinha começado com milhares de Guaranys espalhados, como se dizia antigamente, do Oiapoque ao Chuí. De suas várzeas e campos de terra, nasciam os craques. Chiquinho intuiu também que a destruição do Guarany de Lafaiete e de milhares de outros Guaranys espalhados por aí era também a destruição do futebol brasileiro. Por isto ficou silente. Silente e triste. “Brasil, dizia ele, não será campeão. Quem ganha jogo é amador. Profissional ganha dinheiro”. Frase de efeito? Talvez. Ou quem sabe um pressentimento? Nunca saberemos.

Copa do Mundo de 2014. A saúde fortemente abalada, mas a lucidez ainda presente. Um neto aproxima-se de seu leito. “Vô, a Copa começa o mês que vem. No Brasil!” O velho jogador esboça um sorriso, faltam-lhe forças. “Vô, quem vai ser o Campeão do Mundo?”. Faz um esforço e diz com voz baixa mas audível:“Alemanha”.

No dia 11 de junho, Chiquinho despede-se de uma longa e fecunda existência, fecha os olhos e muda-se para as etéreas plagas onde, segundo Castro Alves, vivem os heróis do Novo Mundo. Não esperou a abertura da Copa no dia seguinte, quando o Brasil, contrariando talvez seus prognósticos, derrotou a Croácia por 3 x 1. Escutei o jogo no rádio do carro, voltando de seu sepultamento em Lafaiete e pensando em suas expectativas: Alemanha, campeã do mundo.

Hoje ao rememorar aqueles fatos, acho que Deus foi generoso com Tio Chiquinho, poupando-lhe o dia 8 de julho de 2014 e os 7 x 1 no Mineirão, estádio tantas vezes frequentado por ele. A sua profecia, infelizmente, se cumpria. E de forma dramática. Mas ele não estava mais aqui para presenciá-la. E, neste dia, o silêncio sepulcral reinante no Alto da Vista Alegre parecia mais intenso do que nunca… Não era só o Guarany que morria, era o futebol brasileiro.

O HONESTO


por Sergio Pugliese

Ninguém cogitava a hipótese de perder aquela partida, no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em Laranjeiras. As provocações minutos antes de os times entrarem em campo elevaram ainda mais a temperatura.

– Se perder para vocês mudo meu nome para Setúbal – provocou Itiro, o lateral japonês.

– Itiro, Setúbal, tudo a mesma m….. – rebateu o zagueiro Sérgio Maluco.

De um lado, Kayron, Camilo, Moto Serra, Itiro, Bacana, Luiz Paulo, Tico e Hugo. Do outro, Anderson, Mirandinha, Limão, Sérgio Maluco, Rodrigo Kayron, Xanduca e os gêmeos Ricardo e Rodrigo. No apito, Franz, goleiro afastado dos campos por ter dado azar em 100% dos golpes de vista em que arriscou. Logo no início da pelada, Bacana acertou um tirambaço no ângulo, mas o veterano Xanduca empatou e virou. Saía faísca! Carrinhos, cartões amarelos, discussões!

– Chupa, Tico!!!! – atiçou Limão, ao final do primeiro tempo.

No retorno, Tico empatou e partiu para cima de Limão. Após alguns minutos de “deixa disso”, Franz, trêmulo, reiniciou o racha. Mirandinha fez 3 x 2 e sambou, mas faltando cinco minutos Bacana novamente acertou um pombo sem asas. Anderson voou, não alcançou a redonda e ainda bateu com a testa na trave. Empate. Melhor assim, pensou Franz. E dá-lhe vista grossa. “Segue o jogo!” ordenou após uma rasteira de Moto Serra _ por isso, o apelido _ no ensaboado Rodrigo Kayron, na entrada da área. Depois da trombada a bola sobrara para Tico, ele e o goleiro, mas Moto Serra já havia erguido os braços assumindo a falta. Constrangido, Franz voltou atrás e apitou freando o ataque.

– Tá maluco, Moto Serra??? – berrou Tico, enfurecido.

– Ia ser o gol da vitória, não pode ser honesto numa hora dessas!!!! – completou Camilo.

– Tem que entrar para quebrar mesmo – exagerou Bacana.

Faixa verde em judô, laranja em Krav Magá e fera em boxe tailandês, o motorista Jorge Luís André, de 49 anos, o Moto Serra, respirou fundo para não revidar as peitadas do gigante Tico e do samurai Itiro. Preferiu concentrar-se como nos tempos de laboratório na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), onde formou-se em ator. Após muito bate-boca e debates sobre ética no futebol _ chegaram a lembrar o gol de mão do Maradona _ a barreira foi armada. Franz nunca rezou tanto para uma bola não entrar. Moto Serra ajudou o atacante adversário a levantar-se. Mancando, Rodrigo Kayron assumiu a responsabilidade e posicionou a bola. No gol, Kayron, o irmão mais velho. Na barreira, como pressentisse o pior, Tico fuzilou o sereno Moto Serra com o olhar. Goooooooollllllllllllll!!!!!!!!!!! Fim de jogo! Os vitoriosos não pouparam nem o justo Moto Serra das encarnações.

– Aguenta agora, bom homem…. – ironizou Tico.

– Acha que algum deles faria o que fez, Moto? – questionou Itiro.

– Moto, aprende, na pelada não tem disso!!! – aconselhou Camilo.

Desde os nove anos, Moto Serra é figurinha carimbada na Igreja Presbiteriana do Grajaú, onde hoje é diácono. Aprendeu a respeitar o próximo com os pastores Alex Barbosa e Thiago Rocha, e aposta em gestos assim para mudar a mentalidade do país e dar fim a tanto roubo e corrupção. A mulher, Dona Teresinha, o filho Pedro Henrique e o enteado Wellisson assinam embaixo. Mas Tico, Camilo e Itiro continuavam soltando cobras e lagartos. Na tentativa de atrair as ovelhas desgarradas para o rebanho, Moto Serra abriu a mochila, consultou seu manual, a Bíblia, onde a regra é clara, e leu o provérbio 12:22: “O Senhor odeia os lábios mentirosos, mas se deleita com os que falam a verdade”. E partiu, na paz de Deus.

Meninos do Rio

:::: PÉ NA AREIA, por Sergio Pugliese

Se algum pesquisador recorrer ao Google para conhecer a Ipanema dos anos dourados encontrará referências a Tom Jobim, Vinicius de Mores, Helô Pinheiro, Bar Veloso, Píer e Nascimento Silva. Também descobrirá que o bairro, conhecido mundialmente por ditar as tendências da cidade, lançou o Cinema Novo, a Bossa Nova e o fio-dental. Tudo muito bem, tudo muito bom, mas cadê Gugu, Paulinho, Jonas, Dadica, Marcelo e Fernando citados entre os maiores garotos-propaganda de Ipanema, de todos os tempos? Os seis irmãos boleiros, campeões de futebol de praia, em 1964, pelo Lagoa, e em 1975, pelo Montenegro, continuam na ativa, agora no futevôlei, e ainda atraem olhares admirados dos fãs e provocam aglomerações para vê-los em ação. 

– Essa família é a história do futebol de praia da cidade – atestou Nielsen, ex-goleiro do Fluminense e da seleção brasileira olímpica, que acompanhava os amigos, na rede do Tio Marcelo, no Posto 9, quando nossa equipe chegou.


Os seis irmãos boleiros, campeões de futebol de praia, em 1964, pelo Lagoa, e em 1975, pelo Montenegro, continuam na ativa, agora no futevôlei, e ainda atraem olhares dos fãs e provocam aglomerações para vê-los em ação. Foto: Guillermo Planel

Os seis irmãos boleiros, campeões de futebol de praia, em 1964, pelo Lagoa, e em 1975, pelo Montenegro, continuam na ativa, agora no futevôlei, e ainda atraem olhares dos fãs e provocam aglomerações para vê-los em ação. Foto: Guillermo Planel

Gugu, de 72 anos, o irmão mais velho, nos recebeu no calçadão. Sol de quarenta graus!!! Guillermo Planel, nosso fotógrafo, tostava, pedia cerveja e logo abrigou-se na barraca, onde a família Carvalho nos aguardava. Estavam lá, além dos seis peladeiros, as irmãs Tereza Cristina e Margarida “Caipivodka” Maria, e Ângela e Cristina, esposas de Paulinho e Marcelo, e torcedoras fanáticas. Faltaram os irmãos Rogério, que, jovem, optou pela carreira de seminarista, e Ana Josefina.

– Já fiquei muito rouca gritando por esses irmãos – garantiu Cristina.

 Muita gente ficou! Os irmãos arrastavam multidões e transformaram o Lagoa, fundado por Théo Sodré, em atração turística. Na época, década de 60 e 70, os campeonatos lotavam as praias, reuniam cerca de 20 timaços, como Copaleme, Maravilha, do Armando Monteiro, Juventus e Guaíra, e durava um ano. Em 64, o Lagoa papou o título: 1 x 0 sobre o Lá Vai Bola, do goleiro Renato, gol de Gugu. O técnico era Armando Marques, que consagrou-se como árbitro profissional.

– Era um timaço! Tinha Capelli, Paulo Cesar, Kolynos, Tatinha, Zé Luiz, Canário, Sérgio Corrente, Lula e Ronaldo – escalou Gugu, considerado um dos melhores jogadores de praia e futevôlei de todos os tempos, com Dadica, Marcelo e Jonas.

 Fernando pediu licença e fez questão de escalar o time do Montenegro, campeão de 75.

– Celso, Boreu, Jorge Barros, Marcelo Dentista, Anchieta, Marcelo, Dadica, eu, Niemeyer e Betinho. Imbatível!!!

E Paulinho? Hoje com 71 anos, o cracaço começou a trabalhar cedo e as viagens o impediam de jogar tanto. Fernando, o poeta da família, conseguiu dividir o prazer da bola com a música e ajudou a criar a lendária banda Terra Molhada. Música, sol e futebol!!!

– Sempre fui o mais talentoso, alto, novo e bonito! – gabou-se, no alto de seus 1,70m e 62 anos.


Foto: Guillermo Planel

Foto: Guillermo Planel

Os irmãos, um centímetro a menos, riram acostumados com a irreverência do consagrado violonista e emendaram em saborosas lembranças, como o golaço de Dadica após tabela de cabeça com Marcelo, o petardo no ângulo de Fernando, que lhe rendeu o apelido de Búfalo Gil, o gol de Niemeyer no segundo título, contra o Juventus, os duelos entre Dadica e Pinduca, e o lençol cinematográfico de Jonas no zagueiro brucutu que aplicou-lhe uma gravata. 

– O futebol ficou violento e partimos para o futevôlei – explicou Jonas, de 67 anos.

E com o parceiro Crioulo foram os pioneiros do esporte e transformaram-se nos melhores do mundo na modalidade. Em duas finais, Gugu, Marcelo, Jonas e Dadica chegaram a se enfrentar. Titãs!!!! Margarida pediu uma vodka e Marcelo abraçou uma bola. Mais uma resenha, um sábado ensolarado! Os paizões Jonas e Maria Cristina, lá do alto, orgulhosos, caprichavam no sol e no céu azul para manter as crias bronzeadas, unidas e felizes. 

(publicada em janeiro de 2015, na coluna A Pelada Como Ela É)



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Sergio Pugliese tem mestrado em chutes de trivela, doutorado em resenhas e é pós-graduado em gols no ângulo. Por quatro anos e meio assinou a coluna A Pelada Como Ela É nas páginas de O Globo, mas, agora, é o ponta arisco do Museu da Pelada.



Guillermo Planel é documentarista com pós graduação-etílica em cerveja guerrilheira, mestrado em domesticar formigas andinas no deserto do Atacama e tem doutorado em contar com quantos grãos de areia se enche uma ampulheta boliviana.