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Seleção Brasileira

SERGINHO CHULAPA

por Paulo R. Carvalho


Com toda essa onda de reprises de jogos históricos por conta do confinamento que estamos passando, voltou à tona um tema que de tempos em tempos sempre retorna ao radar: a campanha da seleção brasileira na Copa de 1982 e, sobretudo, a escalação do Serginho na equipe titular.

Deixem-me voltar um pouco no tempo para poder apresentar quem realmente foi Serginho para aqueles que só viram as reprises desses cinco jogos da Copa e formaram um julgamento influenciados pela desclassificação do Brasil.

Serginho foi um centroavante espetacular. Em meados da década de 70 já esbanjava vigor físico, velocidade, técnica (SIM) e faro de gol. Por conta disso é até hoje o maior artilheiro da história do São Paulo Futebol Clube com 242 gols em 399 partidas disputadas, uma excelente média de 0,61 gol por jogo.

Em 1977, ano em que o SPFC foi campeão brasileiro, Serginho disputava gol a gol com Reinaldo do Atlético-MG o papel de artilheiro e protagonista do campeonato. Dava gosto de vê-lo jogar, fazia toda a diferença em uma equipe apenas mediana, mas que se superou e chegou ao seu primeiro título nacional. 

Como o mundo não é perfeito, o que tinha de genial, Serginho também tinha de intempestivo. Uma agressão chutando um bandeirinha que anulou equivocadamente um gol legal do artilheiro resultou em uma suspensão por 14 meses, posteriormente abreviada para 11, mas que lhe tirou da lista dos convocados para a Copa de 1978 na Argentina.


Ah….se arrependimento matasse!!! Essa Copa de 1978 tinha “a cara do Serginho”. Disputada em campos pesados, esburacados e com muitas disputas físicas, tudo o que nossa seleção precisava era de um camisa 9 com as características do Serginho. Como não foi possível convocá-lo, Cláudio Coutinho optou por Reinaldo (escolha óbvia) e Nunes, artilheiro que vinha com bastante destaque atuando pelo Santa Cruz, de Recife. Com o grupo de 22 jogadores já definido, uma contusão em um treino forçou o corte de Nunes e a convocação do Roberto Dinamite às vésperas da estreia do Brasil na Copa. Curioso, né? Roberto, atacante do Vasco da Gama, foi a 4ª opção do “carioca” Cláudio Coutinho para o ataque.

Passada a Copa do Mundo e já de volta aos gramados, Serginho fez parte de uma das maiores equipes do SPFC da história, tendo sido bicampeão paulista em 80/81 e vice brasileiro no mesmo ano de 81. Nessa época, Telê Santana já estava à frente da seleção brasileira e buscava formar a equipe que mais tarde encantaria o planeta na Espanha.

No período que compreendeu Mundialito no Uruguai, eliminatórias sul-americanas e diversos amistosos pelo Brasil e Europa, todos os grandes centroavantes brasileiros tiveram oportunidades. Foram testados na posição Reinaldo, Serginho, Nunes, Roberto, Careca, Baltazar, César e até o Dr. Sócrates improvisado. Todos eles jogaram e puderam ser avaliados pelo saudoso Telê.

Entre jogos iniciados como titular e entradas no decorrer das partidas até o início da participação do Brasil na Copa de 1982, os que mais jogaram na posição de centroavante foram:

1. Serginho – 15 jogos

2. Reinaldo –  11 jogos

3. Sócrates – 7 jogos

4. Roberto – 5 jogos

5. Careca e Baltazar – 4 jogos

6. Nunes e César – 2 jogos

Os escolhidos por Telê Santana foram Serginho (escolha mais do que óbvia dada a quantidade de partidas disputadas pela seleção e excelente desempenho nos anos de 80/81/82 pelo SPFC) e o surpreendente Careca que estreou pela seleção apenas em março/82 em uma partida contra a Alemanha Ocidental no Maracanã diante de 150.289 torcedores, entre eles, eu. Reinaldo acabou ficando de fora. Uns dizem que por contusão, outros por conta de seu comportamento fora de campo que desagradava o treinador. Com o corte do Careca por contusão, também às vésperas da Copa, novamente Roberto Dinamite acabou convocado ao apagar das luzes.

Serginho foi, portanto, merecedor de sua convocação. Conquistou sua posição na bola, dentro de campo e ao longo de vários jogos distribuídos entre os 26 meses que antecederam a Copa com Telê como treinador.


O resto da história todos conhecem. Serginho fez 5 jogos como titular na Copa do Mundo, marcou 2 gols e teve participação em alguns outros gols com passes e deslocamentos. Avaliar sua participação é um tema bem subjetivo. Eu entendo que ele fez uma Copa, no mínimo, “honesta”. Discreto contra a URSS, péssimo contra a Escócia, bem contra Nova Zelândia e Argentina e mal no derradeiro jogo contra a Itália onde o time todo não se encontrou. Falando nesse jogo, muitos atribuem nossa eliminação às escalações de Valdir Peres e Serginho, porém lembro que não foram eles que “deram” 3 gols para a Itália. No primeiro gol, Júnior muito mal colocado não acompanhou Paolo Rossi e ele marcou de cabeça. No segundo, Cerezo deu um “maravilhoso passe” para Paolo Rossi marcar e no terceiro, novamente Júnior se “esqueceu” de acompanhar a movimentação da defesa canarinho de modo a deixar Paolo Rossi em impedimento. Não estou aqui buscando culpados. Só quero mostrar que não foi pela presença do Serginho na equipe que perdemos a Copa. Perdemos porque em mata-mata de Copa não podemos errar e, infelizmente, tivemos erros individuais grosseiros que cobraram seu preço. Mesmo assim ainda tivemos chance de empatar no final, porém os deuses do futebol e Zoff não deixaram. 

Se tivéssemos passado pela Itália com um empate de 3×3, apesar das falhas individuais, tudo isso teria sido relevado. Nós brasileiros comemoraríamos o título considerando que tivemos apenas um “imprevisto” contra a Itália que em nada comprometeu nossa conquista. Mais ou menos como o frango do Valdir Peres no primeiro jogo e aquele gol que Serginho não fez contra a Itália tendo Zico logo ao seu lado para finalizar…

 

 

Paulo R. Carvalho

Quem sou eu?

 

Paulista nascido em 1968 mas que mora no RJ desde 1980. Serginho foi meu primeiro e único ídolo no futebol. Por causa dele sempre joguei de centroavante e tenho o 9 como meu número predileto. Perdi a conta de quantas brigas tive em meus tempos de colégio aqui no RJ defendendo o Serginho das gozações feitas por meus colegas cariocas que insistiam em chamá-lo de “pereba” e defendiam os locais Nunes e Roberto Dinamite. Infelizmente não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente (ainda).

SIM, EU VI E TODO MUNDO VIU

por Claudio Henrique


Dos muitos milhões de “técnicos” que existem no mundo, o que mais entende e enxerga o futebol é o TEMPO. Daí eu ter sido enviado do futuro como comentarista para analisar esses jogos do passado da nossa Seleção, hoje já pentacampeã (mas, por favor, não espalhem). Vim e vi, aliás, como tantos, pois foi essa a primeira Copa transmitida em tempo real para o Brasil. E a cores, embora televisores coloridos no país sejam, nesses anos 70, tão raros quanto o número de “gols feitos” perdidos pelo Rei Pelé. E olha que nessa partida ele perdeu um, em lance que desconhecia antes dessa minha investida na máquina do tempo. A jogada jamais será selecionada entre os “melhores momentos”, embora mereça, pelo ineditismo. Mas lances memoráveis não faltaram. Vendo, enfim, os 90 minutos, certificarei ao torcedores de amanhã que foi um belo jogo esse Brasil 4 x 1 Tchecoslováquia. Abre-alas do grandioso desfile que se seguirá da nossa melhor Seleção de todos os tempos, pois acreditem: outra assim não teremos! 

Devo confidenciar que no futuro dirão que esse “escrete canarinho” de 70 conseguiu a proeza de reunir entre os 11 em campo muitos “camisas 10”. De fato, vários dos craques com a amarelinha envergavam a 10 em seus clubes de origem. Mas em campo o criador dessa mística fez valer a sua autoridade. Pelé esteve mais uma vez eterno: o melhor jogador de todos os tempos. Anos depois, vou logo avisando, muitos tentarão contestar esse título irrevogável, atribuindo predicados e hipérboles a atletas como Maradona, um canhoto argentino muito bom de bola que em breve vocês conhecerão. Um cracaço, sem dúvida, que inspirou magias no esporte mas se perdeu aspirando outros feitiços. A chama insistente desta campanha contra o Rei só se apagará anos mais tarde, quando surge nos campos do mundo outro canhoto, Messi, também argentino. Desconfio que nos próximos 200 anos serão mais e mais pretensos candidatos ao trono. Talvez todos argentinos. Pobres mortais.

Mas vamos à bola rolando. Essa preta e branca, incomparável, acariciada por chuteiras que também ainda não exibem outras cores. Uma simplicidade que me fazia, na infância, acreditar que todos aqueles craques, como eu, jogavam de Ki-chute. Ainda no primeiro tempo, vimos o “negão”(expressão que uso aqui porque no futuro não me será permitido) surpreender a todos e mais alguns tentando um gol do meio campo, ao observar o goleiro tcheco adiantado. Épico. Testemunho a vocês que, no futuro, não serão poucos os jogadores que tentarão façanha semelhante, alguns com sucesso. Mas foi ali, naquele minuto sagrado da partida em Guadalarara, que pela primeira vez se viu algo parecido, tamanha genialidade. E Pelé não erra. Mesmo quando a bola não entra, seus lances ganham a História. A bola não entrou, mas foi gol. Gol do futebol.

O tento adversário, que deve ter deixado tensa a torcida brasileira (a mim não, claro, pois já conhecia esse enredo), não retratou o que víamos em campo. Sim, o Brasil não tremeu nessa estreia. Preparem-se, pois nas próximas edições do Mundial teremos primeiros jogos da Seleção infinitamente mais dramáticos. Não quero entregar o final do filme, mas, só para dar uma ideia, acreditem que daqui a quatro anos, na Alemanha, vocês terão que aturar o Brasil empatando os dois primeiros jogos, contra Iugoslávia e Escócia, e se classificando após um suado 3×0 contra o Zaire, com gol espírita de Valdomiro, nosso ponta após décadas de Garrincha e Jairzinho. Aguardem… A Alemanha, aliás, é protagonista de outro momento dramático da Seleção no futuro. Mas esse prefiro deixar em segredo. E tenho sete motivos para isso.


Todos jogaram bem, até o Everaldo, que não errou um chutão que deu na defesa e nem no ataque, isolando a pelota na arquibancada no único momento em que visitou o campo adversário. Foram perfeitas homenagens ao Sputnik dos russos (terá sido Everaldo ativista de esquerda?). Jairzinho foi um destaque. Vocês já deram a ele o apelido de Furacão? Deixa eu ver aqui no Goo.. Deixa eu pesquisar… Não, alguém ainda o batizará assim pelo fato de vir a marcar em todas as partidas no México. Foram dois nesse certame. Lindos, mas um deles fadado a ser eternamente uma incógnita na arbitragem mundial. Estaria nosso Furacão em posição de impedimento no terceiro gol brasileiro? Não temos aqui, ainda, câmeras laterais, que ajudam nessa avaliação, e nem uma tecnologia, ou melhor, uma “estrela” dos gramados que só chegará ao futebol daqui a quase 50 anos: o VAR. Outro segredo que não revelo. Mas decidirá muitos jogos.

Gerson e Rivelino também ganhariam notas altas no meu quadrinho de atuações, fosse eu o responsável em qualquer jornal brasileiro que hoje circula, mesmo sob censura. No futuro todos saberemos das notícias do futebol por uma sistema chamado Internet, sobre o qual não cabe aqui explicação _ e este “cabe” refere-se literalmente ao tamanho da resenha. E também pelo SporTV, um canal de televisão exclusivo de esporte que reprisará esses jogos em 2020, me dando a chance desta viagem ao México 70. Sim, teremos isso, um canal de esportes, podem começar a comemorar. Aliás, no século 21, de onde vim, teremos muitas coisas que vocês não desfrutam, amigos, como TV a cabo, liberdade de imprensa… Curiosamente, em 2020 também serão muitos os militares no poder. E muitos os dias em casa, confinados pela Pandemia do Corona. Mas deixemos isso pra lá. Sempre teremos a alegria de ser brasileiro. E de termos tido Pelé. E Riva, Gerson, Jair, Tostão… Que venha a Inglaterra! Eu vou às tequilas!

PASSANDO O TRATOR NO EXTERIOR

por Jorge Eduardo Antunes


Para chegar na Copa de 1970, a maior seleção brasileira de todos os tempos precisava passar por três adversários nas eliminatórias. Alinhado no Grupo B da seletiva sul-americana, ficou na única chave com quatro seleções, ao lado de Colômbia, Paraguai e Venezuela. A estreia estava marcada para 6 de agosto de 1969, contra os colombianos, em Bogotá, a 2.640m de altitude.

As eliminatórias sul-americanas começariam um mês antes da estreia brasileira. Pelo Grupo C, o Uruguai aplicou 2 x 0 no Equador, em Guayaquil, em 6 de julho. Uma semana depois, arrancou um empate sem gols com o Chile, em Santiago. Em 20 de julho, nova vitória sobre os equatorianos, em Montevidéu, por 1 x 0, deixando a vaga bem encaminhada – até porque o Chile, após golear o Equador, em casa, por 4 x 1, tropeçou fora, ficando no 1 x 1. Bastava empatar em casa, com os chilenos, na última rodada, em 10 de agosto de 1969. Mas, com gols de Julio Cortez e do inesquecível Pedro Rocha, craque uruguaio que brilhou no São Paulo, o Uruguai foi o primeiro país a se garantir no México-70.

Pelo Grupo A, a Argentina viveu um drama. Os portenhos estrearam com derrota para a Bolívia (2 x 1), em 27 de julho de 1969. Antes mesmo da estreia do Brasil veriam a situação se agravar, ao serem batidos pelo forte time peruano de Chumpitaz, Cubillas e Mifflin por 1 x 0, em 3 de agosto, partida realizada em Lima e apitada pelo popular Sansão, apelido do brasileiro Ayrton Vieira de Moraes. A Bolívia venceu o Peru (2 x 1) em casa, mas perdeu fora, por 3 x 0. Então, bastava a Argentina vencer as duas seleções em Buenos Aires para se classificar. Fez 1 x 0 nos bolivianos, mas não passou de um 2 x 2 com os peruanos, mesmo com um homem a mais. Melhor para o mestre Didi, técnico que levou a seleção peruana à segunda Copa do Mundo.

Parte da seleção brasileira que ia encarar as eliminatórias se apresentou na manhã de 26 de junho, uma quinta-feira, na concentração do Flamengo, em São Conrado. Era composta pelos botafoguenses Jairzinho, Paulo Cézar e Gérson (que estava no meio da transferência para o São Paulo); pelos cruzeirenses Tostão, Dirceu Lopes e Piazza; pelos corintianos Rivellino, Paulo Borges e Zé Maria; e por Brito (Vasco); Félix (Fluminense); Everaldo (Grêmio) e Scala (Internacional). Voltando de uma excursão à Europa, os santistas Cláudio, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo, Rildo, Clodoaldo, Toninho, Pelé e Edu só chegaram à tarde. Dos 22 convocados, 15 foram ao México, entre eles, os 11 titulares do time tricampeão.

A responsabilidade de levar o grupo do Mundial era de Saldanha e de uma comissão de peso. Chefiada por Antônio do Passo, era integrada por Tarso Herédia (administrador), Agathyrno da Silva Gomes (secretário e futuro presidente do Vasco), Sebastião Alonso (tesoureiro), Jose Bonetti (assessor), Russo (Adolpho Milman, supervisor), Admildo Chirol (preparador físico), Lídio Toledo (médico) e os massagistas Nocaute Jack e Mário Américo.

A preparação em julho, como lembramos no primeiro episódio, teve apenas times e seleções estaduais, com três goleadas – 4 x 0 no Bahia; 8 x 2 na seleção de Sergipe e 6 x 1 na seleção de Pernambuco. Logo após o jogo no Arruda, em 13 de julho, a seleção afivelou as malas e voou para Bogotá, para uma longa rotina de 20 dias de treinos na altitude, obedecendo a um criterioso plano de preparação física de elaborado por Chirol – algo impensável no futebol atual. Assim, até enfrentar a Colômbia, a seleção fez apenas um jogo na altitude, vencendo o Millonarios por 2 x 0. Neste jogo, Brito apareceu como titular e Scala, do Internacional, foi testado no segundo tempo.

Com o time entrosado, preparado para a altitude e definido, em 6 de agosto de 1969 o Brasil estreou nas eliminatórias da Copa alinhando Félix, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Até ali, o grupo da seleção nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970 já havia registrado dois jogos, com a Colômbia vencendo a Venezuela por 3 x 0 em Bogotá e empatando por 1 x 1 em Caracas.

Não foi um baile, mas o Brasil jogou o suficiente para fazer 2 x 0 no primeiro tempo. Com Gerson e Pelé marcados por García e Agudelo, a seleção tinha dificuldade em criar. Aos poucos, foi tomando conta do jogo e, aos 36, Tostão balançou a rede, mas o gol foi anulado por impedimento. Um minuto depois, não teve jeito. Carlos Alberto cobrou lateral nos pés de Jairzinho, que foi à linha de fundo e cruzou para o mesmo Tostão antecipar-se ao goleiro Lagarcha e abrir o marcador. Aos 44, Jairzinho foi derrubado no bico da grande área. Pelé cobrou forte e Lagarcha deu rebote, que Tostão novamente não perdoou, fazendo 2 x 0.

Com o placar favorável, o Brasil voltou para o segundo tempo controlando a partida. Pelé voltou a ameaçar em duas cobranças de falta, bem defendidas pelo goleiro colombiano. A seleção levou um susto no gol bem anulado de Ortiz, aos 16, mas foi sempre mais efetiva e poderia ter feito mais um ou dois gols, esbarrando na boa atuação de Lagarcha. Como o Paraguai venceu a Venezuela também por 2 x 0, as duas equipes estavam empatadas em segundo lugar, com dois pontos, um atrás da Colômbia e um à frente da Venezuela, que seria o adversário do Brasil na segunda partida das eliminatórias, quatro dias depois.


Mesmo ainda insatisfeito com o desempenho do time, Saldanha manteve o seu 11 titular (com Félix, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu) para enfrentar os venezuelanos, quatro dias depois, em Caracas. Na época a pior seleção do continente, a Venezuela não era um adversário à altura do esquadrão brasileiro. Mas, diante de um Estádio Olímpico lotado, no primeiro tempo a seleção esbarrou na retranca dos adversários. Correndo como nunca, o escrete vinotinto segurou o 0 x 0 com o Brasil na primeira etapa. E foi ovacionado pelo público.

O segundo tempo começou na mesma toada – o Brasil atacando, a Venezuela se defendendo e correndo. Mas quem tem Tostão, tem milhões. Aos 14, após quase uma hora de correria, o adversário cansou. E Jairzinho deu um passe açucarado para Tostão abrir o placar. O mineiro não perdoou e fuzilou Garcia, fazendo 1 x 0. Treze minutos mais tarde, Pelé dominou na área, driblou dois e meteu no canto de Garcia, fazendo 2 x 0. Aos 30, Gérson chutou da entrada da área e Garcia, que pegou tudo, soltou no pé de Tostão, que sacramentou o 3 x 0.

Jogo liquidado, mas com espaço para espetáculo. Aos 33, Jairzinho cruzou da direita e a bola passou por toda a defesa, para encontrar Tostão, que mandou no canto direito, fazendo seu hat-trick. A festa foi completada aos 35, com Pelé enfileirando a defesa venezuelana com uma série de dribles, selando os 5 x 0, sob aplausos dos torcedores adversários, que, se tinham vibrado com o 0 x 0, agora iam ao delírio com o espetáculo dado em apenas 21 minutos. O time titular só seria alterado com a entrada de Everaldo no lugar de Rildo, na segunda etapa.

Podia ser mais, tamanha a diferença técnica entre os dois times. Mas a seleção se poupou a partir dali, pois uma semana depois iria enfrentar o Paraguai, que também vencera naquele domingo, 10 de agosto, marcando 1 x 0 na Colômbia, em Bogotá. Com quatro pontos, brasileiros e paraguaios assumiam a liderança do grupo, com quatro pontos, contra três dos colombianos e um dos venezuelanos.

O Brasil chegou a Assunção na noite de segunda-feira. E encontrou um clima de guerra. O mais importante jornal paraguaio, o ABC Color, viu um complô brasileiro no jogo entre Paraguai e Colômbia. O frio intenso e contusões em Djalma Dias e Félix também atrapalhavam a preparação para o jogo do dia 17, que seria a primeira grande decisão – afinal, a seleção paraguaia era a maior ameaça à classificação do Brasil.  O clima de guerra foi ampliado durante a semana, com discussões e provocações entre torcedores dos dois países.

Para piorar, na véspera da partida, houve confronto de dirigentes e jogadores do time canarinho com paraguaios que foram perturbar a concentração, chamando os brasileiros de “animais e macacos” e agredindo o dirigente Silvio Pacheco. A pancadaria foi forte, com Félix, Carlos Alberto, Joel, Brito, Rildo, Toninho, Jairzinho e Rivellino encarando o grupo de quase cem pessoas. Brito chegou a desarmar um dos brigões, depois de desferir um “telefone” no ouvido do valentão… A confusão só acabou com um telefonema (de verdade) da missão militar do Brasil para o ministro da Justiça paraguaio, que determinou a interdição da rua do Residencial Bonanza, onde a seleção brasileira estava hospedada…

Como os lesionados se recuperaram e Saldanha levou a campo, no dia 17 de agosto de 1969, seu time titular. Com o estádio lotado e com os dois times com os nervos à flor da pele, o primeiro tempo foi caracterizado pela pancadaria parte a parte. Se o Paraguai batia, o Brasil não ficava atrás – Pelé, Carlos Alberto e Gérson nunca deixaram adversários crescerem na base da intimidação. O jogo virou uma guerra, tolerada pelo chileno Arturo Massaro, o árbitro que dirigiu o encontro. Não foram poucas as vezes que ele teve de separar os jogadores dos times, após lances violentos.

Com isso, a primeira etapa acabou com um previsível 0 x 0 que, se era ruim para o Paraguai, por jogar em casa, parecia ainda pior para o Brasil, dada a diferença técnica entre os selecionados. Embora a segunda etapa tenha começado com ânimos mais serenados, a seleção não conseguia vencer o forte bloqueio paraguaio, rondando sem sucesso a meta de Aguilera – que defenderia Portuguesa de Desportos e Botafogo de Ribeirão Preto anos depois. Animado, o Paraguai se lançou mais e abriu espaços. Um erro fatal.


Aos 25, depois de 70 minutos de resistência, a defesa paraguaia ajudou o ataque brasileiro. Após um recuo errado, Edu entrou na área driblando e chapelando Rojas e Bobadilla e cruzou para Pelé. Afobado, Valentin Mendoza meteu de cabeça, no ângulo da meta de Aguilera. Brasil 1 x 0.  O caminho estava aberto. O segundo viria de uma sensacional jogada de Pelé e Jairzinho, aos 36 minutos. O maior camisa 10 da história pegou a bola na intermediária ofensiva e enganou três paraguaios de uma só vez, tocando para Jair, que devolveu rápido. Pelé avançou em direção ao bico da área, enquanto o craque botafoguense vinha como uma bala. Recebeu (ou tomou a bola, nunca se sabe) de Pelé, entrou na área pela direita e acertou o canto oposto de Aguilera, ampliando o marcador.

Com o 2 x 0, a partida estava definida. No último minuto, Edu pegou a bola pela esquerda, invadiu a área, cortou o lateral Molina duas vezes e, antes que a cobertura chegasse, bateu seco, sem defesa. Placar fechado em 3 x 0. Três vitórias, dez gols marcados, nenhum sofrido e a liderança das eliminatórias. Campanha perfeita das feras de Saldanha. Bastava não errar nos três encontros em casa e a vaga estaria garantida.

Mas os jogos eliminatórios realizados no Brasil ficam para o próximo capítulo.

O NASCIMENTO DE UMA LENDA

por Jorge Eduardo Antunes


A caminhada épica da maior seleção brasileira de todos os tempos completa meio século em 2020. O tricampeonato mundial valeu a posse definitiva da Taça Jules Rimet – roubada no dia 19 de dezembro de 1983 da antiga sede da CBF, no Centro, e posteriormente derretida. Mas a trajetória daquele time fantástico rumo ao topo do planeta futebol foi acidentada, com percalços e injunções políticas. E é isso que esta série especialmente preparada para o Museu da Pelada pretende mostrar, meio século depois.

Até chegar ao dia 21 de junho de 1970 e aplicar os 4 x 1 na Itália, a seleção passou por tudo – da campanha fulminante nas eliminatórias à queda de João Saldanha, treinador que formou sua base, para chegar ao ápice na Cidade do México. Em capítulos, vamos contar como o imbatível esquadrão tricampeão do mundo tomou forma definitiva. Até hoje na nossa memória, nem todos os 11 titulares – Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino –, ocupavam uma vaga antes da campanha no México.

Como o primeiro jogo da seleção em 1970 só foi disputado em 4 de março de 1970, contra a Argentina, em Porto Alegre, a série começa com uma retrospectiva da chegada de Saldanha ao comando. Para isso, é preciso recuar até 1969, mais precisamente para 4 de fevereiro daquele ano. Naquele dia, João Alves Jobim Saldanha, o gaúcho de Alegrete mais carioca de que se tem notícia, foi anunciado oficialmente como o novo treinador. Uma escolha que pegou muita gente de surpresa.

Saldanha havia sido jogador por breve tempo e treinara o vitorioso Botafogo de 1957, que atropelou o Fluminense com um sonoro 6 x 2 na partida final do Carioca. Jornalista dos bons, entedia de técnica e tática como poucos. E, desde o fiasco na Copa de 1966, quando a seleção brasileira foi eliminada na fase de grupos, reclamava que o torcedor não sabia o time-base canarinho. 


E estava certíssimo. Na Copa da Inglaterra, o Brasil experimentara três escalações distintas. Na estreia com vitória (2 x 0) contra a Bulgária jogou com Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Altair e Paulo Henrique; Denilson e Lima; Garrincha, Alcindo, Pelé e Jairzinho. Na derrota para os húngaros (1 x 3), Tostão entrou no lugar do contundido Pelé e Gerson fez o meio com Lima. Já no jogo do desespero, contra Portugal (outro 1 x 3), a mexida feita por Vicente Feola, campeão mundial em 1958, fora completa: Manga, Fidélis, Britto, Orlando Peçanha e Rildo; Denílson e Lima; Jairzinho, Silva, Pelé e Paraná.

Mesmo sendo um celeiro de bons jogadores, essa indefinição do 11 titular perturbava Saldanha e o torcedor brasileiro. Em 1967 e 1968, com a seleção nas mãos de Aymoré Moreira o panorama seguiu inalterado. O ciclo do técnico campeão mundial em 1962, no Chile, chegou ao final após um 3 x 3 com a Iugoslávia, no Maracanã, em 17 de dezembro de 1968. No jogo seguinte, dois dias depois, a seleção já estava sob o comando de Yustrich, que a dirigiu apenas naquela partida.

A chegada de Saldanha acabou com a indefinição. Já na coletiva que confirmou sua contratação, anunciou que tinha um time-base que só seria alterado em caso de contusão – e não o revelou no mesmo dia pois preferiu conversar primeiro com os jogadores. Em 7 de abril daquele ano, o Brasil veria o 11 em ação contra o Peru, com Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Dirceu Lopes, Pelé (Edu) e Tostão. Vitória por 2 x 1 no antigo Beira-Rio, com gols de Jairzinho e Gerson. 

Dois dias depois, já no Maracanã, outra vitória sobre os peruanos, desta vez por 3 x 2, gols de Pelé, Tostão e Edu, com o Brasil alinhando Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Dirceu Lopes, Pelé e Tostão. Saldanha apenas mexeu diferente no time durante o jogo, colocando Joel Camargo no lugar de Piazza, Edu no de Dirceu Lopes e Paulo Cézar Caju na vaga de Tostão. 

Em 12 de junho, contra a campeã mundial Inglaterra, Saldanha mexeu pela primeira vez no seu 11. Escalou Gylmar para sua despedida da seleção ao lado de Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu, com Paulo Cézar Caju substituindo o ponteiro esquerdo. Vitória por 2 x 1 sobre os ingleses, com gols de Jairzinho e Gerson.  Do meio para frente, quase todos seriam titulares do time campeão do mundo um ano depois.

Julho de 1969 foi usado por Saldanha para dar polimento ao selecionado. Vitórias tranquilas sobre o Bahia (4 x 0) e sobre as seleções de Sergipe (8 x 2) e Pernambuco (6 x 1). Félix voltou ao gol e Clodoaldo só não jogou contra os pernambucanos, cedendo a vaga a Piazza. Entre os reservas, Saldanha testou o goleiro Cláudio, os laterais Zé Maria (direita) e Everaldo (esquerda), Rivellino como meia e Paulo Borges no ataque, além de Caju, o 12° jogador do time.

O 11 de Saldanha estava na ponta dos cascos para as eliminatórias. Mas isso é assunto para outro texto.

APENAS PARA NÃO SEREM ESQUECIDOS

por Zé Roberto Padilha


Jogava na Seleção Carioca de Máster, em 1993. E o Brasil disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Após a partida em Mariana-MG, onde o Marinho, ex-Bangú, arrebentou com o jogo, fomos jantar no hotel antes de voltar ao Rio. A televisão transmitia Brasil x Bolívia, jogado lá nas alturas, e à sua volta se aglomeravam torcedores, jogadores, funcionários e hospedes. Quando a Bolívia marcou o seu gol, dois gritos surgiram lá do fundo do salão. Seriam bolivianos?

Não, eram Marco Antônio e Brito, tricampeões mundiais, que torciam por eles. Ninguém entendeu nada, mas como todos eram gratos pelo que fizeram por trazer a posse definitiva da Taça Jules Rimet, ninguém se manifestou. Muito menos, aprovou.

Já dentro do ônibus, procurei sentar perto de uma dessas feras para descobrir a razão. E ambos foram sinceros e visionários: “Não torcemos contra o Brasil. Torcemos para não sermos esquecidos.”

De fato, em vinte e três anos de insucessos seguidos, em cinco edições de Copas do Mundo, eles eram sempre lembrados antes da bola rolar. Félix, Piazza, Carlos Alberto, Everaldo, por onde estivessem, o Globo Esporte dava um jeito de encontrá-los. E as novas gerações ouviam as histórias de um grupo que conquistou o que nenhum outro conseguira mais alcançar. E tinha cachê. E reconhecimento.

Um ano depois, veio o tetra. Pior ainda para eles, alcançamos o penta. E nunca mais o Tino Marcos foi saber onde estava o “furacão” daquela edição, o Jairzinho, único jogador que fez gol em todas as partidas de uma Copa do Mundo. Já não dava mais Ibope porque “a memória do torcedor, telespectador, é mais fraca apenas que a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói…!”.

Desta safra maravilhosa, símbolo absoluto do futebol-arte que encantou o mundo, ousada e revolucionária por colocar em campo um ataque formados pelos melhores camisas 10 do país (Jairzinho, Botafogo, Tostão, Cruzeiro, Pelé, Santos, e Rivelino, Corinthians) alguns já se despediram de nós. A defender sua efeméride apenas os proprios atores , Paulo César Cajú, com suas crônicas, o Gérson, ao microfone, e o Rivelino, quando de suas intervenções em mesas redondas.

Agora, em 2020, o tricampeonato brasileiro de futebol completa 50 anos. Que busquem o Marco Antônio, e o Tostão, por onde andará nosso doutor? E o Clodoaldo, aquele maravilhoso cabeça de área, virou treinador? Dá palestras?

São todos heróis nacionais. Imortais e insubstituíveis por qualquer outra conquista. Que se faça justiça e, novamente, os recoloquem no lugar mais alto da história e da memória do nosso futebol. Eles merecem.